Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0121/17
Data do Acordão:06/20/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANTÓNIO PIMPÃO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P23423
Nº do Documento:SA2201806200121
Data de Entrada:05/26/2017
Recorrente:SOCIEDADE A..........., LDA E OUTROS
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:MAIORIA COM 1 VOT VENC
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
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1.1. Sociedade A……………….., Lda., Sociedade B…………….., Lda., Sociedade C…………., Lda., e Sociedade D……………., Lda., impugnaram judicialmente, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, o despacho de indeferimento do recurso hierárquico, proferido em 20/12/2010, na sequência do indeferimento da reclamação graciosa, respeitante às liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios do exercício de 2004, peticionando a anulação das liquidações impugnadas.
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1.2. Aquele Tribunal, por sentença de 12/03/2015 (fls.328/347) concluiu o seguinte:
«Nos termos e com os fundamentos expostos, decide-se julgar procedente, por provada, a impugnação judicial apresentada por Sociedade A………., Lda., Sociedade C……………., Lda., Sociedade B………., Lda., e Sociedade D………, Lda., e, em consequência, anular a decisão de indeferimento do recurso hierárquico e as liquidações adicionais de IVA de 2004 impugnadas nos presentes autos.».
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1.3. O Representante da Fazenda Pública recorreu dessa decisão para o Tribunal Central Administrativo Sul que, por acórdão de 13/10/2016 (fls. 483/524), concedeu provimento ao recurso jurisdicional e revogou a sentença recorrida e, em substituição julgou improcedente a impugnação.
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1.4. É desse acórdão que o recorrente vem, ao abrigo do artigo 150.º do CPTA, requerer a admissão do recurso de revista, justificando este pedido no seguinte quadro conclusivo:
«1. Dos princípios constitucionais da justiça, da proibição do “ne bis in idem” e do princípio da proibição do enriquecimento sem causa do Estado, decorre a proibição da administração fiscal considerar devidas liquidações de IVA por factos tributários que a própria AT consideras inexistentes, por os considerar simulados.
2. Igual proibição decorre do princípio da neutralidade do imposto, de matriz comunitária.
3. O art. 2º nº 1, al. c) do CIVA não constitui fundamento para se entender de modo diverso, dado que o mesmo, não respeita à incidência objetiva do imposto, mas apenas e tão só à incidência subjetiva por se dar início à cadeia da liquidação e dedução do imposto e não em caso como o presente em que a própria AT eliminou a dedução do imposto.
4. A sua teleologia é evitar o prejuízo para o Estado e não obter para o mesmo um enriquecimento indevido traduzido no recebimento dum imposto, sem a ocorrência de facto tributário.
5. A interpretação que a AT e o acórdão recorrido fazem do art. 2º nº 1, al. c) do IVA, equivaleria a admitir que o imposto pudesse não de alicerçar num facto tributário, mas constituir uma sanção para um comportamento reprovável, já sancionado em sede de Regime Geral das infrações fiscais, o que constituiria uma violação do princípio “ne bis in idem” do princípio da justiça, da proibição do enriquecimento ilegítimo do Estado e, ainda, do princípio da neutralidade do imposto, de matriz comunitária.
6. Acrescente-se que, como decidiu o Tribunal de justiça no acórdão de 21 de Fevereiro de 2006 no processo C-255/02, (Halifax pl)
“Quando se verifique a existência duma prática abusiva, as operações implicadas devem ser redefinidas de forma a restabelecer a situação que tal como ela existiria na ausência das operações constitutivas da prática abusiva”
7. Decorre do exposto, que a AT não poderia, sem violar os princípios acima mencionados e o núcleo essencial do princípio da justiça, desconsiderar o direito à dedução sem, correspetivamente, anular as liquidações decorrentes das operações que considera não terem existido.
8. Pelo que, à luz dos princípios expostos e da jurisprudência comunitária fere de ilegalidade as liquidações em causa pelo que as liquidações em causa deverão ser anuladas.
Assim,
9. Deve ser admitido o presente recurso, por se tratar de questão que pela sua relevância jurídica, se reveste de importância fundamental e também porque a admissão do recurso é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, extravasando claramente o âmbito do caso concreto por se revelar questão de interesse geral.
9. Deve o acórdão do TCA-SUL ser revogado e substituído por decisão que determine que quando se verifique a existência duma simulação as liquidações devem ser redefinidas de forma a restabelecer a situação que tal como ela existiria na ausência das operações constitutivas da simulação, não podendo a AT efetuar liquidações decorrentes da anulação do direito à dedução em IVA sem simultaneamente anular as liquidações decorrentes dos contratos que a AT considerou inexistirem e considerou simulados e em consequência, determine a anulação das liquidações “sub judice”.».
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1.5. Não foram apresentadas alegações pela FP.
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1.6. Por acórdão de 03/05/2017 (fls.562/569) a revista foi admitida.
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1.7. O Ministério público emitiu a seguinte pronúncia:
«Recurso interposto por Sociedade A………., Lda. e outros, sendo recorrida a Fazenda Pública:
A aplicação efetuada do art. 2.º n.º 1 aI c) do CIVA e demais disposições tidas como impeditivas do direito à dedução, não pode subsistir.
Tal depende da não aplicação ao caso do art. 19.º n.º 3 do CIVA, o que não é possível, porquanto não resulta preenchido o conceito de simulação face aos factos apurados, e sendo de recorrer quanto ao mesmo ao previsto no art. 240.º do C. Civil.
Analisando os factos que remontam a 2002 e 2003 são especificamente referidos a fornecimento de rações para animais, conforme melhor consta de fls. 497 e ss..
Sobressai que em inspeção tributária foram apurados dados dos quais resulta terem sido os mesmos praticados por sociedades criadas tendo em vista a obtenção de subsídios, sem que nunca tenham chegado a desenvolver atividade, a qual foi desenvolvida por outros” (...).
Ora, teria de existir uma divergência bilateral e intencional entre a vontade real e a vontade declarada pelos contraentes com o intuito de enganar terceiros – nesse sentido, Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3.ª Edição, Coimbra Editora, 1989, págs. 471 e segs. –, a qual parece não resultar.
