Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01418/22.3BELSB
Data do Acordão:09/14/2023
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CLÁUDIO RAMOS MONTEIRO
Descritores:CONTRATAÇÃO PÚBLICA
PROPOSTA
Sumário:A omissão da declaração exigida pelo número 4 do artigo 168.º do CCP consubstancia uma irregularidade substancial, pelo que é insuprível.
Nº Convencional:JSTA00071776
Nº do Documento:SA12023091401418/22
Data de Entrada:06/26/2023
Recorrente:A..., S.A. E OUTROS
Recorrido 1:B..., SA E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:RECURSO DE REVISTA
Objecto:ACÓRDÃO TCA NORTE
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:CONTRATAÇÃO PÚBLICA
Legislação Nacional:ARTIGO 168º, N.º 4 CCP
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO


I. Relatório

1. A..., S.A. / C..., S.A. / D..., S.A. – identificado nos autos – recorreu para este Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do artigo 150.º do CPTA, do Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte (TCAN), de 27 de abril de 2023, que concedeu provimento ao recurso interposto por E..., S.A./B..., S.A./F..., S.A./ G..., S.L.U., da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Lisboa, Juízo de Contratos Públicos, de 10 de outubro de 2022, julgando improcedente a ação proposta pelo Recorrente contra a decisão do BANCO DE PORTUGAL que excluiu a sua candidatura do «Concurso limitado por prévia qualificação para Aquisição de Serviços de Operações e Suporte, Administração de Sistemas e Manutenção de Aplicações».

2. Nas suas alegações, a Recorrente formulou as seguintes conclusões:

«A. O presente Recurso de Revista é um recurso ordinário com base nos termos do art.º 150º, n.º 1 do C.P.T.A., porque, considera a Recorrente, estar em causa uma questão que, pela sua relevância jurídica, é de importância fundamental, claramente necessária para uma melhor aplicação do Direito.

B. Estando a questão decidenda e alegada problemática, relacionada com um requisito que a Recorrente cumpria (como cumpre) e demonstrou que cumpria, quando instada a tal, bem como que detinha aquela competência previamente à submissão da candidatura;

C. Por considerar como considerar como requisito, uma formalidade não essencial, que claramente não o é;

D. Tendo sido aplicado, de forma errónea, o art.º 70, n.º 2 do CCP, ex vi art.º 57º n.º 1;

E. Não fazendo uso, nomeadamente, do Princípio de Proporcionalidade para a não Exclusão de Candidatos, ou mitigação ao máximo dessas exclusões;

F. Considerando, erradamente, que nesta situação estaria vedada a aplicação do artigo 72.º do CCP;

G. Violando assim, também, por esta via, o Princípio da Igualdade, bem como o princípio do favor e de aproveitamento do procedimento e o princípio da prevalência da substância sobre a forma devendo ser o Recurso julgado procedente.

H. Pelo que não se verifica a existência de qualquer ilegalidade, violação de Lei, nem quaisquer violações de Princípios invocados pelo Acórdão recorrido, sem o devido respaldo e fundamento vertidos na Lei;

I. Devendo assim, o Acórdão Recorrido, enfermando de vício de Lei, por incorrecta subsunção dos factos, ao Direito, ser revogado!»

3. O Recorrido BANCO DE PORTUGAL contra-alegou, concluindo genericamente, quanto ao mérito, que «deve o recurso ser julgado integralmente improcedente, por o mesmo carecer de fundamento, devendo confirmar-se, na íntegra, o Acórdão recorrido».

4. A Recorrida E... contra-alegou, concluindo, quanto ao mérito, que

«(...)

B. O CCP, ainda que sem consagrar de forma expressa o princípio do aproveitamento da capacidade de terceiras entidades, admite a possibilidade de, tendo em vista o preenchimento de requisitos mínimos de qualificação, os candidatos se aproveitarem da capacidade técnica de uma terceira entidade: é isto que resulta, designadamente, do artigo 168.º, n.º 4, onde se dispõe que «[q]uando, para efeitos do preenchimento dos requisitos mínimos de capacidade técnica, o candidato recorra a terceiros, independentemente do vínculo que com eles estabeleça, nomeadamente o de subcontratação, a respetiva candidatura é ainda constituída por uma declaração através da qual estes se comprometem, incondicionalmente, a realizar determinadas prestações objeto do contrato a celebrar».

