Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0626/12
Data do Acordão:11/07/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Descritores:RECLAMAÇÃO GRACIOSA
PRAZO
CONVENÇÃO PARA EVITAR A DUPLA TRIBUTAÇÃO
Sumário:I – Os números 2 e 3 do art.º 70º do CPPT, antes de serem revogados pela Lei nº 60-A/2005, de 30 de Dezembro, estabeleciam que: (i) «o prazo de reclamação graciosa será de um ano se o fundamento consistir em preterição de formalidades essenciais ou na inexistência, total ou parcial, do facto tributário» e (ii) «considera-se que se verifica o fundamento da inexistência, total ou parcial, do facto tributário, em caso de violação das normas de incidência tributária ou sobre o conteúdo de benefícios fiscais».
II – A redução da taxa de imposto prevista no art.º 11º da CDT celebrada entre Portugal e a França, aprovada pelo Dec.Lei nº 105/71 de 26 de Março, não constitui um benefício fiscal, pelo que desconsideração dessa taxa pela Administração Fiscal na liquidação adicional de IRC que efectuou à luz da taxa prevista no direito interno não traduz a violação de uma norma sobre o conteúdo de um benefício fiscal para os efeitos previstos no n.º 2 do art.º 70º do CPPT.
III – Essa redução de taxa constitui, porém, uma limitação do direito à tributação por parte do Estado Português por força da celebração da referida CDT, donde resulta a redução da tributação na fonte relativamente a dividendos, isto é, donde resulta uma não sujeição parcial a imposto.
IV – Estando em discussão na reclamação graciosa deduzida contra o acto de liquidação adicional de IRC essa limitação do direito do Estado Português a tributar os dividendos ou a não sujeição parcial a imposto desses rendimentos à luz daquela CDT - a qual, na óptica da Reclamante, lhe é aplicável independentemente do “formulário” exigido pela Administração Fiscal, razão pela qual considera ilegal, por violação das normas contidas na CDT, essa liquidação - deve considerar-se que o fundamento da reclamação consubstancia a alegação de violação das normas de incidência tributária, não só porque as normas para resolução de conflitos internacionais de leis fiscais, como é o caso das CDT, são normas de incidência ao enquadrarem as situações de incidência de impostos equiparáveis em dois ou mais Estados relativamente ao mesmo contribuinte, mas também porque devem considerar-se normas de incidência tributária todas as normas que estabelecem o complexo de pressupostos de cuja conjugação resulta o nascimento da obrigação de imposto, abrangendo as normas que determinam o sujeito, a matéria colectável, e a taxa do imposto.
V – O que, perante o disposto no n.º 3 do art.º 70.º do CPPT, representa a invocação de inexistência parcial de facto tributário, ficando, assim, a reclamação sujeita ao prazo de interposição de 1 ano.
Nº Convencional:JSTA00067904
Nº do Documento:SA2201211070626
Data de Entrada:06/04/2012
Recorrente:A.... SA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:MAIORIA COM 1 VOT VENC
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TT1INST LISBOA
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL.
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART70 N2 N3.
DL 105/71 DE 1971/03/06 ART11.
Legislação Comunitária:DIR CONS CEE 90/435 DE 1990/07/23.
Referência a Doutrina:RUI MORAIS - APONTAMENTOS AO IRC PAG214.
NUNO SÁ GOMES- MANUAL DE DIREITO FISCAL VOLII PAG76.
SOARES MARTINEZ - DIREITO FISCAL 7ED PAG126.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. A……, S.A., com os demais sinais nos autos, interpõe recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou improcedente, por caducidade do direito de acção, a impugnação judicial que, na qualidade de representante da sociedade francesa B……, S.A., deduziu contra o acto de indeferimento tácito da reclamação graciosa que, nessa mesma qualidade, deduzira contra a liquidação adicional de IRC e juros compensatórios efectuada pela Administração Tributária com referência ao IRC que no ano 2000 fora retido na fonte à taxa de 15% para os dividendos distribuídos àquela sociedade francesa, corrigindo essa taxa para a de 25% prevista no artigo 69.º, n.º 2, alínea a), do Código do IRC.
Concluiu as respectivas alegações com as seguintes conclusões:
a. Foi deduzida uma única Reclamação Graciosa, em 4.1.2005, pela ora recorrente, utilizando a figura de “coligação de reclamantes”, atento o disposto no artigo 72° do CPPT, em representação das empresas francesas sem sede ou estabelecimento estável em Portugal – C……, SA, NIPC ……. e B……, SA, NIPC ……, conforme anexo as presentes alegações constituindo o DOC 2.

