Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:067/20.5BCLSB
Data do Acordão:03/11/2021
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:FONSECA DA PAZ
Descritores:DISCIPLINA DESPORTIVA
COMPETÊNCIA
CONSELHO DE DISCIPLINA
FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL
Sumário:I – O Conselho de Disciplina da FPF tem competência para, ao abrigo do art.º 118.º, do RDLPFP, aplicar sanções disciplinares às sociedades desportivas que concedam apoios a grupos organizados de adeptos não registados no IPDJ.
II – Porque a competência se afere em face da norma que foi aplicada, a consequência da não demonstração dos elementos típicos do referido art.º 118.º é a verificação de um vício de violação de lei e não de uma incompetência absoluta.
III – Mesmo que se venha a demonstrar toda a matéria considerada provada pelo TAD e que foi objecto de impugnação – ainda não conhecida – no recurso interposto para o TCA, não se pode concluir que a permissão de entrada no recinto desportivo de tarjas e bandeiras “de grandes dimensões” criou um perigo efectivo nos termos exigidos pelo citado art.º 118.º.
IV – Porém, dado que a imagem e o bom nome das competições profissionais de futebol estão inexoravelmente ligados aos comportamentos das sociedades desportivas que nelas participam, é de entender que foi criado um grave prejuízo para essa imagem se se vier a provar que a conduta da recorrida – que tem especiais deveres na assunção de medidas dissuasoras da violência associada ao desporto – consubstancia um apoio aos aludidos grupos organizados de adeptos.
Nº Convencional:JSTA000P27353
Nº do Documento:SA120210311067/20
Data de Entrada:02/04/2021
Recorrente:FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL
Recorrido 1:SPORT LISBOA E BENFICA – FUTEBOL, SAD
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:




1. A FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL (FPF), inconformada com o acórdão do TCA - Sul que negou provimento ao recurso que interpusera do acórdão do Colégio Arbitral constituído junto do Tribunal Arbitral do Desporto (TAD) que julgara procedente a impugnação da SPORT LISBOA E BENFICA - FUTEBOL, SAD [SLB, SAD] e revogara os acórdãos, de 12.02.2019 e de 9/4/2019, proferidos pelo Pleno da Secção Profissional do Conselho de Disciplina da FPF, dele interpôs, para este STA, recurso de revista, tendo na respectiva alegação, formulado as seguintes conclusões:

1. O presente recurso tem por objeto o Acórdão proferido pelo TCA Sul, notificado em 16 de outubro de 2020, que confirmou o acórdão arbitral proferido pelo Tribunal Arbitral do Desporto em 13 de julho de 2020 de revogar os acórdãos de 12 de fevereiro de 2019 e de 9 de abril de 2019, proferidos pelo Pleno do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol – Secção Profissional, através dos quais se decidiu aplicar à ora Recorrida as sanções de interdição do recinto desportivo e multa por aplicação do artigo 118.º do RD da LPFP (doravante designado por “RD da LPFP”).
2. Em causa estava a sanção aplicada pelo Conselho de Disciplina pelo facto da Recorrida, sinteticamente, dar apoio a grupos organizados de adeptos que não se encontram em cumprimento dos requisitos legais e regulamentares aplicáveis, colocando em causa a boa imagem da competição bem como a segurança.
3. A questão de direito a dirimir no presente caso diz respeito à autonomia entre o direito disciplinar e o direito contraordenacional, bem como às atribuições e competências concorrenciais das pessoas coletivas e dos órgãos com responsabilidades em matéria de prevenção da violência no desporto, o que, atentas as consequências que a tese sufragada pelo Tribunal Central Administrativo Sul pode vir a ter no futuro, urge ser apreciada por este Supremo Tribunal;
4. A questão em apreço diz respeito ao apoio dos clubes a grupos organizados de adeptos não legalizados, o que, para além de levantar questões jurídicas complexas, tem assinalável importância social uma vez que, para além do impacto mediático destes casos, está relacionada com episódios de violência dentro e fora de recintos desportivos, o que tem, infelizmente, sido uma constante nos últimos anos em Portugal e o sentimento de impunidade dos clubes dado por decisões como aquela de que agora se recorre nada ajudam para combater este fenómeno;
5. O Tribunal a quo entendeu, erradamente, que a “Federação Portuguesa de Futebol não dispunha de competência legal para punir e aplicar à Sport Lisboa e Benfica o disposto no art 14º, nº 2, 7 e 8 da Lei nº 39/2009”, isto porque, o Conselho de Disciplina sancionou a Recorrida no uso do poder disciplinar que lhe foi legalmente conferido;
6. O Tribunal a quo entendeu, também erradamente, que a “Federação Portuguesa de Futebol na situação provada nos autos não podia aplicar e punir a Sport Lisboa e Benfica nos termos do art 118º do RD FPFP, por não estar verificado o perigo que constitui elemento do tipo legal.”, porquanto encontram-se preenchidos os elementos do tipo legal do artigo 118.º do RD da LPFP.”, isto porque, encontram-se preenchidos os elementos do tipo legal do artigo 118.º do RD da LPFP.
7. A decisão que ora se impugna é passível de censura, porquanto existem vários erros graves de julgamento na interpretação e aplicação do Direito invocado;
8. Analisando a decisão arbitral e o Acórdão recorrido de que ora se recorre, existe diversa matéria considerada provada com grande relevância para as questões sub judice, designadamente para a questão do apoio que a Recorrida fornece aos Grupos Organizados de Adeptos (doravante GOA) ilegais, designados No Name Boys e Diabos Vermelhos, que o Tribunal a quo desconsidera por completo na sua tomada de decisão e que levariam ao desfecho contrário, ou seja, à confirmação das sanções aplicadas à Recorrida.
9. A decisão do Conselho de Disciplina, o que aplica - e o que é objeto de impugnação perante o TAD - e só pode aplicar, em face da sua natureza, é uma norma disciplinar patente no RD da LPFP, em concreto, o artigo 118º.
10. O Tribunal a quo olvida ainda assim que não nos movemos no campo da hierarquia de poderes mas sim de autonomia, desconsiderando as especificidades do ordenamento jurídico disciplinar;
11. O direito disciplinar e o direito contraordenacional (e também o penal) são, consabidamente, autónomos;
12. Ainda, atendendo ao princípio da autonomia acima mencionado, determina o artigo 56.º do Regime Jurídico das Federações Desportivas (doravante, RJFD) que “Se a infração [disciplinar] revestir carácter contra-ordenacional ou criminal, o órgão disciplinar competente deve dar conhecimento do facto às entidades competentes”;
13. A jurisprudência e doutrina portuguesas vêm de há muito, e de forma reiterada, a reconhecer no nosso ordenamento jurídico uma autonomia entre o ilícito criminal, de mera ordenação social e disciplinar - o mesmo é dizer, entre o processo criminal, contraordenacional e o disciplinar - persistindo em cada um deles uma capacidade autónoma de apreciação e valoração dos mesmos factos.
14. A mencionada autonomia, caracteriza-se, no essencial, pela coexistência de espaços valorativos e sancionatórios próprios, tendo em conta a diversidade dos interesses específicos a que se dirige cada um daqueles procedimentos sancionatórios, bem como dos fundamentos e fins das respetivas penas e sanções: o processo criminal dirigido a interesses e necessidades específicas da sociedade em geral; o processo contraordenacional dirigido a interesses e necessidades de mera ordenação social e o processo disciplinar dirigido a interesses e necessidades de determinada instituição ou grupo social.
15. A existência de um ilícito disciplinar não está prejudicada ou condicionada pela decisão que, sobre os mesmos factos, tenha sido, ou venha a ser tomada em processo penal ou contraordenacional (cf. art. 6.º do RD da LPFP e artigo 56.º do RJFD).
16. As três formas de ilícito são exercidas autonomamente, sem que umas prejudiquem ou absorvam as outras. Precisamente por isso a Lei n.º 39/2009, de 30 de julho no Capítulo III faz alusão a crimes, ilícitos de mera ordenação social e ilícitos disciplinares.
17. Esta troika sancionatória convive de forma independente há já largos anos; veja-se, por exemplo, as sanções contraordenacionais e disciplinares previstas para a venda irregular de títulos de ingresso, ou ainda, mais impressivo, o exemplo do incumprimento de deveres in formando e in vigilando dos adeptos, que recaem sobre os clubes e sociedades desportivas.
18. Estamos perante responsabilidades distintas e autónomas; perante espaços valorativos e sancionatórios próprios, tendo em conta a diversidade dos interesses específicos a que se dirige cada um daqueles procedimentos sancionatórios (no caso, o contraordenacional e o disciplinar). Precisamente por isso, determina o artigo 55.º do RJFD que “o regime da responsabilidade disciplinar é independente da responsabilidade civil ou penal”.
19. A Federação Portuguesa de Futebol e o IPDJ são pessoas coletivas distintas e com atribuições e objetos, também elas, distintas. Relevante é ainda assinalar que enquanto que o IPDJ é uma pessoa coletiva de direito público, a Federação Portuguesa de Futebol é uma associação privada que exerce alguns poderes públicos, não pertencendo, porém, à orgânica da Administração Pública.
20. Não se percebe como pode o Tribunal a quo afirmar que o Acórdão do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol não tinha competência legal para sancionar a Recorrida nos termos em que o fez, na medida em que o IPDJ tem competência para instruir processos de contraordenação e aplicar coimas e sanções acessórias, designadamente pela violação no disposto no art. 14.º da Lei n.º 39/2009, de 30 de julho.
21. Incompetência absoluta existira, sim, se o Conselho de Disciplina da FPF tivesse aplicado uma sanção em resultado de um processo de contraordenação; ou que o IPDJ houvesse aplicado uma sanção disciplinar à Recorrida. Porém, nada disto aconteceu.
22. A autonomia existente entre o procedimento disciplinar e contraordenacional nunca foi colocada em causa, nem pelo Conselho de Disciplina da FPF, nem pelo TAD e, muito menos, pelo TCA Sul e STA. Aliás, devido ao mau comportamento dos respetivos adeptos e simpatizantes, as sociedades anónimas desportivas e clubes, entre eles a Recorrida, são sancionados, semana após semana, pela violação de deveres regulamentares, tais como os previstos nos artigos 35.º do Regulamento de Competições (doravante, RC) da LPFP e 10.º do Anexo VI (Regulamento de Prevenção da Violência) do RC da LPFP e, consabidamente, tais deveres têm consagração legal no regime jurídico do combate à violência, ao racismo, à xenofobia e à intolerância nos espetáculos desportivos.
