Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0655/09.0BEPRT
Data do Acordão:05/10/2023
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
NÃO ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:Constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal que nada alegando o recorrente quanto à verificação no caso concreto de algum dos pressupostos legais do recurso e não sendo também evidente ou manifesta a importância jurídica ou social fundamental da questão decidenda ou a clara necessidade da revista “para melhor aplicação do direito” o recurso não será admitido, porquanto decorre dos artigos 144.º n.º 2 do CPTA e 639.º n.ºs 1 e 2 do CPC, subsidiariamente aplicáveis, que cumpre ao recorrente alegar e demonstrar a factualidade necessária para integrar a verificação dos referidos pressupostos.
Nº Convencional:JSTA000P30990
Nº do Documento:SA2202305100655/09
Data de Entrada:03/27/2023
Recorrente:A..., S.A.
Recorrido 1:AT AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório –

1 – A... S.A., com os sinais dos autos, vem, interpor para este Supremo Tribunal recurso de revista do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 15 de dezembro de 2022 que concedeu provimento ao recurso interposto pela Fazenda Pública da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgara procedente impugnação de liquidação adicional de Imposto do Selo, revogando a sentença recorrida e julgando improcedente a impugnação.

A recorrente conclui as suas alegações de recurso nos seguintes termos:

A. Atenta a factualidade provada a questão a decidir consubstancia-se em saber se a hipoteca constituída pela recorrente constitui uma hipoteca genérica ou se, pelo contrário, se destinou apenas a garantir o referido mútuo.

B. O artigo 1 nº 1 do Código de Imposto de Selo estabelece a incidência objetiva deste imposto, determinando que o mesmo incide sobre todos os atos, contratos, documentos, títulos, livros, papeis e outros factos previstos na Tabela Geral, incluindo a transmissão gratuita de bens.

C. Por seu turno, no que concerne à garantia, o ponto 10 da Tabela Geral do Imposto de Selo, estabelece que este imposto incide sobre tais atos, qualquer que seja a sua natureza ou forma, designadamente o aval, a caução, a garantia bancária autónoma, a fiança, a hipoteca, o penhor, o seguro-caução e salvo quando materialmente acessórios de contratos especialmente tributados na Tabela e sejam constituídos simultaneamente com a obrigação garantida, ainda que em instrumento ou título diferentes.

D. Isto é, o referido preceito legal estabelece três requisitos cumulativos para que as garantias não sejam tributadas em sede de imposto de selo, a saber:

a) A existência de acessoridade material entre a garantia e a obrigação;

b) A obrigação garantida seja especialmente tributada pela TGIS;

c) E simultaneidade entre o nascimento da obrigação garantida e a constituição da respetiva garantia.

E. No caso em apreço e no que respeita à simultaneidade entre o nascimento da obrigação garantida e a constituição da respetiva garantia as Instâncias não têm dúvidas, dado que o mútuo e a hipoteca foram constituídos no mesmo dia e no mesmo título.

F. Relativamente ao requisito da obrigação garantida estar especialmente tributado pela TGIS, também as Instâncias estão de acordo que a obrigação principal – o mútuo, está especialmente tributado.

G. A divergência entre as Instâncias prende-se, tão só, no que respeita à verificação de acessoriedade material.

H. Como resulta da escritura de mútuo com hipoteca e da subsequente escritura de retificação existe uma ligação efetiva entre a obrigação garantida – o mútuo, e a garantia prestada – a hipoteca.

I. Isto porque há concordância entre o mútuo concedido de € 3.500.000,00 e a garantia constituída de € 4.795.000,00, dado que de acordo com o artigo 693 do Código Civil a hipoteca garante o capital mutuado acrescido da taxa de juros compensatórios de 7%, acrescida da sobretaxa de mora de 4% e das despesas de € 140.000,00.

J. Como a própria recorrida reconhece em sede inspetiva, o Banco 1... promovia a constituição destas hipotecas com base em minuta previamente elaborada, onde este tipo de garantia era configurada como genérica.

K. Daí que se tivesse disponibilizado para outorgar a escritura de retificação, que mudou ab initio o objeto da garantia passando-a de genérica para específica.

L. Isto apesar do Banco 1... pela escritura de retificação ter visto reduzido o âmbito da sua garantia, o que apenas fez por ter sido lapso seu que redundou em prejuízo para a recorrente em matéria fiscal.

M. Da prova documental junta aos autos resulta pois provado que a vontade real e originária das partes era constituir uma hipoteca que garantisse tão só o mútuo concedido.

N. Depois e dada a efetiva ligação entre o mútuo concedido de € 3.500.000,00 e a hipoteca constituída destinada a garantir até € 4.750.000,00, nesta parte a garantia é acessória e por isso isenta de tributação, o que a recorrida ignorou.

O. Provas e argumentos que o Tribunal a quo desconsiderou fazendo uma errada interpretação e aplicação da lei.

Termos em que se requer a V Exas se dignem conceder provimento ao presente recurso de revista, revogando o douto Acórdão recorrido e confirmando a douta sentença proferida pela instância de julgamento, com as legais consequências

2 – Não foram apresentadas contra-alegações.

