Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 0626/12 |
Data do Acordão: | 11/07/2012 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | DULCE NETO |
Descritores: | RECLAMAÇÃO GRACIOSA PRAZO CONVENÇÃO PARA EVITAR A DUPLA TRIBUTAÇÃO |
Sumário: | I – Os números 2 e 3 do art.º 70º do CPPT, antes de serem revogados pela Lei nº 60-A/2005, de 30 de Dezembro, estabeleciam que: (i) «o prazo de reclamação graciosa será de um ano se o fundamento consistir em preterição de formalidades essenciais ou na inexistência, total ou parcial, do facto tributário» e (ii) «considera-se que se verifica o fundamento da inexistência, total ou parcial, do facto tributário, em caso de violação das normas de incidência tributária ou sobre o conteúdo de benefícios fiscais». II – A redução da taxa de imposto prevista no art.º 11º da CDT celebrada entre Portugal e a França, aprovada pelo Dec.Lei nº 105/71 de 26 de Março, não constitui um benefício fiscal, pelo que desconsideração dessa taxa pela Administração Fiscal na liquidação adicional de IRC que efectuou à luz da taxa prevista no direito interno não traduz a violação de uma norma sobre o conteúdo de um benefício fiscal para os efeitos previstos no n.º 2 do art.º 70º do CPPT. III – Essa redução de taxa constitui, porém, uma limitação do direito à tributação por parte do Estado Português por força da celebração da referida CDT, donde resulta a redução da tributação na fonte relativamente a dividendos, isto é, donde resulta uma não sujeição parcial a imposto. IV – Estando em discussão na reclamação graciosa deduzida contra o acto de liquidação adicional de IRC essa limitação do direito do Estado Português a tributar os dividendos ou a não sujeição parcial a imposto desses rendimentos à luz daquela CDT - a qual, na óptica da Reclamante, lhe é aplicável independentemente do “formulário” exigido pela Administração Fiscal, razão pela qual considera ilegal, por violação das normas contidas na CDT, essa liquidação - deve considerar-se que o fundamento da reclamação consubstancia a alegação de violação das normas de incidência tributária, não só porque as normas para resolução de conflitos internacionais de leis fiscais, como é o caso das CDT, são normas de incidência ao enquadrarem as situações de incidência de impostos equiparáveis em dois ou mais Estados relativamente ao mesmo contribuinte, mas também porque devem considerar-se normas de incidência tributária todas as normas que estabelecem o complexo de pressupostos de cuja conjugação resulta o nascimento da obrigação de imposto, abrangendo as normas que determinam o sujeito, a matéria colectável, e a taxa do imposto. V – O que, perante o disposto no n.º 3 do art.º 70.º do CPPT, representa a invocação de inexistência parcial de facto tributário, ficando, assim, a reclamação sujeita ao prazo de interposição de 1 ano. |
Nº Convencional: | JSTA00067904 |
Nº do Documento: | SA2201211070626 |
Data de Entrada: | 06/04/2012 |
Recorrente: | A.... SA |
Recorrido 1: | FAZENDA PÚBLICA |
Votação: | MAIORIA COM 1 VOT VENC |
Meio Processual: | REC JURISDICIONAL |
Objecto: | SENT TT1INST LISBOA |
Decisão: | PROVIDO |
Área Temática 1: | DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL. |
Legislação Nacional: | CPPTRIB99 ART70 N2 N3. DL 105/71 DE 1971/03/06 ART11. |
Legislação Comunitária: | DIR CONS CEE 90/435 DE 1990/07/23. |
Referência a Doutrina: | RUI MORAIS - APONTAMENTOS AO IRC PAG214. NUNO SÁ GOMES- MANUAL DE DIREITO FISCAL VOLII PAG76. SOARES MARTINEZ - DIREITO FISCAL 7ED PAG126. |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: 1. A……, S.A., com os demais sinais nos autos, interpõe recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou improcedente, por caducidade do direito de acção, a impugnação judicial que, na qualidade de representante da sociedade francesa B……, S.A., deduziu contra o acto de indeferimento tácito da reclamação graciosa que, nessa mesma qualidade, deduzira contra a liquidação adicional de IRC e juros compensatórios efectuada pela Administração Tributária com referência ao IRC que no ano 2000 fora retido na fonte à taxa de 15% para os dividendos distribuídos àquela sociedade francesa, corrigindo essa taxa para a de 25% prevista no artigo 69.