23. Em momento algum, qualquer daqueles Tribunais, incluindo o Supremo Tribunal Administrativo, entendeu que, pelo facto de os deveres constantes do regulamento de disciplina e de competição, da FPF ou da LPFP, terem, igualmente, consagração legal e a respetiva violação consubstanciar, também, a prática de uma infração contraordenacional, tal tinha como consequência necessária a incompetência do Conselho de Disciplina da FPF para, sobre os mesmos factos, exercer a ação disciplinar.
24. Se seguíssemos o errado entendimento, agora sufragado pelo Tribunal a quo, não se poderiam sancionar, a título exemplificativo, a prática de infrações disciplinares relacionadas com o mau comportamento dos adeptos, porque o mesmo comportamento consubstancia uma infração contraordenacional e uma infração disciplinar (podendo até serem equacionados cenários em que existira ainda responsabilidade penal!).
25. O direito disciplinar desportivo, enquanto sistema regulamentar integrado nas regras das competições, aplicar-se-á a uma parcela da realidade social, in casu, aos clubes e sociedades desportivas que desenvolvam a atividade desportiva compreendida no âmbito estatutário da FPF.
26. A violação dos deveres a que aqueles se encontram adstritos origina uma infração disciplinar, que deve ser punida pelos titulares do poder disciplinar, mediante um procedimento disciplinar adequado.
27. Neste sentido, sublinhe-se que se a Recorrente não aplicar o Regulamento Disciplinar e de Competição a que se encontra adstrita a Recorrida poderá mesmo perder o seu estatuto de utilidade pública desportiva, com todas as consequências nefastas que tal acarreta.
28. O Conselho de Disciplina não aplicou o artigo 14.º da Lei n.º 39/2009, o Conselho de Disciplina aplicou o artigo 118.º do Regulamento Disciplinar da LPFP, apreciando deveres que foram incumpridos pela Recorrida, entre eles, sim, o previsto no artigo 14.º da Lei n.º 39/2009. São realidades muito distintas que levam, também, a conclusões muito distintas. Tão simples quanto isto.
29. E não se diga que por existir o artigo 14.º que a Federação Portuguesa de Futebol perde automaticamente o direito de punir comportamentos antijurídicos que se relacionem com esse artigo 14.º - ou outro, inserido na Lei n.º 39/2009. Na realidade, regulamentar sobre esta matéria e sancionar disciplinarmente neste âmbito é mais do que um direito da Recorrente, é verdadeiramente um dever.
30. Bastaria mirar a lei que agora acompanhamos para darmos conta da já afirmada trilogia sancionatória nela patente - crimes, contraordenações e ilícitos disciplinares, como ainda, e no que diz respeito a este último segmento, o legislador, ele próprio, neste ambiente, dirige impressivos deveres às federações desportivas quanto ao sancionamento disciplinar no âmbito da violência associada ao desporto.
31. Assim, sem necessidade de ir mais longe, tal a evidência, os artigos 46º a 49º, como que oferecem - mas como dever a ser cumprido pelas federações desportivas - todo um discurso sobre o ilícito disciplinar querido pelo estado e a seguir escrupulosamente pelas federações desportivas, sob pena, como se sabe, de suspensão do estatuto de utilidade pública desportiva a elas concedido pelo Estado.
32. Ademais, não é despiciendo referir que a Federação Portuguesa de Futebol, por estar vinculada a Regulamentos e diretrizes da FIFA e da UEFA nesta matéria - já para não falar dos Regulamentos aprovados pelos próprios clubes que participam em competições profissionais - não pode deixar de sancionar os clubes por violação dos seus deveres relacionados com a segurança e promoção dos valores que devem impor-se no espetáculo desportivo.
33. Se ignorar o seu papel no combate à violência no desporto (é disso que falamos), no limite, a Federação Portuguesa de Futebol pode inclusivamente ver a sua utilidade pública desportiva ser colocada em causa, bem como a sua filiação junto das instâncias internacionais que tutelam o futebol.
34. O ordenamento jurídico disciplinar insere-se no ordenamento jurídico-desportivo; mas o facto de existir uma norma legal que dispõe sobre determinada matéria, não inibe as federações desportivas de exercerem o seu poder disciplinar sobre essa mesma matéria.
35. Entendeu o Tribunal a quo, salvo o devido respeito, erradamente, que “a Federação Portuguesa de Futebol na situação provada nos autos não podia aplicar e punir a Sport Lisboa e Benfica nos termos do art 118º do RD FPFP, por não estar verificado o perigo que constitui elemento do tipo legal”;
36. Determina o artigo 118.º do RD da LPFP que: “Em todos os outros casos não expressamente previstos em que os clubes deixem de cumprir os deveres que lhes são impostos pelos regulamentos e demais legislação desportiva aplicável de modo que dessa sua conduta resulte, ainda que não intencionalmente, a criação de uma situação de perigo para a segurança dos agentes desportivos ou dos espectadores de um jogo oficial, de risco para a tranquilidade e a segurança públicas, de lesão dos princípios da ética desportiva ou da verdade desportiva ou de grave prejuízo para a imagem e o bom nome das competições de futebol são punidos com a sanção de interdição do seu recinto desportivo a fixar entre o mínimo de um e o máximo de três jogos e a sanção de multa de montante a fixar entre o mínimo de 50 UC e o máximo de 250 UC.”.
37. O artigo 118.º do RD da LPFP é de aplicação residual, no seio do ordenamento jus-disciplinar desportivo, ou seja, na falta de um tipo disciplinar que especificamente preveja a violação dos deveres sub judice, aplicar-se o disposto no artigo 118.º sempre que, como infra melhor se demonstrará, da mencionada violação resulte a criação de uma situação de perigo para a segurança dos agentes desportivos ou dos espectadores de um jogo oficial, de risco para a tranquilidade e a segurança públicas, de lesão dos princípios da ética desportiva ou da verdade desportiva ou de grave prejuízo para a imagem e o bom nome das competições de futebol. Não é, obviamente, residual no quadro de todo o ordenamento jus-desportivo. Se assim fosse, as Federações Desportivas, todas elas, ficavam esvaziadas de competência disciplinar.
38. A interpretação levada a cabo pelo Tribunal a quo, acompanhando o entendimento do Colégio Arbitral, sem mais delongas, compromete gravemente o princípio da autonomia do direito disciplinar, sendo (mais) um erro do Acórdão recorrido, demasiado evidente para ser ignorado pelo Tribunal ad quem.
39. Resulta do quadro normativo nacional desportivo nas últimas décadas, que a prevenção e combate à violência no desporto tem sido nas últimas décadas um valor bem impressivo acautelado juridicamente por várias entidades, sejam elas públicas ou privadas.
40. Portugal ao ter recolhido firmemente este valor nas suas normas constitucionais e infraconstitucionais, assumiu o dever da prevenção e combate à violência associado ao desporto - a denominada violência exógena, para além da inerente à prática desportiva presente em algumas modalidades - de forma categórica, implicando que cada entidade assuma e operacionalize cabalmente as suas atribuições e incumbências legais. Assim o tem feito o Conselho de Disciplina da FPF da Recorrente.
41. É, por conseguinte, neste contexto que a norma sancionatória prevista no artigo 118.º do RD da LPFP sanciona, com «interdição do recinto desportivo a fixar entre o mínimo de um e o máximo de três jogos e a sanção de multa de montante a fixar entre o mínimo de 50 UC e o máximo de 250 UC», o clube que «em todos os outros casos não expressamente previstos em que os clubes deixem de cumprir os deveres que lhes são impostos pelos regulamentos e demais legislação desportiva aplicável de modo que dessa sua conduta resulte, ainda que não intencionalmente, a criação de uma situação de perigo para a segurança dos agentes desportivos ou dos espectadores de um jogo oficial, de risco para a tranquilidade e a segurança públicas, de lesão dos princípios da ética desportiva ou da verdade desportiva ou de grave prejuízo para a imagem e o bom nome das competições de futebol».
42. Em suma, a temática dos Grupos Organizados de Adeptos é algo bem inerente – desde o seu surgimento (1998) - ao modelo normativo de prevenção e combate à violência no desporto. Não estamos a lidar com um minus. Estamos perante um dos eixos essenciais da legislação referente à prevenção e combate à violência associado ao desporto, leia-se, estamos perante uma verdadeira responsabilidade pública nesta matéria.
43. O que a norma do 118º do RD da FPF visa proteger são valores como a tranquilidade e a segurança públicas - designadamente dos agentes desportivos e espetadores -, evitando a lesão dos princípios da ética desportiva ou da verdade desportiva ou a existência de um grave prejuízo para a imagem e o bom nome das competições de futebol. A par disso, visa evitar-se que se verifiquem atos de violência, racismo, xenofobia, intolerância nos espetáculos desportivos, ou qualquer outra forma de discriminação, tudo isto, sob o “chapéu” da prevenção e combate aos fenómenos de violência no desporto.
44. Neste conspecto, as três situações a que a referida norma alude, remetem para os valores superiores que o legislador pretende proteger quando prevê a sanção de certas condutas - como as que estão em crise nos presentes autos - e surgem como o expoente máximo do combate aos fenómenos de violência no desporto em geral e em recintos desportivos.
45. E tal é perfeitamente alcançável pela gravidade da sanção prevista na referida norma e nesse sentido, forçoso se torna concluir que, o legislador pretendeu que com a referida previsão que, ainda que se trate de casos não expressamente previstos, quando os clubes adotem conduta que representem, e resulte na verificação de uma das três situações ali previstas, deve aplicar-se o artigo 118.º, por forma a garantir que tais condutas não ficam impunes, garantindo assim a prossecução do fito das normas constitucionais e infra constitucionais que visam combater os fenómenos de violência no desporto.
46. Uma tese que não permita que a justiça disciplinar desportiva atue por aplicação da norma prevista no artigo 118.º do RD da LPDP, com vista ao sancionamento de condutas dos clubes que desaguem na criação de pelo menos uma das situações referidas, colocará em crise o sancionamento das condutas mais gravosas levadas a cabo pelo clubes, colocando também em crise, e acima de tudo, a estrutura legislativa e regulamentar e o consequente objetivo de prevenção da violência no desporto, que o legislador tem vindo a pretender sedimentar nesta sede da justiça disciplinar desportiva.
47. Em termos menos abstratos, chamando superficialmente à colação o caso dos presentes autos, a factualidade em crise, leva à diminuição da segurança de todos os espectadores, sendo que, limita a ação das forças de segurança por os membros dos GOA não estarem registados para mais fácil dentificação dos mesmos, não cumprindo assim os clubes com o dever de ser parte ativa no garante da paz e tranquilidade públicas, quando optem por apoiar ilegalmente GOA’s não constituídos legalmente, não respeitando o ordenamento jurídico português, designadamente o preceito constitucional - artigo 79.º, n.º 2 - que convoca todos os agentes a “prevenir a violência no desporto” – clubes incluídos - para um papel ativo no combate aos fenómenos de violência no desporto, sendo que, tal “missão”, preconiza-se em vários deveres a que os clubes estão adstritos e que não podem incumprir.