b. A aludida Reclamação Graciosa, compreendendo-se no âmbito do procedimento tributário, não foi decidida no prazo de seis meses, sendo, por isso, considerada indeferida tacitamente, pelo que foram deduzidas, tempestivamente, as competentes impugnações judiciais.

c. Com efeito, a impugnação onde é interessada a empresa francesa, C……., SA, encontra-se favoravelmente decidida a favor da impugnante, conforme sentença que se anexa às presentes alegações e que constitui o DOC 1.

d. A sentença proferida na impugnação judicial em que é interessada a empresa francesa, B……., SA, objecto do presente recurso, consubstancia negação de provimento com fundamento em alegada extemporaneidade da reclamação graciosa e, em consequência, intempestividade da impugnação, por ter considerado a inexistência de violação de conteúdo de beneficio fiscal, considerando não ser possível deduzir a reclamação no prazo de um ano, como ocorreu no caso vertente.

e. A verdade, porém, é que, o conteúdo do beneficio fiscal em causa, se traduz na redução de taxa de IRC prevista na Convenção para Evitar a Dupla Tributação (CDT) outorgada entre Portugal e a França, vigorando no nosso ordenamento jurídico por força do disposto no Decreto-Lei nº 105/71.

f. Assim, a taxa de retenção de IRC a aplicar (no caso a título definitivo) é de 15% prevista na CDT e não de 25% como exigiu a AT, tanto mais que as exigências formuladas carecem de legitimidade por não se acharem previstas legalmente.

g. A reclamação graciosa deverá ser considerada tempestiva, bem como o respectivo indeferimento tácito, sendo, também por isso tempestiva a impugnação judicial de cuja sentença se recorre e são apresentadas as presentes alegações.

Nestes ternos e nos demais de direito, requer a V. Ex.ªs que as presentes alegações sejam admitidas, julgando o presente Recurso, concedendo-lhe provimento através do reconhecimento da tempestividade da Reclamação Graciosa e da subsequente Impugnação Judicial, revogando a sentença proferida pelo tribunal “a quo” e, em consequência, mandando a Administração Fiscal anular a liquidação de IRC melhor identificada nos autos e reembolsar a Recorrente da verba paga, no montante de € 135.815,66, acrescida dos competentes juros indemnizatórios.

1.2. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.3. O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto emitiu douto parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso, por entender, em suma, que não merece censura a decisão recorrida, que julgou caducado o direito de reclamar/impugnar em virtude de a reclamação não ter sido deduzida no prazo de 90 dias contados do termo do prazo de pagamento voluntário e o fundamento dessa reclamação não consistir na violação de normas sobre o conteúdo de benefícios fiscais, pelo que lhe é inaplicável o prazo alargado de 1 ano para reclamação previsto no artigo 70º do CCPT.

1.4. Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Conselheiros Adjuntos, cumpre decidir.

2. Na sentença recorrida julgaram-se como provados os seguintes factos:
1) A A……., SA, exerce a actividade de aluguer de veículos automóveis, CAE 071100;

2) Foi sujeita a um procedimento externo de inspecção, encontrando-se a competente Ordem de Serviço assinada pelo respectivo TOC com data de 12/07/2004 (fls. 125 do apenso instrutor);

3) A nota de diligência encontra-se assinada pelo sujeito passivo com data de 14/07/2004 (fls. 122 do apenso);

4) Do relatório final de inspecção, datado de 16/08/2004, a fls. 91 do apenso, que damos aqui por integralmente reproduzido face a sua extensão consta, textual, expressa e, designadamente, o seguinte:

«DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS

Na sequência da entrega das declarações mod.130 recepcionadas pela Direcção dos Serviços de Benefícios Fiscais, relativas ao ano de 2000 foram detectadas inexactidões/omissões de que resultou imposto inferior ao devido.

No decurso da acção inspectiva levada a efeito, verificou-se o seguinte.

