Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01083/23.0BESNT
Data do Acordão:02/28/2024
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:GUSTAVO LOPES COURINHA
Descritores:SIGILO
DOMICÍLIO FISCAL
INTIMAÇÃO
Sumário:I - Os dados relativos ao domicílio fiscal que são objecto de recolha e tratamento na base de dados do registo de contribuintes estão protegidos pelo sigilo fiscal e profissional a que alude o artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 14/2013, de 28-01.
II - Os dados protegidos pelo sigilo fiscal e profissional a que alude o número anterior só podem ser transmitidos quando, além do mais, a lei prevê o acesso a esses dados ou que este não importa a quebra do dever de sigilo.
III - O Regime Geral das Contraordenações não atribui às autoridades administrativas com competência para tramitar processos ali regulados o acesso a informação protegida pelo sigilo.
Nº Convencional:JSTA000P31966
Nº do Documento:SA22024022801083/23
Recorrente:MINISTÉRIO DAS FINANÇAS
Recorrido 1:MUNICÍPIO DE CASCAIS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


I – RELATÓRIO

I.1 - Alegações
A FAZENDA PÚBLICA, vem recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, a qual julgou procedente os pedidos de informação relativos ao domicílio fiscal de arguidos em processos de contraordenação instaurados pelo Município de Cascais.
Apresenta as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões a fls. 105 a 121 do SITAF.
I. Visa o presente recurso reagir contra a douta decisão proferida em 13-12-2023, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou “(…) a presente intimação totalmente procedente e, em consequência, determino a intimação da Entidade Requerida a prestar ao Requerente, no prazo de 10 (dez) dias, informação actualizada do domicílio fiscal dos arguidos…”.
II. Salvo o devido respeito, a Douta Sentença, aqui recorrida, errou na interpretação e aplicação das normas legais da matéria de facto fixada nos presentes autos, razão pela qual se pugna presentemente pela sua revogação.
III. A ora Recorrente não se conforma com a Douta Sentença sob recurso, por entender que a mesma enferma do vício de violação de lei, errónea interpretação e aplicação do direito e de erro de julgamento.
IV. Entende o Tribunal a quo, inexplicavelmente, e fundamentando contra a legislação aplicável relativa à proteção conferida a dados pessoais e confidencialidade fiscal, “(…) a inexistência de limites, restrições, exceções constitucionais e/ou legais justificativas de recusa da administração em prestar a informação solicitada…”
V. Julga, no entanto, a Recorrente, que a sentença aqui em recurso, não logrou demonstrar pelos fundamentos em que se sustentou pela legalidade da decisão.
VI. Uma vez que não resulta dos factos dados como provados, designadamente que a matéria em causa reporta a tributos, o Tribunal a quo ao concluir e decidir como decidiu, afastou-se de um critério lógico e razoável assente nos factos provados e aferiu da juridicidade dos atos de forma genérica, recorrendo à analogia, o que não lhe era permitido.
VII. O Tribunal a quo não efetua esta ponderação, tanto mais que o artigo 64.º n.º 2, al. b) da Lei Geral Tributária prevê a cessação do dever de sigilo na cooperação legal da administração tributária com outras entidades públicas, na medida dos seus poderes, significando que deve existir norma expressa que permita a essas entidades o acesso à informação protegida pelo dever de sigilo.
VIII. Ou seja, face à factualidade apurada, o Tribunal a quo só poderia ter concluído pela inexistência de norma que conjugada com o artigo 64.º, n.º 2, al. b), da LGT, permitisse a Autora de aceder a dados pessoais de terceiros à guarda da Recorrente.
IX. De facto, uma das situações previstas para a derrogação do dever de sigilo para os Municípios está contida no artigo 215.º, n.º 5 e 236.º, n.º 3, ambos do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e artigo 7.º do DL 433/99, tudo no âmbito de processos executivos.
X. A Recorrida não trouxe para os autos, qualquer prova ou justificação razoável e objetiva que legitime o acesso a dados protegidos pelo dever de sigilo, e dada a debilidade dos argumentos que sustentam a douta decisão do Tribunal a quo, mais se dirá que o Regime Geral de Contraordenações (DL n.º 433/82, de 27 de outubro) é uma norma geral de auxílio e colaboração entre entidades públicas, não atribuindo ao Município o direito de acesso a dados pessoais à guarda da AT ou de qualquer outra entidade pública.
XI. Para alcançar a informação pretendida através da base de dados da AT, deverá a entidade administrativa efetuar protocolo conforme obriga a Lei de Proteção dos Dados Pessoais (lei 58/2019, de 8 de agosto).
XII. Não existe base legal específica para aceder à informação à guarda da AT, designadamente, para acesso ao dado domicílio com a finalidade de instrução de processos de contraordenação, estabelecendo as normas habilitantes para a cessação do dever de segredo, a aplicação exclusiva no âmbito patrimonial e executivo, em sede de tributos.
XIII. Foi afirmado no Acórdão do STA n.º 0108/20.6BEFUN, de 23-06-2021: “A questão que se coloca é, então, a de saber se deve considerar-se constitucionalmente excessiva a instituição, pelo legislador ordinário, de um dever de segredo que possa opor-se a uma instituição pública titular de um interesse objetivamente legítimo como o da Recorrente. Entendemos que não.”
XIV. Reitera-se o dimanado no Acórdão supra referido:
“Sendo a Autoridade Tributária, para o efeito, uma entidade responsável pelo tratamento de dados pessoais, o dispositivo também é aplicável às relações entre aquela entidade e outras entidades públicas. Pelo que o protocolo de cooperação é um mecanismo adequado a fazer cessar o dever de sigilo para os efeitos previstos na alínea b) do n.º 2 do artigo 64.º, mesmo no quadro de uma interpretação estrita do preceito.
Existindo um mecanismo previsto na lei que assegura a harmonização dos valores e interesses em conflito, não pode concluir-se que a lei é demasiado restritiva ou desproporcionada”., defendendo “… esses instrumentos já existem: são os protocolos de cooperação.”
XV. A consulta e transmissão de dado pessoal em resposta a pedido de entidade externa à AT, configura tratamento de dados, não bastando haver legitimidade para a realização de um tratamento para que seja justificação suficiente para a sua execução, devendo o tratamento ser justificado dentro dos pressupostos conferidos por lei.
XVI. No caso vertente, servindo os dados relativos à identificação e ao domicílio recolhidos pela AT estritos fins tributários, não se verifica uma real conexão entre a finalidade da recolha do dado domicílio e a finalidade do acesso para instrução de processos de contraordenação. XVII. Impõe o artigo 64.º, n.º 2, al. b) da LGT, uma norma específica que derrogue o dever de sigilo fiscal entendendo a Recorrente que a norma contida no RGCO não é a norma própria por constituir uma norma geral que atribui um dever geral de auxílio entre entidades públicas.
XVIII. O entendimento dimanado pela sentença ora em recurso contraria o entendimento jurisprudencial no que respeita ao acesso a dados protegidos, violando o previsto no artigo 64.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária, a Lei 68/2019 de 8 de agosto, o proclamado no Regulamento Geral de Proteção de Dados e ainda os artigos 26.º, 35.º e 266.º da Constituição da República Portuguesa.
XIX. Sobre esta matéria já se debruçou o Colendo Tribunal no âmbito dos Proc.ºs 180/23.7BESNT e 780/23.5BESNT, tendo concluindo que não estavam reunidos os pressupostos de acesso à informação protegida pelo dever de sigilo.

I.2 – Contra-alegações
Foram proferidas contra alegações no âmbito da instância pelo Município de Cascais com o seguinte quadro conclusivo:
1. O recorrente fundamenta o seu recurso em vício de violação de lei, por errónea interpretação e aplicação do direito em erro de julgamento, mas salvo o devido respeito não logrou demonstrar a verificação dos mesmos, designadamente provar que a sua recusa de prestação de informação é legítima.
2. O Tribunal a quo decidiu acertadamente pela procedência do pedido apresentado pelo recorrido para obtenção de informação relativa ao domicílio fiscal dos arguidos nos respectivos processos de contraordenação, em razão de existir norma específica que legitima a derrogação do sigilo fiscal ao abrigo do dever legal de cooperação legal da AT com outras entidades públicas previsto no artigo 64º nº2 al. b) da LGT e dos pedidos se encontrarem fundamentados no âmbito dos seus poderes de autoridade administrativa ao abrigo do disposto nos artigos 41º nº2 e 54º nº3 do RGCO.
3. O enquadramento legal subjacente aos pedidos de informação resulta do poder conferido às autarquias locais para instruir e decidir sobre matéria contra-ordenacional nos termos do disposto no artigo 35º nº2 alínea n) do RJAL e do disposto nos artigos 33º, 34º, 41º nº2, 47º, 50º e 54º nº3 do RGCO.
4. A douta sentença seguiu de perto a fundamentação constante das decisões proferidas pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra no âmbito dos processos nº 1085/22.4BESNT e 125/23.4BESNT, que foram confirmadas pelos Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul de 20.04.2023.
5. Da sentença recorrida, e em nosso entender bem, resulta provado que o Requerente prossegue atribuições que pressupõem o conhecimento do dado relativo à morada dos arguidos contra quem instauraram processo de contraordenação, na sua fase administrativa.
6. Resulta provado nos autos que o Recorrido fundamentou os seus pedidos de informação no âmbito dos seus poderes de autoridade administrativa ao abrigo do disposto no nº2 do artigo 41º, no nº3 do artigo 54º do RGCO e artigo 64º da LGT, não se apresentando como um mero ente administrativo que necessita de informação para prosseguir as suas atribuições e que, como tal, solicita a colaboração da Autoridade Tributária.
7. O RGCO impõe a notificação pessoal dos arguidos, o que pressupõe que a entidade administrativa conheça o seu domicílio fiscal para lhe dar a conhecer a acusação bem como dar-lhe oportunidade de exercer o seu direito de defesa, apresentar provas ou testemunhas e conhecimento do desfecho do processo.
8. O conhecimento do domicílio fiscal dos arguidos pelas autoridades administrativas revela-se, assim, imprescindível para concretizar todas as diligências necessárias á descoberta da verdade material e para conhecimento pelo arguido de todas as decisões tomadas no âmbito dos processos, sob pena de não se poder efetivar as competências legalmente atribuídas às autarquias locais em matéria de contraordenação e não se assegurar as garantias constitucionais dos arguidos (artigos 268º nº 2 e 32º nº10 da CRP).
9. Resulta de forma expressa na lei, que no âmbito dos processos de contraordenação, a câmara municipal tem os mesmos direitos que as entidades competentes para o processo criminal e que ao abrigo do dever de auxílio no âmbito da instrução, poderá a autoridade administrativa solicitar informação sobre o domicílio atualizado dos arguidos à AT na medida dos seus poderes.
11. O dever, obrigação de colaboração, encontra a sua razão de ser no estatuto processual das entidades administrativas.
12. Não se compreende o argumento da necessidade de celebração de um protocolo quando o dever de cooperação legal consta de uma norma expressa e os pedidos de informação se encontram limitados aos poderes enquanto autoridade administrativa que deve levar a cabo a instrução dos processos com respeito pela legalidade do processo e por todas as garantias que a lei confere aos arguidos.
13. O sigilo fiscal previsto no nº1 do artigo 64º da LGT, enquanto expressão do direito à privacidade dos contribuintes, não é absoluto e deve ser derrogado como resposta a outros bens jurídicos igualmente relevantes, na medida necessária para satisfazer o equilíbrio dos interesses em jogo. Veja-se a este propósito o sumário do acórdão do STA de 16.11.2011, proferido no processo nº 0838/11.
14. No âmbito da instrução dos processos de contraordenação a manutenção do sigilo pela AT revela-se contrária aos interesses e direitos dos arguidos, impedindo-os de exercerem os seus direitos constitucionais conforme previsto nos artigos 268º, 32º nº2 e 18º do CRP e ao interesse público subjacente a todos os processos de contraordenação.
15. O Município não peticiona um acesso direto e geral á base de dados da Autoridade Tributária e Aduaneira, limitando-se a solicitar informação específica e limitada ao estritamente necessário para o prosseguimento dos autos em cumprimento das atribuições que a Lei lhe confere e de forma a salvaguardar os interesses dos arguidos.
16. Acresce, que o nº3 do artigo 64º da LGT dispõe que os dados continuam a ter caracter reservado ou confidencial ou seja “a derrogação do sigilo comporta uma extensão do dever de confidencialidade às entidades e agentes a favor de quem tal derrogação opera”.
17. A comunicação da informação relativa ao domicílio fiscal dos arguidos nos processos de contraordenação, no âmbito dos poderes que a autoridade administrativa dispõe, não acarreta a violação do dever de confidencialidade ou do direito á reserva da intimidade da vida privada, uma vez que o Município fica igualmente sujeito a esse dever de sigilo.
18. A transmissão destes dados, para estes fins específicos e devidamente concretizados, não importa a quebra do dever de sigilo, porque este se comunica a quem os obtenha.
19. Em conclusão, no âmbito da instrução dos processos de contraordenação, a informação solicitada pelo Recorrido deve ser prestada em cumprimento da lei, em que está expressamente consagrado um dever de auxílio, sendo certo que o dever de sigilo se comunica a quem obtenha os elementos protegidos pelo referido dever.
20. Razões pelas quais bem andou o Tribunal a quo ao decidir pela procedência da acção de intimidação, devendo manter-se na integra a decisão recorrida, com as legais consequências.

I.3 - Parecer do Ministério Público
Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, veio o Ministério Público emitir parecer com o seguinte conteúdo:
“1. «A Entidade Pública demandada [Ministério das Finanças] na Ação de Intimação para prestação de informações intentada pelo Município de Cascais, inconformada com a sentença proferida nos autos em 13-12-2023, notificada eletronicamente em 14-12-2023, que deu provimento ao pedido deduzido pela Autora, vem dele interpor recurso jurisdicional para o Supremo Tribunal Administrativo, nos termos dos artigos 151.º do CPTA, artigo 26.º, al. b), do ETAF e artigo 678.º do CPC, ex-vi artigo 1.º do CPTA.».
2. A douta alegação, conclui, em suma, nos seguintes termos:
«I. Visa o presente recurso reagir contra a douta decisão proferida em 13-12-2023, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou “(…) a presente intimação totalmente procedente e, em consequência, determino a intimação da Entidade Requerida a prestar ao Requerente, no prazo de 10 (dez) dias, informação actualizada do domicílio fiscal dos arguidos…”.
II. Salvo o devido respeito, a Douta Sentença, aqui recorrida, errou na interpretação e aplicação das normas legais da matéria de facto fixada nos presentes autos, razão pela qual se pugna presentemente pela sua revogação.
III. A ora Recorrente não se conforma com a Douta Sentença sob recurso, por entender que a mesma enferma do vício de violação de lei, errónea interpretação e aplicação do direito e de erro de julgamento.
IV. Entende o Tribunal a quo, inexplicavelmente, e fundamentando contra a legislação aplicável relativa à proteção conferida a dados pessoais e confidencialidade fiscal, “(…) a inexistência de limites, restrições, exceções constitucionais e/ou legais justificativas de recusa da administração em prestar a informação solicitada…”
V. Julga, no entanto, a Recorrente, que a sentença aqui em recurso, não logrou demonstrar pelos fundamentos em que se sustentou pela legalidade da decisão. Uma vez que não resulta dos factos dados como provados, designadamente que a matéria em causa reporta a tributos, o Tribunal a quo ao concluir e decidir como decidiu, afastou-se de um critério lógico e razoável assente nos factos provados e aferiu da juridicidade dos atos de forma genérica, recorrendo à analogia, o que não lhe era permitido.
VII. O Tribunal a quo não efetua esta ponderação, tanto mais que o artigo 64.º n.º 2, al. b) da Lei Geral Tributária prevê a cessação do dever de sigilo na cooperação legal da administração tributária com outras entidades públicas, na medida dos seus poderes, significando que deve existir norma expressa que permita a essas entidades o acesso à informação protegida pelo dever de sigilo.
VIII. Ou seja, face à factualidade apurada, o Tribunal a quo só poderia ter concluído pela inexistência de norma que conjugada com o artigo 64.º, n.º 2, al. b), da LGT, permitisse a Autora de aceder a dados pessoais de terceiros à guarda da Recorrente.
IX. De facto, uma das situações previstas para a derrogação do dever de sigilo para os Municípios está contida no artigo 215.º, n.º 5 e 236.º, n.º 3, ambos do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e artigo 7.º do DL 433/99, tudo no âmbito de processos executivos.
X. A Recorrida não trouxe para os autos, qualquer prova ou justificação razoável e objetiva que legitime o acesso a dados protegidos pelo dever de sigilo, e dada a debilidade dos argumentos que sustentam a douta decisão do Tribunal a quo, mais se dirá que o Regime Geral de Contraordenações (DL n.º 433/82, de 27 de outubro) é uma norma geral de auxílio e colaboração entre entidades públicas, não atribuindo ao Município o direito de acesso a dados pessoais à guarda da AT ou de qualquer outra entidade pública.
XI. Para alcançar a informação pretendida através da base de dados da AT, deverá a entidade administrativa efetuar protocolo conforme obriga a Lei de Proteção dos Dados Pessoais (lei 58/2019, de 8 de agosto).
XII. Não existe base legal específica para aceder à informação à guarda da AT, designadamente, para acesso ao dado domicílio com a finalidade de instrução de processos de contraordenação, estabelecendo as normas habilitantes para a cessação do dever de segredo, a aplicação exclusiva no âmbito patrimonial e executivo, em sede de tributos.
(…)».
II
(Questões de ilegalidade)
a) Petição inicial
3. Podemos respigar da douta petição inicial, com interesse para efeitos do presente recurso, a informação seguidamente discriminada, em termos sumários (arts. 1.º, 2.º, e 14.º a 17.º, com itálicos nossos).
4. Assim, foi peticionada pelo Município de Cascais, ao Serviço de Finanças de Cascais, informação sobre o “domicílio fiscal” de certos “arguidos em processo de contraordenação, por infração do RGCO”.
Isto “ao abrigo da prerrogativa que lhe é concedida enquanto autoridade administrativa, do dever de auxílio entre as várias entidades e do dever geral de colaboração conforme disposto no nº 2 do artigo 41º, no n.º 3 do artigo 54º do RGCO e no artigo 64º da LGT”
5. Mais: “a prestação de informação relativa ao domicílio fiscal dos arguidos no âmbito de processos de contraordenações não respeita a contraordenações tributárias.”
6. Quanto à finalidade da informação peticionada, “a autoridade administrativa necessita, em diversas fases do processo, de entrar em contacto direto com o arguido, desde logo para lhe dar a conhecer a acusação que lhe está a ser dirigida e, sobretudo, dar-lhe oportunidade para vir exercer o seu direito constitucional de defesa (artigo 50.º RGCO); posteriormente para solicitar elementos de prova ou testemunhas e, finda a instrução, já na fase de decisão, para lhe dar a conhecer o desfecho do processo” e “As notificações são dirigidas ao arguido, havendo igualmente o dever de lhe dar a conhecer todas as decisões, despachos e demais medidas tomadas, tendo a autoridade administrativa para tal de conhecer obrigatoriamente do seu domicílio (artigo 47.º RGCO)”.
7. O dever infringido, e para o qual é pedida proteção judicial, é a “prerrogativa que lhe é concedida enquanto autoridade administrativa, do dever de auxílio entre as várias entidades e do dever geral de colaboração conforme disposto no nº 2 do artigo 41.º, no nº 3 do artigo 54º do RGCO e no artigo 64º da LGT.”
8. Finalmente, aduz a autoridade recorrida: “O conhecimento do domicílio fiscal dos arguidos pelas autoridades administrativas revela-se imprescindível para concretizar todas as diligências necessárias à descoberta da verdade material e para conhecimento pelo arguido de todas as decisões tomadas no âmbito dos processos, sob pena de não se poder efetivar as competências legalmente atribuídas às autarquias locais em matéria de contraordenações e não se assegurar as garantias constitucionais dos arguidos.
b) Relação jurídica tributária
9. O litígio a dirimir nos presente autos intercede, como vimos, entre duas autoridades administrativas: Ministério das Finanças vs. Município de Cascais, ou seja, não constam “contribuintes”.
10. Por outra parte, o litígio não diz respeito à existência, liquidação ou cobrança de um tributo (imposto, taxa ou contribuição), seja quanto à obrigação principal ou às obrigações acessórias, em particular de qualquer “tributo administrado por autarquias locais” (Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de outubro [Aprova o CPPT] art. 7.º, e LGT, arts. 30.º e 31.º).
11. A recorrida também é absolutamente clara: a informação peticionada não respeita a contraordenações tributárias. Por outra parte a autoridade ora recorrida não identifica, como podia e devia ter feito, quais são os tipos de ilícito de mera ordenação social que estão em causa.
12. O pedido de informação incide, portanto, sobre o “domicílio fiscal” das pessoas singulares em causa, não enquanto sujeitos de uma relação jurídica tributária fiscal, mas justamente como “arguidos” em processo de contraordenação (sem natureza tributária), em ordem à consecução das finalidades deste tipo de processo sancionatório.
Consabidamente, o processo de contraordenação é matéria da competência das “autoridades administrativas”, mas estas, nesse ambiente legal, são “equiparadas às entidades competentes para o processo penal” (RGCO, art. 41.º, n.º 1).
E, sendo o processo de contraordenação regido por normas jurídicas próprias, ao mesmo são subsidiariamente a aplicáveis os preceitos reguladores do processo criminal (idem, n.º 2).
Por último, correspondentemente, salvas as exceções legais das contraordenações em matéria urbanística ou tributária, a jurisdição na matéria cabe à ordem dos tribunais comuns [RGCO, art. 59.º, n.º 1; ETAF, art. 4.º, n.º 1, al. l)].
13. Em conclusão, não está em causa nestes autos o “domicílio fiscal” de pessoas singulares, como sujeitos de uma relação jurídica tributária (LGT, título II, capítulo I, art. 19.º., mas como “arguidos em processo de contraordenação, por infração do RGCO”.
Correlativamente, a administração tributária não intervém na relação jurídica litigada “enquanto tal”, ou seja, como administração tributária, mas como destinatária de um “dever de auxílio” no âmbito e para efeitos de realização das funções do processo de contraordenação “por infração ao RGCO”.
c) Imprescindibilidade da informação
14. Por outra parte, a autoridade recorrida afirma que “O conhecimento do domicílio fiscal dos arguidos pelas autoridades administrativas revela-se imprescindível para concretizar todas as diligências necessárias à descoberta da verdade material e para conhecimento pelo arguido de todas as decisões tomadas no âmbito dos processos, sob pena de não se poder efetivar as competências legalmente atribuídas às autarquias locais em matéria de contraordenações e não se assegurar as garantias constitucionais dos arguidos.”
Porém não comprova tal alegação.
Ou seja, não comprova a “imprescindibilidade” – ou, sequer, a necessidade – de obter a informação sobre o “domicílio fiscal” dos arguidos em causa para prossecução das finalidades de garantia constitucional dos direitos de audiência e defesa respetivos, nomeadamente nos processos de contraordenação em causa (Constituição, art. 32.º, n.º 10).
15. Com efeito, não aduz qual o contributo imprescindível para a finalidade de descoberta da verdade material, em processo de contraordenação (não tributário), que está em causa na informação sobre o “domicílio fiscal” dos arguidos.
E, quanto à finalidade do contacto com os arguidos, não aduz se qual o específico plus que para tal finalidade possa trazer o conhecimento do “domicílio fiscal” sobre outros locais onde, normalmente, os mesmos podem ser contactados: a residência habitual (domicílio voluntário geral) e o local de trabalho dos arguidos.
16. Por outra parte, resulta da letra expressa da lei e das práticas consagradas que a investigação e instrução dos processos de contraordenação, no todo ou em parte, pode ser confiada às “autoridades policiais” (RGCO, art. 54.º, n.ºs 2 e 3).
E, como uma autoridade administrativa dotada de normal experiência está ciente, tais autoridades policiais estão, por excelência, habilitadas a averiguar e informar sobre a residência e local de trabalho dos arguidos, o que em regra não apresenta especial dificuldade.
Mais: para realização dos fins do processo de contraordenação, as autoridades administrativas e policiais poderão ainda solicitar, nos termos a lei, a informação constante, nomeadamente, do registo civil e mesmo, em função do tipo de ilícito de mera ordenação social em causa, de outros registos públicos (RGCO, arts. 41.º, n.ºs 1 e 2, 48.º, n.º 2, e 49.º). d)
Artigo 64.º, n. º 2, alínea b), LGT
17. Dispõe o artigo 64.º (Confidencialidade) da LGT, no seu n.º 1: “Os dirigentes, funcionários e agentes da administração tributária estão obrigados a guardar sigilo sobre os dados recolhidos sobre a situação tributária dos contribuintes e os elementos de natureza pessoal que obtenham no procedimento, nomeadamente os decorrentes do sigilo profissional ou qualquer outro dever de segredo legalmente regulado.”. Porém, prossegue, “O dever de sigilo cessa”, nomeadamente, “em caso de cooperação legal da administração tributária com outras entidades públicas, na medida dos seus poderes”.
18. Já vimos, porém, que a informação sobre o “domicílio fiscal” dos que a autoridade administrativa ora recorrida pretende obter não respeita à prossecução das suas funções tributárias, nem é imprescindível para os efeitos de instrução e decisão do processo de contraordenação (não tributária) em causa.
19. Assim sendo, a previsão do n.º 3 do artigo 54.º do RGCO não pode funcionar, no caso vertente, como habilitação legal para credenciar o acesso irrestrito das autoridades administrativas ou policiais ao “domicílio fiscal”, no sentido do artigo 19.º da LGT, dos contribuintes em causa.
Caso contrário, quer a autoridade administrativa, quer a administração tributária atuariam com excesso de poder (ultra vires), pois nenhuma delas, ao pedir ou prestar informação sobre tal dado pessoal, prossegue, no caso, funções tributárias, ou seja, excederiam no caso “a medida dos respetivos poderes” [LGT, art. 64.º, n.ºs 1 e 2, alínea b)].
Dito de outro modo: a previsão do n.º 3 do artigo 54.º do RGCO – e outras de similar teor – não dever ser lida como cláusula geral mas, antes, como cláusula funcional, ou seja, à luz das concretas circunstâncias de facto e de Direito vigentes no caso em apreço, nomeadamente respeitando os limites funcionais de competência da autoridade de origem e de destino — quanto a esta última, hic et nunc, o limites estabelecido nas disposições conjugadas dos n.ºs 1 e da alínea b), do n.º 2, ambos do artigo 64.º (Confidencialidade), da LGT.
20. Em conclusão, a peticionada informação sobre o “domicílio fiscal” dos três “arguidos em processo de contraordenação, por infração do RGCO”, nem prossegue fins tributários, nem se comprova mesmo que a mesma seja impreterível para os fins da boa instrução e decisão dos processos de contraordenação em causa.
Por conseguinte, o pedido em causa não carateriza o dever de auxílio previsto no n.º 3 do artigo 54.º do RGCO, excedendo assim a medida dos poderes das autoridades em causa, pelo que não faz cessar o dever de confidencialidade que vincula a administração tributária nos termos das disposições conjugadas dos n.ºs 1 e da alínea b), do n.º 2, ambos do artigo 64.º (Confidencialidade), da LGT.
Assim, ao julgar em contrário, da douta sentença recorrida incorreu em erro de interpretação das aludidas, disposições legais, que consubstancia a erro de julgamento.
III
(Conclusão)
Face ao exposto, por concorrer erro de julgamento, por erro de interpretação das disposições conjugadas do n.º 3 do artigo 54.º do RGCO, e dos n.ºs 1 e da alínea b), do n.º 2, ambos do artigo 64.º da LGT, somos de parecer que é de conceder provimento ao presente recurso, revogando assim a douta sentença recorrida, do TAF de Sintra, de 16 de novembro de 2023 (art. 288.º, n.º 1, CPPT).
Lisboa, 19 de fevereiro de 2024 “

I.4 - Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


II - FUNDAMENTAÇÃO

II.1 – De facto
A decisão recorrida tem a seguinte matéria de facto:
1. Através do ofício com a ref. n.º ...05, o MUNICÍPIO DE CASCAIS dirigiu “Pedido de Informação” ao Chefe do Serviço de Finanças de Cascais – 1, requerendo a prestação de informações relativas ao domicílio fiscal do arguido no processo de contraordenação n.º 1-...06-...23, AA – v. fls. 19 dos autos;
2. Através do ofício com a ref. n.º ...06, o MUNICÍPIO DE CASCAIS dirigiu “Pedido de Informação” ao Chefe do Serviço de Finanças de Cascais – 1, requerendo a prestação de informações relativas ao domicílio fiscal do arguido no processo de contraordenação n.º 1-...41-...20, BB – v. fls. 20 dos autos;
3. Através do ofício com a ref. n.º ...16, o MUNICÍPIO DE CASCAIS dirigiu “Pedido de Informação” ao Chefe do Serviço de Finanças de Cascais – 1, requerendo a prestação de informações relativas ao domicílio fiscal actual do arguido no processo de contraordenação n.º 6-...20-...21, CC – v. fls. 21 dos autos;
4. Através do ofício do Serviço de Finanças de Cascais – 1, com a ref. n.º ...88, de 2023.10.10, o MUNICÍPIO DE CASCAIS foi notificado do indeferimento do pedido de informações identificado em 1. – v. fls. 22 a 24 dos autos;
5. Através do ofício do Serviço de Finanças de Cascais – 1, com a ref. n.º ...87, de 2023.10.10, o MUNICÍPIO DE CASCAIS foi notificado do indeferimento do pedido de informações identificado em 2. – v. fls. 25 a 27 dos autos;
6. Através do ofício do Serviço de Finanças de Cascais – 1, com a ref. n.º ...86, de 2023.10.10, o MUNICÍPIO DE CASCAIS foi notificado do indeferimento do pedido de informações identificado em 3. – v. fls. 28 e 29 dos autos;
7. As decisões referidas em 4., 5. e 6. tiveram por base os seguintes fundamentos: “Atendendo que o pedido de informação de domicílio fiscal diz respeito unicamente a contribuinte pessoa singular, e após análise legislativa vigente e dos Pareceres da PGR e dos normativos específicos da Autoridade Tributária sobre esta matéria, releva-se ainda o ponto 1) do artigo 4.º do Regulamento (EU) 2016/679 do Parlamento Europeu do Conselho de 27 de abril (RGPD), define Dados Pessoais nos seguintes termos:
“…
Informação relativa a uma pessoa singular identificada ou identificável (“titular dos dados”), é considerada identificável uma pessoa singular que possa identificada, direta ou indiretamente, em especial por referência a um identificador como por exemplo um nome, um número de identificado, dados de localização, identificadores por via eletrónica ou a um ou mais elementos específicos da identidade física, fisiológica, genética, mental, económica, cultural ou social dessa pessoa singular Assim, por se tratar de prestar informações relativa a pessoa singular “identificada ou identificável”, o Domicílio Fiscal de contribuinte pessoa singular, identificado anteriormente, integra o conceito de Dados Pessoais, tal como se encontra transcrito no parágrafo anterior.
Mais se informa que o sigilo fiscal abrange não apenas os dados sobre a situação tributária do contribuinte pessoa singular mas também, e de igual modo os seus Dados Pessoais.
Face ao explanado, constata-se que o Domicílio Fiscal do contribuinte pessoa singular (…) são dados abrangidos pelo Sigilo Fiscal, nos termos do artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 14/2013 de 28 de janeiro e do n.º 1 do artigo 64.º da Lei Geral Tributária, pelo que se propõe o indeferimento do pedido de informação do domicílio fiscal do contribuinte identificado” – v. fls. 24, 27 e 29 dos autos;

II.2 – De Direito
I. Vem o presente recurso interposto pela Fazenda Pública, visando reagir contra a douta sentença proferida no dia 12 de dezembro de 2023 pelo TAF de Sintra, a qual decidiu julgar totalmente procedente a presente recurso e determinou que a “…Entidade Requerida a prestar ao Requerente, no prazo de 10 (dez) dias, informação actualizada do domicílio fiscal dos arguidos…”
O Tribunal a quo, ao decidir pela procedência do presente recurso, ancorou a sua fundamentação nas decisões próximas proferidas nos acórdãos do TCAS no âmbito dos processos nº 1085/22.4BESNT e 125/23.4BESNT, concluindo que “…: inexistem, in casu, limites, restrições, exceções constitucionais e/ou legais justificativas de recusa da administração em prestar a informação solicitada.”
Assim o Tribunal a quo entendeu que a requerente tinha direito à informação porque estavam preenchidos os requisitos do artigo 64.º, n.º 2, alínea b), da Lei Geral Tributária para que seja levantado o sigilo fiscal em nome dos deveres de cooperação institucional da administração tributária com outras entidades públicas (no caso, uma entidade pública municipal).

II. Inconformada com o assim decidido, recorre a FP para esta Instância Superior imputando à decisão recorrida vício de violação de lei, errónea interpretação e aplicação do Direito por considerar que apesar de haver a possibilidade das entidades administrativas “…solicitarem o auxílio de outras autoridades ou serviços públicos, previsto no n.º 3 do artigo 54.º do RGCO não contempla dados protegidos pelo dever de sigilo e que a existência de normas derrogatórias no âmbito do procedimento executivo, estando em causa tributos, não se estendem nem abarcam outro tipo de infrações.”
Sustenta ainda que a sentença recorrida ao decidir da forma como decidiu, contraria o entendimento jurisprudencial relativo ao acesso a dados protegidos, violando deste modo “…o previsto no artigo 64.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária, a Lei 68/2019 de 8 de agosto, o proclamado no Regulamento Geral de Proteção de Dados e ainda os artigos 26.º, 35.º e 266.º da Constituição da República Portuguesa.”

III. De acordo com o teor das Conclusões apresentadas, as quais delimitam o objecto do recurso, a questão a apreciar consiste em saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento de Direito ao ter julgado procedente a pretensão da entidade requerida, ou seja, ao ter considerado que o Município de Cascais tem o direito de ser informado pela AT sobre o domicílio fiscal dos arguidos no âmbito do processo de contraordenação, segundo o previsto no artigo 64.º, n.º 2, al. b) da LGT em conjugação com o disposto nos artigos 41.º, n.º 2 e 54.º n.º 3 do RGCO.
Cabe decidir.

IV. Analisada em detalhe a questão suscitada no presente recurso, constata-se que é exatamente a mesma que já foi que suscitada e decidida por este Supremo Tribunal nos processos n.ºs 180/23 e 780/23, por julgamentos de 13 de Dezembro de 2023 – disponíveis em www.dgsi.pt – correspondendo eles à jurisprudência mais recente desta instância a tal respeito, sendo ainda de sublinhar o extenso e mui douto Parecer do Ministério Público junto aos autos, que propende para solução e fundamentação próximas.
Assim, e por apego aos termos e fundamentos então lavrados naqueles arestos e que ora aqui reiteramos – no que consideramos poder já reputar-se de jurisprudência dominante – limitamo-nos a reiterar aqui tudo o que, então, ali ficou decidido e fundamentado:
3. A questão fundamental a decidir é a de saber se uma entidade pública municipal tem direito a ser informada sobre o domicílio fiscal de pessoas singulares para instruir ou tramitar processos de contraordenação que tenha instaurado e que corram termos nos seus serviços.
Não é controvertido entre as partes e foi assumido na sentença recorrida que os dados relativos ao domicílio fiscal das pessoas singulares estão abrangidos pelo denominado sigilo fiscal.
O litígio nos autos prende-se apenas com os limites do sigilo fiscal e a sua relação com os deveres de cooperação institucional da administração tributária com outras entidades públicas (no caso, uma entidade pública municipal).
O litígio abrange, por um lado, a identificação dos pressupostos de acesso de outras entidades públicas à informação protegida e, por outro lado, a verificação do seu preenchimento no caso.
Com efeito, a Mm.ª Juiz a quo entendeu que a Requerente tinha direito à informação porque estavam preenchidos os requisitos do artigo 64.º, n.º 2, alínea b), da Lei Geral Tributária para o levantamento do sigilo e porque não descortinava (outro) motivo válido para lhe ser recusada.
E a Autoridade Tributária e Aduaneira entende que a Requerente não tem o direito porque não estão preenchidos os requisitos do artigo 64.º, n.º 2, alínea b), da Lei Geral Tributária [conclusão “VII” do recurso]. Mas também porque existem outras normas legais que delimitam o dever do sigilo e que considera terem sido, no caso violadas [conclusão “XIX” do recurso].
Assim, a Autoridade Tributária e Aduaneira opõe à decisão recorrida o erro na determinação da lei aplicável e o erro na aplicação da lei.
O erro na determinação da lei aplicável porque a norma do caso não consta integralmente da alínea b) do n.º 2 do artigo 64.º citado, devendo ser obtida da sua conjugação com outros diplomas.
O erro na aplicação da lei porque da subsunção do caso à norma aplicável resulta que não estão verificados os pressupostos de que depende o levantamento do sigilo.
Deles nos ocuparemos nos pontos seguintes.
4. O âmbito do dever de sigilo fiscal resulta de diversas normas disseminadas por diversos códigos e diplomas tributários.
No caso do artigo 64.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária consagra-se o dever de sigilo fiscal no âmbito dos procedimentos a que alude o seu artigo 54.º.
Assim, este dever está funcionalmente ligado ao dever de colaboração entre a administração e os contribuintes no âmbito desta relação procedimental, que abrange também matéria sigilosa - artigo 59.º, n.º 4, da mesma Lei.
Foi concluído na sentença recorrida que o domicílio fiscal das pessoas singulares é um elemento de identificação que se encontra abrangido pelo dever de sigilo fiscal previsto naquele dispositivo legal.
Isso seria verdade se os dados relativos ao domicílio fiscal tivessem sido obtidos no âmbito de um procedimento regulado pela Lei Geral Tributária.
Mas, em regra, estes dados são obtidos no âmbito de um procedimento especialmente regulado no artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 14/2013, de 28 de janeiro.
Por outro lado, as entidades públicas recorrem à administração tributária para obter informação atualizada sobre o domicílio fiscal das pessoas e não para serem informadas do teor de procedimentos.
Ou seja, o que as entidades públicas pretendem é o acesso ao tratamento desses dados pela administração tributária.
O tratamento desses dados pela administração tributária é efetuado na base de dados do registo dos contribuintes.
Esta informação é protegida pelos artigos 35.º e seguintes do referido Decreto-Lei n.º 14/2013. E é integrada no âmbito do dever do sigilo fiscal pelo seu artigo 41.º.
É verdade, no entanto, que o artigo 37.º do mesmo diploma dispõe que a informação constante da base de dados do registo dos contribuintes só pode ser transmitida nas condições previstas no artigo 64.º da Lei Geral Tributária.
O que significa que os requisitos legais da transmissão da informação constante dessa base de dados a outras entidades públicas devem ser extraídos, em primeiro lugar, da alínea b) do n.º 2 deste dispositivo legal.
Ali se dispõe que o dever de sigilo «cessa» (ou seja, que o dever de sigilo não impede a transmissão dos dados) em caso de cooperação legal da administração tributária com outras entidades públicas.
O teor literal da expressão «cooperação legal» permite que seja interpretada em dois sentidos distintos: no sentido de que o dever de sigilo cessa quando estiver prevista a cooperação e no sentido de que o dever de sigilo cessa quando estiver prevista a cooperação em matérias abrangidas pelo dever de sigilo.
Mas só deve ser considerado o segundo sentido interpretativo. Vejamos porquê.
Os elementos de natureza pessoal são protegidos, não tanto por serem fiscais (no sentido em que foram recolhidos no âmbito de relações jurídicas fiscais e em cumprimento de obrigações fiscais), mas por serem privados.
Assim, no caso dos dados sobre o domicílio fiscal de pessoas singulares, são protegidos por constituírem dados de localização habitual dos contribuintes. Porque o domicílio fiscal das pessoas singulares corresponde, em princípio, ao local da sua residência habitual.
E isto tem importância para o caso, porque o segredo dos dados pessoais está associado aos direitos de personalidade e às liberdades individuais. Ou seja, o sigilo fiscal também garante o direito à vida privada, ademais consagrado no artigo 26.º da Constituição.
Por outro lado, estes dados também são protegidos porque constam de ficheiros de dados sobre pessoas. Que são suportes de informação adequados a facilitar o acesso à informação, a uma utilização reiterada, à divulgação e ao cruzamento de dados.
E isto também tem importância para o caso, porque significa que estão protegidos pelo direito à proteção de dados pessoais tutelado pelo artigo 35.º da Constituição.
Estando em causa direitos constitucionais fundamentais, ligados às liberdades individuais, as restrições ao conteúdo destes direitos estão sujeitas ao regime de restrição dos direitos liberdades e garantias consagrado no artigo 18.º da Constituição.
O que significa que tais restrições só serão legítimas quando estiverem previstas na lei de forma clara e precisa, forem justificadas e necessárias para a concretização de objetivos de interesse geral de importância reconhecida ou para satisfazer as necessidades de proteção dos direitos e liberdades de outrem, forem proporcionados aos objetivos a atingir e respeitarem o conteúdo essencial dos direitos fundamentais.
Ora, ressalta do confronto do sobredito com a alínea b) do n.º 2 do artigo 64.º da Lei Geral Tributária que o teor desta norma deve ser interpretado de forma particularmente exigente para poder conformar-se com as exigências da lei constitucional.
Assim, parece-nos evidente que não será compatível com tal regime uma interpretação da expressão «cooperação legal» reconduzida ao dever de cooperação que esteja previsto na lei.
Isto é, o dispositivo não pode ser interpretado no sentido de que o dever de sigilo cessa quando estiver previsto o dever de colaboração entre entidades públicas.
Porque isso significaria que não existiria segredo nas relações entre entidades públicas que estivessem obrigadas a colaborar entre si.
Uma interpretação da lei que se traduza na inexistência de segredo entre entidades públicas, ainda que delimitado pelo dever de colaboração, atingiria no seu âmago as garantias do direito à vida privada, porque este inclui no seu âmbito a garantia de proteção contra ingerências do próprio Estado-administração e a utilização abusiva da informação dentro das respectivas instituições. E, por conseguinte, não respeitaria o conteúdo essencial deste direito fundamental.
Por outro lado, constituiria uma restrição a direitos fundamentais manifestamente desproporcionada, visto que subordinaria o direito fundamental à privacidade dos cidadãos contribuintes a qualquer interesse público que justificasse o dever de colaboração. Mesmo que esse não fosse um interesse com valor equivalente ao do direito preterido.
Julgamos, por isso e para que este regime legal se possa conformar com as garantias constitucionais que também serve, a expressão «cooperação legal» deve ser interpretada no sentido de que deve estar previsto na lei que a cooperação abrange o acesso a esses dados.
Aliás, o artigo 35.º, n.º 4 da Constituição ressalva da proibição geral do acesso a dados de terceiros constantes de ficheiros de dados apenas os casos excecionais previstos na lei.
Razão porque a alínea e) do n.º 2 do próprio artigo 64.º ressalva do dever de sigilo a confirmação do domicílio fiscal às entidades legalmente competentes para a realização do registo comercial, predial ou automóvel. Disposição que seria redundante na outra interpretação.
Assim, e em conclusão, o artigo 64.º, n.º 2, alínea b) da Lei Geral Tributária deve ser interpretado no sentido de que o dever de sigilo não obsta à cooperação entre a administração tributária com outras entidades públicas quando, além do mais, estiver previsto na lei que a cooperação entre as entidades envolvidas abrange o acesso aos dados protegidos por esse dever.
5. O artigo 64.º, n.º 2, alínea b), da Lei Geral Tributária também dispõe que o dever de sigilo «cessa» caso a cooperação legal entre a administração tributária com outras entidades públicas ocorra «na medida dos seus poderes».
Este segmento da norma foi interpretado, na sentença recorrida, no sentido de que o dever de sigilo cessa quando a entidade requerente da informação prossiga atribuições que pressupõem o conhecimento dos dados.
Julgamos, com efeito, que o objetivo do legislador foi o de se assegurar que o acesso aos dados sigilosos era necessário ao exercício das funções de interesse público ou ao exercício da autoridade pública de que está investida a entidade a que esses dados são transmitidos.
Elegendo, assim, como requisito da legitimidade do acesso que este se fizesse na medida das necessidades. Como, de resto, prevê a alínea e) do n.º 1 do artigo 6.º do Regulamento Geral da Proteção de Dados - Regulamento (EU) 2016/679, do Parlamento Europeu e do Conselho [doravante “RGPD”].
E elegendo como indicador bastante de que tal sucede o facto de a entidade pública em causa ter atribuições que pressupõem o acesso a essa informação.
Assim, à existência da previsão legal para o acesso aos dados (legalidade) a lei acrescenta um requisito material (legitimidade) destinado a garantir que há relação entre o interesse público que determina o acesso e a finalidade prosseguida pelo agente que acede.
Assim, a parte final da alínea b) do n.º 2 do artigo 64.º da Lei Geral Tributária deve ser interpretada no sentido de que o dever de sigilo não obsta à cooperação entre a administração tributária com outras entidades públicas quando, estando previsto na lei, o acesso a esses dados seja necessário ao exercício de funções de interesse público ou ao exercício de autoridade pública em que essas entidades estão investidas.
Mas há duas ressalvas a fazer.
A primeira, para dizer que, quando o tratamento de dados envolver o acesso à própria base de dados pela entidade pública a que forem destinados, é a própria lei que deve estabelecer as condições de acesso. É o que, a nosso ver, resulta do artigo 35.º, n.º 2, da Constituição.
É assim que o Decreto-Lei n.º 92/2004, de 20 de abril, que prevê a interconexão de dados entre os serviços da administração fiscal e as instituições da segurança social, determina a sua forma, a extensão e os seus limites.
A segunda ressalva tem interesse para o caso e prende-se com a utilização dos dados para fins diferentes dos que determinaram a sua recolha.
Decorre do artigo 23.º do Decreto-Lei n.º 58/2019, de 8 de agosto, que o tratamento de dados para fins diferentes daqueles que determinaram a recolha tem natureza excecional, no sentido de que só deve ser admitido quando for necessário para assegurar a prossecução de interesse público que de outra forma não possa ser acautelado.
Para além disso, o responsável pelo tratamento deve certificar-se de que o interesse prosseguido se inscreve nos objetivos definidos no artigo 23.º, n.º 1, do RGPD ou que a finalidade do acesso é compatível com a finalidade da recolha inicial à luz do n.º 4 do artigo 6.º do RGPD.
Trata-se de exigências legais que são oponíveis mesmo aos regimes de acesso a dados pessoais vigentes à data em que a referida lei entrou em vigor, como decorre do seu artigo 62.º.
Assim, a alínea b) do n.º 2 do artigo 64.º da Lei Geral Tributária também deve ser interpretada no sentido de que a cooperação entre as entidades públicas que se traduza na transmissão de dados para finalidades diferentes da recolha só é legítima se for necessária e proporcionada para assegurar a prossecução de interesse público que de outra forma não possa ser acautelado e o responsável pelo tratamento puder confirmar que se trata de um interesse público que enquadra nos objetivos referidos no artigo 23.º, n.º 1, do RGPD, ou que o fim prosseguido é compatível com a finalidade para a qual os dados pessoais foram inicialmente recolhidos.
6. Apesar de a norma do artigo 37.º do Decreto-Lei n.º 14/2013 acima citado remeter para as condições previstas para a transmissão destes dados no artigo 64.º da Lei Geral Tributária, deve entender-se que o artigo 64.º desta Lei não esgota as condições de acesso a estes dados por outras entidades públicas.
Com efeito, a lei associa a cooperação que se traduza na transmissão desses dados a outros organismos da Administração Pública a operações de gestão do NIF - alínea e) do n.º 2 do artigo 36.º daquele diploma.
E determina que o desenvolvimento, a manutenção e a segurança das operações de gestão do NIF sejam assegurados instituindo e pondo em prática as medidas técnicas e organizativas adequadas à satisfação das exigências estabelecidas na lei de proteção de dados pessoais - n.º 2 do seu artigo 39.º.
Estas exigências são referidas, atualmente, nos artigos 5.º, n.º 1, alínea f), 24.º e seguintes do RGPD e têm em vista assegurar a integridade e confidencialidade da informação e devem definir as finalidades e os meios do seu tratamento e as responsabilidades das entidades públicas envolvidas.
À luz do artigo 26.º do RGPD, devem constar de um acordo que as defina, a menos que já estejam determinadas pelo direito da União ou do Estado-Membro.
Este acordo é o protocolo de cooperação, como resulta do artigo 23.º do Decreto-Lei n.º 58/2019 citado.
Assim, os protocolos de cooperação a que alude também o artigo 42.º do Decreto-Lei n.º 14/2013 são precisamente os mecanismos que o legislador nacional elegeu para assegurar a segurança na transmissão dos dados do registo dos contribuintes a outras entidades públicas. Independentemente da finalidade a que seja destinada a informação.
Pelo que, em resumo, o artigo 37.º deste Decreto-Lei deve ser interpretado no sentido de que a informação constante da base de dados do registo de contribuintes só pode ser transmitida aos restantes organismos da Administração quando a lei prever o acesso a essa informação (legalidade), quando as condições de acesso estiverem reunidas (legitimidade) e quando tiverem sido adotadas as medidas técnicas e organizativas que asseguram a proteção dos dados e a responsabilidade no seu tratamento, e que decorram da lei ou de protocolos para o efeito celebrados entre os organismos envolvidos (segurança).
7. Vejamos, agora, se estes pressupostos de verificam.
No pedido de informação que formalizou junto da Administração Tributária, o Município (a entidade ora Recorrida) solicitou informação sobre o domicílio fiscal de arguidos em processos de contraordenação que correm termos nos seus serviços invocando, de um lado, direitos e prerrogativas de acesso equivalentes às das entidades competentes para o processo criminal e, de outro lado, o dever geral de cooperação entre entidades públicas e, em particular, o dever de auxílio entre autoridades e serviços públicos, a que alude o artigo 54.º do Regime Geral das Contraordenações, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro [doravante “RGCO”].
Deve adiantar-se que o artigo 41.º, n.º 2, do RGCO atribui às autoridades administrativas com competências no processo de aplicação de coimas direitos e prerrogativas equivalentes aos das entidades competentes para o processo criminal quando o contrário não resultar desse diploma.
E deve entender-se que do próprio RGCO deriva que as competências das autoridades administrativas não incluem prerrogativas de acesso a informação sigilosa.
Porque o artigo 42.º proíbe a utilização de provas que impliquem a violação do segredo profissional e só admite as provas que colidam com a reserva da vida privada mediante o consentimento do titular do direito.
Assim, o legislador, tendo ponderado que os interesses protegidos pelo direito contraordenacional têm menor relevância que os bens jurídicos protegidos pelo direito penal, entendeu que não justificavam as mesmas as restrições dos direitos constitucionais.
Ora, as razões que levaram o legislador a concluir que não se justificavam tais restrições na instrução probatória são extensíveis, por identidade de razão, à instrução do processo em geral. Não faria sentido que a autoridade administrativa pudesse aceder a determinada informação e não a pudesse utilizar na prova, pelo que se deve entender que estamos perante uma regra geral, aplicável à fase administrativa do processo.
E, assim sendo, o artigo 54.º, n.º 3, do RGCO, que prevê o auxílio de outras autoridades ou serviços públicos precisamente na investigação e instrução do processo, também não pode ser interpretado no sentido de que nele se prevê a colaboração em matérias abrangidas pelo sigilo profissional.
Por outra via, e tendo em conta que (para efeitos do artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 14/2013, de 8 de agosto) o sigilo fiscal e o sigilo profissional dos funcionários e agentes da administração tributária têm um âmbito material equivalente, deve entender-se desde já que, não só a lei não prevê a cooperação neste âmbito, como até a proíbe.
Pelo que não se pode acompanhar a sentença recorrida quando conclui que esta norma autoriza o acesso à informação pessoal protegida pelo dever de sigilo e «impõe o dever de cooperação». Não só não impõe o dever de cooperação neste âmbito como, na interpretação que fazemos da lei, até o exclui.
Mesmo que assim não fosse entendido, também não seria de acompanhar o raciocínio adotado na sentença recorrida quando conclui que o pedido de informação se encontra justificado com um interesse legítimo.
Para concluir que o pedido se encontra justificado com um interesse legítimo o tribunal recorrido levou em contra que a entidade requerente prossegue atribuições que pressupõem o conhecimento dos dados e que o dado pessoal é necessário e imprescindível para a condução do processo de contraordenação.
Ora, o exercício das funções do organismo municipal a quem compete a tramitação dos processos de contraordenação não depende do conhecimento dos dados atualizados do domicílio fiscal dos arguidos.
De um lado a lei não determina que a notificação dos arguidos no processo de contraordenação se faça obrigatoriamente no seu domicílio fiscal.
De outro lado, a lei prevê mecanismos legais que permitem superar as dificuldades em notificar os arguidos e que não passam por informação sobre o seu domicílio fiscal.
Acresce que os elementos identificativos dos contribuintes são recolhidos exclusivamente para o tratamento de informação de índole fiscal e aduaneira, como decorre do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 14/2013, de 28 de janeiro.
A utilização desses dados para fins de notificação em processos de contraordenação tramitados pelos municípios constitui, por isso, o tratamento para fins diferentes daqueles para os quais foram recolhidos.
A transmissão de dados para finalidades diferentes da recolha só é legítima se for necessária e proporcionada para assegurar a prossecução de interesse público que de outra forma não possa ser acautelado e o responsável pelo tratamento puder confirmar que se trata de um interesse público que enquadra nos objetivos referidos no artigo 23.º, n.º 1, do RGPD, ou que o fim prosseguido é compatível com a finalidade para a qual os dados pessoais foram inicialmente recolhidos.
Ora, a entidade pública municipal não justificou o acesso com a prossecução e um interesse público que de outro modo não pudesse ser acautelado. Porque nem sequer o justificou com dificuldades em obter a informação sobre o paradeiro dos arguidos ou em os contactar em anteriores diligências que tivesse levado a efeito.
Pelo que também não foi alegado nenhum fundamento atendível e que pudesse legitimar o acesso a esses dados.
A reforçar a sua decisão, o tribunal recorrido também concluiu que a comunicação dos dados relativos ao domicílio fiscal dos arguidos ao Requerente não constituía um desvio de finalidade para a qual os mesmos foram recolhidos pela administração tributária.
Já vimos que não é assim, até porque, quando os dados foram recolhidos, foram exclusivamente destinados a tratamento de informação de índole fiscal e aduaneira.
Mas mesmo que fosse, nem por isso estariam reunidas todas as condições de acesso. Porque a transmissão desses dados também pressupõe que esteja assegurado que não ocorre a jusante o desvio de finalidade para a qual os dados foram transmitidos.
O que se faz introduzindo previamente as medidas técnicas e organizativas adequadas à minimização dos riscos de que isso venha a acontecer ulteriormente. Celebrando, para o efeito, protocolos que estabeleçam, além, do mais, as responsabilidades de cada entidade interveniente, quer no ato da transmissão, quer em outros tratamentos a efetuar.
O que, no caso, também não se mostra ter sucedido.
Assim sendo, dever concluir-se, não só que não estão reunidos os pressupostos de acesso à informação protegida pelo dever de sigilo, mas também que nenhum deles se verifica. …”.

V. Assim sendo, e ainda em respeito pelo disposto no artigo 8.º, n.º 3 do Código Civil, é inevitável concluir pela procedência do presente recurso, com a consequente revogação da sentença recorrida, devendo, em conformidade, julgar-se improcedente esta Intimação para Prestação de Informações.


III. CONCLUSÕES
I - Os dados relativos ao domicílio fiscal que são objecto de recolha e tratamento na base de dados do registo de contribuintes estão protegidos pelo sigilo fiscal e profissional a que alude o artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 14/2013, de 28-01.
II - Os dados protegidos pelo sigilo fiscal e profissional a que alude o número anterior só podem ser transmitidos quando, além do mais, a lei prevê o acesso a esses dados ou que este não importa a quebra do dever de sigilo.
III - O Regime Geral das Contraordenações não atribui às autoridades administrativas com competência para tramitar processos ali regulados o acesso a informação protegida pelo sigilo.


IV. DECISÃO
Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes da Secção Tributária deste Supremo Tribunal em conceder provimento ao presente recurso, revogar a sentença recorrida e julgar improcedente a presente Intimação para Prestação de Informações.


Custas pela Recorrida.


Lisboa, 28 de Fevereiro de 2024. - Gustavo André Simões Lopes Courinha (relator) - Isabel Cristina Mota Marques da Silva - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes.