Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:094/22.8BCLSB
Data do Acordão:09/08/2022
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:JOSÉ VELOSO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
TRIBUNAL ARBITRAL
ARBITRAGEM
REDUÇÃO
HONORÁRIOS
Sumário:Por ter relevância jurídica e social e não estar decidida de forma convincente, deve ser admitida revista sobre a questão da possibilidade de «redução dos honorários do colégio arbitral no âmbito de processo de arbitragem necessária» junto do Tribunal Arbitral do Desporto.
Nº Convencional:JSTA000P29855
Nº do Documento:SA120220908094/22
Data de Entrada:08/10/2022
Recorrente:MUNICÍPIO DE LISBOA
Recorrido 1:ASSOCIAÇÃO CENTRO CULTURAL E DESPORTIVO ..... (E OUTROS)
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em «apreciação preliminar», na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
1. O MUNICÍPIO DE LISBOA [ML] vem, invocando o artigo 150º do CPTA, interpor recurso de revista do acórdão do TCAS - de 23.06.2022 - que lhe indeferiu o pedido de redução dos honorários do colégio arbitral constituído no âmbito do processo de arbitragem necessária nº40/2021, que correu termos no Tribunal Arbitral do Desporto [TAD], e formulado «ao abrigo dos artigos 17º, nº3, e 59º, nº1 alínea d), da Lei da Arbitragem Voluntária» [Lei nº63/2011, de 14.12].

Alega que o «recurso de revista» deve ser admitido em nome da «necessidade de uma melhor aplicação do direito» e em nome da «relevância jurídica e social da questão».

O recorrido - TAD - não apresentou contra-alegações.

2. Dispõe o nº1, do artigo 150º, do CPTA, que «[d]as decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

Deste preceito extrai-se, assim, que as decisões proferidas pelos TCA’s, no uso dos poderes conferidos pelo artigo 149º do CPTA - conhecendo em segundo grau de jurisdição - não são, em regra, susceptíveis de recurso ordinário, dado a sua admissibilidade apenas poder ter lugar: i) Quando esteja em causa apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental; ou, ii) Quando o recurso revelar ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.

3. O MUNICÍPIO DE LISBOA, reagindo ao despacho de 10.05.2022 do Presidente do TAD, requereu ao TCAS - ao abrigo dos artigos 17º, nº3, e 59º, nº1 alínea d), da LAV - a redução dos honorários do colégio arbitral - constituído no âmbito do processo de arbitragem necessária nº40/2021, que correu termos no TAD - no valor de 80% do que resulta da Tabela anexa à Portaria nº314/2017, de 14.10, com a consequente reforma da conta final de custas da arbitragem.

Alegou para tal - nomeadamente - que deveria ser aplicado por analogia o artigo 44º, nºs 3 e 4, do «Regulamento de Processo de Arbitragem Voluntária no TAD», que o processo arbitral em causa não chegou à fase instrutória e que a não redução de honorários fere os princípios da proporcionalidade, igualdade, razoabilidade e acesso aos tribunais.

O TCAS, em sintonia com o entendimento ínsito no despacho impugnado - de 10.05.2022 - assentou a sua decisão de indeferimento em duas razões fundamentais: primo, que as disposições da LAV não são aplicáveis aos processos de jurisdição arbitral necessária que correm no TAD - o que decorrerá, segundo o acórdão, do artigo 61º da Lei do TAD [Lei nº74/2013, de 06.09]; secundo, que não sendo aplicável a LAV, os princípios invocados - proporcionalidade, igualdade, razoabilidade e acesso aos tribunais - não serão - in casu - atendíveis. E culminou o seu julgamento assim: verificando-se que o processo tem o valor de 1.350.136,40€, que foi proferido despacho de saneamento pela formação arbitral, que o montante devido ainda que elevado tem suporte legal e que o Município de Lisboa tem grande capacidade financeira, resta, pois, indeferir o pedido de redução de honorários.

O MUNICÍPIO DE LISBOA pede revista do assim decidido pelo TCAS, por considerar que se trata de julgamento de direito errado relativamente à interpretação e à aplicação do disposto nos artigos 61º da Lei do TAD - Lei nº74/2013, de 06.09 -, 17º, nº3, e 59º, nº1 alínea d), da LAV - Lei nº63/2011, de 14.12 - e à restrição aplicativa dos artigos 18º, nºs 1 e nº2, e 13º, da CRP.

Sublinha - além do mais - que o entendimento sufragado no «acórdão recorrido» - segundo o qual não prevendo a Portaria nº314/2017, de 14.10, a possibilidade da redução dos honorários dos árbitros a mesma não terá lugar nos processos submetidos à jurisdição arbitral necessária do TAD - não só implica a aceitação - que considera juridicamente incorrecta - de que os invocados princípios constitucionais têm, no TAD, aplicação mais restritiva na jurisdição arbitral necessária do que na voluntária, o que não encontrará sustentação no «ordenamento jurídico-constitucional». E, ainda, que não prevendo a Portaria nº314/2017, de 14.10, a possibilidade de, no processo arbitral necessário, o Presidente do TAD «poder reduzir os honorários dos árbitros», sempre que a arbitragem termine «antes da prolação da decisão final sobre o objecto do litígio», nada impedirá que, por idênticas razões de proporcionalidade, razoabilidade e adequação do custo associado ao serviço público de justiça prestado - que presidiram à previsão da possibilidade de tal redução no Regulamento de Processo de Arbitragem Voluntária em vigor no TAD -, se aplique por analogia no processo arbitral necessário - à luz dos princípios constitucionais referidos - a norma ínsita no artigo 44º, nºs 3 e 4, do dito «Regulamento» - Regulamento de Processo de Arbitragem Voluntária em vigor no TAD.

Compulsados os autos, importa apreciar «preliminar e sumariamente», como compete a esta Formação, se estão verificados os «pressupostos» de admissibilidade do recurso de revista - referidos no citado artigo 150º do CPTA - ou seja, se está em causa uma questão que «pela sua relevância jurídica ou social» assume «importância fundamental», ou se a sua apreciação por este Supremo Tribunal é «claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

A admissão da revista fundada na «necessidade clara» de melhor aplicação do direito prende-se com situações respeitantes a matérias relevantes, tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente, ou contraditória, impondo-se a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa como condição para dissipar dúvidas sobre o quadro legal que regula a situação, vendo-se a clara necessidade de uma melhor aplicação do direito com o significado de boa administração da justiça em sentido amplo e objectivo.

No presente caso verificamos que a questão de direito objecto da pretensão de revista, aparentemente de «menor importância», é uma questão dotada de complexidade - pela articulação de «normas legais e de princípios constitucionais» que implica - e dotada de capacidade repetitiva, para além de implicar repercussões económico-financeiras no erário público, que não são despiciendas.

Além disso, mostra-se decidida no «acórdão recorrido» de forma algo lacónica e pouco convincente, o que é realçado pelas alegações do recurso de revista, bem pertinentes, apresentadas pelo MUNICÍPIO DE LISBOA, tudo a impor a sujeição da mesma ao crivo deste Supremo Tribunal, não só em busca de uma melhor aplicação do direito, como, também, em prol da certeza e segurança de decisões futuras semelhantes.

Deste modo, importa, neste caso, quebrar a regra da excepcionalidade do recurso de revista, e admiti-lo.

Nestes termos, e de harmonia com o disposto no artigo 150º do CPTA, acordam os juízes desta formação em admitir o recurso de revista interposto.

Sem custas.

Lisboa, 8 de Setembro de 2022. – José Veloso (relator) – Teresa de Sousa – Carlos Carvalho.