Entendendo-se de outro modo, e por se tratar de uma medida anti-abuso do direito à dedução de IVA., era ainda de cometer à A.T. ónus de prova de comprovar que outra pessoa ou sociedade terão procedido a tal fornecimento, num contexto em que resulta ter sido desenvolvida atividade de criação de animais a qual foi até subsidiada.
Tal o que parece ainda resultar do art. 75.º da L.G.T. e em respeito pelo princípio da neutralidade que é estrutural do IVA., conforme a doutrina e a jurisprudência, incluindo do T.J.U.E., v. g., o acórdão Halifax citado pelos recorrentes.
O recurso é de proceder.».
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1.8. Colhidos os vistos legais, cabe decidir.
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2. A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:
«A. A gerência das Impugnantes é exercida pelos seus dois sócios, E…………. e F……….. – cf. pág. 6 dos RITs que constam de fls. 415 a 440, 460 a 502, 527 a 568 e 725 a 790 do PRG, que se dão por integralmente reproduzidas;
B. As Impugnantes foram sujeitas a fiscalização externa relativamente ao exercício de 2004, incidente, além do mais, sobre o IVA - cf. RITs que constam de fls. 415 a 440, 460 a 502, 527 a 568 e 725 a 790 do PRU, que se dão por integralmente reproduzidos;
C. Em resultado da inspeção realizada, foi elaborado RIT do qual consta, na parte relevante, no que se refere à Impugnante Sociedade A……………., Lda., o seguinte:
(…).
3.1.2 – Actividade desenvolvida
(…)
No entanto, os dados recolhidos, nomeadamente no âmbito da inspecção realizada aos exercícios de 2002 e 2003, levaram a concluir que (...) foram criadas única e simplesmente tendo em vista a obtenção de subsídios, não tendo chegado a desenvolver realmente qualquer actividade, porquanto nenhuma delas possui estrutura empresarial susceptível de exercer a actividade de criação de bovinos e/ou agrícola como pretenderam fazer crer.
III – DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTlCAS À MATÉRIA COLECTÁVEL
1-Em sede de IRC
(...)
Existindo de factos os animais, a actividade foi desenvolvida sim, mas por outros que não a sociedade ora inspecionada, como a seguir se demonstra:
- Não teve pessoal ao seu serviço, então quem é que cuidou/tratou dos animais envolvidos?
- O único elemento que continuou a integrar o seu activo imobilizado diz respeito às despesas de constituição (...), isto é, de natureza incorpórea. Logo, não dispondo de qualquer imobilizado corpóreo, nem tendo tomado de renda quaisquer terrenos e/ou outras infra-estruturas de apoio necessárias à permanência e manutenção dos animais, como é que conseguiu desenvolver a actividade de criação de bovinos?
Mais,
- As existências iniciais declaradas foram apenas de 21 bovinos (...) mas as primeiras “compras” de rações (cereal moído), considerando os documentos contabilizados, só ocorreram em 18/06/2004 (...). Assim sendo, do que é que se alimentaram os animais em questão até serem “vendidos” ao sócio E………… em 30/01/2004 (...)?
- Os animais “comprados” permaneceram (...) sempre por um período nunca inferior aos 60 dias, ou seja, o prazo mínimo exigido para se poder candidatar e garantir o subsídio (...) sendo depois “vendidos” (...)
- Efectuada que foi a análise da movimentação dos animais envolvidos, verificou-se que quase todos eles, durante o período em que figuraram em nome (...) não estiveram sempre na mesma exploração. (...)
Em suma, durante o ano de 2004, a (...) continuou a não dispor de qualquer estrutura empresarial capaz de sustentar o exercício da actividade que deu a entender ter desenvolvido
- criação de bovinos.
Os documentos titulam operações simuladas (...)
Em face do exposto e considerando o previsto no n.º1 do artigo 39.º da Lei Geral Tributária (...), as correcções propostas em termos gerais são as seguintes: // (...)
2. – Em sede de IVA (...)
2.1 – IVA dedutível
Conforme se demonstrou no ponto 1 do presente capítulo, e que aqui se reitera na íntegra as transacções ocorridas (...) não correspondem a operações reais, mas sim simuladas, com vista à obtenção de subsídios. Ora, segundo o disposto no n.º 3 do artigo 19.º do Código do IVA “Não pode deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da factura ou documento equivalente”, por conseguinte, o imposto liquidado (...) foi indevidamente deduzido (...)
(...) 2.2 – IVA liquidado
No que diz respeito ao IVA liquidado nas facturas emitidas (...), não obstante as operações a ele inerentes terem sido simuladas (...) não foi efectuada qualquer correcção. (...)” – cf. RIT;
D. Em resultado da inspeção realizada, foi elaborado RIT do qual consta, na parte relevante, no que se refere às Impugnantes Sociedade C……….. Lda., Sociedade B………….., Lda. e Sociedade D…………., Lda., o seguinte:
3.1.2 – Actividade desenvolvida
(...)
No entanto, os dados recolhidos, nomeadamente no âmbito da inspecção realizada aos exercícios de 2002 e 2003, levaram a concluir que (...) foram criadas única e simplesmente tendo em vista a obtenção de subsídios, não tendo chegado a desenvolver realmente qualquer actividade, porquanto nenhuma delas possui estrutura empresarial susceptível de exercer a actividade de criação de bovinos e/ou agrícola como pretenderam fazer crer. // (...)
III – DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA COLECTÁVEL
1- Em sede de IRC // (...)
Existindo de factos os animais, a actividade foi desenvolvida sim, mas por outros que não a sociedade ora inspecionada, como a seguir se demonstra:
Não teve pessoal ao seu serviço, então quem é que cuidou/tratou dos animais envolvidos?
O único elemento que continuou a integrar o seu activo imobilizado diz respeito às despesas de constituição (...), isto é, de natureza incorpórea. Logo, não dispondo de qualquer imobilizado corpóreo, nem tendo tomado de renda quaisquer terrenos e/ou outras infra-estruturas de apoio necessárias à permanência e manutenção dos animais, como é que conseguiu desenvolver a actividade de criação de bovinos? // (...)
Mais, (...) // Efectuada que foi a análise da movimentação dos animais envolvidos, verificou-se que quase todos eles, durante o período em que figuraram em nome (...) não estiveram sempre na mesma exploração. (...)