48. Não existem dúvidas de que o Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol tinha (e tem) competência para sancionar a ora Recorrida, pelo que, cabe agora indagar se, tendo em conta os factos considerados provados, a Recorrida poderia ser sancionada pelo tipo disciplinar previsto e sancionado pelo artigo 118.º do RD da LPFP.
49. São elementos essenciais da infração disciplinar sub judice, de verificação cumulativa, os seguintes: (i) o facto do agente (que tanto pode traduzir-se numa ação como numa omissão); (ii) a ilicitude desse mesmo facto; e (iii) a culpa. No plano da culpa basta que estejamos face a um comportamento meramente culposo ou negligente do agente, para que tal comportamento, - desde que ilícito - seja passível de punição disciplinar.
50. Ora, conforme resulta da prova produzida, bem como dos factos considerados provados não só pelo Conselho de Disciplina da Recorrente, como também pelo Colégio Arbitral e pelo Tribunal a quo, não temos dúvidas de que a Recorrida apoia dois grupos organizados de adeptos, não registados no IPDJ, denominados No Name Boys e Diabos Vermelhos.
51. Da matéria de facto provada pelo Tribunal a quo resulta, designadamente, o seguinte: (i) no início de cada época desportiva, há uma reunião para definir os lugares afetos aos Grupos Organizados de Adeptos NN e DV (facto provado n.º 16); (ii) houve, em todos os jogos objeto dos presentes autos, um controlo prévio do material coreográfico, que foi examinado e colocado nos respetivos locais por empresas contratadas pela Recorrida para o efeito (facto provado n.º 14.º, 21.º, 22.º e 30.º); os Grupos Organizados de Adeptos NNB e DV são alvo de revistas pessoais mais rigorosas (facto provado n.º 24.º); os NNB e DV, nos jogos dos autos, ostentaram bandeiras de grandes dimensões (facto provado n.º 25.º).
52. Deixou, pois, a Recorrida, de cumprir com os deveres que lhe são impostos pelos regulamentos e demais legislação desportiva aplicável.
53. Esta permissão através do apoio, facilitação e colaboração traduzida, designadamente, na introdução de bandeiras e tarjas de grandes dimensões para determinadas zonas dos estádios, introdução permitida antes da abertura de portas por pessoas credenciadas ligadas à organização do jogo ou para este contratadas pela Recorrida, permite perceber que a coreografia faz parte do cenário do próprio Estádio, ou seja, do próprio clube.
54. Toda esta operação traduz-se, para além das evidentes facilidades de utilização e acesso às instalações, em autorização e apoio técnico, face à disponibilização de meios próprios da Recorrida em prol daqueles grupos.
55. E se é a própria Recorrida que no boletim de segurança escreve que autorizou os grupos organizados de adeptos a utilizar “bandeiras gigantes”, então está a autocolocar-se dentro do perímetro regulamentar que apenas autoriza aos grupos organizados a, excecionalmente, utilizar as tais bandeiras gigantes (artigo 11 n.º 2 alínea b) do Regulamento da Prevenção da Violência – anexo vi ao Regulamento de Competições).
56. E, sublinhe-se, toda esta factualidade foi considerada provada pelo Colégio Arbitral e pelo Tribunal a quo: atente-se, designadamente, aos factos provados números 10.º, 11.º, 15.º. 21.º, 22.º, 25.º, 26.º, 27.º, 28.º, 29.º, 30.º e 31.º.
57. Resulta cristalino que a Recorrida afeta zonas específicas para os NNB e DV, assim como colabora e facilita com os mesmos no transporte e colocação dos adereços de apoio. Logo, está a atuar tal e qual como a lei determina relativamente aos GOA, donde é fácil concluir que esta atuação não é mais do que reconhecer e agir com aqueles (grupos de adeptos) como GOA que, na verdade material e legalmente, o são.
58. Sabendo-se que um grupo organizado de adeptos não pode ser reconhecido e apoiado externamente enquanto tal até que esteja constituído e registado nos termos do disposto nos artigos 14.º e 15.º da Lei n.º 39/2009, de 30 de julho com a redação dada pela Lei n.º 53/2013, de 25 de julho e artigos 6.º, alínea l) e 11.º do Anexo VI ao RC da LPFP - Regulamento de Prevenção da Violência, ao prestar apoio, a Recorrida infringe a Lei e as normas Regulamentares que proíbem liminarmente qualquer apoio a grupos organizados de adeptos não registados.
59. E isto resulta de uma forma muito clara do artigo 6.º, alíneas a), c), l) e n), e no artigo 11.º o Anexo VI dos RCLPFP Regulamento de Prevenção da Violência, bem como nos artigos 7º, n.ºs 1 e 2, 8.º n.º 1 alíneas e), i) e n) e 14º, da Lei n.º 39/2009, de 30 de Julho, na redação da Lei n.º 52/2013, de 25 de julho.
60. Aliás, a Recorrida bem sabe quais os deveres a que se encontra adstrita porquanto o RC e o RD da LPFP são aprovados em Assembleia Geral da LPFP, de que faz parte a Recorrida, assim como todos os outros clubes que integram as ligas profissionais. Em concreto, a Recorrida não se manifestou contra a aprovação das normas pelas quais foi punida em sede de Assembleia Geral tendo, pelo contrário, aprovado as mesmas decidindo conformar-se com elas.
61. Demonstrado que está que a violação dos deveres a que a Recorrida está adstrita enquanto promotora do espetáculo desportivo, há que apurar se a mesma, em virtude desse incumprimento, e ainda que não intencionalmente, gerou alguma das três situações que a norma violada delimita: se cria uma situação de perigo para a segurança dos agentes desportivos ou dos espectadores de um jogo oficial; se cria uma situação de risco para a tranquilidade e a segurança públicas; ou cria grave prejuízo para a imagem e o bom nome das competições de futebol.
62. A constituição de GOA´s como associações e a obrigatoriedade do seu registo no IPDJ tem como objetivo garantir a segurança dos espectadores nos jogos pois é uma das formas que possibilita a identificação dos respetivos membros que eventualmente se envolvam em práticas delituais de diferente natureza. Por outra parte, não existem dúvidas de que o material coreográfico como aquele que foi utilizado nos jogos dos autos, que cobre uma grande parte da bancada, faz perigar os espectadores instalados nessa mesma bancada, podendo produzir resultados ainda mais graves se levarmos em conta as deflagrações de pirotecnia que ocorreram nos jogos em causa.
63. Aliás, o Colégio Arbitral, considerou provado que “37. Em todos os jogos dos autos a Demandante foi sancionada por mau comportamento dos seus adeptos instalados nos setores das bancadas topo sul e topo norte piso 0, nomeadamente pelo uso de materiais pirotécnicos tais como, potes de fumo, petardos, tochas, flash lights.”. Ora, quem está instalado nestas bancadas são, precisamente, os Grupos Organizados de Adeptos NNB e DV (cf. factos provados números 10.º e 11.º), o que demonstra claramente a situação de perigo criada com o apoio, ou “continuada colaboração” como lhe chamou o Tribunal Arbitral, que a Recorrida forneceu aos seus GOA não legalizados, desde logo, possibilitando que os mesmos se encontrem no mesmo local do estádio, potenciando e provocando as situações de perigo verificadas.
64. Não se trata de afirmar que as situações de risco se prendem apenas com o uso de materiais pirotécnicos, tais como potes de fumo, petardos, tochas, flash lights, mas sim, que tais comportamentos ocorrem nas bancadas onde se situam os GOA´s da Recorrida, sendo por estes levados a cabo, criando uma situação de perigo concreto, tal como e também, o uso dos materiais coreográficos que, a Recorrida, com a sua “colaboração” e apoio, permite que os referidos GOA introduzam no seu recinto desportivo, potenciando assim situações de segurança para os restantes espectadores.
65. Os valores da tranquilidade e da segurança públicas devem ser assegurados e preservados pelo Estado, mas respeitando o princípio colaborativo com as organizações desportivas. É notório e público o clima de receio e insegurança gerado por grupos que atuam à margem da lei e que, incompreensível e ilegitimamente são suportados e apoiados pela Recorrida, conforme vários exemplos facilmente colhidos junto das forças de segurança.
66. São, legitimamente, inúmeras as pessoas e famílias que sentem a sua tranquilidade e segurança postas em causa se se deslocarem aos jogos da Recorrida, até porque veem as forças de segurança enfraquecidas na sua ação por tais grupos não estarem constituídos em associações e escaparem deste modo ao recenseamento das suas identificações.
67. Ao optar por apoiar ilegalmente grupos organizados de adeptos não constituídos legalmente, está a atuar em contravenção ao ordenamento jurídico português, deixando de acautelar a indústria em que está envolvida e negando a responsabilidade social perante milhares ou milhões de portugueses.
68. Para a participação nas competições reconhecidas como profissionais em Portugal é obrigatória a existência de sociedades desportivas que se afiguram como contendores que necessitam da sua existência conjugada na respetiva Liga. Todas elas são essenciais para o bom funcionamento das referidas competições, da sua imagem e do seu bom nome.
69. Esta é porventura uma das características que diferencia este especial mercado de tantos outros, nos quais a sobrevivência de uma marca determina o afastamento ou aniquilação de outra. Tal não pode acontecer no desporto e de sobremaneira no futebol profissional, onde o êxito de qualquer interveniente depende da existência dos demais integrantes dessa competição, em obediência aos princípios desportivos da igualdade, da solidariedade e da lealdade.
70. Assim, a Recorrida, ao persistir no apoio ilegal a tais grupos que, consabida e reiteradamente, ano após ano, se mantém numa situação de manifesta ilegalidade, afirmando, do mesmo passo, que “possui grupos de sócios com características semelhantes aos chamados grupos legalizados, pelo que dada a sua especificidade em tudo semelhante se vê obrigado a manter com este um relacionamento idêntico”, a Recorrida desafia a regulação da competição, demonstrando à comunidade em geral, um “desapego” pelo cumprimento das normas a que se encontra adstrita, colocando em crise o bom nome da competição.