3 – Notificado para querendo emitir parecer sobre a admissão da revista, o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste STA entendeu não lhe caber emitir parecer nesta fase.

4 – Dá-se por reproduzido o probatório fixado no acórdão sindicado (fls. 7 a 15 da respectiva numeração autónoma).

Cumpre decidir da admissibilidade do recurso.


- Fundamentação –

5 – Apreciando.

Dos pressupostos legais do recurso de revista.

O presente recurso foi interposto e admitido como recurso de revista, havendo, agora, que proceder à apreciação preliminar sumária da verificação in casu dos respectivos pressupostos da sua admissibilidade, ex vi do n.º 6 do artigo 285.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

É que, embora a recorrente não invoque a disposição legal ao abrigo da qual interpõe recurso, este só pode ser o recurso excepcional de revista previsto no artigo 285.º do CPPT, pois que este é o único legalmente admissível de acórdãos do TCA em matéria especificamente tributária, como é o cado dos autos.

Dispõe o artigo 285.º do CPPT, na redacção vigente, sob a epígrafe “Recurso de Revista”:

1 – Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo, quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

2 – A revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual.

3 – Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o tribunal de revista aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado.

4 – O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.

5 – Na revista de decisão de atribuição ou recusa de providência cautelar, o Supremo Tribunal Administrativo, quando não confirme a decisão recorrida, substitui-a por acórdão que decide a questão controvertida, aplicando os critérios de atribuição das providências cautelares por referência à matéria de facto fixada nas instâncias.

6 – A decisão quanto à questão de saber se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do n.º 1 compete ao Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser objeto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da Secção de Contencioso Tributário.

Decorre expressa e inequivocamente do n.º 1 do transcrito artigo a excepcionalidade do recurso de revista em apreço, sendo a sua admissibilidade condicionada não por critérios quantitativos mas por um critério qualitativo – o de que em causa esteja a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito – devendo este recurso funcionar como uma válvula de segurança do sistema e não como uma instância generalizada de recurso.

E, na interpretação dos conceitos a que o legislador recorre na definição do critério qualitativo de admissibilidade deste recurso, constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal Administrativo - cfr., por todos, o Acórdão deste STA de 2 de abril de 2014, rec. n.º 1853/13 -, que «(…) o preenchimento do conceito indeterminado de relevância jurídica fundamental verificar-se-á, designadamente, quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intricado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou quando o tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina. Já relevância social fundamental verificar-se-á quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio. Por outro lado, a clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória - nomeadamente por se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária como condição para dissipar dúvidas – ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.».

Vejamos.

O presente recurso excepcional de revista vem interposto como se de um recurso ordinário se tratasse e esse não é o caso.

Em lado algum das suas alegações o recorrente sequer invoca que in casu se verifica algum dos pressupostos de que a lei faz depender a admissão do recurso, a saber que esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito (cf. o n.º 1 do art. 285.º do CPPT).

Ora, constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal que nada alegando o recorrente quanto à verificação no caso concreto de algum dos pressupostos legais do recurso e não sendo também evidente ou manifesta a importância jurídica ou social fundamental da questão decidenda ou a clara necessidade da revista “para melhor aplicação do direito” o recurso não será admitido, porquanto decorre dos artigos 144.º n.º 2 do CPTA e 639.º n.ºs 1 e 2 do CPC, subsidiariamente aplicáveis, que cumpre ao recorrente alegar e demonstrar a factualidade necessária para integrar a verificação dos referidos pressupostos, sendo que o ónus de alegação e demonstração da verificação dos pressupostos não se tem por cumprido se o recorrente apenas os enuncia, mediante a reprodução do texto da lei e considerandos doutrinais e jurisprudenciais sobre os mesmos, ao invés de alegar factualidade concreta susceptível de os integrar .

Por outro lado, a questão enunciada pelo recorrente como pretendendo que constitua objecto do recurso (em relação à qual houve divergência entre as instâncias) – a de saber se in casu se deve ter como verificada a “acessoriedade material “entre a garantia prestada e o mútuo concedido para efeitos de (não) sujeição ao Imposto do Selo previsto nas Verba 10 da TGIS -, não justifica a admissão da revista, pois que em causa está, apenas, a apreciação da prova produzida, matéria excluída do âmbito do presente recurso.


Concluindo:

Constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal que nada alegando o recorrente quanto à verificação no caso concreto de algum dos pressupostos legais do recurso e não sendo também evidente ou manifesta a importância jurídica ou social fundamental da questão decidenda ou a clara necessidade da revista “para melhor aplicação do direito” o recurso não será admitido, porquanto decorre dos artigos 144.º n.º 2 do CPTA e 639.º n.ºs 1 e 2 do CPC, subsidiariamente aplicáveis, que cumpre ao recorrente alegar e demonstrar a factualidade necessária para integrar a verificação dos referidos pressupostos.

Termos em que a revista não será admitida.


- Decisão -

6 - Termos em que, face ao exposto, acorda-se em não admitir o presente recurso de revista, por não se verificarem os respectivos pressupostos legais.

Custas do incidente pela recorrente.

Lisboa, 10 de Maio de 2023 - Isabel Marques da Silva (relatora) - Francisco Rothes - Aragão Seia.