- Os animais “comprados” permaneceram (...) sempre por um período nunca inferior aos 60 dias, ou seja, o prazo mínimo exigido para se poder candidatar e garantir o subsídio (...) tendo depois vendido a maioria a quem? Ao sócio-gerente E……… e à “Soc. G………….”, que, logo a seguir, os vendeu para o Matadouro;
- As compras e vendas efectuadas ou não são pagas, (...) ou são-no a pronto pagamento e em numerário (...).
Em termos económico-financeiros, isto não faz qualquer sentido, sendo por demais evidente que todas estas operações não passaram do papel e que o saldo evidenciado pela conta Caixa não é real.
Em suma, durante o ano de 2004, a (...) continuou a não dispor de qualquer estrutura empresarial capaz de sustentar o exercício da actividade que deu a entender ter desenvolvido
- criação de bovinos.
Os documentos titulam operações simuladas (...)
Em face do exposto e considerando o previsto no n.º 1 do artigo 39.º da Lei Geral Tributária (...), as correcções propostas em termos gerais são as seguintes: // (...)
2. – Em sede de IVA
Conforme se demonstrou no ponto 1 do presente capítulo, e que aqui se dá por reproduzido na íntegra, as “transacções” ocorridas (...) não correspondem a operações reais, mas sim simuladas, com vista à obtenção de subsídios (anexo 1). Ora, segundo o disposto no n.º 3 do artigo 19.º do Código do IVA “Não pode deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da factura ou documento equivalente”, por conseguinte, não tendo existido qualquer operação tributável real, o direito à dedução do IVA que consta nas facturas (...) foi indevidamente exercido. A dedução do IVA constante em factura ou documento equivalente apenas poderá existir, segundo a própria tipologia e natureza deste imposto, relativamente ao imposto efectivamente suportado com relação a operações económicas efectivamente realizadas.
- No que respeita ao IVA constante das facturas emitidas por terceiros, referentes a compras de rações para os animais, tendo-se concluído que (...) não desenvolveu qualquer actividade económica, também o mesmo não é dedutível, mas nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 20.º do Código do IVA.
A dedução do IVA foi considerada indevida tendo por base preceitos legais diferentes visto que:
•no caso dos sócio-gerentes e da “Soc. G…………….”, estamos perante emitentes que conheciam os objectivos que levaram à emissão das facturas em causa, tendo simulado as operações a que as mesmas se reportam, daí a dedução do IVA não poder ser aceite nos termos do n.º 3 do art.º 19 do Código do IVA;
•no segundo caso estamos em presença de “terceiro” que efectivamente forneceram os bens, embora os respectivos beneficiários tenham sido outros (...)
2.2 – IVA liquidado
No que diz respeito ao IVA liquidado nas facturas emitidas (...), não obstante as operações a ele inerentes terem sido simuladas (...) não foi efectuada qualquer correcção. (...)” – cfr. RITs;
E. Notificadas do teor final dos RITs e das liquidações adicionais de IVA emitidas pela AT com base nos mesmos, as Impugnantes apresentaram, em 25.09.2009, reclamação graciosa - cf. fls. 2 a 88 do PRG apenso, que se dão por integralmente reproduzidas;
F. Por despacho de 02.02.2010, foi indeferida a reclamação graciosa apresentada, tendo a decisão final sido notificada às Impugnantes através do ofício n.º 2222, de 08.02.2010 - cf. fls. 17 do PRH n.º 17/2010 apenso;
G. Não se conformando com a decisão de indeferimento da reclamação graciosa referida no ponto F. que antecede, em 11.03.2010, as Impugnantes apresentaram recurso hierárquico - cf. fls. 2 e seguintes do PRH n.º 17/2010 apenso;
H. Por despacho de 20.12.2010, foi indeferido o recurso hierárquico interposto, tendo as Impugnantes sido notificadas da respetiva decisão através do oficio n.º 60, de 06.01.2011, sendo que da informação subjacente à mesma consta, para além do mais, o seguinte: /// “(...)
6. CONCLUSÃO
Em causa está a simulação de operações entre empresas pertencentes aos mesmos e únicos sócios, cuja gerência de facto e de direito é exercida pelos próprios, e não tendo as recorrentes conseguido demonstrar que a Administração Fiscal incorreu nas ilegalidades por elas alegadas, somos de entender que as correspondentes correcções resultantes foram devidamente efectuadas, razão pela qual a pretensão das recorrentes não pode ser atendida, propondo-se, assim, que o presente recurso hierárquico seja indeferido na totalidade devendo manter-se a decisão proferida em sede de reclamação graciosa. (…)” cf. fls. 28 a 55 do PRH n.ºs 17/2010 apenso, que se dão por reproduzidas;
I. A família ………… dedica-se à agricultura e à criação e comércio e animais bovinos desde há gerações – cf. depoimento das testemunhas arroladas;
J. O conjunto das empresas de que E………. e F…………. são sócios e as respetivas atividades em nome pessoal gera uma atividade intensa, quer a nível de cultura de cereais e pastos, quer a nível de criação e comercialização de animais, sobretudo bovinos – cf. depoimento das testemunhas arroladas;
K. O conjunto de empresas de que E………. e F……………. são sócios e as respetivas atividades em nome pessoal movimentam vários milhares de animais – cf. depoimento das testemunhas arroladas;
L. Atualmente, a família ……………, por si e através das suas empresas, explora diversas propriedades agrícolas - cf. depoimento das testemunhas arroladas;
M. A “empresa mãe” tem pessoal, máquinas e equipamentos necessários e suficientes para a atividade desenvolvida pelas Impugnantes – cf. depoimento das testemunhas arroladas;
N. As propriedades onde as Impugnantes exercem a sua atividade são propriedade da família …………. ou arrendadas, havendo ainda propriedades cedidas por terceiros, em regime de comodato, nem sempre reduzido a escrito – cf. depoimento das testemunhas arroladas;
O. Embora o contrato de comodato esteja em nome de uma sociedade do “grupo”, a propriedade pode ainda assim ser utilizada por outra(s) sociedade(s) – cf. depoimento das testemunhas arroladas; cf. fls. 89 a 105 do PRG, que se dão por integralmente reproduzidas;
P. No decurso do exercício de 2004, as Impugnantes candidataram-se ao pedido de “Ajudas de Superfícies” – cf. depoimento das testemunhas; cf. fls. 125 a 132 e 166 a 169 do PRO, que se dão por integralmente reproduzidas;
Q. As Impugnantes apresentaram junto do INGA o denominado “Pedido de ajuda animais” para efeitos de atribuição de subsídios a bovinos - cf. depoimento das testemunhas arroladas; cf. fls. 109 a 124, 132 a 144, 145 a 160,161 a 165 e 170 a 180 do PRG, que se dão por integralmente reproduzidas;
R. O INGA efetuou diversas fiscalizações e controlos, locais e aéreos, tendo confirmado a atividade das seis sociedades referidas na alínea C. supra - cf. depoimento das testemunhas arroladas; cf. fls. 223 a 243 do PRG, que se dão por integralmente reproduzidas;
S. Os pagamentos entre as empresas do “grupo” foram faturados e contabilizados, tendo, por vezes, sido realizados encontros de contas - cf. depoimento da testemunha ……………..;
T. As deslocações dos animais eram comunicadas às autoridades competentes, assim como nascimentos e mortes de animais - cf. depoimento das testemunhas arroladas.