C. O artigo 168.º, n.º 4, do CCP, faz depender o recurso à capacidade técnica de uma terceira entidade da apresentação, no momento de submissão da candidatura, de uma declaração de compromisso: a apresentação desta declaração constitui uma exigência de prova, que visa garantir à entidade adjudicante que o contrato irá ser executado por quem detém capacidade para o executar.

D. A A..., C... E D... apresentaram juntamente com a sua candidatura

a declaração de compromisso de uma terceira entidade, a C..., S.A.: esta declaração de compromisso não faz qualquer referência ao requisito de capacidade técnica exigido no artigo 12.º, alínea e), subalínea iii), do Programa do Concurso (detenção da parceria H...), o que só pode significar que essa entidade não se comprometeu ou vinculou incondicionalmente a emprestar a sua capacidade técnica quanto à parceria H... (tal como, em rigor, não se vinculou a emprestar a sua capacidade técnica quanto a nenhuma outra parceria além das expressamente indicadas na declaração).

E. À luz da matéria de facto provada e do quadro jurídico aplicável, a aplicação do regime contemplado no artigo 72.º, n.º 3, do CCP, não pode proceder: perante o incumprimento de um dos requisitos mínimos de qualificação previstos no Programa do Concurso, e perante o não recurso à capacidade de uma terceira entidade para preenchimento dos requisitos que as Recorrentes não preenchem por si só, a candidatura teria de ser excluída, sem que fosse possível evitar-se essa exclusão por via daquele regime (cf. os artigos 184.º, n.º 2, alíneas e) e l), do CCP, e o artigo 14.º, n.º 1, alínea f), do Programa do Concurso).

F. O regime do artigo 72.º, n.º 3, do CCP, nunca poderia aplicar-se no caso dos autos porquanto a não apresentação da declaração de compromisso conforme exigido pelo artigo 168.º, n.º 4, in fine, do CCP, representa a violação de uma formalidade essencial, o que afasta imediatamente a possibilidade da sua aplicação, dado que o mesmo se destina apenas à sanação de formalidades não essenciais.

G. A violação pelas Recorrentes do exigido pelo artigo 168.º, n.º 4, do CCP, corresponde à violação de uma formalidade essencial na medida em que não é pura e simplesmente possível ou viável atestar, em termos objetivos, que o compromisso por parte da terceira entidade existia efetivamente no momento de submissão da candidatura (cf. a parte final do n.º 3 do artigo 72.º do CCP).

H. A apresentação, nesta fase do procedimento, de uma declaração de compromisso, não se identifica com a apresentação de um documento que se limita a comprovar um facto anterior à data de apresentação da candidatura, mas sim com a apresentação de um documento que comprova um facto – o compromisso da terceira entidade quanto à colaboração na execução do contrato – contemporâneo à apresentação da declaração; e o compromisso de uma terceira entidade para efeitos de preenchimento dos requisitos mínimos de qualificação só pode ocorrer em um momento temporal: o de submissão da candidatura.

I. Não é objetivamente verificável e comprovável que a existência do compromisso, necessário no momento de apresentação da candidatura, precede o termo do prazo de apresentação das candidaturas, assim como não pode presumir-se que a terceira entidade, antes da submissão da candidatura pelas Recorrentes, se havia comprometido ou vinculado a emprestar a sua capacidade técnica no que concerne à parceria H... – ao invés, v.g., de um certificado que atesta, em termos objetivos, uma qualidade ou facto quanto ao candidato, a declaração de compromisso constitui um documento particular, que expressa a vontade de uma entidade em emprestar a sua capacidade e colaborar na execução de um contrato em relação ao qual não será parte.

J. O facto de ter sido entregue o certificado quanto à detenção, pela terceira entidade, da parceria H..., não prejudica a inaplicabilidade do regime previsto no n.º 3 do artigo 72.º do CCP aos presentes autos: o certificado não comprova, e nunca poderia comprovar, a existência do compromisso à data da apresentação da candidatura, sendo este último o elemento essencial para efeitos de aproveitamento da capacidade de uma terceira entidade com vista ao preenchimento de requisitos mínimos de qualificação».

5. A Recorrida B... contra-alegou, aderindo sem reservas às contra-alegações apresentadas pela E....

6. As Recorridas F... e G... contra-alegaram, aderindo sem reservas às contra-alegações apresentadas pela E....

7. O recurso de revista foi admitido por Acórdão da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal Administrativo, proferido em formação de apreciação preliminar, em 6 de julho de 2023, considerando que «a delimitação do conceito de irregularidade formal não essencial das propostas e candidaturas e o regime do seu suprimento é questão complexa que os tribunais são frequentemente chamados a resolver muitas vezes de forma divergente, como sucedeu no caso vertente e relativamente à qual se mostra de toda a conveniência a pronúncia do STA para que se atinja, na medida do possível, um resultado interpretativo uniforme».

8. Notificada para o efeito, o Digno Magistrado do Ministério Público pronunciou-se no sentido «de julgar procedente o presente recurso de revista, com a consequente revogação da decisão recorrida, e julgada procedente a acção administrativa, nos termos sufragados pela decisão da 1ª instância» – artigo 146.º, n.º 1 do CPTA.

9. Sem vistos, dada a natureza urgente do processo - artigo36º, nº1, al. c) do CPTA.


II. Matéria de facto

10. As instâncias deram como provados os seguintes factos:

«A) Em 31 de agosto de 2021, foi adotada a decisão de contratar, pela Comissão Executiva para os Assuntos Administrativos e de Pessoal, do Banco de Portugal, com vista à aquisição de serviços de operações e suporte, administração de sistemas e manutenção de aplicações (cfr. fls. 6 ss., do Processo Administrativo apenso aos autos, adiante PA);

B) O Programa de Concurso enuncia os requisitos de capacidade técnica e os documentos destinados à qualificação dos candidatos, relevando os seguintes: Artigo 12º Requisitos de capacidade técnica Os candidatos devem preencher os seguintes requisitos de capacidade técnica: (…)

e) Possuir as seguintes parcerias, qualificando os candidatos para o uso e implementação das respetivas tecnologias através de certificações globais (global partner) ou específicas (local partner):

(…)

iii) H... (H... ...); (…)

Artigo 14º Documentos destinados à qualificação dos candidatos 1 – Sob pena de exclusão, as candidaturas devem ser instruídas com os seguintes documentos destinados à qualificação:

(…)

f) Documentos comprovativos das parcerias referidas na alínea e) do Artigo 12.º do presente programa, emitidos pelos respetivos parceiros; (…).” (cfr. fls. 241 ss., do PA);

C) Em 6 de setembro de 2021, foi publicado, no Diário da República, 2.ª série, n.º 173, o anúncio do concurso limitado por prévia qualificação, relativo ao contrato de aquisição de serviços de operações e suporte, administração de sistemas e manutenção de aplicações, promovido pela Entidade Demandada (cfr. fls. 280 ss., do PA);

D) Em 8 de setembro de 2021, foi publicado, no Jornal Oficial da União Europeia, o anúncio do concurso limitado por prévia qualificação, relativo ao contrato de aquisição de serviços de operações e suporte, administração de sistemas e manutenção de aplicações, promovido pela Entidade Demandada (cfr. fls. 286 ss., do PA);

E) O agrupamento A..., S.A., apresentou candidatura, no âmbito do procedimento identificado, na qual se inclui, entre o mais, o seguinte:

“(…)

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(…)


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(…).” (cfr. fls. 2156 ss. e 2809, do PA);

F) O agrupamento E..., S.A., apresentou candidatura, no âmbito do procedimento identificado, na qual se inclui, entre o mais, o seguinte:

“(…)

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(…)

G) Em 29 de novembro de 2021, o júri solicitou o seguinte esclarecimento ao agrupamento A...:

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(cfr. fls. 4302, do PA);

H) Em 10 de dezembro de 2021, o agrupamento A... respondeu ao pedido de esclarecimento formulado, nos seguintes termos:

“(…)

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(…).” (cfr. fls. 4423 ss., do PA);

I) Em 28 de dezembro de 2021, foi elaborado o primeiro relatório preliminar da fase de qualificação, do qual consta, entre o mais, o seguinte:

“(…)

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(…)

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(…).” (cfr. fls. 4292 ss., do PA);

J) Em sede de audiência prévia foram apresentadas pronúncias pelos candidatos I..., S.A., E..., S.A., e A..., S.A. (cfr. fls. 4437 ss., do PA);

K) Em 21 de janeiro de 2022, foi elaborado o segundo relatório preliminar da fase de qualificação, do qual consta, entre o mais, que

“(…)

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(…)

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(…)

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(…)

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(…)

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(cfr. fls. 4512 ss., do PA);

L) Em sede de audiência prévia foi apresentada pronúncia pelo candidato E..., S.A. (cfr. fls. 4532 ss., do PA);


M) Em 29 de março de 2022, foi elaborado o relatório final da fase de qualificação, do qual consta, entre o mais, o seguinte:

“(…)

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(…)

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(…)

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(…).” (cfr. fls. 4545 ss., do PA);
N) Em 12 de abril de 2022, a Comissão Executiva para os Assuntos Administrativos e de Pessoal, do Banco de Portugal, tomou a decisão de qualificação, de acordo com informação, de 31 de março de 2022, em que se propõe:

“(…)

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(…).” (cfr. fls. 4562 ss., do PA);

O) Em 13 de abril de 2022, a decisão, a que refere a alínea anterior, foi notificada ao agrupamento A... (admitido);

P) Em 21 de abril de 2022, a candidata E..., S.A., apresentou impugnação administrativa, contra a decisão de qualificação da candidatura do agrupamento A..., requerendo que seja revogada a referida decisão, da qual consta, designadamente, o seguinte:

“(…)

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(…)

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(…).” (cfr. fls. 4615 ss., do PA); Q) Em 03 de maio de 2022, a candidata A..., S.A., respondeu em sede de audiência de contrainteressados à impugnação administrativa a que se refere a alínea anterior, e termina pedindo que seja indeferida a impugnação em causa ou, em alternativa, anulado o processado após a data de apresentação das candidaturas, voltando estas a ser reapreciadas, excluindo-se as restantes candidaturas, e, ainda, se se entender que o procedimento não pode subsistir, a sua anulação, com fundamento na necessidade de alteração das peças do procedimento (cfr. fls. 4627 ss., do PA);

R) Em 9 de maio de 2022, foi elaborada informação, com referência ...94, por departamento da Entidade Demandada, na qual consta, entre o mais, o seguinte:

“(…)

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(…).” (cfr. fls. 4689 ss., do PA);

S) Em 10 de maio de 2022, a Comissão Executiva para os Assuntos Administrativos e de Pessoal, do Banco de Portugal, considerou, com base na informação referida na alínea anterior, a impugnação administrativa procedente e anulou parcialmente o ato de qualificação praticado no dia 12 de abril de 2022, no que diz respeito à candidatura apresentada pelo agrupamento representado pela A..., substituindo-o, quanto a esta candidata, por um ato de exclusão, com fundamento nas alíneas e) e l) do n.º 2 do artigo 184.º do CCP, mantendo-se inalterado o restante conteúdo decisório (cfr. fls. 4689 ss., do PA);

T) Em 10 de maio de 2022, as Autoras foram notificadas da decisão a que se refere a alínea anterior (cfr. fls. 70, no SITAF);

U) Em 25 de maio de 2022, a presente ação deu entrada em juízo (cfr. fls. 61, no SITAF);

V) As Autoras não foram incluídas na lista de concorrentes (cfr. fls. 474, no SITAF);

W) Não foi tomada a decisão de adjudicação, nem foi celebrado o contrato (cfr. fls. 482, no SITAF)».


III. Matéria de direito

8. A questão que se discute na presente revista é a de saber se a entidade adjudicante pode, nos termos do número 3 do artigo 72.º do Código dos Contratos Públicos (CCP), proceder à regularização da proposta de um concorrente que não apresentou o documento exigido pelo número 4 do artigo 168.º do mesmo código, para o preenchimento dos requisitos mínimos de capacidade técnica exigíveis à realização das prestações que constituem o objeto do contrato.
Em causa, concretamente, está o facto de o agrupamento concorrente liderado pela A..., ora Recorrente, recorrer a uma entidade terceira para realizar as prestações objeto do contrato relativas à certificação das aplicações informáticas Microsoft 365 Enterprise Administrator Expert, Microsoft 365 Modern Desktop Administrator Associate e H..., sem que essa entidade - a C... - tenha declarado, perante a entidade adjudicante, e perante o próprio agrupamento, assumir o compromisso de realizar incondicionalmente todas aquelas prestações.
Com efeito, e como resulta do facto provado em E), a C... apenas declarou, «sob compromisso de hora e incondicionalmente», realizar as prestações objeto do contrato a celebrar relativas às certificações Microsoft 365 Enterprise Administrator Expert e Microsoft 365 Modern Desktop Administrator Associate, não assumindo igual compromisso relativamente à certificação H..., não obstante se encontrar certificada para o efeito e o respetivo certificado ter sido apresentado com a proposta.

9. As instâncias divergiram na resposta a dar a essa questão.
O TAC de Lisboa considerou que «ante a prova da titularidade da tecnologia em causa, parece dever entender-se que a declaração constitui uma formalidade não essencial, que pode ser suprida mediante a junção da declaração de compromisso, incondicional, exigida no artigo 168.º, n.º 4, do CCP».
O TCAS, em contrapartida, considerou que «o certificado apresentado apenas poderia assumir relevância se o elemento de prova necessário e essencial para efeitos do aproveitamento da capacidade técnica de uma terceira entidade, tivesse sido submetido juntamente com a candidatura, o que não se verificou; não se tendo verificado, não pode presumir-se a existência de um pretenso recurso à capacidade da terceira entidade e de um compromisso neste sentido», concluindo, assim, que «perante a natureza da verificada omissão, não é concebível a possibilidade de suprir essa falta ou omissão com recurso ao mecanismo do artigo 72.º, n.º 3 do CCP».
Vejamos então.

10. O número 3 do artigo 72.º do CCP, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 111-B/2017, de 11 de agosto, aplicável ao caso dos autos, estabelecia que «o júri deve solicitar aos candidatos e concorrentes que, no prazo máximo de cinco dias, procedam ao suprimento das irregularidades das suas propostas e candidaturas causadas por preterição de formalidades não essenciais e que careçam de suprimento, incluindo a apresentação de documentos que se limitem a comprovar factos ou qualidades anteriores à data de apresentação da proposta ou candidatura, e desde que tal suprimento na afete a concorrência e a igualdade de tratamento»
Da redação que então era dada àquela disposição resulta, antes de mais, que apenas são passíveis de suprimento as irregularidades formais, devendo entender-se como tais aquelas que não comprometam o conteúdo das propostas, i.e., os seus atributos, termos ou condições, ou as exigências estabelecidas pela lei e pelo programa do concurso relativas à organização do concorrente.
A omissão da declaração de compromisso exigida pelo número 4 do artigo 168.º do CCP tem, como é evidente, uma dimensão formal, na medida que a mesma constitui um dos documentos que devem instruir a candidatura à prévia qualificação dos candidatos.
No entanto, e contrariamente ao que sucede com o Documento Europeu Único de Contratação Pública (DEUCP) a que se refere o número 1 do mesmo artigo, aquela declaração não se destina exclusivamente a certificar a capacidade técnica do concorrente, na medida em que, através dela, o terceiro a quem o concorrente recorre para realizar determinadas prestações que integram objeto do concurso, compromete-se, perante a entidade adjudicante, e perante o próprio concorrente, a realizar «incondicionalmente» aquelas prestações.
Daí que aquela omissão não possa deixar de qualificar-se como uma irregularidade substancial, suscetível de comprometer a manifestação, pelo candidato, de uma vontade de contratar firme, séria e irrevogável.

11. Na verdade, a declaração de compromisso exigida pelo número 4 do artigo 168.º do CCP não se confunde com os documentos que o concorrente deve apresentar para fazer prova de que o terceiro que se dispõe a assegurar aquelas prestações está capacitado tecnicamente para o fazer.
A referida declaração tem, relativamente às prestações realizadas por terceiros, uma função de vinculação dos concorrentes, análoga àquela que é assegurada pela declaração de aceitação integral e incondicional do conteúdo do caderno de encargos, que os mesmos apresentam de acordo com o modelo constante do Anexo I do CCP.
É certo que, nos procedimentos com publicação de anúncio no Jornal Oficial da União Europeia, como é o caso, os concorrentes apresentam, em substituição daquela declaração, o já referido DEUCP, e que a omissão do mesmo, na redação atualmente em vigor da alínea a) do número 3 do artigo 72.º do CCP, é passível de suprimento. Mas essa redação não é aplicável ao caso dos autos, e o seu regime de suprimento não deve, em qualquer caso, estender-se à declaração de compromisso prevista no número 4 do artigo 168.º.
Conforme assinala Pedro Fernández Sánchez, «não obstante o rigor com que o sistema de separação entre proposta e habilitação foi melhorado pelo legislador europeu, foi neste ponto que a dualidade de conteúdos constante do Anexo I do Código português não foi totalmente compreendida. O DEUCP assegura uma declaração de compromisso quanto ao cumprimento de requisitos procedimentais e à inexistência de impedimentos, aliviando a necessidade de promover as obrigações de habilitação antes da adjudicação; mas não assegura qualquer vinculação contratual específica ao conteúdo do caderno de encargos. E, entre as duas funções da declaração prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 57.º do CCP, esta última era a mais decisiva» - cfr. Direito da Contratação Pública, Vol. II, 2021 (reimpressão), p. 97.
Ora, a declaração de compromisso exigida pelo número 4 do artigo 168.º assegura, relativamente às prestações realizadas por terceiros, essa decisiva função de vinculação contratual, pelo que a sua omissão não pode deixar de comprometer a validade substancial da proposta, sendo, assim, insuprível.

12. A conclusão diversa se chegaria se os ora Recorrentes, tendo apresentado uma declaração de compromisso da C... em como esta se obrigava incondicionalmente a realizar as prestações objeto do contrato relativas à certificação H..., não tivessem apresentado, como apresentaram, o certificado do fabricante daquela solução informática atestando a sua capacitação para o fazer.
Nesse caso, sim, estaríamos perante uma irregularidade meramente formal, resultante da omissão de um documento que se limita a comprovar factos ou qualidades anteriores à data de apresentação da proposta ou candidatura, e que não afeta a concorrência e a igualdade de tratamento entre os candidatos.
Não sendo esse o caso, por estarmos perante uma irregularidade substancial, não há sequer que indagar da eventual não essencialidade da omissão da apresentação daquela declaração, não sendo também, pela mesma razão, convocável para a presente decisão a mais recente jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo sobre o carácter «aberto» daquele conceito, que não tem, aqui, aplicação – v., entre outros, o Acórdão de 27 de janeiro de 2022, proferido no Processo n.º 0172/21.0BEBRG.

13. Assim, e sem necessidade de mais considerações, é possível concluir que a omissão da declaração exigida pelo número 4 do artigo 168.º do CCP é insuprível, pelo que o acórdão recorrido não fez errada interpretação do número 3 do artigo 72.º do mesmo CCP, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 111-B/2017, de 11 de agosto, e não merece qualquer cesura.


IV. Decisão

Em face do exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, reunidos em conferência, em negar provimento ao recurso e, em consequência, em confirmar o acórdão recorrido.

Custas pelas Recorrentes. Notifique-se


Lisboa, 14 de setembro de 2023. – Cláudio Ramos Monteiro (relator) - José Veloso - Suzana Tavares da Silva.