Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0585/09
Data do Acordão:11/18/2009
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PIMENTA DO VALE
Descritores:IRS
REALIZAÇÃO DE DESPESAS
INCONSTITUCIONALIDADE ORGÂNICA
Sumário:I - Nos termos do disposto no artº 51º, al. b) do CIRS, para efeitos de tributação da mais-valia respectiva, só as despesas inerentes são necessárias, pelo que só elas são relevantes.
II - O qualificativo "inerente", logo etimologicamente - in re - contem, a se, uma ideia de inseparabilidade, uma relação intrínseca - que não meramente extrínseca - com a alienação: para ser considerada relevante, a despesa há-de sê-lo pela sua posição relativamente à alienação, há-de, em suma, ser dela indissociável.
III - Assim não se pode considerar como "despesa necessária inerente à alienação" a amortização de dívidas contraídas para efeitos de garantia de quotas cedidas a terceiro pelo seu titular.
IV - O artº 51º, al. b) do CIRS não é material e organicamente inconstitucional.
Nº Convencional:JSTA00066116
Nº do Documento:SA2200911180585
Data de Entrada:05/29/2009
Recorrente:A... E OUTRA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:MAIORIA COM 1 VOT VENC
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF COIMBRA PER SALTUM.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR FISC - IRS.
Área Temática 2:DIR CONST.
Legislação Nacional:CIRS88 ART51 B.
DL 106/88 DE 1988/09/17 ART6.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1 – A… e mulher B…, melhor identificados nos autos, não se conformando com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra que julgou improcedente a impugnação judicial que deduziram contra o acto de liquidação adicional de IRS e respectivos juros, relativo ao ano de 2001, no valor global de € 18.178,05, dela vêm interpor o presente recurso, formulando as seguintes conclusões:
1. Na douta sentença recorrida interpretou-se a norma do artigo 51°, b), do CIRS, no sentido de que “a despesa com a amortização de contas garantidas por quotas pode no caso ter sido necessária à realização do negócio de alienação de quotas. Mas não é despesa inerente à cessão de quotas, no sentido de que não é uma despesa indissociável desse negócio”.
2. Daí resulta a exclusão das deduções/encargos efectivos e comprovados que sejam considerados necessários à obtenção do rendimento sujeito a imposto, na sua concreta expressão quantitativa.
3. Este entendimento, importa uma injustificada violação do princípio da capacidade contributiva na acepção de tributação do rendimento líquido, sendo que o “princípio do rendimento líquido - ou “princípio do rendimento líquido objectivo” — nos termos do qual apenas o montante líquido constitui (verdadeiro) rendimento para o pagamento dos impostos, constitui, pois decorrência do princípio da capacidade contributiva na modelação do imposto sobre o rendimento. E, em princípio, tal justifica que ao rendimento total auferido devam ser deduzidas despesas específicas com a sua obtenção, pois tais gastos constituem uma expressão negativa da capacidade contributiva e, como tal, devem ser excluídos desse conceito se se revelarem indispensáveis à produção ou obtenção do rendimento”
4. Igual princípio consta do artigo 6º da Lei nº 106/88, de 17 de Setembro, do qual consta que “a lei determinará as deduções a fazer em cada uma das categorias de rendimento (...), tomando como critério os custos ou encargos necessários à sua obtenção” (artigo 6º, nº 1) e que “as deduções deverão corresponder aos custos ou encargos efectivos e comprováveis, sem prejuízo de algumas poderem ser fixadas com base em presunções, quando esta solução apresentar maior segurança para o fisco ou maior comodidade para os contribuintes, especialmente os de mais baixos rendimentos”
5. Daí resulta, que o legislador parlamentar foi absolutamente fiel ao princípio da tributação pelo rendimento líquido exigindo a dedução efectiva dos encargos necessários à obtenção do rendimento, donde se conclui que nessa matéria o critério pelo qual a lei determina as deduções não pode ser outro que não o da relevância dos custos ou encargos necessários à sua obtenção.
6. Por outro lado, daí resulta também que o legislador apenas pode modelar o modus - não o critério - de valoração desses encargos, admitindo que os mesmos sejam fixados presuntivamente.
7. Contudo, mesmo neste caso, o legislador parlamentar, sublinhe-se, não atribuiu um “cheque em branco” que pudesse ser preenchido em termos de delimitar genericamente as deduções por via presuntiva, antes exigindo que essa fixação apenas pudesse realizar-se quando fosse determinada por uma solução de maior segurança para o fisco ou de maior comodidade para os contribuintes.
8. In casu, o legislador não estabeleceu qualquer presunção de custos, nem procedeu à sua estipulação forfettaria, mas antes um regime analítico-personalizado de valoração das “despesas necessárias” para a alienação de onde emerge o rendimento sujeito a imposto.
9. No âmbito desse regime, “as deduções deverão corresponder aos custos ou encargos efectivos e comprováveis” devendo tomar-se “como critério os custos ou encargos necessários à sua obtenção”;
10. De acordo com este critério, as legalmente designadas “despesas necessárias, inerentes à alienação” não serão apenas as despesas formalmente necessárias à alienação, ou seja, aquelas que se assumem como conditio sine qua nonde válida realização do negócio no plano formal, outrossim as que são concreta e materialmente necessárias e determinantes da emergência ou obtenção do ganho obtido.
11. Apesar das mais-valias constituírem acréscimos patrimoniais não decorrentes da actividade produtiva, é incontornável que o “ganho obtido” (artigo 10º, nº 1, do CIRS) pode decorrer da assumpção de toda uma série de despesas/encargos/custos, sem os quais aquele não existiria ou não assumiria a expressão quantitativa que tais encargos possibilitam.
12. Nessas hipóteses, em que essa expressão quantitativa do “ganho” tenha subjacente a realização de despesas que contribuem necessária e decisivamente para a sua epifania, haverá que as tomar em linha de conta na medida em que só atribuindo-lhes relevância se atingirá a real capacidade contributiva do sujeito, tributando-o, em conformidade, pelo “ganho” líquido, não podendo deixar de se estabelecer uma relação de mútua interferência causal entre despesas que sejam conditioda existência da mais-valia, ou da sua dimensão quantitativa, e os ganhos que sem elas não existiriam, ao menos no valor que aquelas propiciam.
13. Deverá considerar-se despesa “necessária e inerente”, para efeitos do disposto no artigo 51º, al. b), do CIRS, toda a despesa que se assuma como conditio sine qua non - indissociável, portanto - do rendimento concretamente obtido, porque traduzida numa despesa necessária para a existência do próprio rendimento sujeito a imposto na expressão quantitativa que aquela lhe faz acrescer e não apenas as despesas que sejam formalmente indissociáveis do negócio sem as quais o mesmo não poderá ser realizado formalmente.
14. Diversa interpretação redundará na inconstitucionalidade material da referida norma por violação do princípio da capacidade contributiva na vertente de exigência de tributação do rendimento líquido, pois o critério interpretativo aplicado pelo tribunal a quo permite e admite que não sejam, como não foram, valorados os encargos/despesas/custos concretamente suportados que se traduzem na valorização do bem alienado e, como tal, constituem concretamente condição da expressão quantitativa da alienação
15. O artigo 51º, alínea b), do Código do IRS, é, pois, inconstitucional por violação do princípio da capacidade contributiva.
16. E viola esse princípio quando não admite a dedução dos encargos efectiva e comprovadamente suportados para a obtenção do rendimento quando os mesmos sejam considerados necessários e/ou determinantes da sua expressão quantitativa.
17. O artigo 51º, alínea b), do Código do IRS, é também organicamente inconstitucional, por violação dos artigos 165º, nº 1, alínea i), e 103º, nº 2, da CRP, na redacção em vigor, na medida em que o Governo, ao legislar sobre a matéria, excedeu o mandato injuntivo que resultava da lei de autorização parlamentar, afastando-se do critério aí estabelecido ao não admitir que as deduções correspondam aos custos ou encargos efectivos e comprováveis que sejam necessários à obtenção do rendimento, excluindo, os encargos e custos com a valorização dos bens e que se têm como necessários e determinantes do rendimento concretamente obtido.
A Fazenda Pública não contra-alegou.
O Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao presente recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
1- A sentença recorrida considerou provada a seguinte matéria de facto:
1. Por Escritura Pública de «Cessões de Quotas» lavrada em 2001.02.02 no Quarto Cartório Notarial de Coimbra e exarada de fls. 106 a fls. 108 do livro de notas para escrituras diversas nº 122-D, os ali outorgantes A… e mulher B… declararam ceder à “C…, Limitada” as quotas de que ali são titulares, por 55.000.000$00 e 27.500.000$00 respectivamente, mais declarando que as quotas se encontram liberadas e são cedidas sem quaisquer ónus ou encargos e com todos os correspondentes direitos e obrigações sociais, e bem assim que assumiam inteira responsabilidade por qualquer dívida, ónus ou encargo que viesse a ser imputado à sociedade e que fosse anterior às cessões das quotas; (Fls. 19 a fls. 25 dos autos).
2. Na mesma data a que alude o nº anterior, os Impugnantes subscreveram a declaração de que se junta cópia a fls. 18 do processo administrativo em apenso, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os legais efeitos e de onde, além do mais, consta que, «tendo-se obrigado para com “C…, Lda.” na escritura em que lhe cederam as quotas de que eram os únicos titulares na sociedade “D…, Limitada” nesta data celebrada, a assumir, pelos dois primeiros, todas as dívidas, incluindo as contas correntes caucionadas nº 194719935 de 10.000.000$00 (Dez milhões de escudos) sobre o Banco E… e n° 0052 04 5052591 de 20.000.000$00 (vinte milhões de escudos) sobre o Banco F… ónus ou encargos da sociedade, existentes ou que a ela venham a ser imputados até à presente data, renunciam, também e consequentemente, a todos os créditos que, em seu nome pessoal, detenham actualmente, a qualquer título, sobre a mencionada sociedade, ou que lhes venham a ser atribuídos por força dos movimentos contabilísticos emergentes do pagamento, por eles efectuado, das dívidas, ónus ou encargos da referida sociedade, a que se obrigaram, num valor global não superior a três milhões de escudos ou do seu equivalente em euros.» (Facto expressamente reconhecido na informação que serviu de base à proposta da decisão da reclamação graciosa, a fls. 100 do apenso).
3. As contas correntes caucionadas n° 194719935 de 10.000.000$00 (Dez milhões de escudos) sobre o Banco E… e n° 0052 04 5052591 de 20.000.000$00 (vinte milhões de escudos) sobre o Banco F…, estavam garantidas pelas quotas a que aludem os números anteriores e foram amortizadas pelos Impugnantes em 2001.02.05. (Documentos de fls. 26 a fls. 30 e de fls. 56 a fls. 59 do apenso. Facto expressamente reconhecido na informação que serviu de base à proposta da decisão da reclamação graciosa, a fls. 100 do apenso.)
4. Em 2002.04.30, os Impugnantes entregaram no Serviço de Finanças de Figueira da Foz 1 a declaração modelo 3 referente a I.R.S. de 2001, bem como o respectivo anexo G, tendo preenchido o quadro 8 deste último [ALIENAÇÃO ONEROSA DE PARTES SOCIAIS E OUTROS VALORES MOBILIÁRIOS — ART. 10º, N° 1, AL. B)] nos seguintes termos:

Identificação Realização Aquisição Despesas
do bem e encargos
Ano Mês Dia Valor Ano Mês Dia Valor
Quota-D... Lda 2001 02 02 274.338,84 1995 03 28 74.819,69 149.639,37
Quota-D... Lda 2001 02 02 137.169,42 1995 06 26 32.409,84

TOTAIS 411.508,26 112.229,53 149.639,37

Fls. 118 a 124 do apenso
5. Através do oficio nº 1004, de 2005.02.09, do Serviço de Finanças de Coimbra 2, foi o Impugnante notificado para, no prazo de 15 dias «apresentar prova documental ou outra, se for o caso, das despesas e encargos, no valor de 149.639,37» declarados no anexo G a que alude o nº anterior e «relativos à alienação efectuada em 2001/02/02, de uma quota, a C…, Lda., que possuía na sociedade D…, Lda., pelo preço de 274.338,84», com a advertência de que, não o fazendo dentro do prazo, o seu rendimento colectável seria alterado pela D.G.C.I.; (Inf. de fls. 3 do processo administrativo em apenso. Doc. de fls. 48 do mesmo processo administrativo em apenso.)
6. Em 2005.08.09, foi no processo n° 99/2005, que para o efeito foi instaurado naquele Serviço de Finanças, lavrada a seguinte informação:
«Relativamente ao(s) sujeito(s) passivo(s) e declaração acima identificados, cumpre-me, informar o seguinte, para efeitos do disposto no n° 4 do art° 65 do Código do IRS:
1. Pelo ofício n° 1004, de 2005/02/09, foi expedida notificação aos sujeitos passivos acima identificados para, no prazo de 15 dias, apresentarem neste Serviço de Finanças documentos comprovativos das despesas e encargos mencionados no quadro 8 do anexo G da declaração de IRS do ano de 2001, entregue em 2002/04/30.
2. Até à presente data os sujeitos passivos não exibiram quaisquer documentos comprovativos dessas despesas e encargos acima referidos.
3. Assim, parece-me que estão reunidas as condições para que seja aplicado o disposto no n° 4 do Art.° 65° do Código do IRS, ou seja, para que seja alterados os elementos declarados, conforme quadro que segue, uma vez que os sujeitos passivos não comprovaram os elementos quantitativos declarados.

Tipo de Alteração
Abatimentos/Deduções/Benefícios Fiscais
Declarado Corrigido
Despesas e encargos (quadro 8 do anexo G)
€ 149 639,37€ 0,00

Inf. de fls. 3 do processo administrativo em apenso. Doc. de fls. 74 do processo administrativo em apenso.
7. A informação a que alude o n° anterior mereceu a concordância do Senhor Chefe do Serviço de Finanças pelo que, através do oficio n° 3832, de 2005.08.09, foi o Impugnante notificado para exercer o direito de audição, nada tendo respondido. (Inf. de fls. 3 do processo administrativo em apenso. Doc. de fls. 76 do processo administrativo em apenso.)
8. Em 2005.09.14, o Senhor Chefe do Serviço de Finanças lavrou o seguinte despacho:
«Em face da informação que antecede, converto em definitivo o Projecto de Decisão a fls. 27, notificado, do qual se junta cópia, e ordeno a elaboração de um Documento de Correcção Único (DCU) do Tipo 6 - Reclamações, impugnações e outros.
Notifique-se nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 66°, n° 1 e 149°, n° 2 do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares». (Fls. 77 do processo administrativo em apenso.)
9. O Impugnante foi notificado da decisão a que alude o número anterior através de carta registada com aviso de recepção (oficio nº 4380, de 2005.09.14). (Documentos de fls. 6 e 78 a 80 do apenso.)
10. Com base na decisão a que alude o nº anterior, foi em 2005.09.22 efectuada a liquidação adicional, a qual foi atribuído o nº 5334257002 e da qual resultou valor a pagar de € 58,874,53, ao qual foi descontado o montante de € 46.723,47, que o Impugnante pagou em liquidação anterior, restando, após movimentos de compensação, o valor a pagar de € 17.548,52. (Documentos de fls. 45 e 138 e seguintes do apenso).
11. Em 2006.01.30, o Impugnante apresentou reclamação graciosa nos termos que constam do documento de fls. 8 a fls. 16 do apenso e que aqui se dá por integralmente reproduzido, o qual foi autuado naquele Serviço de Finanças com o nº 3050-06/400029.3. (Cfr. além do mais, documento de fls 6 do apenso).
12. Em 2006.07.03, o Senhor Chefe do Serviço de Finanças lavrou proposta de decisão nos termos que constam dos documentos de fls. 96 a fls. 97 do processo administrativo em apenso; cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os legais efeitos e de onde, além do mais, consta o seguinte: «(...) é nosso entendimento que a amortização de dívidas contraídas para efeitos de garantia de quotas não se enquadra no âmbito do artigo 51º do Código do IRS, uma vez que não constitui um encargo necessário à alienação. Essa despesa só foi necessária para libertar os bens do encargo que sobre eles recaía apesar de ter sido uma das condições negociais.
3. Nestes termos e não obstante a reclamação ser legal, interposta em tempo e com legitimidade proponho nos termos do artigo 73º, nº 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário que a reclamação seja indeferida.
Remetam-se os autos ao Ex° Sr. Director de Finanças.».
13. Remetidos os autos à Direcção Distrital de Finanças de Coimbra, a Divisão de Justiça Tributária daquele organismo lavrou, em 2006.07.12, a informação de consta de fls. 98 a fls. 101 do processo administrativo em apenso, cujo teor aqui se dá também por reproduzido para todos os legais efeitos e de onde, além do mais, consta o seguinte: «(...) Na verdade, no contrato de cessão de quotas celebrado o Reclamante obriga-se a uma transmissão de quotas livres de ónus e encargos, sendo esta uma condição aposta e acordada pelos contraentes, no âmbito da liberdade contratual de que dispunham. Porém, as condições e cláusulas livremente acordadas, de que os contraentes fazem depender o negócio, não podem constituir um encargo ou despesa a ter em consideração pela Administração Fiscal e obrigar à aplicabilidade do art. 51º alínea b) do CIRS. Esta disposição legal prevê a possibilidade de acrescer ao valor de aquisição das mais valias as despesas necessárias e efectivamente praticadas, inerentes à alienação, mas somente as decorrentes de obrigações legais e impostas ao alienantes, não as que as partes, no domínio do livre arbítrio contratual considerem essenciais à celebração do negócio. Nesta medida são somente admitidas as despesas e encargos que serão sempre exigíveis para a alienação onerosa de partes sociais.
Ao contrário do previsto para a alienação de bens imóveis, no art. 51º alínea a) do CIRS, o legislador para a alienação onerosa de partes sociais não permite o acréscimo ao valor de aquisição os encargos e despesas com a valorização dos bens, pelo que se demonstra a exclusão desta possibilidade para a alienação em questão.
Deste modo, não pode considerar-se como necessário o pagamento das contas caucionadas pelo Reclamante para alienação das quotas no âmbito da tributação em sede de IRS, mais-valias, art. 51º alínea b), porquanto resulta de uma condição aposta e livremente acordada no contrato de cessão de quotas, não sendo exigível imperativamente por disposição legal.
Pelo exposto, e salvo melhor opinião, deve o pedido do Reclamante ser indeferido.».
14. Em 2006.09.05, o Senhor Director Distrital de Finanças lavrou o seguinte projecto de decisão: «Concordo, pelo que nos termos e com os fundamentos da informação e parecer que seguem, o pedido será indeferido». (Fls. 98 do apenso).
15. Através do oficio nº 1897, de 2006.09.06, foi o Impugnante notificado para exercer o direito de audição, o que fez por escrito cfr. doc. de fls. 105 a fls. 112 do processo administrativo em apenso. (Cfr., quanto à notificação, os doc.s de fls. 103 e 104 do apenso).
16. Sobre o conteúdo do direito de audição a que alude o nº anterior, incidiu o seguinte parecer da Divisão de Justiça Tributária da D.D.F. de Coimbra: «Tendo sido o Reclamante notificado nos termos e para os efeitos do nº 5, do artigo 60°, da Lei Geral Tributária, a fim de exercer o direito de audição consignando na alínea b) do nº 1 daquele mesmo artigo, veio este pronunciar-se sobre o projecto de decisão proferido a fls. 88.
Alegou, em suma, discordar do projecto de decisão por inobservância do princípio da tributação do rendimento real constitucionalmente consagrado no art. 103°, n° 2 da CRP e 83°, n° 2 da LGT, considerando que, pelo facto de não serem aceites para cálculo das mais valias as despesas que considera necessárias à alienação dos bens, se está a preterir a real capacidade contributiva do sujeito passivo. Reitera ainda a indispensabilidade do pagamento das contas caucionadas em causa, para celebração do negócio, e como tal a necessidade destas serem consideradas como despesas, nos termos do art. 51° do CIRS.
Porém, demonstra-se que os argumentos ora vertidos foram já analisados aquando da elaboração da proposta de decisão pelo que se me afigura ser de tornar definitivo o referido despacho, com os fundamentos constantes do mesmo». (Fls. 114 do apenso).
17. Em 2006.10.03, o Senhor Director Distrital de Finanças lavrou a seguinte decisão:
«Concordo, pelo que tornando agora definitivo o projecto de decisão em apreço e nos termos e com os fundamentos no mesmo já aduzidos INDEFIRO o pedido do(a) Reclamante». (Fls. 113 do apenso).
18. O Impugnante foi notificado da decisão a que alude o nº anterior através do oficio nº 2135, de 2006.10.09, recebido em 2006.10.10. (Fls. 115 a 117 do apenso).
19. A presente impugnação deu entrada neste T.A.F. de Coimbra em 2006.10.16. (Fls. 1 destes autos).
3 – A questão dos autos é a da interpretação da alínea b) do artº 51º do CIRS, recte, do inciso normativo “despesas necessárias e efectivamente praticadas, inerentes à alienação”.
Isto, no seguinte circunstancialismo factual, como melhor resulta do probatório:
Os recorrentes alienaram - “declararam ceder” - as quotas de que eram titulares na sociedade “D… Ltda”, sem ónus ou encargos, pelo que assumiram as dívidas respeitantes a duas contas caucionadas, garantidas pelas referidas quotas.
Pelo que se coloca a questão de saber se tal “assumpção”, com os gastos inerentes, constitui despesa enquadrada naquele normativo, a considerar para efeitos de tributação da mais-valia respectiva.
E, aí, a subordinante é, sem dúvida, “a inerência” da despesa à alienação.
No critério legal, só as despesas inerentes são necessárias, pelo que só elas são relevantes.
Ora, o qualificativo “inerente”, logo etimologicamente - in re - contém, a se, uma ideia de inseparabilidade, uma relação intrínseca - que não meramente extrínseca - com a alienação: para ser considerada relevante, a despesa há-de sê-lo pela sua posição relativamente à alienação, há-de, em suma, ser dela indissociável.
De outro modo: a despesa há-de ser integrante da própria alienação.
Não se vê, efectivamente, que outro sentido se possa atribuir à expressão “inerentes à alienação”.
A posição dos recorrentes fica-se pela necessidade da despesa, não se atribuindo então, rigorosamente, àquela expressão, qualquer sentido útil.
E, pelo contrário, há-de entender-se que ela não só traz em si um quid significante acrescentativo, como é mesmo a verdadeira subordinante do preceito.
Não basta, pois, como aliás se refere na sentença, que as despesas sejam conexas à obtenção do rendimento; é necessário que elas dele sejam indissociáveis.
Ora, não é a hipótese das despesas em causa, que apenas são conexas à alienação, não são dela inseparáveis: aquela podia perfeitamente ter lugar sem elas, ainda que por um valor diferente.
4 – Mas será que tal interpretação é patológica, no sentido de acarretar a inconstitucionalidade material e orgânica do preceito?
A nosso ver, a resposta é negativa.
Quanto à primeira, como se verá, o princípio da capacidade contributiva nada tem a ver com o caso dos autos.
Melhor se falaria, aí, do princípio da tributação pelo rendimento real mas este coloca-se a montante da alienação propriamente dita.
Os recorrentes não esclarecem a razão de ser - o motivo ou fundamento - das contas caucionadas. Da petição inicial, concluir-se-ia resquiciamente – cfr. item 14º e seguintes, maxime 16º e 17º - que elas operaram a favor da sociedade: “são empréstimos concedidos às sociedades mediante garantia ou aval dos sócios”.
Se assim foi, o princípio da tributação pelo rendimento real deve colocar-se em relação à própria sociedade; não tem a ver com a operação em causa.
A razão - ora desconhecida - que está na génese de tais contas pode levar a que integrem ou constituam custos respectivos, mas não é relevante para a tributação em causa nos autos.
E o mesmo se diga, mutatis mutandis, quanto à inconstitucionalidade orgânica.
Como referem os recorrentes e nos termos do artº 6º da Lei nº 106/88, de 17 de Setembro, “a lei determinará as deduções a fazer em cada uma das categorias de rendimento (…), tomando como critério os custos ou encargos necessários à sua obtenção” (n.º 1), e “ as deduções deverão corresponder aos custos ou encargos efectivos e comprováveis, sem prejuízo de algumas poderem ser fixadas com base em presunções, quando esta solução apresentar melhor segurança para o Fisco ou maior comodidade para os contribuintes, especialmente os de mais baixos rendimentos”.
Tal problemática, no caso concreto, pode colocar-se quanto à sociedade, nos preditos termos, mas falece quanto à alienação em causa.
Pois, em rigor, aí, “os custos ou encargos necessários à sua obtenção” só podem ser, como se crê ter demonstrado, os “inerentes”, isto é, os que lhe são indissociáveis, não os que lhe não dizem directamente respeito, por colocados a montante da operação.
Não merece, assim, reparo a decisão recorrida que procedeu a uma correcta interpretação e aplicação da lei.
5 – Nestes termos, acorda-se em negar provimento ao presente recurso e manter a sentença recorrida.
Custas pelos recorrentes, solidariamente, fixando-se a procuradoria em 1/6.
Lisboa, 18 de Novembro de 2009. – Pimenta do Vale (relator) – Isabel Marques da Silva – Jorge Lino (vencido. Do meu ponto de vista, a amortização de contas garantidas pelas quotas alienadas constituem “despesa necessária e inerente” à alienação das quotas em foco – amortização directamente causante do valor do ganho obtido em tal alienação. Razão essencial porque concederia provimento ao recurso, com revogação da sentença recorrida e a anulação da liquidação impugnada).