71. De resto, os autos demonstram como a imagem e o bom nome das competições de futebol andam a ser inexoravelmente postos em causa: desde o apoio ilegal a GOA´s que se autodenominam, publicamente, “o braço armado do Benfica”, em todos os jogos dos autos estes adeptos pertencentes aos GOA tiverem comportamentos incorretos, a reportagens, notícias, autos de contraordenação, acusações em processos-crime, tudo contra os tais Grupos Organizados de Adeptos não registados e respetivos membros, entre outros, que denigrem esta mesma imagem e bom nome, reportando-se à persistência das NNB e dos DV em situação ilegal e à íntima relação de suporte destas pela Recorrida.
72. Em suma, por todo o acima exposto, a Recorrida, ao permitir, facilitar e colaborar na entrada nas suas instalações e permanência exclusiva nas bancadas topo sul e topo norte piso 0 das referidas bandeiras, tarjas e faixas de grandes dimensões de apoio ao clube e com símbolos e referências aos dois grupos organizados de adeptos; ao autorizar e afetar os pisos zero das bancadas topo norte e topo sul fundamentalmente aos adeptos pertencentes às claques DV e NNB; ao apoiar e colaborar, nomeadamente através da disponibilização de pessoal afeto à sua estrutura e da concessão de facilidades de utilização de instalações por grupos de adeptos organizados não legalizados; ao constatar que existem dois grupos de sócios, que embora não os reconheça como GOA, não deixa de assumir que manifestam comportamento e atitudes enquanto tal, adquirindo “lugares de época (vulgo lugar cativo) todos juntos entre si”; ao adotar um Regulamento de Segurança e de Utilização dos Espaços de Acesso Público do Estádio da Luz permissivo com a situação ilegal dos grupos de adeptos não legalizados, atenta «contra bens jurídicos relativos à segurança dos agentes desportivos e dos espetadores, à tranquilidade e segurança públicas, e à imagem e o bom nome das competições de futebol», constituindo comportamento previsto e punido pelo ordenamento jusdisciplinar desportivo, não se abstendo, porém, de o adotar.
73. Em virtude do incumprimento dos deveres a que estava adstrita, haverá que concluir que a recorrida gerou situação de perigo para a segurança dos agentes desportivos e dos espectadores, bem como situação de risco para a tranquilidade e a segurança públicas prejudicando gravemente a imagem e o bom nome das competições de futebol, estando assim preenchidos os elementos do tipo legal do artigo 118.º do RD da LPFP.
74. O Acórdão recorrido merece a maior censura e deve ser revogado, sendo substituído por outro que reconheça a legalidade e acerto das decisões proferidas pelo Conselho de Disciplina, mantendo, pois, as sanções aplicadas à Recorrida.
75. Assim, não existindo nenhum vício que possa ser imputado aos acórdãos do Conselho de Disciplina que levasse à aplicação da sanção da anulabilidade por parte do Tribunal Arbitral, andou mal o Tribunal a quo ao decidir manter a anulação da condenação da Recorrida pela infração p. p. pelo artigo 118.º do RD da LPFP, devendo o mesmo ser revogado.”

A Sport Lisboa e Benfica – Futebol SAD apresentou contra-alegações, onde também ampliou o âmbito do recurso, tendo enunciado as conclusões seguintes:
1. O presente recurso de revista não é admissível.
2. A Recorrida não presta qualquer apoio (conforme definido por lei) a grupos organizados de adeptos não registados.
3. Compete exclusivamente ao Instituto Português do Desporto, I.P. (actualmente, à Autoridade para a Prevenção e o Combate à Violência no Desporto - APCVD) sancionar a concessão de apoios indevidos a grupos organizados de adeptos, nos termos do art. 14º da Lei n.º 39/2009, com as alterações subsequentes.
4. A aplicação de uma sanção pela Federação Portuguesa de Futebol a um promotor de um espectáculo desportivo que, em seu entender, concedeu apoios indevidos a grupos não organizados de adeptos, com base no art. 118º do Regulamento de Disciplina da Liga Portuguesa de Futebol Profissional, configura um acto inquinado pelo vício de incompetência absoluta, sendo, consequentemente, nulo.
5. O ponto 9.º dos factos provados deverá ser alterado e passar a ter a seguinte redacção: “Determinados sócios e ou adeptos do SL Benfica utilizam o nome e a simbologia “No Name Boys” e “Diabos Vermelhos”, sendo comummente designados de “claques”.”
6. Assim sendo, há que dar apenas por provado que “25.º No decurso dos referidos jogos, nas bancadas do Estádio da Luz, designadamente na bancada onde se concentram os adeptos afetos aos NNB, foram ostentadas bandeiras.”
7. O ponto 26.º deverá ser alterado, passando a ter a seguinte redacção: «No jogo disputado entre a Demandante e a Futebol Clube do Porto - Futebol SAD, foi exibida na bancada onde se concentram os adeptos afetos aos NNB, uma faixa com os dizeres “Honrem o Manto Sagrado”, sendo que as palavras “Honrem” e “Manto” apresentam a letra “n” invertida.»
8. Pela sua irrelevância, deve ser expurgada do ponto 29.º a seguinte factualidade: «[...] No interior da porta 28 A exclusiva para o sector 28 do piso zero foi percetível que o Sr. A…….. Suposto líder dos DV, tinha na sua posse um considerável número de títulos de ingresso anuais que a Demandante denomina de “Red Pass”, pessoais, mas transmissíveis, fazendo a gestão das pessoas que acediam àquele setor. Em alguns cânticos evocaram a expressão "Diabos Vermelhos". [...]»
9. Por falta de prova e dada a sua irrelevância, deve ser expurgada do ponto 31.º a seguinte factualidade: «[...] Os “NN” invertidos são modo representativo e inequívoco do “No Name”. Em alguns cânticos evocaram a expressão “No Name”.»
10. Pela sua irrelevância, o ponto 32.º dos factos provados deve ser eliminado.
11. Por falta de prova e dada a sua irrelevância, deve ser eliminado o ponto 33.º.
12. O ponto 37.º deverá, igualmente, ser eliminado ou, no mínimo, dado como não provado, pois integra factualidade irrelevante para a boa decisão da causa, a qual nem sequer pode ser dada como provada.
13. Deverá, porque irrelevante, ser eliminado o ponto 38.º.
14. Os Regulamentos de Prevenção da Violência da FPF e da LPFP são ilegais.
15. Os Acórdãos Recorridos são nulos por violação da autonomia da Comissão de Instrutores da LPFP, por incompetência absoluta desta e, subsidiariamente, por violação do princípio do tratamento mais favorável ao arguido.
16. Os Acórdãos Recorridos são nulos por violação do princípio nulla poena sine lege.
17. A Recorrida não adoptou qualquer comportamento previsto e punido pelo ordenamento jusdisciplinar desportivo, nomeadamente, qualquer comportamento que se traduza em apoio ilegal a grupo organizados de adeptos não constituídos em associação, nem registados junto do IPDJ.
18. O artigo 14º, n.º 1 da Lei n.º 39/2009, de 30 de Julho, na redacção que lhe é dada pela Lei n.º 52/2013, de 25 de Julho, assim como os artigos 1º, 2º, 3º, 8º e 9º da Lei n.º 23/2006, de 23 de Junho, são inconstitucionais quando interpretados, isolada ou conjugadamente, no sentido de limitar a organização dos grupos organizados de adeptos à forma de “associações, nos termos da legislação aplicável ou no âmbito do associativismo juvenil”, excluindo as outras formas de associação, por representar uma restrição à liberdade de associação, prevista no n.º 1 do artigo 46º da CRP.
19. O artigo 14º, n.º 1 da Lei n.º 39/2009, na redacção que lhe é dada pela Lei n.º 52/2013, é inconstitucional quando interpretado no sentido de impor àqueles que pertençam a um determinado grupo organizado de adeptos, a criação e/ou adesão a uma associação, assim como a manutenção como membros dessa associação, por representar uma restrição à liberdade de associação, prevista no n.º 3 do artigo 46º da CRP.
20. O artigo 14º, n.º 6 da Lei n.º 39/2009, é inconstitucional quando interpretado no sentido de proibir a afixação nos recintos desportivos de faixas e a entrada de bandeiras ou de outros materiais coreográficos, por violação do disposto no n.º 1 do artigo 29º da CRP.
21. O artigo 14º, n.ºs 1, 2, 6 e 10, o artigo 8º, n.º 1, alínea l), o artigo 39º-B, n.º 2, alínea a) e o artigo 40º, n.º 6, todos da Lei n.º 39/2009, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 114/2011, de 30 de Novembro e pela Lei n.º 52/2013, são inconstitucionais quando interpretados no sentido de que “a introdução em recintos desportivos de faixas de grandes dimensões, como as que resultam das imagens fotográficas juntas ao auto de notícia, e de bandeiras de grandes dimensões, é uma situação que se encontra notoriamente vedada aos espectadores comuns dos eventos desportivos, e, especificamente, aos normais frequentadores dos estádios de futebol”, por violação dos artigos 13º, 18º, n.º 2, 29º, n.º 1 e 37º todos da CRP.
22. O artigo 24º, n.º 1 da Lei n.º 39/2009, na redacção que lhe é conferida pela Lei n.º 52/2013, é inconstitucional quando interpretado no sentido de que apenas “os grupos organizados de adeptos podem, excepcionalmente, utilizar no interior do recinto desportivo megafones e outros instrumentos produtores de ruídos, por percussão mecânica e de sopro, desde que não amplificados com auxílio de fonte de energia externa”, por violação do disposto nos artigos 18º, 37º e 46º da CRP.
23. O artigo 35º, n.º 1 e os artigos 6º e 11º do Anexo VI do RC-LPFP são materialmente inconstitucionais, na sua formulação literal, por violação do artigo 37º da CRP: são formalmente inconstitucionais, por não revestirem a forma de lei ou de decreto-lei autorizado - mas sim a de regulamento - e, por fim, são organicamente inconstitucionais por não provirem da Assembleia da República ou do Governo (mediante lei de autorização legislativa).
24. A Recorrida sempre manteve em vigor, aprovado e registado junto do IPDJ um Regulamento de Segurança e Utilização do Estádio.
25. As decisões sancionatórias proferidas pela Recorrente contra a Recorrida não demonstraram quais os deveres violados pela Recorrida e de que forma os mesmos colocaram em causa a segurança dos eventos desportivos, sendo nulos por essa razão.
26. Não se encontra demonstrada a culpa, nem a título doloso, nem a título negligente, da Recorrida pelo que esta não pode ser sancionada pelos factos descritos nos Acórdãos Recorridos.
27. O poder de instaurar os procedimentos disciplinares caducou por decurso do prazo peremptório previsto no artigo 22º, n.ºs 1 e 2 do RD-LPFP, com a consequente extinção do direito do Conselho de Disciplina de exigir responsabilidade disciplinar à Recorrida, de acordo com o disposto pelo artigo 21º, alínea b) do RD-LPFP.