º, n.º 2, alínea a), do Código do IRC. Concluiu as respectivas alegações com as seguintes conclusões: a. Foi deduzida uma única Reclamação Graciosa, em 4.1.2005, pela ora recorrente, utilizando a figura de “coligação de reclamantes”, atento o disposto no artigo 72° do CPPT, em representação das empresas francesas sem sede ou estabelecimento estável em Portugal – C……, SA, NIPC ……. e B……, SA, NIPC ……, conforme anexo as presentes alegações constituindo o DOC 2. b. A aludida Reclamação Graciosa, compreendendo-se no âmbito do procedimento tributário, não foi decidida no prazo de seis meses, sendo, por isso, considerada indeferida tacitamente, pelo que foram deduzidas, tempestivamente, as competentes impugnações judiciais. c. Com efeito, a impugnação onde é interessada a empresa francesa, C……., SA, encontra-se favoravelmente decidida a favor da impugnante, conforme sentença que se anexa às presentes alegações e que constitui o DOC 1. d. A sentença proferida na impugnação judicial em que é interessada a empresa francesa, B……., SA, objecto do presente recurso, consubstancia negação de provimento com fundamento em alegada extemporaneidade da reclamação graciosa e, em consequência, intempestividade da impugnação, por ter considerado a inexistência de violação de conteúdo de beneficio fiscal, considerando não ser possível deduzir a reclamação no prazo de um ano, como ocorreu no caso vertente. e. A verdade, porém, é que, o conteúdo do beneficio fiscal em causa, se traduz na redução de taxa de IRC prevista na Convenção para Evitar a Dupla Tributação (CDT) outorgada entre Portugal e a França, vigorando no nosso ordenamento jurídico por força do disposto no Decreto-Lei nº 105/71. f. Assim, a taxa de retenção de IRC a aplicar (no caso a título definitivo) é de 15% prevista na CDT e não de 25% como exigiu a AT, tanto mais que as exigências formuladas carecem de legitimidade por não se acharem previstas legalmente. g. A reclamação graciosa deverá ser considerada tempestiva, bem como o respectivo indeferimento tácito, sendo, também por isso tempestiva a impugnação judicial de cuja sentença se recorre e são apresentadas as presentes alegações. Nestes ternos e nos demais de direito, requer a V. Ex.ªs que as presentes alegações sejam admitidas, julgando o presente Recurso, concedendo-lhe provimento através do reconhecimento da tempestividade da Reclamação Graciosa e da subsequente Impugnação Judicial, revogando a sentença proferida pelo tribunal “a quo” e, em consequência, mandando a Administração Fiscal anular a liquidação de IRC melhor identificada nos autos e reembolsar a Recorrente da verba paga, no montante de € 135.815,66, acrescida dos competentes juros indemnizatórios.
1.2. Não foram apresentadas contra-alegações. 2) Foi sujeita a um procedimento externo de inspecção, encontrando-se a competente Ordem de Serviço assinada pelo respectivo TOC com data de 12/07/2004 (fls. 125 do apenso instrutor); 3) A nota de diligência encontra-se assinada pelo sujeito passivo com data de 14/07/2004 (fls. 122 do apenso); 4) Do relatório final de inspecção, datado de 16/08/2004, a fls. 91 do apenso, que damos aqui por integralmente reproduzido face a sua extensão consta, textual, expressa e, designadamente, o seguinte: «DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS Na sequência da entrega das declarações mod.130 recepcionadas pela Direcção dos Serviços de Benefícios Fiscais, relativas ao ano de 2000 foram detectadas inexactidões/omissões de que resultou imposto inferior ao devido. No decurso da acção inspectiva levada a efeito, verificou-se o seguinte. 1 Neste exercício, o sujeito passivo atribuiu dividendos no montante de 300.000.000$00 (€1.496.393.69) a duas entidades não residentes, a empresa “C……. SA” (77.910.000$00) e “B…….. SA” (222.090.000$00), ambas com sede na Av. ………., em França, país com o qual Portugal assinou Convenção para Evitar Dupla Tributação (DL nº 105/71 de 26 de Março). 2 O sujeito passivo efectuou retenção de imposto de capitais no total de 41.104.500$00 (€ 205.028,38), tendo entregue o imposto em causa nos cofres do Estado em 20/12/2000 através das guias de pagamento mod. 42 nºs. 42910711013, no montante de 7.791.000$00 (€38.861,34) e 42910711030, no valor de 33.313.500$00 (€ 166.167,04). 