Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01045/15
Data do Acordão:11/23/2016
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FONSECA CARVALHO
Descritores:IVA
COMPENSAÇÃO
RENÚNCIA
DIREITO AO TRESPASSE E ARRENDAMENTO
PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
PRESCRIÇÃO
EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA
INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
Sumário:I - A renúncia onerosa do direito ao trespasse e arrendamento de estabelecimento comercial sem a efectiva transmissão do estabelecimento e a manutenção do ramo de actividade, com vista a possibilitar o senhorio a efectuar novo contrato de arrendamento do imóvel com terceiro para instalação de ramo diferente, deve ser tida como operação económica sujeita a IVA nos termos do nº 1 do artigo 4º do Código do Imposto sobre o valor acrescentado.
II - Muito embora a prescrição não constitua fundamento autónomo de impugnação judicial, a mesma pode, nessa sede, ser atendida como causa de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.
Nº Convencional:JSTA00069930
Nº do Documento:SA22016112301045
Data de Entrada:09/03/2015
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF AVEIRO
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR FISC - IVA.
Legislação Nacional:CIVA ART9 N30 ART2 ART4 ART1 ART2.
CCIV66 ART1112 N1 N2 ART304.
CIRS ART9 ART304.
LGT ART48 ART49.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC01204/10 DE 2011/05/18.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

I. Relatório:
1. A…………, identificado nos autos, vem interpor recurso da sentença do TAF de Aveiro, que julgou a impugnação improcedente com a consequente manutenção da liquidação adicional de IVA, do ano de 1996, uma vez que a operação material (cedência do estabelecimento a entidade bancária) efectuada pelo impugnante, independentemente da sua qualificação jurídica, cai nas normas de incidência do IVA e não em qualquer regime de isenção.

2. Apresentou as seguintes conclusões das suas alegações:
I. A operação realizada entre o recorrente e o Banco supra identificado, não configura um trespasse nem a do direito ao arrendamento;
II. O pagamento de que o ora recorrente beneficiou do Banco não constitui contrapartida da aquisição de qualquer bem ou direito, mas somente o preço que o Banco pagou para poder celebrar com a senhoria um novo contrato de arrendamento;
III. A operação realizada pelo Banco e pelo ora recorrente é, assim, uma operação acessória de locação, encontrando a sua justificação na pré existência de um arrendamento inicial, e, ocorrendo por sua causa;
IV. A operação em causa está, desta forma, abrangida pela isenção respeitante à locação (nº 30 do artigo 9º do CIVA) de acordo com a doutrina partilhada pela Comissão e pelo Tribunal de Justiça da Comunidade Europeia.
V. Invoca-se também a prescrição dos presentes autos já que a mesma é do conhecimento oficioso, dos autos constam todos os elementos necessários à sua apreciação que permitirão concluir que a mesma se consumou e na inutilidade superveniente da lide.
TERMOS EM QUE e melhores de direito deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência deverá:
a) Ser anulada a liquidação do IVA com base em errónea qualificação dos factos tributários que estão na sua origem, por tal ser ilegal;
b) serem declarados prescritos os presentes autos.
Assim se fazendo JUSTIÇA!