1 Neste exercício, o sujeito passivo atribuiu dividendos no montante de 300.000.000$00 (€1.496.393.69) a duas entidades não residentes, a empresa “C……. SA” (77.910.000$00) e “B…….. SA” (222.090.000$00), ambas com sede na Av. ………., em França, país com o qual Portugal assinou Convenção para Evitar Dupla Tributação (DL nº 105/71 de 26 de Março).

2 O sujeito passivo efectuou retenção de imposto de capitais no total de 41.104.500$00 (€ 205.028,38), tendo entregue o imposto em causa nos cofres do Estado em 20/12/2000 através das guias de pagamento mod. 42 nºs. 42910711013, no montante de 7.791.000$00 (€38.861,34) e 42910711030, no valor de 33.313.500$00 (€ 166.167,04).

3 Foram detectadas as seguintes situações em relação a cada uma das seguintes entidades:

3.2 B…….. SA - foi efectuada retenção de IRC no valor de 33.313.500$00 tendo para o efeito sido aplicada a taxa de 15% como sendo a taxa interna de retenção, quando de acordo com a alínea a) do nº 2 do art. 69º do CIRC (actual 80º), a taxa correcta seria a de 25% Desta forma pelo facto de o requisito formal (exibição de formulário), não se encontrar cumprido no ponto 2.1, e por ter sido utilizada no ponto 2.2. uma taxa interna de IRC (15%) inferior à devida (25%), ir-se-á proceder às devidas correcções».

5) O relatório de inspecção foi notificado ao sujeito passivo em 28/08/2004 (talão de aviso de recepção, a fls. 105 do apenso);

6) Em resultado da correcção ao montante de imposto retido pela entidade pagadora dos dividendos a impugnante B……., S.A., foi efectuada a correspondente liquidação adicional pelo valor de 22.209.900$00 (€ 110.778,03) - vd. mapa constante do relatório, a fls. 94 do apenso;

7) A liquidação foi notificada à entidade pagadora em 14/12/2004 e tem data limite de pagamento em 16/01/2005 (“print” a fls. 115 do apenso);

8) Foi paga em 04/01/2005 (vinheta de pagamento aposta na demonstração de liquidação de retenções na fonte de IR, a fls. 155);

9) A impugnante deduziu reclamação graciosa em 30/12/2005, a qual consta de fls. 146 e se dá aqui por integralmente reproduzida;

10) A presente impugnação foi apresentada em 22/09/2006, conforme carimbo aposto na petição inicial;

11) A entidade pagadora dos dividendos entregou ao Estado o imposto retido, no montante de 33.313.500$00, em 20/12/2000, que corresponde a data limite de pagamento indicada na guia mod. 42, em que esta aposta a vinheta de pagamento (fls. 121 do apenso).


3. O inconformismo da Recorrente, integrante do objecto do presente recurso, reconduz-se à única questão de saber a decisão recorrida enferma de erro de julgamento ao ter considerado que não se verificava o condicionalismo previsto nos n.º 2 e 3 do artigo 70º do CPPT (na redacção então vigente, antes da sua revogação pela Lei nº 60-A/2005, de 30 de Dezembro) para a apresentação da reclamação graciosa no prazo de 1 ano aí previsto, por não estar em causa a definição dos pressupostos de um benefício fiscal, sendo-lhe, por isso, aplicável o prazo de 90 dias previsto no n.º 1 desse artigo 70.º, razão por que a reclamação teria sido apresentada fora de tempo, e essa «intempestividade da reclamação graciosa determina a intempestividade da impugnação apresentada no seguimento do indeferimento presumido da mesma.».
Segundo a sentença, «o que é controvertida é a exigência formal que a Administração faz, na aceitação da redução do imposto retido, de prévia apresentação do formulário adequado, devidamente preenchido e certificado, na parte respectiva, pelas competentes autoridades tributárias do Estado de residência dos beneficiários dos rendimentos. A exigência prévia dos certificados emitidos pelas competentes autoridades fiscais do país de residência do beneficiário, reconduz-se à questão da formalidade da prova dos pressupostos do desagravamento fiscal, não envolvendo qualquer discussão dos pressupostos objectivos e subjectivos de benefícios fiscais».
A Recorrente insiste, porém, que é aplicável o aludido prazo de 1 ano previsto nos n.ºs 2 e 3 do art.º 70º do CPPT, porque o que está em discussão é o conteúdo do beneficio fiscal a que se arroga e que lhe foi negado pela Administração Fiscal através da liquidação adicional, traduzido na redução da taxa de IRC prevista na Convenção para Evitar a Dupla Tributação outorgada entre Portugal e a França, pois por força dessa Convenção a taxa de retenção na fonte é de 15% e não a de 25% como lhe veio a ser exigido pela Administração com base no direito interno, tanto mais que as exigências que sustentam esta recusa da taxa aplicada pela Recorrente ao abrigo da Convenção e que a levaram a efectuar a liquidação adicional de imposto pela aplicação da taxa de 25% carecem de legitimidade por não se acharem previstas legalmente.
Vejamos.
A Recorrente, representante de uma empresa francesa que não possui sede ou estabelecimento estável em Portugal, procedeu à distribuição de dividendos a essa empresa e, por consequência, à retenção do imposto correspondente, aplicando a taxa de 15% prevista na Convenção para Evitar a Dupla Tributação celebrada entre Portugal e a França (doravante CDT). Todavia, a Administração Tributária corrigiu essa taxa para 25% e procedeu à correspondente liquidação adicional de imposto, por considerar que a Recorrente não podia beneficiar da taxa reduzida prevista naquela CDT «pelo facto de o requisito formal (exibição de formulário), não se encontrar cumprido no ponto 2.1».
No presente recurso jurisdicional não está em causa saber se a taxa devida é a de 15% prevista na CDT ou de 25% prevista na al. a) do nº 2 do art.º 69º do CIRC (na numeração vigente à data do facto tributário, e que corresponde ao actual nº 4 do art. 87º); o que se discute é qual o prazo para se apresentar a reclamação deduzida contra a liquidação adicional do IRC que aplicou a taxa de 25%, recusando a aplicação da taxa de 15% prevista na CDT pelo facto de não ter sido exibido o formulário de modelo oficial certificado pelas autoridades do Estado da residência da beneficiária dos dividendos, formulário cuja apresentação a Administração considerou obrigatória para a Reclamante poder beneficiar da taxa reduzida prevista naquela CDT.
Os números 2 e 3 do artigo 70º do CPPT, antes de serem revogados pela Lei nº 60-A/2005, de 30 de Dezembro, estabeleciam que: (i) «o prazo de reclamação graciosa será de um ano se o fundamento consistir em preterição de formalidades essenciais ou na inexistência, total ou parcial, do facto tributário», (ii) e «considera-se que se verifica o fundamento da inexistência, total ou parcial, do facto tributário, em caso de violação das normas de incidência tributária ou sobre o conteúdo de benefícios fiscais» (Apesar de revogadas, estas normas continuam a ser aplicáveis aos prazos de reclamação iniciados em data anterior a 1/1/2006, até porque o nº 2 do art.º 58º daquela Lei preceituou que o novo prazo de reclamação só é aplicado a prazos que se iniciem após a sua entrada em vigor.).
No caso dos autos, está bom de ver que só aplicando o prazo de um ano previsto na norma transcrita é possível conhecer do mérito da impugnação, pois, se for aplicado o prazo geral de 90 dias, contado do termo do prazo para pagamento voluntário, previsto no nº 1 do artigo 70º do CPPT, a impugnação é intempestiva por decorrência da intempestividade da reclamação graciosa: o termo do prazo de pagamento voluntário da liquidação ocorreu em 16/1/2005 e a reclamação foi intentada em 31/12/2005.
Não sendo fundamento da reclamação a preterição de formalidades essenciais, só a inexistência, total ou parcial, de facto tributário, referida no nº 2 do art.º 70º, poderá colocar a reclamação dentro do prazo para accionar. E visto que a lei estipula, expressamente, no referido n.º 3, que se considera verificado o fundamento da inexistência, total ou parcial, do facto tributário, em caso de invocação de violação das normas de incidência tributária ou sobre o conteúdo de benefícios fiscais, importa analisar se na reclamação deduzida contra o acto de liquidação adicional de IRC reclamado foi ou não invocada, como causa de pedir tendente à pretendida anulação do acto, a violação de normas de incidência tributária ou de normas sobre o conteúdo de benefícios fiscais.
A Recorrente argumenta que a matéria que alegou na reclamação com vista à anulação do acto de liquidação adicional de IRC pode e deve qualificar-se como invocação da violação de normas sobre o conteúdo de benefícios fiscais, porque a redução da taxa prevista no art.º 11º da CDT celebrada entre Portugal e a França, aprovada pelo Dec.Lei nº 105/71 de 26 de Março, constitui um benefício fiscal, e a desconsideração dessa taxa pela Administração constitui, assim, a violação de um benefício fiscal.
Todavia, não cremos que a redução da taxa prevista no art.º 11º da aludida CDT se possa qualificar como um benefício fiscal.