28. Os procedimentos disciplinares já estavam prescritos relativamente a todos os jogos objecto dos autos, logo no momento em que os respectivos processos disciplinares foram instaurados, por aplicação do artigo 23º, n.º 1, do RD-LPFP.
29. Os Acórdãos Recorridos colidem com o direito da Recorrida à propriedade e à livre iniciativa privada.
30. Os Acórdãos Recorridos determinam a aplicação de sanções desproporcionadas e iníquas à Recorrida.”

Pela formação a que alude o art.º 150.º, do CPTA, foi proferido acórdão a admitir a revista.

A Exma. Sr. Procurador-Geral-Adjunto junto deste tribunal, notificada nos termos do art.º 146.º, nº 1, do CPTA, emitiu parecer, onde concluiu que o recurso merecia provimento.

Sem vistos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

2. O acórdão recorrido considerou provados os seguintes factos:
1. «No dia 14.01.2017 realizou-se no Estádio da Luz, em Lisboa, o jogo oficialmente identificado sob o nº 11703, correspondente à jornada do Liga NOS, que opôs a Sport Lisboa e Benfica - Futebol, SAD à Boavista Futebol Clube - Futebol, SAD.
2. No dia 22.01.2017 realizou-se no Estádio da Luz, em Lisboa, o jogo oficialmente identificado sob o n.2 11804, correspondente à 18P jornada do Liga NOS, que opôs a Sport Lisboa e Benfica - Futebol, SAD à CD Tondela Futebol, SAD.
3. No dia 05.02.2017 realizou-se, no Estádio da Luz, em Lisboa, o jogo oficialmente identificado sob o nº 12004, correspondente à 20ª jornada da Liga NOS, que opôs a Sport Lisboa e Benfica Futebol, SAD à Clube Desportivo Nacional - Futebol SAD.
4. No dia 10.02.2017 realizou-se, no Estádio da Luz, em Lisboa, o jogo oficialmente identificado sob o nº 12101, correspondente à 21ª jornada da Liga NOS, que opôs a Sport Lisboa e Benfica - Futebol, SAD à Futebol Clube de Arouca - Futebol SDUQ.
5. No dia 24.02.2017 realizou-se, no Estádio da Luz, em Lisboa, o jogo oficialmente identificado sob o nº 12306, correspondente à 23ª jornada da Liga NOS, que opôs a Sport Lisboa e Benfica Futebol, SAD à Grupo Desportivo de Chaves - Futebol SAD.
6. No dia 13.03.2017 realizou-se, no Estádio da Luz, em Lisboa, o jogo oficialmente identificado sob o nº 12501, correspondente à 25ª jornada da Liga NOS, que opôs a Sport Lisboa e Benfica - Futebol, SAD à Os Belenenses Sociedade Desportiva de Futebol SAD.
7. No dia 01.04.2017 realizou-se, no Estádio da Luz, em Lisboa, o jogo oficialmente identificado sob o nº 12706, correspondente à 27ª jornada da Liga NOS, que opôs a Sport Lisboa e Benfica - Futebol, SAD à Futebol Clube do Porto - Futebol SAD.
8. No dia 23.09.2017 realizou-se, no Estádio da Luz, em Lisboa, o jogo oficialmente identificado sob o nº 10702, correspondente à jornada da Liga NOS, que opôs a Sport Lisboa e Benfica - Futebol, SAD à Futebol Clube Paços de Ferreira - Futebol SDUQ, Lda.
9. De entre os adeptos e simpatizantes da Demandante é possível identificar dois grupos que acompanham e apoiam regularmente a equipa profissional de futebol da SLB: os Diabos Vermelhos e os No Name Boys.
10. A "claque" denominada Diabos Vermelhos (DV), conta com 34 anos de existência, é constituída por um grupo de adeptos da Demandante que se juntam para a apoiar nos jogos nacionais e internacionais. No estádio da Luz esta claque ocupa sempre o sector 28, piso 0 inferior da bancada Norte (CocaCola).
11. A "claque" denominada No Name Boys (NNB), estilizado como No Name Boys, formada em março de 1992, é o maior movimento organizado de adeptos da Demandante que se juntam para a apoiar nos jogos nacionais e internacionais. No estádio da Luz esta claque ocupa sempre os setores 10,11 e 12, piso 0, bancada Sul (Sagres).
12. É pública e notória a organização das referidas "claques", que publicitam a sua atividade em páginas da internet (Facebook), demonstrando a sua mobilização e associação, encontrando-se as respetivas marcas registadas junto do Instituto Nacional da Propriedade Industrial: DV com marca registada 317517; NNB com marca registada nº 483098.
13. Os membros dessas "claques" são sócios da Demandante (testemunhas: B…………. e C……….).
14. A Demandante, nos termos do seu plano de Segurança Interno, designadamente no anexo VII do Regulamento de Segurança e de Utilização de Espaços de Acesso público (RSUEAP), condiciona à sua autorização, exclusivamente para o piso zero das bancadas topo sul e topo norte, a entrada de bandeiras, tarjas e faixas com símbolos e mensagens para o seu apoio.
15. A Demandante afeta essas bancadas, predominantemente, a adeptos e sócios, entre os quais os que integram as "claques" denominadas por DV e NNB, em linha com as orientações da Polícia de Segurança Pública e à imagem do que sucede noutros estádios (testemunhas: B……………, D…………, E……….. e F………..).
16. Há uma reunião no início de cada época desportiva para a definição dos lugares a afetar às "claques", reunião essa que congrega representantes de clubes e das forças de segurança (testemunha: G………..).
17. Existem igualmente reuniões e vistorias periódicas para licenciamento dos estádios, nas quais se atende, sobretudo, a questões de segurança (testemunha: G…….).
18. A concentração das "claques" nessas bancadas também é benéfica, em termos comerciais, para a Demandante, pois, permite que os melhores lugares do seu estádio fiquem livres para outros sócios que podem pagar mais por eles (testemunha: F………..).
19. É necessário efetuar um pedido junto do Departamento de Sócios da Demandante, do Departamento de Casas do Benfica ou junto do Oficial de Ligação de Adeptos, para a utilização de material coreográfico num determinado jogo (testemunhas: E………… e F……….).
20. Esse pedido é instruído com um desenho, fotografia ou plano do material em causa (testemunhas: E……….. e F……….).
21. A Demandante realiza um controlo prévio ao conteúdo do material coreográfico, de acordo com um procedimento específico que tem instituído para o efeito, sendo que tal controlo contempla uma análise das mensagens das bandeiras, tarjas e faixas (testemunhas: C………, H…………. e E……..).
22. O material coreográfico entra no estádio da Demandante antes do início dos jogos (cerca de 3h antes) e após ter sido examinado o seu conteúdo; subsequentemente, esse material é colocado nos respetivos locais sob supervisão de Assistentes de Recinto Desportivo (ARD) e de elementos da empresa ......... (empresa contratada pela Demandante para o efeito), por forma a que, quando os adeptos entram no estádio, já esteja tudo preparado (testemunhas: D…………., H……. e F……….).
23. O procedimento é idêntico para todo o material coreográfico, seja tal material provindo das "claques" DV e NNB, seja esse material provindo de quaisquer outros sócios ou entidades relacionadas com o SLB, como por exemplo de "Casas do Benfica" (testemunha: H……..).
24. Há um maior controlo na entrada dos membros das referidas "claques' ou seja, revistas pessoais mais rigorosas (testemunhas: C…….. e E………….).
25. No decurso dos referidos jogos, nas bancadas do Estádio da Luz, designadamente na bancada onde se concentram os adeptos afetos aos NNB, foram ostentadas bandeiras de grandes dimensões.
26. No jogo disputado entre a Demandante e a Futebol Clube do Porto Futebol SAD, foi exibida na bancada onde se concentram os adeptos afetos aos NNB, uma faixa de grandes dimensões, com os dizeres "Honrem o Manto Sagrado" com simbologia e cores publicamente identificada com os referidos NNB, em especial os "dois N invertidos' .
27. Após o términus do jogo referido no número anterior os stewards ao serviço da Demandante auxiliaram a retirada de uma faixa de grandes dimensões, colocada no primeiro anel, onde se vê a palavra "Benfica" escrita com um "N" invertido.
28. No dia do jogo realizado entre a Demandante e o Futebol Clube Paços de Ferreira, Futebol SDIJQ, em 23.09.2017, antes da abertura de portas, e quando o perímetro de segurança estava encerrado, adeptos conotados com os DV, sem forçar o dito controlo, fizeram chegar ao interior do estádio material coreográfico.
29. Nesse mesmo jogo (SLB - Paços de Ferreira), por pessoas ostentando a sobreveste Organização do Jogo (O]), foi desfraldada e exibida no estádio da Demandante, por cima do setor 28 do piso zero, no varandim do piso 1, uma faixa de cor vermelha com letras capitais de cor amarela contornada a preto e os dizeres "Demasiado Fiéis", seguido do emblema do SLB aposto numa coroa de louros verde com rebordo branco "Para Desistir!" e, por baixo, também em letras capitais em branco "Honra Agora Os Ases" (emblema) "Que Nos Honram o Passado"; por cima da maratona norte, servindo de varandim ao setor 28 do piso O, foi afixada uma faixa de cor vermelha em iguais letras capitais de cor amarela contornada a preto com os dizeres "Sector" separando "Sec" e "Tor" o escudo nacional e, por baixo, em letras capitais de cor branco, a palavra "Infernum" em letras da mesma cor, a numeração romana MCMLXXXII (1982); foram também usados diversos símbolos dos DV, entre os quais, um mundialmente conhecido logotipo da banda inglesa Rolling Stones (...), que representa não apenas os lábios do vocalista Mick Jagger mas também a rebeldia e irreverência do grupo. Foram ainda usadas bandeiras de grandes dimensões com cores, alusão e símbolos dos DV. Foram expostas tarjas dos DV com origem na Suíça e em Tomar. No interior da porta 28 A exclusiva para o sector 28 do piso zero foi percetível que o Sr. A…………. Suposto líder dos DV, tinha na sua posse um considerável número de títulos de ingresso anuais que a Demandante denomina de "Red Pass", pessoais, mas transmissíveis, fazendo a gestão das pessoas que acediam àquele setor. Em alguns cânticos evocaram a expressão "Diabos Vermelhos'
30. Nesse mesmo jogo, e também antes da abertura de portas, adeptos conotados com os NNB, sem forçar e sem passar o perímetro de segurança em frente à porta 18, entregaram sacos com material coreográfico habitualmente exposto nos eventos do SLB que receberam pessoas ligadas à Organização do Jogo.
31. Essas pessoas seguiram depois em direção à porta que permite o acesso ao piso 2. Depois de controlado o material coreográfico, pessoas ostentando a sobreveste OJ, acederam à bancada do piso 0 e à bancada do piso 1, desfraldaram-no e deixando-o exibido no estádio da seguinte forma: a faixa com os dizeres "E Pluribus Unum Sport Lisboa e Benfica O Glorioso Desde 1904", aposta no varandim do piso 1 sobre os setores usados pelo GOA NNB ostenta dois "N" invertidos. Tem a precedê-la a esfinge de Cosme Damião, um dos fundadores do clube, seguido do lema "E Pluribus Unum" e do emblema do clube. Ao meio segue-se a expressão "Sport Lisboa e Benfica" e, logo depois, estão estilizados e contabilizados os troféus ganhos pelo clube, terminado com a indicação "O Glorioso Desde 1904". Os "NN" invertidos são modo representativo e inequívoco do "No Name". Em alguns cânticos evocaram a expressão "No Name".
32. Num dos cânticos que divulga pelas redes sociais e entoa para apoio à SLB, designadamente no setor reservado a este grupo no Estádio da Luz, a claque NNB autodenomina-se "o braço armado do Benfica'
33. Na página oficial do Facebook da Demandante existem alusões às duas "claques" supra referidas.
34. A Demandante tem conhecimento de que os DV e NNB não se encontram, nem se encontravam à data dos jogos objeto dos presentes autos, constituídos como associação e registados junto do Instituto Português do Desporto e Juventude (IPDJ).
35. Entre 2008 e 2017, correram termos no IPDJ dois processos contraordenacionais, tendo ambos por objeto o alegado apoio da Demandante a grupos não organizados de adeptos, sendo que, no primeiro processo, a Demandante foi absolvida por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa já transitado em julgado e, no segundo processo, a Demandante foi absolvida em instância, tendo o Ministério Público interposto recurso.
36. Em 2009, o Ministério Público junto do Departamento de Investigação e Ação Penal de Lisboa, deduziu acusação contra-alegados elementos dos NNB por vários ilícitos criminais.
37. Em todos os jogos dos autos a Demandante foi sancionada por mau comportamento dos seus adeptos instalados nos setores das bancadas topo sul e topo norte piso O, nomeadamente pelo uso de materiais pirotécnicos tais como, potes de fumo, petardos, tochas, flash lights.
38. Entre 2016 e 2018 surgiram publicadas na imprensa desportiva, escrita e digital, várias notícias relativas às "claques" da Demandante e à sua ilegalidade, bem como o eventual apoio às mesmas.
39. Em 17 de Fevereiro de 2014, foi a Demandante notificada, por ofício do IPDJ com a Ref. OE para remeter o Regulamento de Segurança e Utilização dos Espaços de Acesso público (RSUEAP) do seu Estádio, para cumprimento do disposto no artigo 7.2 da Lei n.º 39/2009, de 30 de julho.
40. Por força da iniciativa promovida pelo IPDJ, a Demandante remeteu o RSUEAP do seu Estádio em 21.10.2014.
41. Em 2 de Dezembro de 2014, foi elaborada a do IPDJ a qual concluiu "que se encontram consagrados todos os requisitos que lhe são inerentes... os quais materializam os regulamentos de segurança e de utilização dos espaços de acesso público, considerando-se existirem condições para o registo... solicitando-se autorização para o fazer".
42. Após pareceres superiores de concordância, foi exarado Despacho de "concordância e autorização", em 4 de dezembro de 2014.
43. Assim, nas revisões que a Demandante foi apresentando do seu RSUEAP junto do IPDJ, fruto de notificações prévias deste Instituto, e a fim de colmatar os vícios que lhe iam sendo apontados, apresentou as diferentes e seguintes formulações:
a) "Procedimentos de Emergência e Planos de Contingência" de outubro de 2003, quando descreve que "A planto 5 mostra o piso 0... a planta mostra também a localização dos lugares destinados às "claques" do Benfica Diabos Vermelhos e No Name Boys...'
b) RSUEAP revisão de agosto de 2009, "no ponto IX - Vigilância de Grupos de Adeptos - O SLB não possui, à data, qualquer grupo organizado de adeptos. Possui, no entanto, grupos de sócios com características semelhantes aos chamados grupos legalizados, pelo que, dada a sua especificidade em tudo semelhante, se vê obrigado a manter com estes um relacionamento idêntico'
c) RSUEAP alteração de agosto de 2014, "no ponto IX - Vigilância de Grupos de Adeptos - O SLB não possui, à data, qualquer grupo organizado de adeptos (GOA). Possui, no entanto, grupos de sócios com características semelhantes aos chamados grupos legalizados, pelo que, dada a sua especificidade em tudo semelhante, se vê obrigado o manter com estes um relacionamento idêntico'
d) RSUEAP 4ª alteração de abril de 2016, "no ponto IX - Vigilância de Grupos de Adeptos - O SLB constata que existem dois grupos de sócios, que se associam de forma espontânea, em setores distintos do anel inferior do estádio (piso O). Embora não os reconheça como GOA, não pode deixar de constatar que manifestam comportamento e atitudes enquanto tal, adquirindo "lugares de época" (vulgo lugar cativo) todos juntos entre si'.
44. Nos termos da decisão proferida pelo IPDJ sob a Inf. 229/DJA/2017, de 19 de Julho de 2017, notificada à Demandante, foi declarada a nulidade do despacho que autorizou o registo do RSUEAP face ao reconhecimento, de facto, dos seus Grupos Organizados de Adeptos, sem que se encontrassem registados junto daquele Instituto.
45. Atenta a inexistência de RSUEAP aprovado e registado pelo IPDJ, a Demandante foi notificada da impossibilidade de realização de espetáculos desportivos no Estádio da Luz até à regularização da situação com efeitos reportados à data da notificação, ou seja, em 28 de julho de 2017.
46. A Demandante foi, ainda, advertida de que o incumprimento da decisão decretada pelo IPDJ a tornaria incursa em ilícito criminal, nomeadamente, pelo crime de desobediência.
47. A Demandante apresentou, subsequentemente, uma nova versão do RSUEAP, em 31 de julho de 2017, suprindo todos os vícios que impediam o respetivo registo.
48. Nesta nova versão do RSUEAP, consta no "no ponto IX - Vigilância de Grupos de Adeptos - a. Sem prejuízo das orientações que sejam definidas pelas forças de segurança e dos poderes que lhes estão conferidos pelo artigo 13º da Lei nº 39/2009, de 30 de Julho, na redação da Lei nº 52/2013, de 25 de Julho, em matéria de fiscalização e de controlo das medidas de segurança, mediante autorização prévia do SLB, para as bancadas topo sul piso 0 (setores 5 a 12) e topo norte piso 0 (setores 27 e 28), é permitida a entrada de bandeiras e tarjas com símbolos e mensagens de apoio ao SLB, desde que não contenham quaisquer símbolos ou referências a grupos ou outra simbologia com mensagens ofensivas, de carácter racista ou xenófoba. As hostes das bandeiras deverão ser de material flexível (do "tipo PVC" ou similar)".
49. Deste modo, a Demandante foi notificada do registo do respetivo regulamento (RSUEAP) e, consequentemente, da cessação da impossibilidade de realização de espetáculos desportivos no seu Estádio, a partir de 31 de julho de 2017.
50. A Demandante não oferece bilhetes aos membros das "claques" DV e NNB (testemunhas: B……, G……….., C……… e E………..).
51. A Demandante não financia a aquisição de material coreográfico para as 'claques" DV e NNB (testemunhas: C………… e E…….).
52. No estádio da Demandante não há nenhum lugar específico para se guardar o material coreográfico das "claques" DV e NNB. Esse material chega sempre numa carrinha no próprio dia dos jogos (testemunha: D………..).
53. A Demandante tem uma postura positiva no que respeita à colaboração com as forças de segurança, bem como às condições de segurança e de limpeza dos recintos (estádio e acessos) utilizados por adeptos e sócios (testemunha: D…………).
54. A Demandante desenvolve regularmente ações de formação tendentes a sensibilizar os seus sócios e adeptos para ética desportiva e, em particular, tendo em vista prevenir comportamentos violentos e xenófobos (testemunhas: G…………, B………… e F………..).
55. A Demandante colabora com a Liga Portuguesa de Futebol Profissional em tudo o que respeita a matérias de segurança (testemunha: G……….).
56. À data dos factos, a Demandante apresentava antecedentes disciplinares.”

3. O TAD, depois de considerar que a norma do art.º 118.º, do RDLPF (Regulamento Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional), não era aplicável à situação dos autos – em virtude de a sua aplicação, sendo meramente residual, depender de o ordenamento jurídico-desportivo não prever outra norma específica reguladora das condutas sancionadas, o que no caso não se verificava, dado o que dispunha o art.º 14.º, da Lei n.º 39/2009 e porque não se provara quaisquer consequências negativas da utilização do material coreográfico pelas “claques” – e de entender que a competência para a aplicação das sanções previstas naquele art.º 14.º era exclusiva do IPDJ, concluiu que as deliberações impugnadas eram nulas por enfermarem do vício de incompetência absoluta, concedendo, assim, provimento à impugnação da ora recorrida.
Deste acórdão, a FPF interpôs recurso para o TCA-Sul, cujo âmbito foi ampliado pela ora recorrida nas suas contra-alegações, onde impugnou a matéria de facto dada por provada e imputou vários vícios às deliberações do CD da FPF que não haviam sido conhecidos pelo TAD.
O TCA-Sul, através do acórdão agora recorrido, decidiu negar provimento ao recurso e julgar prejudicado o conhecimento da aludida ampliação, confirmando, assim, o acórdão do TAD, com a seguinte fundamentação:
“(…)
Erro de julgamento de direito.
O presente recurso tem por objeto, na sua origem, a punição da recorrida Sport Lisboa e Benfica – Futebol SAD pela prática de infração disciplinar, prevista e punida pelo art 118º do Regulamento Disciplinar das Competições Organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional (RDLPFP/ 2017) – inobservância qualificada de outros deveres – fundada na inobservância dos deveres previstos no art 6º, als a), c), l) e n) e no art 11º do Anexo VI do RC LPFP (Regulamento de Prevenção da Violência), bem como no art 7º, nº 1 e 2; no art 8º, nº 1, als e), i) e n) e no art 14º da Lei nº 39/2009, de 30.7, na redação dada pela Lei nº 52/2013, de 25.7 (Regime Jurídico do Combate à Violência, ao Racismo, à Xenofobia e à Intolerância nos Espetáculos Desportivos), e consequente aplicação da sanção de multa, no valor de €: 28.688,00 e de €: 5.740,00, e, ainda, na sanção de interdição do recinto desportivo por 5 jogos.
Neste recurso a recorrente Federação Portuguesa de Futebol imputa ao acórdão do TAD erro de julgamento na interpretação e aplicação do Direito, desde logo porque «partiu de uma premissa errada – fixou mal o objeto do processo – para daí retirar a sua decisão, fazendo completa tábua rasa de tudo quanto havia dado como factualidade provada».
Não assiste razão à recorrente, porque, desde já se adianta, não estão preenchidos os elementos típicos objetivos da norma do art 118º do Regulamento Disciplinar das Competições Organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional.
Mas passamos a explicar.
No âmbito das infrações disciplinares graves, dispõe o art 118º do Regulamento Disciplinar das Competições Organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional, com a epígrafe Inobservância qualificada de outros deveres, o seguinte:
Em todos os outros casos não expressamente previstos em que os clubes deixem de cumprir os deveres que lhes são impostos pelos regulamentos e demais legislação desportiva aplicável de modo que dessa sua conduta resulte, ainda que não intencionalmente, a criação de uma situação de perigo para a segurança dos agentes desportivos ou dos espectadores de um jogo oficial, de risco para a tranquilidade e a segurança públicas, de lesão dos princípios da ética desportiva ou da verdade desportiva ou de grave prejuízo para a imagem e o bom nome das competições de futebol são punidos com a sanção de interdição do seu recinto desportivo a fixar entre o mínimo de um e o máximo de três jogos e a sanção de multa de montante a fixar entre o mínimo de 50 UC e o máximo de 250 UC.
Como bem identifica a recorrente, na conclusão de recurso nº 51, os elementos essenciais, de verificação cumulativa, da infração disciplinar prevista e punida neste preceito legal são:
(i) o facto do agente (que tanto pode traduzir-se numa ação como numa omissão);
(ii) a ilicitude desse mesmo facto (incumprimento de deveres dos promotores do espetáculo desportivo e criação de perigo, risco grave prejuízo); e
(iii) a culpa. No plano da culpa basta que estejamos face a um comportamento meramente culposo ou negligente do agente, para que tal comportamento, - desde que ilícito - seja passível de punição disciplinar.
Ora vem imputado à recorrida a violação dos deveres que decorrem do art 14º, nº 2 da Lei nº 39/2009, de 30.7, na redação dada pela Lei nº 52/2013, de 25.7 (que passamos a citar como Lei nº 39/2009), ou seja, o incumprimento do dever de atribuição de apoios [nomeadamente através da concessão de facilidades de utilização ou cedência de instalações, apoio técnico, financeiro ou material] apenas aos grupos organizados de adeptos que se encontrem registados junto do Instituto Português do Desporto.
No entender da recorrente, resulta dos factos provados que a Recorrida, enquanto promotora do espetáculo desportivo, apoia dois grupos organizados de adeptos, não registados no IPD, denominados No Name Boys e Diabos Vermelhos. Isto porque, alega a recorrente:
(i) no início de cada época desportiva, há uma reunião para definir os lugares afetos aos Grupos Organizados de Adeptos NN e DV (facto provado nº 16);
(ii) houve, em todos os jogos objeto dos presentes autos, um controlo prévio do material coreográfico, que foi examinado e colocado nos respetivos locais por empresas contratadas pela Recorrida para o efeito (facto provado nº 14º, 21º, 22º e 30º);
(iii)os Grupos Organizados de Adeptos NNB e DV são alvo de revistas pessoais mais rigorosas (facto provado nº 24º);
(iv) os NNB e DV, nos jogos dos autos [em 14.1.2017, 22.1.2017, 5.2.2017, 10.2.2017, 24.2.2017, 13.3.2017, 1.4.2017 e 23.9.2017], ostentaram bandeiras de grandes dimensões (facto provado nº 25).
A recorrente lê nestes factos o apoio, facilitação e colaboração - traduzida, designadamente, na introdução de bandeiras e tarjas de grandes dimensões para determinadas zonas dos estádios, introdução permitida antes da abertura de portas por pessoas credenciadas ligadas à organização do jogo ou para este contratadas pela Recorrida - do próprio clube recorrido aos Grupos Organizados de Adeptos NN e DV como se de GOA material e legalmente se tratasse, tal como o exige o disposto no art 14º, nº 1 da Lei nº 39/2009.
A recorrente considera ainda estar demonstrado nos autos que a recorrida, em virtude da violação dos deveres que lhe são impostos pelo art 14º, nº 2 da Lei nº 39/2009, mesmo que não intencionalmente, colocou-se nas três situações que a norma violada delimita, por:
1. criar uma situação de perigo para a segurança dos agentes desportivos ou dos espectadores de um jogo oficial;
2. criar uma situação de risco para a tranquilidade e a segurança públicas;
3. criar grave prejuízo para a imagem e o bom nome das competições de futebol.
Para tanto a recorrente afirma que:
- o material coreográfico como aquele que foi utilizado nos jogos dos autos, que cobre uma grande parte da bancada, faz perigar os espectadores instalados nessa mesma bancada, podendo produzir resultados ainda mais graves se levarmos em conta as deflagrações de pirotecnia que ocorreram nos jogos em causa.
- É notório e público o clima de receio e insegurança gerado por grupos que atuam à margem da lei e que, incompreensível e ilegitimamente são suportados e apoiados pela Recorrida, conforme vários exemplos facilmente colhidos junto das forças de segurança. São, legitimamente, inúmeras as pessoas e famílias que sentem a sua tranquilidade e segurança postas em causa se se deslocarem aos jogos da Recorrida, até porque veem as forças de segurança enfraquecidas na sua ação por tais grupos não estarem constituídos em associações e escaparem deste modo ao recenseamento das suas identificações.
- A Recorrida, ao persistir no apoio ilegal a tais grupos que, consabida e reiteradamente, ano após ano, mantém-se numa situação de manifesta ilegalidade, afirmando, do mesmo passo, que "possui grupos de sócios com características semelhantes aos chamados grupos legalizados, pelo que dada a sua especificidade em tudo semelhante se vê obrigado a manter com este um relacionamento idêntico", a Recorrida desafia a regulação da competição, colocando em crise o bom nome da mesma. De resto, os autos demonstram como a imagem e o bom nome das competições de futebol andam a ser inexoravelmente postos em causa: desde o apoio ilegal a GOA's que se autodenominam, publicamente, "o braço armado do Benfica", em todos os jogos dos autos estes adeptos pertencentes aos GOA tiverem comportamentos incorretos, a reportagens, notícias, autos de contraordenação, acusações em processos-crime, tudo contra os tais Grupos Organizados de Adeptos não registados e respetivos membros, entre outros, que denigrem esta mesma imagem e bom nome, reportando-se à persistência das NNB e dos DV em situação ilegal e à íntima relação de suporte destas pela Recorrida.
Conclui assim a recorrente que a Recorrida ao:
i) permitir, facilitar e colaborar na entrada nas suas instalações e permanência exclusiva nas bancadas topo sul e topo norte piso 0 das referidas bandeiras, tarjas e faixas de grandes dimensões de apoio ao clube e com símbolos e referências aos dois grupos organizados de adeptos;
ii) ao autorizar e afetar os pisos zero das bancadas topo norte e topo sul fundamentalmente aos adeptos pertencentes às claques DV e NNB;
iii) ao apoiar e colaborar, nomeadamente através da disponibilização de pessoal afeto à sua estrutura e da concessão de facilidades de utilização de instalações por grupos de adeptos organizados não legalizados;
iv) ao constatar que existem dois grupos de sócios, que embora não os reconheça como GOA, não deixa de assumir que manifestam comportamento e atitudes enquanto tal, adquirindo "lugares de época (vulgo lugar cativo) todos juntos entre si";
v) ao adotar um Regulamento de Segurança e de Utilização dos Espaços de Acesso Público do Estádio da Luz permissivo com a situação ilegal dos grupos de adeptos não legalizados, atenta «contra bens jurídicos relativos à segurança dos agentes desportivos e dos espetadores, à tranquilidade e segurança públicas, e à imagem e o bom nome das competições de futebol», constituindo comportamento previsto e punido pelo ordenamento jus disciplinar desportivo, não se abstendo, porém, de o adotar.
A conduta da recorrida relativamente às «claques» dos Diabos Vermelhos e dos No Name Boys, que sabe não se encontram, nem se encontravam à data dos jogos objeto dos autos, constituídas como associação e registadas junto do Instituto Português do Desporto e Juventude, configura a ilicitude do art 118º do RD FPFP se, por um lado, lhes conceder apoios, nomeadamente através da concessão de facilidades de utilização ou cedência de instalações, apoio técnico, financeiro ou material, em violação do disposto no art 14º, nº 2 da Lei nº 39/2009, e também, cumulativamente, as «claques» em causa nos jogos visados nos autos tenham gerado um resultado de perigo concreto para os valores protegidos pela norma (a segurança pública, os princípios da ética e da verdade desportiva, a imagem e o bom nome das competições de futebol).
Os factos provados demonstram, pelo menos, o apoio da recorrida às duas claques presentes nos jogos de 14.1.2017, 22.1.2017, 5.2.2017, 10.2.2017, 24.2.2017, 13.3.2017, 1.4.2017 e 23.9.2017, no que concerne à instalação e desinstalação do material coreográfico usado pelas mesmas – bandeiras, faixas, tarjas (cfr. maxime, nº 25 a 31 dos factos provados).
No entanto, os factos provados não demonstram que a utilização das bandeiras, faixas, tarjas nos jogos dos autos – cfr. factos provados sob os nº 25, 26, 29, 31 – tenha criado uma situação de efetivo perigo de lesão dos bens jurídicos tutelados pelo art 118º do RD LPFP.
Na verdade, para demonstrar a verificação do perigo efetivo que a norma exige, a recorrente trás à colação, como bem nota a recorrida, «outros processos disciplinares» e, em concreto, o facto provado sob o nº 37, com o seguinte teor: em todos os jogos dos autos a demandante foi sancionada por mau comportamento dos seus adeptos instalados nos setores das bancadas topo sul e topo norte, piso 0, nomeadamente pelo uso de materiais pirotécnicos, tais como potes de fumo, petardos, tochas, flash lights.
Sucede que o apoio provado da recorrida às claques DV e NNB, traduzido na permissão de bandeiras, faixas e tarjas no interior dos estádios de futebol no decurso dos jogos dos autos, não criaram as situações de perigo concreto descritas no art 118º do RD LPFP, designadamente situações de insegurança.
A norma define um ilícito disciplinar de perigo concreto porque, na construção do tipo, o perigo vale o mesmo que o dano, porque é o perigo que constitui a forma de violação do bem jurídico; o perigo é elemento do tipo legal, sendo os bens jurídicos protegidos a segurança pública, os princípios da ética e da verdade desportiva, a imagem e o bom nome das competições de futebol).
Pese embora a entrada, a instalação, o uso, a desinstalação de material coreográfico pelas claques dos DV e NNB nos jogos assinalados nos autos, dessa utilização não resulta provada a verificação de um concreto pôr-em-perigo, face à previsão no tipo de ilícito da criação de perigo para a segurança pública. O mesmo é dizer, como decidiu o tribunal recorrido, que, provando-se somente a concessão de apoios a grupos organizados de adeptos/ claques que não estejam devidamente registados junto do IPDJ, o promotor do espetáculo desportivo incorre na prática da infração prevista e punida, apenas, pelo art 14º, nº 2, nº 7 e 8 da Lei nº 39/2009. Resultando ainda desta norma que a entidade competente para aplicar as sanções ao promotor do espetáculo desportivo, por concessão de apoio a grupos organizados de adeptos não constituídos como associações e registados junto do IPDJ, é apenas e tão somente este Instituto.
Em suma, a Federação Portuguesa de Futebol na situação provada nos autos não podia aplicar e punir a Sport Lisboa e Benfica nos termos do art 118º do RD FPFP, por não estar verificado o perigo que constitui elemento do tipo legal.
Todavia, a Federação Portuguesa de Futebol não dispunha de competência legal para punir e aplicar à Sport Lisboa e Benfica o disposto no art 14º, nº 2, 7 e 8 da Lei nº 39/2009.
O que significa que o recurso interposto pela FPF improcede também nesta parte.
Da ampliação do âmbito do recurso, relativa à impugnação da matéria de facto e aos fundamentos do recurso interposto para o TAD e que não foram conhecidos pela decisão recorrida.
A recorrida requereu a ampliação do objeto do recurso.
A ampliação do objeto do recurso, prevista no artigo 636º do CPC, pressupõe apenas que o fundamento ou fundamentos invocados para escorar a decisão favorável não foram acolhidos.
Tendo o desfecho da ação sido favorável à recorrida, por o TAD ter concedido provimento aos recursos por si interpostos dos acórdãos condenatórios, os quais foram revogados, não cabia à recorrida reagir mediante a interposição de recurso (nem subordinado, nem independente), antes mediante a ampliação do objeto do recurso nas contra-alegações, de forma a obter uma resposta favorável às questões que suscitou, prevenindo o eventual acolhimento pelo tribunal ad quem dos argumentos de facto ou de direito suscitados pelo recorrente – neste sentido, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 1, Almedina, Coimbra, 2018, págs. 324-325.
Porém, considerando a improcedência do recurso interposto pela Federação Portuguesa de Futebol, fica prejudicado o conhecimento da ampliação do objeto do recurso pela recorrida, por o mesmo constituir argumentação meramente subsidiária e à cautela, a apreciar e a decidir apenas no caso da procedência do recurso.
Assim sendo, julga-se prejudicado o conhecimento da ampliação do recurso”.
Na presente revista, a recorrente alega que, atento à autonomia que existe entre o ilícito de mera ordenação social e o disciplinar e uma vez que o Conselho de Disciplina não aplicou o art.º 14.º, da Lei n.º 39/2009, mas o art.º 118.º, do RDLPFP, não se verificava o vício de incompetência absoluta, devendo considerar-se que estão preenchidos os elementos do tipo legal deste preceito, por resultar da prova produzida que a recorrida apoia dois grupos organizados de adeptos não registados no IPDJ e que foi criada uma situação de perigo concreto e causado um grave prejuízo para a imagem e bom nome da competição.
Vejamos se lhe assiste razão.
No acórdão recorrido entendeu-se que as deliberações punitivas aplicadas pelo Conselho de Disciplina enfermavam do vício de incompetência absoluta com base no raciocínio seguinte:
- O art.º 118.º, do RDLPFP, define um ilícito disciplinar de perigo concreto;
- Não está provado que o apoio da recorrida às “claques”, consubstanciado na permissão de entrada para o recinto desportivo de bandeiras, faixas e tarjas tenham criado alguma das situações de perigo referidas naquele art.º 118.º;
- Assim, a concessão de apoios a grupos organizados de adeptos que não estão devidamente registados junto do IPDJ só poderia ser punida nos termos do art.º 14.º, nºs. 2, 7 e 8, da Lei n.º 39/2009, para o que a FPF carece de competência, por esta caber exclusivamente àquele Instituto.
Entendemos, porém, que esta situação é susceptível de configurar um vício de violação de lei, por não estarem demonstrados os elementos típicos do referido art.º 118.º, mas nunca de incompetência absoluta. Efectivamente, o Conselho de Disciplina tinha competência para aplicar – como aplicou – a sanção disciplinar prevista no preceito; se a aplicou erradamente, por não estarem reunidos todos os seus pressupostos, infringiu a norma. Assim, porque a competência se afere face à norma que foi aplicada e é indubitável que o Conselho de Disciplina dispunha de competência para o efeito, não se pode entender que as deliberações punitivas enfermam do vício de incompetência absoluta.
Portanto, o que importa averiguar é se essas deliberações violam o mencionado art.º 118.º que dispunha:
“Em todos os outros casos não expressamente previstos em que os clubes deixem de cumprir os deveres que lhes são impostos pelos regulamentos e demais legislação desportiva aplicável de modo que dessa sua conduta resulte, ainda que não intencionalmente, a criação de uma situação de perigo para a segurança dos agentes desportivos ou dos espectadores de um jogo oficial, de risco para a tranquilidade e segurança públicas, de lesão dos princípios da ética desportiva ou da verdade desportiva ou de grave prejuízo para a imagem e o bom nome das competições de futebol são punidos com a sanção de interdição do seu recinto desportivo a fixar entre o mínimo de um e o máximo de três jogos e a sanção de multa de montante a fixar entre o mínimo de 50 UC e o máximo de 250 UC”.
Porém, porque o TCA-Sul considerou prejudicado o conhecimento da ampliação do âmbito do recurso para ele interposto e aí se suscitavam questões – como a da inconstitucionalidade de normas aplicáveis e da impugnação da matéria de facto considerada provada pelo TAD – susceptíveis de influenciarem a decisão quanto ao preenchimento dos elementos típicos da referida norma do art.º 118.º (designadamente quanto à existência de apoios concedidos pela recorrida às “claques”) e uma vez que este Supremo não pode delas conhecer (cf. art.º 679.º, do CPC, que exclui da aplicação ao recurso de revista a regra da substituição do tribunal recorrido estabelecida pelo art.º 665.º, n.º 2, do mesmo diploma), teremos de cingir a decisão à questão de saber se é possível vir a considerar infringido aquele art.º 118.º ou se, pelo contrário, se pode concluir, desde já, que os seus elementos típicos nunca se mostrarão preenchidos. Por isso, não pode este tribunal apreciar a ampliação do âmbito do recurso efectuada pela recorrida, devendo limitar-se a determinar a baixa dos autos ao tribunal recorrido, caso conclua que a matéria susceptível de vir a ser dada por provada permite a aplicação das sanções disciplinares previstas no art.º 118.º.
Vejamos então.
A transcrita norma em apreço, ao exigir que da conduta da recorrida resulte a criação de uma situação de perigo para segurança dos agentes desportivos ou espectadores, ou de risco para a tranquilidade e segurança públicas, configura uma infracção de perigo concreto – e não de perigo abstracto ou presumido – onde o perigo é elemento constitutivo do tipo.
Conforme entendeu o acórdão recorrido, cremos que a matéria de facto é insuficiente para que se possa concluir que a conduta da recorrida, consubstanciada na permissão de entrada no recinto desportivo de tarjas e bandeiras “de grandes dimensões” criou um perigo efectivo nos termos exigidos pela norma. Com efeito, numa situação de normalidade das coisas, não se vê como esses adereços – cujas dimensões e características se desconhecem por não terem sido concretizadas – poderiam pôr em risco a segurança dos espectadores ou a tranquilidade e segurança públicas, sendo certo não se poder considerar uma consequência adequada da aludida conduta um eventual incêndio desse material provocado pelos artefactos pirotécnicos que nos jogos em causa foram utilizados pelas “claques”.
Mas a infracção disciplinar em questão também se consuma se for de concluir que a referida conduta da recorrida criou um grave prejuízo para a imagem e o bom nome das competições de futebol.
É notório que essa imagem e bom nome das competições profissionais de futebol está inexoravelmente ligada aos comportamentos das sociedades desportivas que nelas participam.
Ora, admitindo-se que as referidas claques estão em situação ilegal e que se vem a demonstrar, nos termos constantes dos factos dados por provados pelo TAD, uma conduta da recorrida que consubstancia um apoio às mesmas, cremos que se impõe a conclusão que – como se referiu no acórdão do Pleno do Conselho de Disciplina de 12/2/2019 que está em causa nos presentes autos – “a arguida desafia a regulação da competição, colocando em crise o bom nome da mesma” que, como vimos, está, para a comunidade em geral, dependente da imagem das sociedades desportivas que nela participam e que têm especiais deveres na assunção de medidas dissuasoras da violência associada ao desporto. Quando, como é o caso, se está perante um dos maiores clubes do país, sujeito uma cobertura noticiosa intensa e onde tudo o que lhe respeita goza de grande impacto junto do público, o desrespeito de normas tendentes à prevenção da violência no desporto terá uma ainda maior repercussão na imagem e bom nome das competições.
Assim, ao contrário do que entendeu o acórdão recorrido, não se pode afastar liminarmente, na situação em apreço, o preenchimento dos elementos da norma do citado art.º 118.º.
Procede, pois, a presente revista, devendo revogar-se o acórdão recorrido e determinar-se a baixa dos autos para apreciação da verificação dos requisitos de aplicação da aludida norma, tomando em consideração as questões suscitadas pela ora recorrida na ampliação do objecto do recurso.

4. Pelo exposto, acordam em conceder provimento ao recurso, revogando o acórdão recorrido e ordenando a baixa dos autos ao tribunal recorrido para os efeitos que ficaram referidos.
Sem custas.


Lisboa, 11 de Março de 2021.

O Relator consigna e atesta que, nos termos do disposto no art.º 15.º-A, do DL n.º 10-A/2020, de 13-03, aditado pelo art.º 3.º, do DL n.º 20/2020, de 1-05, têm voto de conformidade com o presente acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento, Conselheira Maria do Céu Neves e Conselheiro Cláudio Ramos Monteiro.