3. Não houve contra-alegações.

4. O magistrado do Ministério Público pronunciou-se no sentido de o recurso não merecer provimento, conforme o seguinte parecer:
Recorrente: A…………
Objecto do recurso: sentença declaratória improcedência da impugnação judicial deduzida contra liquidação de IVA (ano 1996) e respectivos juros compensatórios, no montante global de €21 564,11
FUNDAMENTAÇÃO
Questões decidendas:
- prescrição da obrigação tributária
- incidência de IVA sobre a contrapartida pecuniária pela renúncia ao direito ao arrendamento de estabelecimento comercial, sem prévio exercício pelo titular do direito de qualquer actividade comercial
1ª Questão
Não se verifica a alegada prescrição da obrigação tributária, emergente de IVA (ano 1996), em consequência da conjugação das seguintes premissas:
- início do prazo de prescrição em junho 1996 (mês de ocorrência do facto tributário; art.48° n°1 LGT redacção vigente em 1996);
- interrupção da prescrição com a dedução de impugnação judicial em 6 1999 (art.49° n°1 LGT);
- suspensão do prazo de prescrição com a prestação de garantia em data indeterminada mas anterior 6 abril 1999, determinante da suspensão da execução fiscal (informação fls.25; art. 49° n°4 LGT; art.169° n°1 CPPT);
- relevância autónoma do efeito suspensivo sobre eventual cessação do efeito interruptivo, provocado pela paragem do processo de impugnação judicial por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo (art.49° n°2 LGT redacção anterior à revogação pela Lei n° 53-A/2006, 29 dezembro; Jorge Lopes de Sousa Sobre a prescrição da obrigação tributária Notas Práticas 2ª edição 2010 pp.66/69)
2ª Questão
O STA-SCT tem destilado jurisprudência consolidada sobre a questão enunciada (com fundamentação convincente que merece a adesão do Ministério Público) designadamente nos acórdãos 20.10.1999 processo n°23 754; 12.04.2000 processo n°22 347; 12.12.2006 processo n° 904/06; 26.09.2007 Pleno SCT processo n° 232/07
Pela especial autoridade da formação que o subscreveu trancreve-se o sumário do último aresto identificado:
O pagamento efectuado, a título de compensação, para que o titular de um estabelecimento comercial de confeitaria o desactivasse para aí ser instalada uma agência bancária, está sujeita a IVA, nos termos do disposto no art. 4º, nº 1 do Código de Imposto sobre o Valor Acrescentado
A doutrina enunciada confere fundamento legal à liquidação de IVA e respectivos juros compensatórios objecto da impugnação judicial
CONCLUSÃO
O recurso não merece provimento.
A sentença impugnada deve ser confirmada.

5. Cumpre apreciar e decidir.

II. Fundamentos
De facto
A. O aqui Impugnante A………….. adquiriu pelo valor de Esc. 4.000.000$00 em Hasta Pública efectuada na 1ª Repartição de Finanças de Ílhavo no mês de Junho de 1996 o direito ao trespasse e arrendamento de um estabelecimento comercial sito na Avenida ……….. n° ……, Ílhavo, sendo dele proprietária B…………… (fls. 2, 11 e 19 dos Autos);
B. Em 19/07/1996 foi celebrado entre a proprietária B………… e o Banco …………. contrato de arrendamento das instalações identificadas em A), tendo intervindo como terceiro outorgante o aqui Impugnante e a sua mulher C…………….. declarando, na qualidade de arrendatários do imóvel, “renunciar desde já ao direito ao arrendamento perante a primeira outorgante e senhoria, nada tendo a receber desta” (fls. 10 a 16 dos Autos);
C. Em 19/07/1997 o Impugnante e sua mulher emitiram recibo declarando terem recebido do Banco …………., SA a quantia de Esc. 20.000.000$00 correspondentes à cessão do estabelecimento comercial com a seguinte discriminação: 4.700.000$00 por obras de beneficiação, 300.000$00 por mobiliário diverso, 200.000$00 por outros bens e mercadorias e 14.800.000$00 a titulo de compensação por renúncia ao arrendamento e mais declarando não estar a operação sujeita a IVA nos termos do artigo 3° n°4 do Código do IVA) (fls. 32 do Autos);
D. Ao Impugnante foi efectuada fiscalização externa ao obrigo da ordem de serviço 23288 no âmbito de acção inspectiva a sujeitos passivos que receberam indemnizações pagas por bancos para instalações de novos balcões (fls. 28 a 30 dos Autos e 2 e 3 do PA);
E. Na sequência da qual foi elaborado o respectivo Relatório, do qual consta o seguinte:
“O sujeito passivo adquiriu em Junho de 1996 o direito ao trespasse e arrendamento de um estabelecimento comercial, à 1ª Repartição de Finanças de Ílhavo por 4.000.000$00, conforme as guias de depósito em anexo a fls. 1 e 2.
Em Junho do mesmo ano recebe do Banco ………… a importância de 20.000.000$00 a título de cessão do referido estabelecimento comercial, conforme recibo em anexo 3.
Como o sujeito passivo não se encontra colectado em sede de IRS, entregou conjuntamente com a declaração de rendimentos mod. 2 o anexo B1 declarando a transacção efectuada como acto isolado do comércio.
Nos termos da al. a) do art° 2° do CIVA, são sujeitos passivos as pessoas singulares que tendo praticado uma só operação tributável, tal operação preencha os pressupostos da incidência real de IRS.
Por outro lado, nos termos do art° 3° do CIVA são consideradas transmissões de bens as cedências de bens corpóreos por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade.
A delimitação negativa desta regra existe no n° 4° do citado art° 3°, que possibilita a não sujeição desde que a transferência do estabelecimento fosse susceptível de um ramo de actividade independente. No caso em análise, o S. P. transmitiu apenas um direito, insusceptível de constituir por si só, um ramo de actividade autónomo, já que o S. P. adquiriu o estabelecimento em hasta pública não tendo chegado a exercer nele qualquer tipo de actividade e encontrando-se agora a funcionar um Banco, não resultando daqui a continuidade do exercício de uma actividade comercial ou industrial que é o pressuposto o básico da aplicação do regime da não sujeição previsto no artigo anteriormente referido.
Assim, a transacção referida encontra-se sujeita a IVA por força do disposto nos referidos artigos, pelo que o S. P. deveria ter apresentado a respectiva declaração e meio de pagamento de acordo com o disposto no art° 42° do CIVA.”
F. Na sequência daquela acção inspectiva e por carta datada de 03/12/1998 foi ao Impugnante notificada a liquidação adicional de IVA do ano de 1996 no montante de Esc. 3.400.000$00 e Juros Compensatórios no montante de Esc. 923.216$00, tudo pelo montante global de Esc. 4.323.216$00 (€21 564,11) e com prazo limite de pagamento voluntários nos 30 dias subsequentes ao da recepção (fls. 22 e 23 dos Autos);
G. A presente impugnação foi apresentada na Repartição de Finanças de Ílhavo em 01/04/1999 (fls. 2 dos Autos);

De direito
Perante os factos dados como provados o mº juiz passou a analisar a operação de renúncia a título oneroso do direito de trespasse no sentido de decidir se o mesmo era ou não passível de incidência do IVA
E considerando que no caso a venda desse direito deveria ser enquadrada em sede de IVA como uma prestação de serviços o mº juiz a quo considerou que a liquidação em causa não enfermava de ilegalidade alguma.

