Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0215/16.0BEMDL
Data do Acordão:04/21/2022
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:PRESCRIÇÃO
EXECUÇÃO FISCAL
REPOSIÇÃO
AJUDAS COMUNITÁRIAS
PRINCÍPIO DO INQUISITÓRIO
DÉFICE INSTRUTÓRIO
Sumário:I - A prescrição da dívida exequenda constitui fundamento de oposição à execução (cfr. artº.176, al.d), do C.P.C.Impostos; artº.286, nº.1, al.d), do C.P.Tributário; artº.204, nº.1, al.d), do C.P.P.Tributário), consubstanciando excepção peremptória de conhecimento oficioso no âmbito do processo tributário (cfr.artº.27, §2 e 3, do C.P.C.Impostos; artº.259, do C.P.Tributário; artº.175, do C.P.P.Tributário).
II - No caso "sub iudice", deve afastar-se a aplicação do prazo de prescrição fixado no artº.48, nº.1, da L.G.T., por este prazo se reportar a dívidas de natureza tributária, o que não é o caso, dado que a dívida em cobrança no processo de execução fiscal emerge de um alegado incumprimento de contrato relativo a incentivos financeiros concedidos pelo "IFADAP, IP", através de fundos disponibilizados pela União Europeia para a promoção e concretização de projectos.
III - A admissibilidade da utilização do processo de execução fiscal depende necessariamente de lei expressa que tal preveja (cfr.artº.148, nº.2, do C.P.P.T.). E o certo é que, relativamente a dívidas que devam ser pagas por força de acto administrativo (que determina a restituição de ajudas financeiras), como as do "IFADAP, IP", actual "IFAP, IP", o artº.155, do antigo C.P.A., tal estatui (cfr.actual artº.179, nº.1, do C.P.A.).
IV - O prazo de quatro anos previsto no citado artº.3, nº.1, do Regulamento(CE) nº.2988/95, do Conselho, de 18/12/1995, refere-se ao procedimento que culmina com a prolação da decisão do "IFAP, IP" a revogar a deliberação de ajuda e a determinar a reposição da verba concedida, decisão esta que serve de título executivo dado à execução fiscal, que não propriamente de prazo de cobrança coerciva da dívida assim constituída, prazo este previsto no nº.2 do mesmo preceito. Daí que a não observância de tal prazo, que se conta a partir da data da verificação das irregularidades que lhe servem de fundamento, contende com a validade de tal decisão e não com a prescrição da dívida exequenda.
V - Recaindo embora sobre as partes o ónus da prova dos factos constitutivos, modificativos e/ou extintivos de direitos, a actividade instrutória pertinente para apurar a veracidade de tais factos compete também ao Tribunal, o qual, atento o disposto nos artºs.13, do C.P.P.Tributário, e 99, da L.G.Tributária, deve realizar ou ordenar todas as diligências que considerar úteis ao apuramento da verdade, assim se afirmando, sem margem para dúvidas, o princípio da investigação do Tribunal Tributário no domínio do processo judicial tributário, com maior significado em matérias de conhecimento oficioso, como seja a prescrição (cfr.artº.175, do C.P.P.T.).
VI - Nos presentes autos, verifica-se uma situação de défice instrutório que demanda o exercício de poderes cassatórios por parte deste Tribunal nos termos dos artºs.682, nº.3, e 683, nº.1, ambos do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, visto que e além do mais, não se alcança do probatório assente diversos elementos factuais que permitam fazer o exame e decisão das causas de pedir suscitadas pelas partes nos articulados do processo.
(sumário da exclusiva responsabilidade do relator)
Nº Convencional:JSTA000P29309
Nº do Documento:SA2202204210215/16
Data de Entrada:01/31/2019
Recorrente:IFAP – INSTITUTO DE FINANCIAMENTO DA AGRICULTURA E PESCAS
Recorrido 1:A......... E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:

ACÓRDÃO
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RELATÓRIO
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"IFAP - INSTITUTO DE FINANCIAMENTO DA AGRICULTURA E PESCAS, IP", deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mº. Juiz do T.A.F. de Mirandela, constante a fls.86 a 87-verso do processo físico, a qual julgou procedente a presente oposição a execução fiscal, deduzida pelos ora recorridos, A……….. e C………., executados no âmbito do processo de execução fiscal nº.0477-2016/100237.6, o qual corre seus termos no Serviço de Finanças de Alfândega da Fé, propondo-se a cobrança coerciva de dívida ao "IFAP, IP", no montante total de € 189.586,39, já incluindo juros de mora.