(…)
Ao abrigo do disposto no artigo 662.º/1, do CPC, adita-se a seguinte matéria de facto:
U. Do Relatório de inspecção, referido em C., “Sociedade G………………, Lda.”, correcção em sede de IVA de €8.495,44 (fls. 286/333, do p.a., cujo teor se dá por reproduzido), consta o seguinte:
«2 – Em sede de IVA
2.1. IVA dedutível
Verificados que foram os documentos contabilizados, nomeadamente no que se refere à concordância dos montantes registados com os declarados e à adequada dedução do imposto neles mencionado, as situações de facto detectadas prendem-se com as “transmissões” entre qualquer uma das seis empresas constituídas em 2002 (Sociedades “A…………” “B…………”, “C………….”, “D…………..”, “H………..” e “I………….”) e os seus sócios-gerentes, E……….. e F………….. na qualidade de empresários em nome individual, e, ainda a “Soc. G……………..”, as quais não correspondem a operações reais, mas sim simuladas, com vista à obtenção de subsídios e transferência de custos inter- empresas sob tutela dos mesmos sócios gerentes, conforme se demonstrou no ponto 1.1.1. do presente capítulo.
Ora, segundo o disposto no n.º 3 do art.º 19.º do Código do IVA “A/ão pode deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da factura ou documento equivalente”.
Em face do exposto e considerando que o direito à dedução que consta em factura apenas poderá existir, segundo a própria tipologia e natureza deste imposto, relativamente ao imposto efectivamente suportado com relação a operações económicas efectivamente realizadas. Nestes termos, o imposto deduzido indevidamente totaliza 8.495,44 €, conforme consta do quadro constitui o anexo 6 ao presente relatório, assim distribuído por períodos de imposto:
(...)
2.2 – IVA Liquidado
Na sequência da análise efectuada não foram detectadas faltas de liquidação de imposto, mas alertou-se para a insuficiente descriminação das facturas emitidas.
Relativamente às facturas emitidas aos sujeitos passivos “Soc. A………….” “C..............." "B………….”, D………….”, “H……….” e “I………..”, no montante global de €24.160,37, não obstante as operações a elas inerentes terem sido simuladas, conforme se demonstrou no ponto anterior, não foi efectuada qualquer correcção. A entrega daquele IVA, ainda que indevidamente liquidado, é devida nos Cofres do Estado, nos termos do art.º 26.º do Código do IVA (actual art.º 27.º), por força do disposto na alínea c) do n.º 1 do art.º 2.º daquele mesmo diploma legal, que assim o determina».
V. Do RIT referido em D., “G……………., Lda.”, correcção em sede de IVA de €2.642,20 (fls. 415/440, do p.a., cujo teor se dá por reproduzido), consta o seguinte:
«2 – Em sede de IVA
2.1 – IVA dedutível
Conforme se demonstrou no ponto 1 do presente capítulo, e que aqui se reitera na íntegra, as “transacções” ocorridas entre a “A…………., Lda.” e a “Soc. G……………”, bem assim como entre aquela e qualquer dos seus sócios-gerentes, E…………. e F…………, enquanto empresários em nome individual, não correspondem a operações reais, mas sim simuladas, com vista à obtenção de subsídios. Ora, segundo o disposto no n.º 3 do art.º 19.º do Código do IVA “Não pode deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da factura ou documento equivalente”, por conseguinte, o imposto liquidado nas facturas emitidas pela Soc. G……………… e o sócio F…………, num total de €2.642,20, conforme consta do quadro resumo que faz parte integrante do anexo 1, foi indevidamente deduzido, sendo devido nos cofres do Estado nos termos do art.º 27.º (art.º 26.º à data dos acontecimentos) daquele mesmo diploma legal.
Do total do IVA contabilizado, o único cuja dedução pode ser aceite, nos termos do art.º 20.º do Código do IVA, diz respeito ao liquidado pelo Gabinete que lhe presta os serviços relacionados com a execução da contabilidade.
O IVA deduzido indevidamente, no montante global de €2.642,20, deve ser entregue nos cofres do Estado com referência aos seguintes períodos de imposto: (...)».
W. Do relatório de inspecção referido em E., “Sociedade C………………., Lda.”, correcção em sede de IVA de €2.346,96 (fls. 725/752, do p.a., cujo teor se dá por reproduzido), consignou-se o seguinte:
«No que respeita ao IVA constante das facturas emitidas por terceiros, referentes a compras de rações para os animais, tendo-se concluído que a empresa “C…………..” não desenvolveu qualquer actividade económica, também, o mesmo não é dedutível, mas nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 20.º do Código do IVA.