O recorrente como se vê do teor das suas alegações de recurso discorda de tal qualificação e reitera que no caso inexiste facto tributário gerador do imposto liquidado.
Considera que sendo a renúncia ao direito um contrato acessório do da locação esta operação se encontra isenta de IVA nos termos do artigo 9º nº 30 do CIVA
E alega também que caso assim se não entenda sempre a dívida decorrente desta liquidação se encontrava prescrita.
Está em causa a venda pelo impugnante pelo preço de esc 20 000 000$00 da renúncia ao direito ao trespasse a arrendamento do estabelecimento comercial sito na Av. ………… nº ….. em Ílhavo, adquirido em hasta pública pelo preço de 4.000 000$00 afim de o proprietário /senhorio efectuar contrato de arrendamento com terceiro para instalar no arrendado uma sucursal bancária.
Começaremos então por analisar se neste caso existe ou não facto tributário gerador de IVA já que para esse efeito esta operação porque única e isolada só pode relevar se for simultaneamente susceptível de ser onerada em sede de IRS ou IRC.
O CIVA no seu artigo 2º nº 1 al a) – norma de incidência subjectiva diz ser sujeito passivo de imposto a pessoa singular que de modo independente pratique uma só operação tributável quando independentemente da sua conexão com o exercício das actividades de produção comércio ou prestação de serviços tal operação preencha os requisitos da incidência relativamente a IRS ou IRC.
De facto a excepção da prescrição só relevará após a decisão desta primeira questão
Não estamos aqui efectivamente em presença do negócio jurídico do trespasse que como resulta do disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 1112 do Código Civil implica a transferência em conjunto das instalações utensílios mercadorias e outros elementos que integram o estabelecimento entendido como uma universalidade e consequentemente a manutenção da actividade comercial ou industrial aí exercida.
Não pode também ser encarada como acessória de uma operação de locação pelo arrendatário na medida em que a renúncia tem como efeito jurídico a extinção do direito renunciado, pelo que tal operação ganha autonomia e como tal tem que ser qualificada para efeitos de IVA.
Tratando-se da venda onerosa da renúncia ao direito ao arrendamento há então que verificar se esta operação sofre a incidência do IRS ou IRC e se relativamente a IRS em qual das categorias geradoras de rendimento se insere.
Em nosso entender o preço da renúncia deve ser considerado como rendimento da categoria G nos termos do artigo 9º do CIRS por ser um incremento patrimonial originado pela cessão onerosa da posição de trespassário/arrendatário do imóvel onde se situava o estabelecimento.
E para efeitos de IVA esta operação não pode deixar de ser qualificada como prestação de serviços nos termos do disposto no artigo 4º nº 1 do CIVA sujeita a imposto ex vi do disposto no artigo 1º al a) e 2º nº 1 Al. a) do CIVA.
Sendo assim esta a qualificação e não estando esta operação isenta de imposto a liquidação do IVA impugnado não merece censura.
Neste sentido os arestos citados na sentença recorrida cuja fundamentação se acolhe e também o acórdão do STA de 18 05 2011 in processo 01204/10 de que se transcreve o sumário na parte que ao caso interessa:
“- O pagamento efectuado, a título de compensação, ao titular do estabelecimento para que este renuncie ao arrendamento comercial de que é titular para possa ser celebrado pelo senhorio novo contrato de arrendamento sobre o imóvel, configurável como uma compensação pelo abandono da sua posição de inquilino, está sujeito a IVA, nos termos do n.º 1 do artigo 4.º do Código do Imposto sobre o valor acrescentado.”

Relativamente à invocada prescrição.
Como é sabido a prescrição não constitui fundamento autónomo de impugnação judicial do acto tributário donde dimana a dívida por tal acto não contender com a existência, perfeição e validade desse acto mas desde que completada permite ao beneficiário recusar o cumprimento da prestação ou de opor por qualquer modo ao exercício do direito prescrito. Cf. Artigo 304/1 do Código Civil.
Por tal razão a prescrição vem sendo atendida em sede de impugnação judicial como causa da extinção da instância por inutilidade superveniente da lide nos termos dos artigos por se tornar inútil em princípio conhecer da ilegalidade desse acto.
Mas desde já se adianta que a mesma não se verifica.
Emergindo a dívida de IVA (ano 1996), inicia-se o prazo de prescrição em junho 1996 (mês de ocorrência do facto tributário; art.48° n°1 LGT redacção vigente em 1996).
O prazo prescricional foi interrompido com a dedução de impugnação judicial em 6 abril 1999 (art.49° n°1 LGT); mas tendo sido prestada garantia antes de 6 Abril de 1999 para efeitos de suspensão da execução com vista à discussão da legalidade da liquidação, esta prestação de garantia tendo também, como efeito autónomo, a de suspender o prazo prescricional cuja interrupção cessara com paragem do processo de impugnação judicial por mais de um ano por facto não imputável ao sujeito passivo, faz com que o prazo prescricional não se reinicie enquanto não houver decisão com trânsito em julgado dessa impugnação cfr artigo 49/4 da LGT.
Porque no caso em apreço ainda não se verificou o trânsito dessa decisão tal excepção não se verifica.

Decisão
Face a todo o exposto acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.
Custas pelo Recorrente.

Lisboa, 23 de Novembro de 2016. – Fonseca Carvalho (relator) – Isabel Marques da Silva – Pedro Delgado.