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O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.97 a 101 do processo físico) formulando as seguintes Conclusões:
A-O presente recurso vem interposto da douta sentença de 12/07/2018, através da qual foi julgada procedente a oposição, porquanto entendeu o Tribunal a dívida já estava prescrita, porquanto, nos termos do Regulamento nº 2988/95, o prazo de quatro anos contados desde 15/10/2010 já estava consumado.
B-Julgou o Tribunal procedente a oposição com base na prescrição do procedimento administrativo fazendo confusão com a prescrição para a cobrança da dívida.
C-Salvo melhor entendimento, como seguidamente se demonstrará, a decisão parece fazer uma incorreta interpretação do direito aplicável.
D-Por se tratar de uma questão de direito o presente recurso é para apreciação da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, matéria de direito que dada a confusão existente nos Tribunais a quo carece da correta apreciação dessa Secção do Supremo, com vista a produzir jurisprudência sobre a matéria.
E-Ao contrário do entendimento do Tribunal a quo a prescrição do procedimento administrativo não é subsumível a qualquer alínea do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT, embora o regime do artigo 204.º do CPPT fale de prescrição; mas que tipo de prescrição?
F-Com efeito, estamos nesta fase, numa fase executiva, mais concretamente na fase de cobrança de uma dívida; dívida essa que se consolidou no ordenamento jurídico com a Decisão Final proferida pelo IFAP IP., nos termos do artigo 93º do CPA, ou seja, “o procedimento administrativo extingue-se com a tomada de Decisão Final”.
G-Acresce que a Decisão Final, que no caso vertente, foi impugnada judicialmente (PROC. N.º 43/12.1BEMDL, TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL DE MIRANDELA, ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL PRETENSÃO CONEXA COM ACTOS ADMINISTRATIVOS), processo este que se encontra em fase de recurso e cuja sentença não considerou prescrito, o que constitui relativamente a esta matéria “caso julgado”.
H-Ora, o Tribunal a quo terá conhecido, apreciado e decidido questão que lhe estaria vedada por força das regras processuais determinantes da competência do tribunal em razão da matéria (o conhecimento da legalidade do procedimento administrativo - que constitui matéria para a qual o Tribunal, funcionando em Contencioso Tributário, carece de competência jurisdicional, por tal competência caber materialmente ao Contencioso Administrativo do Tribunal).
I-Em 2016 não existiu qualquer decisão, antes a instauração de um processo para cobrança de dívida.
J-A quantia cujo pagamento é devido, pelo Oponente ao IFAP, IP, por força da decisão final tem como fonte um ato administrativo praticado por um instituto público, que não integra a administração tributária, culminando um procedimento regulado pelo CPA e não pelo CPPT, e não lhe sendo, designadamente, aplicável o art. 48° da LGT, na falta de um prazo especificamente previsto na lei, vigora o previsto no artigo 309.° do Código Civil, ou seja, o prazo de vinte anos.
L-Com efeito, tratando-se de um contrato de ajuda financeira, é regido pelo regime geral de prescrição previsto no Código Civil, nomeadamente pelo Artº 309º, que determina como 20 anos o prazo para a prescrição.
M-Tratando-se de uma ajuda comunitária, as normas aplicáveis de prescrição são assim as do “estatuto substantivo” do crédito, ou seja, no caso, as normas emergentes do Código Civil (CC), constituindo jurisprudência pacífica que, relativamente às ajudas/subsídios atribuídos pelo IFAP, I.P., nos termos do Artº 309° do CC, o prazo de prescrição é o de 20 anos (neste sentido vide Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, proferidos em 6/11/02, 25/6/03, 7/9/2010 e 22-05-2013, proferidos no âmbito dos recursos nºs 727/02, 325/03, 0185/10 e 0279/13, respetivamente, e acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte, de 29-02-2012, proferido no âmbito do Proc. nº 00165/08.3BEMDL).