A dedução do IVA foi considerada indevida tendo por base preceitos legais diferentes, visto que:
no caso dos sócios-gerentes e da “Soc. G…………”, estamos perante emitentes que conheciam os objectivos que levaram à emissão das facturas em causa, tendo simulado as operações a que as mesmas se reportam, daí a dedução do IVA não poder ser aceite nos termos do n.º 3 do art.º 19.º do Código do IVA;
no segundo caso estamos em presença de “terceiros” que efectivamente forneceram bens, embora os respectivos beneficiários tenham sido outros (Soc. G……………, Lda. e o sócio-gerente, Sr. E…………) que não a “C………….” em nome de quem foi emitida a factura encontrada e contabilizada, donde a dedução não ser aceite nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 20.º do Código do IVA.
Assim:
2.1. – IVA deduzido indevidamente, nos termos do n.º 3 do art.º 19.º do Código do IVA
Tendo em linha de conta o exposto anteriormente, considera-se IVA deduzido indevidamente, nos termos do n.º 3 do art.º 19.º do Código do IVA, o imposto constante das facturas referentes às “aquisições” de bovinos, emitidas pelos sócios gerentes (E………….. e F……….) e pela “Soc. G…………..”, num total de €2.240,00, conforme consta do quadro
(…)
2.3 – Total do IVA deduzido indevidamente
Em síntese, durante o ano de 2004, o IVA deduzido indevidamente pelo sujeito passivo totalizou €2.346,92, assim distribuído pelos diferentes períodos de imposto
(...)».
X. Do relatório de inspecção relativo a Sociedade B…………., Lda., reportado a correcções em sede de IVA, €2.997,67 (fls. 460/486,cujo teor se dá por reproduzido), consta o seguinte:
«Conforme se demonstrou no ponto 1 do presente capítulo, e que aqui se dá por integralmente reproduzido, as “transacções” ocorridas entre a “B……………..” e a “Soc. G…………….”, bem assim como entre aquela e qualquer dos seus sócios-gerentes, E…………. e F…………, enquanto empresários em nome individual, não correspondem a operações reais, mas sim simuladas, com vista à obtenção de subsídios (anexo 1). Ora, segundo o disposto no n.º 3 do art.º 19.º do Código do IVA “Não pode deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da factura ou documento equivalente”, por conseguinte, não tendo existido qualquer operação tributável real, o direito à dedução do IVA que consta nas facturas referentes às transferências contabilísticas dos bens e emitidas por aqueles, foi indevidamente exercido. A dedução do IVA constante em factura ou documento equivalente apenas poderá existir, segundo a própria tipologia e natureza deste imposto, relativamente ao imposto efectivamente suportado com relação a operações económicas efectivamente realizadas.
No que respeita ao IVA constante das facturas emitidas por terceiros, referentes a compras de rações para os animais e fardos de palha, tendo-se concluído que a empresa “B…………….” não desenvolveu qualquer actividade económica, também, o mesmo não é dedutível, mas nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 20.º do Código do IVA.
A dedução do IVA foi considerada indevida tendo por base preceitos legais diferentes, visto que:
•no caso dos sócios-gerentes e da “Soc. G………….”, estamos perante emitentes que conheciam os objectivos que levaram à emissão das facturas em causa, tendo simulado as operações a que as mesmas se reportam, daí a dedução do IVA não poder ser aceite nos termos do n.º 3 do art.º 19.º do Código do IVA;
•no segundo caso estamos em presença de “terceiros” que efectivamente forneceram bens, embora os respectivos beneficiários tenham sido outros (Soc. G……………, Lda. e o sócio-gerente, Sr. E………..) que não a “B……………” que é quem consta das facturas, donde a dedução não ser aceite nos termos da alínea a) do n.º1 do art.º 20.º do Código do IVA.
Assim temos:
2.1. – IVA deduzido indevidamente, nos termos do n.º 3 do art.º 19.º do Código do IVA
Tendo em linha de conta o exposto anteriormente, considera-se IVA deduzido indevidamente, nos termos do n°3 do art° 19° do Código do IVA, o imposto constante das facturas referentes às “aquisições” de bovinos, emitidas pelos sócios gerentes (E………… e F………….) e pela “Soc. G………….”, num total de €2.072,50, conforme consta do quadro a seguir apresentado:
(...)».
Y. Do relatório de inspecção relativo a Sociedade D…………, Lda., reportado a correcções em sede de IVA: €2.516,70 (fls. 517/554, do p.a., cujo teor se dá por reproduzido), consta o seguinte:
«2 – Em sede de IVA
Conforme se demonstrou no ponto 1 do presente capítulo, e que aqui se dá por reproduzido na integra, as “transacções” ocorridas entre a “D…………” e a “Soc G………….”, bem assim como entre aquela e qualquer dos seus sócios-gerentes, E………… e F……….., enquanto empresários em nome individual, não correspondem a operações reais, mas sim simuladas, com vista à obtenção de subsídios (anexo 1). Ora, segundo o disposto no n.º 3 do art.º 19.º do Código do IVA “Não pode deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da factura ou documento equivalente” por conseguinte, não tendo existido qualquer operação tributável real, o direito à dedução do IVA que consta nas facturas referentes às transferências contabilísticas dos bens e emitidas por aqueles, foi indevidamente exercido. A dedução do IVA constante em factura ou documento equivalente apenas poderá existir, segundo a própria tipologia e natureza deste imposto, relativamente ao imposto efectivamente suportado com relação a operações económicas efectivamente realizadas.
No que respeita ao IVA constante das facturas emitidas por terceiros, referentes a compras de rações para os animais, tendo-se concluído que a empresa “D……….” não desenvolveu qualquer actividade económica, também, o mesmo não é dedutível, mas nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 20.º do Código do IVA.
A dedução do IVA foi considerada indevida tendo por base preceitos legais diferentes, visto que:
no caso dos sócios-gerentes e da “Soc. G……..”, estamos perante emitentes que conheciam os objectivos que levaram à emissão das facturas em causa, tendo simulado as operações a que as mesmas se reportam, daí a dedução do IVA não poder ser aceite nos termos do n.º 3 do art.º 19.º do Código do IVA;
no segundo caso estamos em presença de “terceiros que efectivamente forneceram bens, embora os respectivos beneficiários; tenham sido outros (Soc. G…………., Lda. e o sócio-gerente, Sr. E…………..) que não a “D……………….” que é quem consta das facturas, donde a dedução não ser aceite nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 20.º do Código do IVA. // Assim temos: (...)».
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3.1. No acórdão de admissão da revista, fls. 568, afirmou-se o seguinte:
«3.4. Não sendo nova a questão suscitada relativa à possibilidade legal de dedução de IVA mesmo que estejam em causa operações simuladas, já relativamente à (diferente) questão da liquidação do próprio IVA pelos factos tributários alegadamente simulados, a jurisprudência do TJUE (o direito comunitário não reconhecendo, enquanto tal, o conceito de simulação, utiliza conceitos como “fraude”, prática abusiva”, ou “abuso” para designar diversas realidades, entre as quais a simulação, como resulta, entre outros, dos acórdãos Halifax plc, Leeds Permanent Development Services Ltd., bem como os acórdãos Gabalfrisa e Emsland-Stärk, naquele referenciados) tem apontado que não será a existência de simulação que importa relevar, mas antes a existência, ou não, de fraude, prática abusiva ou abuso, realçando-se que as medidas que os Estados-Membros têm a faculdade de tomar, nos termos do art. 22º, nº 8, da Sexta Directiva, para garantir o exacto recebimento do imposto e evitar a fraude, não devem exceder o necessário para atingir aqueles objectivos, não podendo, por isso, ser utilizadas de forma a que ponham em causa a neutralidade do IVA, sendo que a verificação da existência de uma prática abusiva não deve conduzir a uma sanção, para a qual seria necessária uma base jurídica clara e inequívoca, mas antes a uma obrigação de reembolso, como mera consequência dessa verificação, tornando indevidas, em parte ou na totalidade, as deduções do IVA pago a montante.
As operações implicadas numa prática abusiva devem ser redefinidas de forma a restabelecer a situação tal como ela existiria se não se tivessem verificado operações constitutivas da referida prática abusiva, mas a Administração Fiscal deve igualmente subtrair qualquer imposto que tenha incidido sobre uma operação efectuada a jusante, imposto em relação ao qual o sujeito passivo em causa era artificialmente devedor no âmbito de um plano de redução da carga fiscal, e, se for caso disso, deve reembolsar o montante excedente: quando se verifique a existência de uma prática abusiva, as operações implicadas devem ser redefinidas de forma a restabelecer a situação tal como ela existiria na ausência das operações constitutivas da prática abusiva.
E, aliás, como salientam as recorrentes, também relativamente à própria doutrina referenciada no acórdão recorrido (Clotilde Palma e António Carlos Santos, CIVA e RITI, comentados, Almedina, 2014, p. 47) ao apontar que «é também sujeito do imposto quem mencione IVA indevidamente em factura, dando início à cadeia da liquidação e dedução do imposto, com os efeitos daí subjacentes», se deverá ter em conta que, por um lado, se trata de um preceito que respeita à incidência subjectiva do IVA e não à incidência objectiva e, por outro lado, se destina a evitar prejuízo para o Estado, mas não se visando, além disso, permitir o enriquecimento ilegítimo do Estado e ferir a neutralidade do imposto, impondo a arrecadação de IVA em situações de inexistência de facto tributário.
Neste contexto, afigura-se-nos que, tal como alegam as recorrentes e o MP, estão verificados os apontados requisitos de admissibilidade do recurso de revista excepcional, sendo o conhecimento da questão suscitada claramente necessário à melhoria do direito.».
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3.2. O objeto do presente recurso encontra-se delimitado na parte final do ponto 3.1, tal como resulta do primeiro parágrafo do ponto 32 (fls. 566).
Aí se escreveu o seguinte:
“─ Improcede, também, o alegado vício de falta de fundamentação das correcções técnicas efectuadas, quer ao nível do IVA dedutível, quer ao nível do IVA liquidado, vício em relação ao qual as impugnantes invocam o Direito europeu, para justificar a asserção de que «nunca poderia a AT proceder às liquidações de IVA propostas sem simultaneamente repor a situação tal com ela existiria na ausência das operações constitutivas das alegadas (embora inexistentes) simulações». Na verdade, através da presente alegação, as recorridas insurgem-se contra a manutenção do imposto liquidado, com base em facturas, cuja aderência à realidade não se comprova e, assim, à luz do disposto nos arts. 26º/2 e 2º/1/c), do CIVA, o procedimento adoptado pela AT não merece censura, sendo que «[é] também sujeito passivo do imposto quem mencione IVA indevidamente em factura, dando início à cadeia da liquidação e dedução do imposto, com os efeitos daí subjacentes».”.
Acrescentou o acórdão que admitiu a presente revista excepcional que é quanto a esta última questão que vem interposto o presente recurso.
Daí que se conclua que apenas importa determinar se ocorre o alegado vício de falta de fundamentação das correcções técnicas efectuadas, ao nível do IVA dedutível e deduzido, pois que só este integra a liquidação impugnada.
Com efeito invocam as impugnantes o direito europeu, para justificar a asserção de que «nunca poderia a AT proceder às liquidações de IVA propostas sem simultaneamente repor a situação tal com ela existiria na ausência das operações constitutivas das alegadas, embora inexistentes, simulações.
Insurgem-se, por isso, contra a manutenção do imposto liquidado, com base em faturas, cuja aderência à realidade não se comprova.
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3.3. Conforme refere a recorrente “as liquidações correspondem à desconsideração do direito à dedução de IVA” pois que, nos termos do relatório inspetivo as situações de facto detectadas prendem-se com as “transmissões” entre qualquer uma das seis empresas constituídas em 2002 (sociedades “A…………..”, “B…………..” “C……… “D…………” “H…………..” e “I………..”) e os seus sócios gerentes, E…………. e F…………. na qualidade de empresários em nome individual, e, ainda a “Soc. G…………” as quais não correspondem a operações reais, mas sim simuladas, com vista à obtenção de subsídios e transferência de custos inter-empresas sob tutela dos mesmos sócios gerentes, conforme se demonstrou no ponto 1.1.1. do presente capítulo”
(p. 21-22 do acórdão em apreciação)
e “Relativamente às facturas emitidas aos sujeitos passivos “Soc. A………….” “C………….. “B……………” “D………….” “H……….” e “I………….. no montante global de €24.160,37, não obstante as operações a elas inerentes terem sido simuladas, conforme se demonstrou no ponto anterior, não foi efectuada qualquer correção. A entrega daquele IVA, ainda que indevidamente liquidado, é devida nos cofres do Estado, nos termos do art. 26º do Código do IVA (actual art. 27º), por força do disposto na alínea c) do nº 1, do art. 2º daquele mesmo diploma legal (...) (pág. 22 do acórdão).
Acrescenta a recorrente que isto significa que com a declaração de simulação os negócios declarados simulados originaram ainda assim IVA, que foi entregue nos cofres do Estado, tal como consta do relatório inspetivo, apesar de ter sido desconsiderado o direito à dedução pelo que sendo assim, negócios considerados inexistentes, resultaram em liquidações de IVA entregue ao Estado.
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3.4. Defende a recorrente que a AT ao declarar a simulação e coartar o direito à dedução, deveria anular as liquidações decorrentes dos negócios considerados simulados e que se assim não suceder, ocorre um enriquecimento ilegítimo do Estado uma vez que recebe um imposto em vista duma operação que a própria AT considera que não existiu.
Que o imposto não deve constituir uma sanção uma vez que para esse efeito existe legislação própria, o Regime Geral das Infrações Fiscais pelo que, ao impor-se uma sanção por vista dum imposto relativamente a um facto tributário que segundo a AT não existiu, ao mesmo tempo que não pode deixar de ser aplicado o RGIT, tal consubstancia uma dupla sanção pelo mesmo ilícito o que viola o principio constitucional “ne bis in idem”.
Indica jurisprudência comunitária (ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA de 21 de Fevereiro de 2006 no processo C-255/02, (Halifax plc, e Leeds Permanent Development Services Ltd) que sufragaria o seu entendimento.
Que ainda que assim se não entenda, que a doutrina do acórdão do Tribunal de Justiça não tenha que ser necessariamente aplicável no caso em apreço por se entender serem realidades diferentes os conceitos de “prática abusiva” ou “abuso” por um lado e simulação, por outro, não deve deixar de aplicar-se a mesma solução uma vez que a razão de ser é idêntica: o imposto, em si mesmo, não deve constituir uma sanção.
Que o art. 2º al. c), do CIVA, não tem o sentido que lhe é conferido pelo TCA-SUL pois que, como se pode ler na obra de Clotilde Palma e António Carlos Santos, quando estes referem na obra CIVA e RITI, comentados, Almedina, 2014, pág. 47 que “é também sujeito do imposto quem mencione IVA indevidamente em fatura, dando início à cadeia da liquidação e dedução do imposto, com os efeitos daí subjacentes”.
Que se trata de um preceito que respeita à incidência subjetiva de IVA e não à incidência objetiva e que se destina a evitar prejuízo para o Estado devido à circunstância de se dar “início à cadeia da liquidação e dedução do imposto, com os efeitos daí subjacentes” e não se visando, além disso, permitir o enriquecimento ilegítimo do Estado e ferir a neutralidade do imposto, impondo a arrecadação de IVA em situações de inexistência de facto tributário.
Que tal interpretação da norma em causa, sempre seria contrária aos princípios de direito nacional e comunitário mencionados e, ainda, ao princípio da justiça, de matriz constitucional e não deve ser aceite.
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3.5. A sentença proferida em 1ª instância anulou a liquidação impugnada, fls. 346, nos seguintes termos “deste modo, não podemos acompanhar a conclusão da AT de que estamos perante operações simuladas: o critério acolhido pela AT não tem aderência à realidade, nem se encontra minimamente demonstrado pela mesma, pelo que, também por essa razão, seriam de considerar ilegais as correções efectuadas pela AT.”
O acórdão do TCA, fls. 483 e seguintes concedeu provimento ao recurso jurisdicional interposto pela FP, revogou a sentença recorrida e julgou improcedente a impugnação.
E neste acórdão afirma-se, que não se comprova nos autos o alegado erro nos pressupostos de facto do ato tributário que apurou a ocorrência de dedução indevida de IVA porque baseada em operações simuladas pois que, no caso, existem elementos que depõem no sentido da inexistência do circuito económico e financeiro das mercadorias em causa, sem que as recorridas logrem afrontar o presente juízo de inexistência, nem os indícios concretos que o sustentam.
Que as correcções em causa se fundam na falta de aderência à realidade das facturas invocadas como suporte do IVA considerado dedutível e exigido ao Estado.
Que a AT não tem que demonstrar a falsidade das facturas, bastando-lhe evidenciar a consistência desse juízo, invocando factos que traduzem uma probabilidade elevada de as operações referidas nas facturas serem simuladas, probabilidade elevada capaz de abalar a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes e dos dados constantes da sua contabilidade – art. 75º da LGT.
Que no caso, perante a existência de indícios fundados sobre falsidade das facturas em apreço, a actividade probatória das recorridas não logrou reverter a asserção da falta de demonstração dos pressupostos do exercício do direito à dedução do imposto em causa.
Que a AT logrou cumprir o ónus que sobre si recai de demonstração da falsidade das facturas, pelo que competia às impugnantes demonstrar a efectividade das operações comerciais declaradas, pese embora a existência de indícios sérios da sua falsidade. Ónus que as mesmas não lograram cumprir.
Que as recorridas insurgem-se contra a manutenção do imposto liquidado, com base em facturas, cuja aderência à realidade não se comprova e, assim, à luz do disposto nos arts. 26º/2 e 2º/1/c), do CIVA, o procedimento adoptado pela AT não merece censura, sendo que «[é] também sujeito passivo do imposto quem mencione IVA indevidamente em factura, dando início à cadeia da liquidação e dedução do imposto, com os efeitos daí subjacentes».
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3.6. A invocação das impugnantes / recorrentes de que «nunca poderia a AT proceder às liquidações de IVA propostas sem simultaneamente repor a situação tal como ela existiria na ausência das operações constitutivas das alegadas, embora inexistentes, simulações” é matéria que não foi apreciada nem conhecida pelo tribunal de 1ª instância.
Com efeito a sentença proferida neste tribunal apreciou a questão da invocada inexistência de simulação (fls. 340 e seguintes) tendo concluído (fls. 346) que “deste modo, não podemos acompanhar a conclusão da AT de que estamos perante operações simuladas: o critério acolhido pela AT não tem aderência à realidade, nem se encontra minimamente demonstrado pela mesma, pelo que, também por essa razão, sempre seriam de considerar ilegais as correções efetuadas pela AT.”.
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3.7. E foi esta sentença que foi apreciada pelo TCA face às alegações da recorrente FP (fls. 364 a 386) e alegações das recorridas e impugnantes (fls. 389 a 4013) cujas conclusões constam de fls. 409 a 413.
Entendem as recorridas / impugnantes nas conclusões 1 a 17 que a sentença de 1ª instância deve ser confirmada pois não merece censura.
Acrescentam, contudo, na conclusão 18 caso seja “julgada procedente a apelação … requer … que o Tribunal conheça das questões suscitadas pelas recorridas na petição inicial, que o tribunal a quo” não conheceu, e identificadas nas alegações”.
O acórdão do TCAS afirmou, ponto 2.2.4., fls. 510, a improcedência da nulidade da sentença.
Pronunciou-se, de seguida, ponto 2.2.5, (fls. 510) sobre a controvérsia acerca de “ocorrência de transacções simuladas de bovinos que originaram imposto dedutível cuja dedução não seria devida” indicando as correções que estavam em causa (fls. 511).
Neste âmbito entendeu o acórdão do TCAS (fls. 518) que “em face do exposto, perante os elementos recolhidos pela AT, impõe-se concluir que o alegado erro nos pressuposto de facto do acto tributário que apurou a ocorrência de dedução indevida de IVA, porque baseada em operações simuladas, não se comprova nos autos” pois que “no caso existem elementos que depõem no sentido da inexistência do circuito económico e financeiro das mercadorias em causa, sem que as recorridas logrem afrontar o presente juízo de inexistência, nem os indícios concretos que o sustentam”.
O mesmo acórdão do TCAS apreciou, ainda, fls. 518 e 519, ponto 2.2.4., os demais fundamentos da impugnação, ou seja os vícios dos actos tributários seguintes:
a) falta de fundamentação ou de insuficiência de fundamentação;
b) ofensa de livre iniciativa privada;
c) inexistência do facto tributário e falta de fundamentação das correções técnicas efetuadas;
d) falta de fundamentação das correções técnicas efetuadas, quer ao nível do IVA dedutível, quer ao nível do IVA liquidado.
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3.8. No que respeita a este vício de falta de fundamentação das correções técnicas efetuadas, quer ao nível do IVA dedutível, quer ao nível do IVA liquidado, entendeu o TCAS não ocorrer tal vício formal de falta de fundamentação.
A apreciação deste vício não podia, de todo o modo, deixar de respeitar ao ato tributário impugnado e que apenas respeitava ao IVA deduzido.
A apreciação de eventual vício formal de falta de fundamentação das correções técnicas efetuadas ao nível do IVA liquidado, que não integra o ato tributário questionado nos presentes autos, não podia ser apreciada, nestes autos, pois que tal IVA não integra o ato tributário em discussão tal como foi praticado pela AT e tal como foi apreciado na 1ª instância e no TCA.
Tal como resulta do probatório, nos presentes autos, está em causa apenas o IVA deduzido pelos impugnantes, pelas aquisições de bens que os mesmos teriam efetuado.
Não está em causa o IVA liquidado pelos impugnantes nas faturas pelos bens que venderam.
E os recursos não se destinam a apreciar questões novas
A questão de fundo que as recorrentes agora discutem relativa ao IVA liquidado não integra o ato tributário e, como já se referiu, não foi apreciada na sentença proferida em 1ª instância nem no acórdão recorrido que apenas a apreciou na perspetiva da falta de fundamentação.
É de acrescentar que só neste recurso pela primeira vez foi suscitada esta questão de fundo apesar de o TCAS a ter apenas apreciado na perspetiva da falta de fundamentação ao que acresce que não é matéria de conhecimento oficioso.
Vem a jurisprudência afirmando que os recursos são meios de obter o reexame de questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal de que se recorre.
Como se escreveu no acórdão do STA de 17-06-2009, proc. 87, trata-se, assim, de matéria de que não pode agora conhecer-se em sede de recurso jurisdicional, dado que este tem por objeto as decisões judiciais contidas na sentença, sendo excluídas do seu âmbito as questões não previamente apreciadas pelas instâncias, salvo as que forem de conhecimento oficioso (por todos, os acórdãos STA de 1999.05.20 – rec. nº 39535, de 2004.10.06 – rec. nº 722/04 e de 2008.12.04 – rec. nº 840/08).
Do exposto resulta que o recurso não merece provimento.
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Não pode conhecer-se, em sede de recurso jurisdicional, dado que este tem por objeto as decisões judiciais recorridas, das questões não previamente apreciadas pelas instâncias, salvo as que forem de conhecimento oficioso.
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4. Termos em que acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso e confirmar o acórdão recorrido.
Custas pelas recorrentes.

Lisboa, 20 de junho de 2018. – António Pimpão (relator) – Ascensão Lopes – Ana Paula Lobo, vencida segundo voto que segue em anexo.

Voto de vencida

Não acompanho a decisão proferida dado que, constando da matéria de facto provada, que o IVA liquidado nas facturas não sofreu correcções, muito embora a AT haja considerado que várias das operações nelas constantes não correspondiam a reais operações económicas – relatório de inspecção, ponto 2.2 – a correcção nesta sede apenas quanto à impossibilidade de dedução do IVA pode retirar o carácter de neutralidade de IVA.
Bem certo que a questão não está bem abordada nem a petição, nem nas alegações de recurso, mas aparece embrionariamente invocada e, em meu entender, deveria apurar-se o invocado, enriquecimento do estado, ocorre ou não no caso concreto. Creio que razões de aplicação do direito comunitário imporiam outra abertura processual, no seguimento da jurisprudência do Tribunal de Justiça, nomeadamente acórdão Peterbroeck, de 14.12.1995, proferido no processo C-312/93. Ali se refere: «que o Direito da União Europeia se opõe à aplicação de normas processuais nacionais pelas quais o juiz nacional fica impedido de “apreciar oficiosamente a compatibilidade de um acto de direito interno com uma disposição comunitária».

Lisboa, 20 de Junho de 2018
Ana Paula Lobo