Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0724/12.0BEBRG
Data do Acordão:07/02/2020
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:TERESA DE SOUSA
Descritores:APRECIAÇÃO PRELIMINAR
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P26189
Nº do Documento:SA1202007020724/12
Data de Entrada:12/26/2019
Recorrente:A...
Recorrido 1:INFARMED AUTORIDADE NACIONAL DO MEDICAMENTO E PRODUTOS DE SAÚDE, IP
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal Administrativo

1. Relatório

A………., com os sinais dos autos, intentou acção administrativa especial contra o lnfarmed — Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, IP (INFARMED), na qual foi peticionada, designadamente, a condenação do Réu a praticar acto de autorização de instalação de farmácia.

Por sentença de 25.11.2016, o TAF de Braga julgou improcedente a acção administrativa e absolveu a entidade demandada do pedido.

Desta sentença interpôs a Autora recursos para o TCA Norte que por acórdão de 13.09.2019 negou provimento ao recurso.

Deste acórdão interpõe revista, nos termos do art. 150°, n° 1 do CPTA, pugnando pela admissão da revista por estar em causa questão com relevância jurídica e social e erroneamente julgada no acórdão recorrido.

O Recorrido contra-alegou defendendo que não se verificam os critérios da admissão da revista e, que se esta for admitida o recurso deve improceder.

2. Os Factos

Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

3. O Direito

O art. 150°, nº 1 do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de uma importância fundamental” ou “quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.

Como resulta do próprio texto legal, e a jurisprudência deste STA tem repetidamente sublinhado, trata-se de um recurso excepcional, como, aliás, o legislador sublinhou na Exposição de Motivos das Propostas de Lei n°s 92/Vlll e 93/VIII, considerando o preceito como uma “válvula de segurança do sistema”, que só deve ter lugar, naqueles precisos termos.

A Recorrente pretende ver discutida a questão de no procedimento de abertura de uma farmácia existirem dois procedimentos, estrutural e funcionalmente autónomos e sequenciais: i) o procedimento do concurso público e ii) o procedimento de autorização de instalação.

Defende que se ao tempo da abertura do concurso público [publicado por aviso de 15.06.2001] estava em vigor o regime jurídico das farmácias de oficina, regulado pela Lei n° 2125, de 20.03.1965, pelo DL nº 48547, de 27.08.1968 e pela Portaria 936-A/99, e se, no momento do início do procedimento de instalação, já havia entrado em vigor o DL n° 307/2007, de 31/8 [o qual veio estabelecer o regime de propriedade de farmácia, revogando, nomeadamente, a Lei n° 2125 e a Portaria 936-A/99], a sucessão de regimes legais aplicáveis teve como consequência que o regime de impedimentos existente à data de abertura do procedimento do concurso fosse diferente daquele que existia e se aplicava naquela data, sendo que atentas as normas transitórias aplicáveis — o art. 56° do DL n° 307/2007 e o art. 41° da Portaria 1430/2007 -, o regime legal aplicável a cada um dos procedimentos em causa nos autos é o que estava em vigor à data do início de cada um dos subprocedimentos.

O TAF de Braga considerara que, no presente procedimento de abertura de farmácia — iniciado em 2001 -, em observância do disposto no nº 3 da Base II da Lei nº 2125 [contendo em si uma proibição que impede os farmacêuticos que já detinham a propriedade de uma farmácia de aceder à propriedade de outra, como era o caso da Autora], não podia o Infarmed conceder à aqui Recorrente mais um alvará, apesar de ter sido classificada em 1° lugar no concurso em causa nos autos.

O TCA Norte confirmou a decisão de 1ª instância considerando que a sentença recorrida tinha feito uma correcta aplicação de direito.

Entendeu-se no acórdão recorrido que o facto de a aqui Recorrente ter sido classificada em primeiro lugar no concurso para a instalação de farmácia não dispensa a concorrente de observar os restantes requisitos legais e regulamentares de que depende a instalação e funcionamento da farmácia.

Não sendo a classificação em primeiro lugar, por si só, “um salvo-conduto omnipotente, nem obvia ao cumprimento da lei, designadamente quanto aos demais requisitos que a lei exige e determina em ordem a poder instalar-se a farmácia”. E, no caso, considerou-se, atenta a Base II, n°s 1, 2 e 3 da Lei n° 2125, que se no momento da instalação da farmácia a entidade competente para a sua autorização é confrontada com o facto de o concorrente ser proprietário de uma outra farmácia e sendo certo que “a nenhum farmacêutico poderá ser concedido mais de um alvará” (n° 3 da Base II da Lei n° 2125), então não poderá conceder o alvará.

Assim, julgou improcedente o recurso.

Como se viu as instâncias decidiram a questão dos autos de forma semelhante.

No entanto, o regime jurídico respeitante à abertura de farmácias resultante da Lei n° 2125 foi alterado pelo DL n° 307/2007, do 31/8 e Portaria n° 1430/2007, de 2/11, afigurando-se o assunto jurídico como complexo e não isento de controvérsia nas suas várias vertentes, nomeadamente, quanto à sucessão de Leis no tempo.

E o esclarecimento desta problemática tem inegável relevo, pois uma definição desta matéria por este Supremo tenderá a prevenir o surgimento de conflitos futuros sobre idênticas situações que ainda possam estar em discussão nos tribunais.

4. Decisão

Pelo exposto, acordam em admitir a revista.

Sem custas.

(A relatora atesta, nos termos do disposto no art. 15°-A do DL n° 10-A/2020, de 13 de Março, aditado pelo art. 3° do DL n° 20/2020, de 1 de Maio, o voto de conformidade ao presente acórdão dos restantes integrantes desta formação de Conferência do art. 150º do CPTA, Conselheiros Jorge Artur Madeira dos Santos e Carlos Luís Medeiros de Carvalho).

Lisboa, 2 de Julho de 2020

Teresa de Sousa