N-Resta acrescentar que este entendimento preconizado pelo Recorrente IFAP IP foi também manifestado nas suas alegações de Recurso no âmbito do processo que correu termos no TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL DE MIRANDELA - UNIDADE ORGÂNICA - PROC. N.º 53/16.0BEMDL – OPOSIÇÃO, onde, aliás, o Digníssimo Procurador no seu parecer também corroborou esta posição quando afirmou que : “(…)no âmbito da análise sobre a questão da ilegalidade da liquidação da dívida exequenda, não são estes o momento e meio próprios para discutir a prescrição do procedimento administrativo pela irregularidade cometida.
O-Em face do exposto, o prazo para cobrança da dívida exequenda não está prescrito.
P-Face ao exposto, o entendimento do Tribunal ao julgar a oposição procedente, não parece ter sido correta, pelo que, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e em consequência ser proferido acórdão considerando válida a decisão final proferida pelo IFAP, I.P.
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Não foram produzidas contra-alegações no âmbito da instância de recurso.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no qual termina pugnando pelo provimento do recurso, mais se devendo determinar a baixa dos autos à 1ª. Instância, para ampliação e reformulação da matéria de facto e prolação de nova decisão (cfr.fls.111 a 114 do processo físico).
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Corridos os vistos legais (cfr.fls.118 e 126 do processo físico), vêm os autos à conferência para deliberação.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.86 e 87 do processo físico):
1-Por ofício 024689/2010, datado de 15/10/2010, B……….. foi notificada da decisão do IFAP relativa à rescisão unilateral de contrato de atribuição de ajuda ao abrigo do Reg. (CEE) 2080/92, Medidas Florestais na Agricultura, que havia celebrado em 7/8/1998 com o IFAP, e da reposição da quantia de 145.811,10€ – Fls. 9 10, 17, 17/v e 18 do PA;
2-Entre os anos de 2000 e 2004 o IFAP detectou irregularidades por parte da Outorgante daquele contrato, consubstanciada nos seguintes factos: Densidade inferior à mínima legalmente estabelecida na parcela 3 e 3A; Mortalidade de cerca de 100% na plantação 3 e 4; ocorrência de um incêndio nas parcelas 3 e 4; Não execução das práticas culturais na parcela 1 e 2 – Doc 3 da PI;
3-Em 2007 foi confirmado pelo IFAP à outorgante B……… de que a execução do projecto mantinha as seguintes irregularidades: Toda a área do projecto encontrava-se povoada por grande densidade de gramíneas; ainda não tinham sido executadas podas de formação; o plano orientador de Gestão não estava a ser cumprido; a reposição da mortalidade com pinheiro manso não foi executada em toda a área; a parcela 1 não apresentava a densidade para efeito de atribuição de ajudas – doc 3 da PI, designadamente no seu ponto 3.4;
4-Em 18/5/2016 a AT instaurou processo de execução fiscal contra “B………. – Cabeça de Casal” – Fl. 1 do PA;
5-Em 20/5/2016 e em 24/5/2016 B………….. – Cabeça de Casal da Herança” é citada – Fls. 16 a 22;
6-Em 20/5/2016 a aqui Oponente C………… é citada – Fls. 23 a 27 do PA;
7-Em 24/5/2016 a aqui Oponente A………… é citada – Fls. 28 a 30 do PA;
8-Dá-se aqui por reproduzida a certidão de dívida (doc 1 da PI e fls. 4 do PA)

[Imagem]
9-Em 11/5/2007 B………. faleceu – Fls. 30 dos autos;
10-Em 23/2/2009 a herança de B……… foi partilhada por três herdeiros, que correspondem às duas Oponentes, e pelo irmão destas, D………. – doc 2 da PI.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a decisão recorrida julgou procedente a presente oposição a execução fiscal, em virtude da prescrição da dívida exequenda, visto já ter ocorrido o termo final do prazo de quatro anos previsto no artº.3, nº.1, do Regulamento(CE) nº.2988/95, do Conselho, de 18/12/1995, mais tendo considerado prejudicado o conhecimento das outras questões invocadas pelas partes.
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Relembre-se que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal "ad quem", ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, "ex vi" do artº.281, do C.P.P.Tributário).