3 Foram detectadas as seguintes situações em relação a cada uma das seguintes entidades: 3.2 B…….. SA - foi efectuada retenção de IRC no valor de 33.313.500$00 tendo para o efeito sido aplicada a taxa de 15% como sendo a taxa interna de retenção, quando de acordo com a alínea a) do nº 2 do art. 69º do CIRC (actual 80º), a taxa correcta seria a de 25% Desta forma pelo facto de o requisito formal (exibição de formulário), não se encontrar cumprido no ponto 2.1, e por ter sido utilizada no ponto 2.2. uma taxa interna de IRC (15%) inferior à devida (25%), ir-se-á proceder às devidas correcções». 5) O relatório de inspecção foi notificado ao sujeito passivo em 28/08/2004 (talão de aviso de recepção, a fls. 105 do apenso); 6) Em resultado da correcção ao montante de imposto retido pela entidade pagadora dos dividendos a impugnante B……., S.A., foi efectuada a correspondente liquidação adicional pelo valor de 22.209.900$00 (€ 110.778,03) - vd. mapa constante do relatório, a fls. 94 do apenso; 7) A liquidação foi notificada à entidade pagadora em 14/12/2004 e tem data limite de pagamento em 16/01/2005 (“print” a fls. 115 do apenso); 8) Foi paga em 04/01/2005 (vinheta de pagamento aposta na demonstração de liquidação de retenções na fonte de IR, a fls. 155); 9) A impugnante deduziu reclamação graciosa em 30/12/2005, a qual consta de fls. 146 e se dá aqui por integralmente reproduzida; 10) A presente impugnação foi apresentada em 22/09/2006, conforme carimbo aposto na petição inicial; 11) A entidade pagadora dos dividendos entregou ao Estado o imposto retido, no montante de 33.313.500$00, em 20/12/2000, que corresponde a data limite de pagamento indicada na guia mod. 42, em que esta aposta a vinheta de pagamento (fls. 121 do apenso).
Nesse artigo 11º, os Estados Contratantes acordaram sobre o modo de tributação dos dividendos que são produzidos no país de origem e auferidos no país de residência: (i) «os dividendos pagos por uma sociedade residente de um Estado Contratante a um residente de outro Estado Contratante podem ser tributados nesse outro Estado» (ii) «esses dividendos podem, no entanto, ser tributados no Estado Contratante de que é residente a sociedade que paga os dividendos e de acordo com a legislação desse Estado, mas o imposto assim estabelecido não excederá 15 por cento do montante bruto dos dividendos». Os mesmos dividendos podem ser tributados em cada um dos países, mas no país de origem a taxa não pode exceder os 15% do montante bruto. Ora, o acordo sobre esta redução de taxa pode ter na sua base razões exclusivamente fiscais e que se prendem com o método utilizada por cada um dos Estados para eliminar a dupla tributação dessa espécie de rendimentos. Enquanto a França acordou em seguir o método da imputação integral, deduzindo o montante total do imposto efectivamente pago em Portugal (al. c) do nº 1 do art. 24º da CDT), Portugal foi menos generoso ao convencionar o método de imputação ordinária, autorizando a dedução apenas até ao limite do mais baixo dos impostos em concurso, ou seja, se o imposto pago em França foi superior ao que Portugal aplica aos mesmos dividendos, a dedução só é autorizada parcialmente, até ao limite do seu próprio imposto (nº 2 do art. 24º da CDT). Pese embora se possa apontar ao acordo o efeito de facilitar a movimentação de capitais, proporcionando condições para um maior investimento em cada um dos países contratantes, a verdade é que a redução de taxa também pode ser vista como tendo por principal objectivo compensar a fixação de um limite máximo de dedução do imposto que é consentida por Portugal. Como Portugal apenas admite a dedução parcial do imposto francês, no caso de este ser superior, a redução da taxa no país de origem é um mecanismo que pode atenuar os efeitos negativos da dedução parcial. E se for assim, como parece, a redução da taxa tem objectivos fiscais, afastando-a do conceito de benefícios fiscais que o artigo 2º do Estatuto dos Benefícios Fiscal define como «medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem». Apesar de não constituir um benefício fiscal, consideramos, porém, na esteira do entendimento sufragado pelo Prof. RUI MORAIS, in “Apontamentos ao IRC”, pág. 214 (embora a propósito da Directiva n.º 90/435 CEE que vigora no espaço europeu com o fim de evitar a dupla tributação e que também prevê taxas mais reduzidas) que se trata de uma limitação do direito à tributação por parte do Estado Português por força da celebração da referida CDT, donde resulta a redução da tributação na fonte relativamente a dividendos, isto é, donde resulta uma não sujeição parcial a imposto. E, assim sendo, o que está em discussão na reclamação é, no fundo, essa limitação do direito de o Estado Português na tributação dos dividendos ou a não sujeição parcial a imposto desses rendimentos à luz daquela CDT, a qual, na perspectiva da Reclamante, lhe é aplicável independentemente do “formulário” exigido pela Administração Fiscal, razão pela qual considera ilegal, por violação das normas contidas na CDT (ou vício de violação de lei), a liquidação adicional de imposto. Em suma, o que a Reclamante defende é que tem direito à aplicação da taxa de IRC de 15% (aplicada aquando da retenção na fonte) porque prevista naquela CDT, sendo ilegal a taxa de 25% que lhe foi aplicada na liquidação adicional objecto de reclamação com base na lei interna portuguesa, porquanto as exigências formuladas pela Administração para recusar a aplicação da CDT (formulários) carecem de legitimidade por não se acharem previstas legalmente. Ora, considerando que as normas para resolução de conflitos internacionais de leis fiscais, como é o caso das CDT, são também, formal e sistematicamente, normas de incidência ao enquadrarem as situações de incidência de impostos equiparáveis em dois ou mais Estados relativamente ao mesmo contribuinte (cfr. NUNO DE SÁ GOMES, in “Manual de Direito Fiscal”, vol. II, pag. 76), não podemos deixar de concluir que a matéria alegada na reclamação traduz a invocação de violação de normas de incidência tributária, mais especificamente da norma contida no art.º 11º da CDT, cuja aplicação foi afastada pela Administração Fiscal com o argumento de que a Reclamante não podia beneficiar dessa tributação reduzida por falta de um pressuposto de natureza formal (formulário). O que, perante o disposto no n.º 3 do art.º 70.º do CPPT, representa a invocação de inexistência parcial de facto tributário. Acresce que, segundo a melhor doutrina tributária, devem considerar-se normas de incidência tributária todas as normas que estabelecem o complexo de pressupostos de cuja conjugação resulta o nascimento da obrigação de imposto, abrangendo as normas que determinam o sujeito activo e passivo, a matéria colectável, e a taxa do imposto (cfr. SOARES MARTINEZ, in “Direito Fiscal”, 7.ª edição, pág. 126). Pelo que, também por este motivo, se deve considerar que o fundamento da reclamação consubstancia a alegação de violação das normas de incidência tributária, por a questão controvertida se centrar, verdadeiramente, na taxa de imposto que podia e devia ser aplicada na tributação dos dividendos, apesar de a resolução dessa questão passar pela análise de normas referentes aos pressupostos de natureza formal de que depende a aplicação dessa taxa ou normas sobre a prova dos pressupostos para o direito à tributação limitada contida na CDT. Neste contexto, e sabido que cabe ao tribunal, na sua função jurisdicional, não apenas interpretar e aplicar a lei, mas também interpretar e apreciar correctamente, sem formalismo exagerados, os factos alegados, sendo livre na sua qualificação jurídica – conforme decorre do disposto no art. 664º do Código de Processo Civil – conclui-se que a matéria alegada não pode deixar de representar a invocação da violação de normas de incidência tributária no acto de liquidação de IRC que constitui objecto de reclamação, a qual podia, assim, ser apresentada no prazo de 1 ano face ao disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 70.º do CPPT. Pelo que se impõe revogar a sentença recorrida, que assim não entendeu, e determinar a baixa dos autos ao tribunal de 1ª instância para conhecimento do mérito da impugnação, se a tal nada mais obstar.
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