Nesse artigo 11º, os Estados Contratantes acordaram sobre o modo de tributação dos dividendos que são produzidos no país de origem e auferidos no país de residência: (i) «os dividendos pagos por uma sociedade residente de um Estado Contratante a um residente de outro Estado Contratante podem ser tributados nesse outro Estado» (ii) «esses dividendos podem, no entanto, ser tributados no Estado Contratante de que é residente a sociedade que paga os dividendos e de acordo com a legislação desse Estado, mas o imposto assim estabelecido não excederá 15 por cento do montante bruto dos dividendos». Os mesmos dividendos podem ser tributados em cada um dos países, mas no país de origem a taxa não pode exceder os 15% do montante bruto.

Ora, o acordo sobre esta redução de taxa pode ter na sua base razões exclusivamente fiscais e que se prendem com o método utilizada por cada um dos Estados para eliminar a dupla tributação dessa espécie de rendimentos. Enquanto a França acordou em seguir o método da imputação integral, deduzindo o montante total do imposto efectivamente pago em Portugal (al. c) do nº 1 do art. 24º da CDT), Portugal foi menos generoso ao convencionar o método de imputação ordinária, autorizando a dedução apenas até ao limite do mais baixo dos impostos em concurso, ou seja, se o imposto pago em França foi superior ao que Portugal aplica aos mesmos dividendos, a dedução só é autorizada parcialmente, até ao limite do seu próprio imposto (nº 2 do art. 24º da CDT).

Pese embora se possa apontar ao acordo o efeito de facilitar a movimentação de capitais, proporcionando condições para um maior investimento em cada um dos países contratantes, a verdade é que a redução de taxa também pode ser vista como tendo por principal objectivo compensar a fixação de um limite máximo de dedução do imposto que é consentida por Portugal. Como Portugal apenas admite a dedução parcial do imposto francês, no caso de este ser superior, a redução da taxa no país de origem é um mecanismo que pode atenuar os efeitos negativos da dedução parcial. E se for assim, como parece, a redução da taxa tem objectivos fiscais, afastando-a do conceito de benefícios fiscais que o artigo 2º do Estatuto dos Benefícios Fiscal define como «medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem».

Apesar de não constituir um benefício fiscal, consideramos, porém, na esteira do entendimento sufragado pelo Prof. RUI MORAIS, in “Apontamentos ao IRC”, pág. 214 (embora a propósito da Directiva n.º 90/435 CEE que vigora no espaço europeu com o fim de evitar a dupla tributação e que também prevê taxas mais reduzidas) que se trata de uma limitação do direito à tributação por parte do Estado Português por força da celebração da referida CDT, donde resulta a redução da tributação na fonte relativamente a dividendos, isto é, donde resulta uma não sujeição parcial a imposto.

E, assim sendo, o que está em discussão na reclamação é, no fundo, essa limitação do direito de o Estado Português na tributação dos dividendos ou a não sujeição parcial a imposto desses rendimentos à luz daquela CDT, a qual, na perspectiva da Reclamante, lhe é aplicável independentemente do “formulário” exigido pela Administração Fiscal, razão pela qual considera ilegal, por violação das normas contidas na CDT (ou vício de violação de lei), a liquidação adicional de imposto.

Em suma, o que a Reclamante defende é que tem direito à aplicação da taxa de IRC de 15% (aplicada aquando da retenção na fonte) porque prevista naquela CDT, sendo ilegal a taxa de 25% que lhe foi aplicada na liquidação adicional objecto de reclamação com base na lei interna portuguesa, porquanto as exigências formuladas pela Administração para recusar a aplicação da CDT (formulários) carecem de legitimidade por não se acharem previstas legalmente.

Ora, considerando que as normas para resolução de conflitos internacionais de leis fiscais, como é o caso das CDT, são também, formal e sistematicamente, normas de incidência ao enquadrarem as situações de incidência de impostos equiparáveis em dois ou mais Estados relativamente ao mesmo contribuinte (cfr. NUNO DE SÁ GOMES, in “Manual de Direito Fiscal”, vol. II, pag. 76), não podemos deixar de concluir que a matéria alegada na reclamação traduz a invocação de violação de normas de incidência tributária, mais especificamente da norma contida no art.º 11º da CDT, cuja aplicação foi afastada pela Administração Fiscal com o argumento de que a Reclamante não podia beneficiar dessa tributação reduzida por falta de um pressuposto de natureza formal (formulário).

O que, perante o disposto no n.º 3 do art.º 70.º do CPPT, representa a invocação de inexistência parcial de facto tributário.

Acresce que, segundo a melhor doutrina tributária, devem considerar-se normas de incidência tributária todas as normas que estabelecem o complexo de pressupostos de cuja conjugação resulta o nascimento da obrigação de imposto, abrangendo as normas que determinam o sujeito activo e passivo, a matéria colectável, e a taxa do imposto (cfr. SOARES MARTINEZ, in “Direito Fiscal”, 7.ª edição, pág. 126).

Pelo que, também por este motivo, se deve considerar que o fundamento da reclamação consubstancia a alegação de violação das normas de incidência tributária, por a questão controvertida se centrar, verdadeiramente, na taxa de imposto que podia e devia ser aplicada na tributação dos dividendos, apesar de a resolução dessa questão passar pela análise de normas referentes aos pressupostos de natureza formal de que depende a aplicação dessa taxa ou normas sobre a prova dos pressupostos para o direito à tributação limitada contida na CDT.

Neste contexto, e sabido que cabe ao tribunal, na sua função jurisdicional, não apenas interpretar e aplicar a lei, mas também interpretar e apreciar correctamente, sem formalismo exagerados, os factos alegados, sendo livre na sua qualificação jurídica – conforme decorre do disposto no art. 664º do Código de Processo Civil – conclui-se que a matéria alegada não pode deixar de representar a invocação da violação de normas de incidência tributária no acto de liquidação de IRC que constitui objecto de reclamação, a qual podia, assim, ser apresentada no prazo de 1 ano face ao disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 70.º do CPPT.

Pelo que se impõe revogar a sentença recorrida, que assim não entendeu, e determinar a baixa dos autos ao tribunal de 1ª instância para conhecimento do mérito da impugnação, se a tal nada mais obstar.


4. Termos em que acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e determinar a devolução dos autos ao tribunal de 1ª instância para conhecimento do mérito da impugnação, se a tal nada mais obstar.
Sem custas.
Lisboa, 7 de Novembro de 2012. – Dulce Neto – (relatora por vencimento e lembrança) – Isabel Marques da SilvaLino Ribeiro (Por vencimento).
Voto de vencido, quer quanto à decisão, quer quanto à fundamentação, pelos seguintes motivos.
A única questão que é objecto do recurso é saber se a reclamação graciosa foi tempestivamente interposta: a sentença decidiu, e bem, que o prazo é de 90 dias e o recorrente entende que é de 1 ano, porque invocou a violação de uma norma sobre o conteúdo de um beneficio fiscal.
Quanto à natureza da redução da taxa (de 25% para 15%) prevista na CDT, concorda-se que não constitui um beneficio fiscal, até porque o acórdão reproduz ipsis verbis o projecto de acórdão que elaborei enquanto relator.
A discordância reside no facto do acórdão considerar que a recorrente alegou a violação de uma norma de incidência tributária.
Para efeitos de tempestividade da reclamação graciosa, a anterior redacção do artigo 70° do CPPT estabelecia o prazo mais longo de um ano em três situações de ilegalidade grave: (i) preterição de formalidades essenciais; (ii) violação de normas de incidência tributária; (iii) violação do conteúdo de um benefício fiscal.
Embora, o recorrente tenha invocado apenas a terceira ilegalidade, o acórdão recorrido julgou que ocorre a segunda.
Simplesmente, lendo e relendo a reclamação graciosa, de modo algum podemos considerar que o reclamante põe em causa uma norma de incidência tributária, pois o reclamante apenas alega que não precisava de certificar o formulário, porque a administração tributária, no relatório de inspecção, já demonstrava conhecer que a beneficiária dos dividendos é uma sociedade que reside em França.
Como resulta do acórdão, o acto impugnado aplicou a taxa de 25% «pelo facto de o requisito formal (exibição de formulário), não se encontrar cumprido no ponto 2.1». Efectivamente, como resulta do processo, a recorrente apresentou o dito formulário, mas sem que estivesse certificado pelas autoridades competentes do Estado de residência da beneficiária dos dividendos.
A norma que exigia a apresentação do formulário é o n° 3 do artigo 90° do CIRC (actual alínea a) do n° 2 do art. 90°-A), segundo a qual o beneficiário dos rendimentos deve fazer prova dos pressupostos legais que resultem da convenção destinada a eliminar a dupla tributação, através da «apresentação de um formulário de modelo a aprovar por despacho do Ministro das Finanças certificado pelas autoridades competentes do respectivo Estado de residência». Como o formulário apresentado pela recorrente não continha a certificação, a Administração Fiscal, aplicou o n° 4 do artigo 90° (actual n° 6), segundo o qual «quando não seja efectuada a prova até ao termo do prazo estabelecido para a entrega do imposto, fica o substituto tributário obrigado a entregar a totalidade do imposto que deveria ter sido deduzido nos termos da lei».
Será que o referido n° 3 do artigo 90° do CIRC é uma norma de incidência tributária?
Para nós, seguramente que não.
O acórdão não se preocupou em analisar a natureza dessa norma e colocou o problema num campo em que não existe qualquer controvérsia: nem a recorrente nem a administração tributária questionam se a taxa deve ser 25% ou 15%. Aliás o acórdão até é bem explicito sobre a inexistência de qualquer conflito quanto a isso, quando diz que «não está em causa saber se a taxa devida é a de 15% prevista na CDT ou de 25% prevista na alínea a) do n° 2 do artigo 69° do CIRC».
Para efeito do n° 2 do artigo 70º do CPPT, o importa é saber se foi ou não alegada a violação de uma norma de incidência. E na análise dessa questão, o acórdão erra porque faz um incorrecto enquadramento da norma pretensamente violada: considerou como norma alegadamente violada o artigo 11º da CDP, quando essa norma não pertence directamente ao thema decidendum. A controvérsia incide tão somente sobre a única norma aplicada pelo acto impugnado, ou seja, o n° 3 do artigo 90º do CIRC, e não sobre a aplicabilidade da norma daquele artigo 11º, que não se duvida que é uma norma de incidência. Naturalmente que se o acto for anulado por desnecessidade da certificação do formulário, em execução do efeito repristinatório da sentença anulatória, será aplicada a taxa de 15%. Mas isso é apenas uma consequência da anulação e não a espécie de ilegalidade determinante da anulação.
Pois bem, a norma que prevê a apresentação de um “formulário” para prova dos pressupostos legais de que depende a redução da taxa – o n° 3 do art. 90° do CIRC - não se pode qualificar como uma norma tributária sobre o “conteúdo” de um benefício fiscal, nem uma norma sobre incidência tributária. A norma sobre incidência tributária ou sobre o conteúdo de um benefício fiscal é sempre uma norma tributária material, que na sua previsão cria directamente direitos subjectivos e deveres jurídicos. Como refere Alberto Xavier «a incidência é a acepção normativa do facto tributário, a realidade prevista pela norma tributária e sobre a qual «incide»: é a descrição legal do facto tributário, correspondendo assim mais de perto aos conceitos de «Tatbestand» e «fattispecie» (cfr. Manual de Direito Fiscal, 1974, pág. 248)
Já a norma que exige a “prova” dos pressupostos da concessão desse direito é uma norma tributária instrumental, que regula condutas procedimentais, independentemente da relação jurídica tributária e que existem em razão da configuração futura de uma decisão. A distinção entre as duas espécies de normas também é feita por Alberto Xavier nos seguintes termos: «normas materiais são as que prevêem e regulam a obrigação de imposto especificamente considerada; normas instrumentais são as que, não respeitando directamente à estrutura e dinâmica daquele vínculo, regulam situações jurídicas que em relação a ele desempenham uma função instrumenta» (cfr. Manual de Direito Fiscal, 1974, pág. 103 e Conceito e Natureza do acto tributário, 1972, pág. 83).
Nesta classificação, o acto tributário individualiza-se como sendo um acto que aplica uma norma reguladora de uma obrigação de imposto, ou seja, uma norma material. Mas tal acto, que define no caso concreto a existência e o quantitativo da obrigação tributária, é produto de um conjunto heterogéneo de actos instrumentais, dotados de efeitos instrumentais, que se desenrolam num procedimento destinado à prática.
Ora, as normas referidas no n° 3 do artigo 70º do CPPT, na redacção inicial, são normas da primeira espécie, ou seja, normas tributárias materiais, em cuja previsão se integram os factos constitutivo ou impeditivo da obrigação de imposto. O prazo mais longo de reclamação graciosa é concedido apenas nas situações de «inexistência, total ou parcial de facto tributário». Como o facto gerador da obrigação de imposto, o chamado facto tributário, faz parte da hipótese da norma tributária material, como a descrição legal desse facto é feita através das normas de incidência, ou ainda, como a eficácia do facto tributário pode ser paralisada através da previsão de outro que impede a produção dos seus efeitos, a lei considera que a violação de normas desta espécie corresponde a uma situação de inexistência de facto tributário. São situações de violação de lei cuja gravidade levou a que o legislador, num determinado tempo, tivesse concedido um prazo mais longo para se reclamar graciosamente do acto que atinge a «fattispecie» tributária.
Fora do âmbito daquele artigo estão as normas definidoras de situações jurídicas instrumentais, cuja finalidade é a de contribuir para a formação do acto tributário. Tais normas não definem os pressupostos objectivos (incidência real) e subjectivos (incidência pessoal) do imposto ou os pressupostos do benefício fiscal, limitando-se apenas a regular o processamento da actividade tributária necessária à verificação daqueles pressupostos.
É nesta espécie de normas procedimentais que se deve incluir a norma que exige do sujeito passivo de imposto a obrigação de preencher um formulário, segundo um modelo aprovado pelo Ministro das Finanças, e certificado pelas autoridades competentes do respectivo Estado de residência.
Não está em causa nos autos saber se há ou não “limitação do direito à tributação” ou “não sujeição parcial a imposto”, até porque ninguém questiona isso. Apenas se questiona se a apresentação do formulário legal, certificado pelas autoridades competentes do Estado de residência do beneficiário dos dividendos é um elemento que faz parte do “conteúdo” do benefício fiscal ou, no campo quem que se coloca o acórdão, se faz parte de uma norma de incidência tributária.
Como referimos, tal exigência é um mero “acto instrutório” destinado a comprovar os pressupostos do direito à redução da taxa prevista na CDT, ou seja, um acto de aplicação de norma instrumental e não um acto de aplicação de norma tributária material, como é aquela que cria directamente o direito a um benefício fiscal, e por isso mesmo, uma norma que está fora do alcance do n° 2 e 3 do artigo 70º do CPPT, na redacção anterior à que lhe foi dada pela Lei n° 60-A/2005, de 30/12.
Em nossa opinião: (i) A norma sobre incidência tributária ou sobre o conteúdo de um benefício fiscal é sempre uma norma tributária material, que na sua previsão cria directamente direitos subjectivos e deveres jurídicos; já a norma que exige a “prova” dos pressupostos da concessão desse direito é uma norma tributária instrumental, que regula condutas procedimentais, independentemente da relação jurídica tributária e que existem em razão da configuração futura de uma decisão; (ii) e a norma que exige do sujeito passivo de imposto a obrigação de preencher um formulário, segundo um modelo aprovado pelo Ministro das Finanças, e certificado pelas autoridades competentes do respectivo Estado de residência (art. 98° do CIRC) é uma norma instrumental.
Por isso, bem andou a sentença recorrida ao considerar que o prazo para reclamar graciosamente era de 90 dias e não de um ano, por não estar em causa o conteúdo de um benefício fiscal.
Lisboa, 7 de Novembro de 2012.
Lino José Baptista Rodrigues Ribeiro