O recorrente dissente do julgado alegando, em primeiro lugar e em síntese, que o Tribunal "a quo" julgou procedente a oposição com base na prescrição do procedimento administrativo fazendo confusão com a prescrição da cobrança da dívida exequenda. Que em 2016 não existiu qualquer decisão administrativa, antes a instauração de um processo executivo para cobrança de dívida. Que o prazo de quatro anos previsto no artº.3, nº.1, do Regulamento(CE) nº.2988/95, do Conselho, de 18/12/1995, não constitui o regime de prescrição aplicável ao direito de crédito do "IFAP, IP". Que na situação em apreço estamos perante a execução de uma decisão final que teve por fundamento a aplicação de uma medida administrativa, concretamente, a restituição pelo beneficiário da ajuda dos montantes por este indevidamente recebidos, pelo que, a esta situação terá de ser aplicado o prazo ordinário de prescrição de vinte anos previsto no artº.309, do C. Civil. Que a sentença recorrida enferma de erro de julgamento ao aplicar o regime previsto no citado artº.3, nº.1, do Regulamento(CE) nº.2988/95, do Conselho, de 18/12/1995, ao caso dos autos (cfr.conclusões B) e I) a P) do recurso). Com base em tal alegação pretendendo concretizar um erro de julgamento de direito da sentença recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso comporta tal vício.
A prescrição da dívida exequenda constitui fundamento de oposição à execução (cfr. artº.176, al.d), do C.P.C.Impostos; artº.286, nº.1, al.d), do C.P.Tributário; artº.204, nº.1, al.d), do C.P.P.Tributário), consubstanciando excepção peremptória de conhecimento oficioso no âmbito do processo tributário (cfr.artº.27, §2 e 3, do C.P.C.Impostos; artº.259, do C.P.Tributário; artº.175, do C.P.P.Tributário).
No caso "sub iudice", deve afastar-se a aplicação do prazo de prescrição fixado no artº.48, nº.1, da L.G.T., por este prazo se reportar a dívidas de natureza tributária, o que não é o caso, dado que a dívida em cobrança no processo de execução fiscal emerge de um alegado incumprimento de contrato relativo a incentivos financeiros concedidos pelo "IFADAP, IP", através de fundos disponibilizados pela União Europeia para a promoção e concretização de projectos, no caso, em sede de medidas florestais na agricultura (cfr.nº.1 do probatório supra). Isto é, independentemente de esta dívida poder ser cobrada, como está a ser, através do processo de execução fiscal, constituindo a certidão de dívida, emitida pela autoridade competente, o título executivo, não é uma dívida com natureza tributária. No entanto, a admissibilidade da utilização do processo de execução fiscal depende necessariamente de lei expressa que tal preveja (cfr.artº.148, nº.2, do C.P.P.T.). E o certo é que, relativamente a dívidas que devam ser pagas por força de acto administrativo (que determina a restituição de ajudas financeiras), como as do "IFADAP, IP", actual "IFAP, IP", o artº.155, do antigo C.P.A., tal estatui (cfr.actual artº.179, nº.1, do C.P.A.; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 13/05/2009, rec.187/09; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 3/03/2010, rec.21/10; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 6/03/2014, rec.1804/13; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 8/09/2021, rec.919/15.4BECBR; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. Edição, 2011, pág.39 e seg.)
Avançando.
O prazo de quatro anos previsto no citado artº.3, nº.1, do Regulamento(CE) nº.2988/95, do Conselho, de 18/12/1995, refere-se ao procedimento que culmina com a prolação da decisão do "IFAP, IP" a revogar a deliberação de ajuda e a determinar a reposição da verba concedida, decisão esta que serve de título executivo dado à execução fiscal, que não propriamente de prazo de cobrança coerciva da dívida assim constituída, prazo este previsto no nº.2 do mesmo preceito. Daí que a não observância de tal prazo, que se conta a partir da data da verificação das irregularidades que lhe servem de fundamento, contende com a validade de tal decisão e não com a prescrição da dívida exequenda (cfr. ac.TJUE, 17/09/2014, proc.C-341/13, considerandos 44 e 45).
Ora, resulta da matéria de facto assente que a beneficiária B……. faleceu em 11/05/2007 (nº.9 do probatório supra), pelo que tendo a decisão de revogação da ajuda e a imposição da reposição da verba sido notificada através de ofício remetido em Outubro de 2010, haverá que apurar quem recepcionou o mesmo de forma a avalizar a regularidade dessa notificação e a eventual interrupção do prazo previsto no mencionado artº.3, nº.1, do Regulamento(CE) nº.2988/95, do Conselho, de 18/12/1995, factualidade que o probatório da sentença recorrida não evidencia minimamente. De facto, do nº.1 do probatório não pode concluir-se que a referida B…….. foi notificada daquela decisão, mas tão só que o ofício lhe foi dirigido, sendo certo que o facto levado ao nº.9 da matéria de facto afasta, peremptoriamente, a possibilidade de tal ilação.
Por outro lado, os factos constantes dos nºs.5, 6 e 7 do probatório supra suscitam sérias dúvidas sobre o seu alcance, já que se desconhece quem é que foi citado na qualidade de cabeça-de-casal da herança deixada pela beneficiária, sendo também certo que no nº.10 do probatório consta que a herança foi partilhada em data anterior àquela citação. De igual modo se desconhece em que termos foram citadas as oponentes para a execução fiscal de que a presente oposição constitui apenso.
Por último, no articulado inicial da presente oposição (cfr.fls.5 a 18 do processo físico) para além da prescrição do procedimento administrativo, as oponentes suscitaram a apreciação das seguintes questões: a sua ilegitimidade; a inexigibilidade da dívida exequenda; e a nulidade do título executivo. Todas estas questões não foram apreciadas pelo Tribunal "a quo" que as considerou prejudicadas pela solução dada à primeira apreciada.
Do que se deixou exposto impõe-se ampliar e precisar a matéria de facto em ordem a dar solução às questões (causas de pedir) colocadas à apreciação do Tribunal.
Releve-se que a falta de apuramento de tais factos resulta da omissão de diligências que se impunha realizar por parte do Tribunal "a quo", pelo que a sentença sindicada padece de défice instrutório, sendo que o S.T.A. é um Tribunal de revista (cfr.artº.12, nº.5, do E.T.A.F.), com exclusiva competência em matéria de direito, em regra (cfr.artº.26, al.b), do E.T.A.F.).
Ainda, mencione-se que, recaindo embora sobre as partes o ónus da prova dos factos constitutivos, modificativos e/ou extintivos de direitos, a actividade instrutória pertinente para apurar a veracidade de tais factos compete também ao Tribunal, o qual, atento o disposto nos artºs.13, do C.P.P.Tributário, e 99, da L.G.Tributária, deve realizar ou ordenar todas as diligências que considerar úteis ao apuramento da verdade, assim se afirmando, sem margem para dúvidas, o princípio da investigação do Tribunal Tributário no domínio do processo judicial tributário (cfr.ac.S.T.A-2ª.Secção, 4/12/2019, rec. 1555/08.5BEBRG; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 20/04/2020, rec.2145/12.5BEPRT; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 10/03/2021, rec.570/15.9BEMDL; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária anotada e comentada, 4ª. Edição, Editora Encontro da Escrita, 2012, pág.859; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.173 e seg.).
Arrematando, verifica-se uma situação de défice instrutório que demanda o exercício de poderes cassatórios por parte deste Tribunal nos termos dos artºs.682, nº.3, e 683, nº.1, ambos do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, "ex vi" do artº.281, do C.P.P.Tributário (cfr.ac.S.T.A-2ª.Secção, 21/11/2019, rec.670/15.5BEAVR; ac.S.T.A-2ª.Secção, 6/05/2020, rec.7/18.1BEPDL; António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Novo Regime, 4ª. Edição, 2017, Almedina, pág.430 e seg.), devendo ordenar-se a baixa dos autos, com vista a que seja produzida a ampliação da matéria de facto pelo Tribunal de 1ª. Instância de acordo com os trâmites identificados supra, ao que se procederá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO EM CONCEDER PROVIMENTO AO RECURSO, ANULAR A SENTENÇA RECORRIDA e ordenar que os autos regressem à 1.ª Instância (TAF de Mirandela), a fim de aí, após fixação da pertinente matéria de facto, se proferir nova sentença que leve em consideração a factualidade entretanto apurada.
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Condenam-se as recorridas em custas, mais se dispensando do pagamento da taxa de justiça, nesta instância de recurso, dado não terem produzido contra-alegações.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 21 de Abril de 2022. - Joaquim Manuel Charneca Condesso (relator) – Gustavo André Simões Lopes Courinha - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes.