Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01044/11
Data do Acordão:09/26/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:LINO RIBEIRO
Descritores:AVALIAÇÃO
TERRENO PARA CONSTRUÇÃO
FUNDAMENTAÇÃO
Sumário:I - Antes da entrada em vigor do CIMI, o valor tributável dos terrenos para construção era fixado em função do valor venal de cada metro quadrado.
II - Não se mostra suficientemente fundamentado o acto de avaliação de um lote de terreno para construção efectuado ao abrigo daquele regime que não faz qualquer referência ao valor do metro quadrado do terreno e que se limita a dizer que o lote tem boa localização.
Nº Convencional:JSTA000P14596
Nº do Documento:SA22012092601044
Data de Entrada:11/18/2011
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A..., LDA E OUTRO
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


1.1 A Fazenda Pública interpõe recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que julgou procedente a impugnação judicial interposta por A……., Lda e B……. contra o acto de avaliação de quatro lotes de terreno para construção, anulando a avaliação efectuada.

Nas respectivas alegações, conclui o seguinte:

1. O impugnante invocou como fundamento da sua pretensão no que foi acolhido pela douta sentença recorrida, a falta de fundamentação de facto e de direito do laudo de avaliação efectuado pelos peritos.

2. Face ao probatório, Sua Exa o Meritíssimo Juiz considerou procedente a acção porque, na sua opinião, a avaliação efectuada não teria sido suficientemente fundamentada no respeitante aos diferentes valores atribuídos a realidades semelhantes.

3. Não concorda a Fazenda Pública com esta interpretação, tendo em conta que os critérios de avaliação obedeceram estritamente a todas as exigências legais.

4. Entende a Fazenda Pública que a decisão da douta sentença não dá cumprimento nem à letra nem ao espírito da lei que preside à avaliação imobiliária actual.

5. A reforma da tributação do património operada pelo D.L. n° 287/2003, de 12 de Novembro acolheu em seu benefício todo um acervo de informações, análises e estudos que a DGCI desde há muito vinha preparando sobre tal matéria.

6. Ocorrendo uma profunda reforma do sistema de avaliação da propriedade, em especial da propriedade urbana, passou o sistema fiscal a ser dotado de um quadro legal de avaliações inteiramente fundado em factores objectivos, de grande simplicidade e coerência interna, e sem espaço para a subjectividade e discricionariedade do avaliador.

7. Movendo-se os peritos intervenientes no procedimento de avaliação no domínio de zonas e coeficientes predefinidos, estes caracterizam-se pela sua indisponibilidade para qualquer ponderação ou alteração, mesmo que por si pretendida.

8. Não se recusa o direito de impugnar, mas que o grau de fundamentação deve adequar-se ao tipo concreto do acto praticado e das circunstâncias em que foi praticado, mostrando-se a fundamentação de um acto suficiente sempre que um destinatário normal se aperceba do percurso cognoscitivo e valorativo efectuado pelo autor do acto para proferir a decisão, de forma a poder desencadear dos mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação, pelo que a presença do perito do contribuinte lhe permite uma total valoração do acto e a adequada reacção.

10. Neste sentido, com a devida vénia os Acórdãos do STA de 2010-10-06, processo 0510/10, de 2011-03-17, processo 0964/10 e de 25-5-2011, processo 0239/11 e ainda Acórdão 02531/08 de 20-01-2009 do STA.

11.A fundamentação adoptada cumpriu as exigências legais e não merece censura.

12. Donde que não podendo ser apontada qualquer ilegalidade ao procedimento de segunda avaliação, a impugnação deduzida teria de improceder por falta de fundamento que a sustentasse e, consequentemente, mantido o valor patrimonial fixado em sede de segunda avaliação.

13. A sentença sob recurso não pode manter-se por deficiente interpretação dos do art. 77° da LGT.


1.2. Não houve contra-alegações.

1.3. O Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

2. A sentença deu como assente os seguintes factos.

1. A impugnante apresentou declaração para inscrição ou alteração de prédios urbanos na matriz (mod. 129) nos termos que constam de fls. 52 e segs, cujo conteúdo se dá por reproduzido.

2. Em consequência do que foi realizada a avaliação (1ª) de que a impugnante discordou.

3. Foi requerida segunda avaliação, nos termos que constam de fls. 46 cujo conteúdo se dá por reproduzido.
4. Esta avaliação foi realizada em 29/8/2003, escrevendo-se que a avaliação se reporta à data da primeira avaliação (fls. 63 e segs. cujo conteúdo se dá por reproduzido).

5. O lote 1-A foi avaliado nos seguintes termos: «Lote de terreno p/ construção com boa localização relativamente à cidade de Leiria, dispondo de boas vistas e de boa qualidade ambiental. Para o lote de terreno estão aprovados 20 apartamentos. A natureza e topografia do terreno não obrigam a espaços especiais de construção. Pelo exposto a comissão estabelece, por unanimidade o valor de € 320.000, 00» (fls. 167, cujo conteúdo se dá por reproduzido).

6. O lote 2-A foi avaliado nos seguintes termos: «Lote de terreno p/ construção designado por lote 2-A, com boa localização relativamente a cidade de Leiria, dispondo de boas vistas e de boa qualidade ambiental. Para o lote de terreno estão aprovados 20 apartamentos. A natureza e topografia do terreno não obriga a espaços especiais de construção. Pelo exposto a comissão estabelece, por unanimidade o valor de € 320.000, 00». (fls. 85 cujo conteúdo se dá por reproduzido)

7. O lote 3-A foi avaliado nos seguintes termos: «Lote de terreno p/ construção designado por lote 3-A, com boa localização relativamente à cidade de Leiria., dispondo de boas vistas e de boa qualidade ambiental. Para o lote de terreno estão aprovados 16 apartamentos e 4 comércios. A natureza e topografia do terreno não obriga a espaços especiais de construção. Pelo exposto a comissão estabelece, por unanimidade o valor de E 320.000, 00». (fls. 105, cujo conteúdo se dá por reproduzido)

8. O lote 4-A foi avaliado nos seguintes termos: «Lote de terreno p/ construção designado por lote 4-A, com boa localização relativamente à cidade de Leiria, dispondo de boas vistas e de boa qualidade ambiental. Para o lote de terreno estão aprovados 20 apartamentos. A natureza e topografia do terreno não obriga a espaços especiais de construção. Pelo exposto a comissão estabelece, por unanimidade o valor de € 300.000, 00». (fls. 125, cujo conteúdo se dá por reproduzido).

9. O valor das avaliações foi fixado por unanimidade dos louvados.

3. A sentença recorrida anulou ao acto de avaliação de quatro lotes de terreno para construção por deficiência na exposição dos motivos que levaram a Comissão de Avaliação a fixar o valor patrimonial de cada um dos lotes, argumentado o seguinte:

Em face do conteúdo do termo de avaliação, a fundamentação tem carácter generalista, sem descrever, ainda que sumariamente, o «iter cognoscitivo». Dizer-se que os Lotes dispõem «de boas vistas e de boa qualidade ambiental e que a «natureza e topografia do terreno não obriga a espaços especiais de construção», não é suficiente para se perceber a razão pela qual se atribui o valor fixado. De resto, verifica-se que a mesma fundamentação serviu para atribuir valores diferentes a realidades aparentemente idênticas (lotes 1-A – 20 apartamentos - €320.000,00; Lote 4-A – 20 apartamentos - €300.000,00), assim como valores idênticos a realidades apartamentos distintas (Lote 3-A – 16 apartamentos e 4 comércio - € 320.000,00; Lotes 1-A, 2-A e 4-A - 20 apartamentos: €320.000,00)”.

A recorrente não se conforma com este juízo, por entender que: (i) os Termos de Avaliação dos lotes descrevem «os parâmetros legais de localização, área e capacidade de construção»; (ii) «basta consultar a declaração modelo 1 de IMI, incluída no processo administrativo e ainda mapa de localização (print também incluído no processo administrativo apenso aos autos), para ficar justificado o valor do zonamento e outros coeficientes de avaliação»; (iii) «os avaliadores apenas utilizaram os critérios legais que constam dos artigos 38º e ss. do CIMI e que correspondem à única fundamentação possível quanto a estes, não sendo deixada qualquer margem de discricionariedade nessa avaliação, limitando-se apenas a aplicar os critérios legalmente impostos».

Todavia, não tendo sido questionada a matéria de facto assente na sentença, não pode deixar de se concluir pelo incumprimento do dever de fundamentação dos actos tributários impugnados.

Em primeiro lugar, os únicos elementos informativos que, por opção da comissão de avaliação, acompanham os actos impugnados são os factos constantes dos números 5 a 8 do probatório fixado na sentença. Assim, relativamente a cada um dos lotes avaliados, apenas se conhece que o respectivo valor teve em conta a «boa localização», «boas vistas», «boa qualidade ambiental», «natureza e topografia do terreno» e o número de apartamentos que neles é possível construir. Podendo a fundamentação ser feita por remissão para pareceres, informações ou propostas anteriores, nos termos do preceituado no nº 1 do artigo 77º da LGT, por ausência de declaração formal nesse sentido, não fazem parte integrante da fundamentação, como pretende a recorrente, a declaração modelo 1 de IMI, e o mapa de localização incluídos no processo administrativo, para se justificar o valor do zonamento e outros coeficientes de avaliação.

Nada impede que a fundamentação se exprima por referência directa a outros elementos do procedimento, caso em que eles ficam integrados formalmente no acto tributário. Todavia, esta fundamentação “per relationem” só é admissível na medida em que seja expressa na forma do acto fundamentado, pois a fundamentação não pode ser concebida como um acto jurídico diferente e independente desse acto. Como refere Vieira de Andrade, a propósito da contextualidade da fundamentação, «o autor do acto tem de declarar quais as verificações, apreciações ou ponderações de que partiu para agir ou para tomar aquela decisão na mesma forma concreta, normalmente no mesmo texto, em que se exterioriza a decisão tomada: nega-se, assim, qualquer autonomia formal, distanciamento ou alteridade à declaração fundamentadora, sem dúvida para marcar a sua integração funcional na estatuição» (cfr. O Dever de Fundamentação Expressa de Actos Administrativos, pág. 41).

Em segundo lugar, dispondo o nº 1 do artigo 84º da LGT que a avaliação de valores se baseia em «critérios objectivos» e o nº 3 que «a fundamentação da avaliação contém obrigatoriamente a indicação dos critérios utilizados e a ponderação dos factores que influenciaram a determinação do seu resultado», não se pode entender que o imperativo da obrigatoriedade de fundamentação foi suficientemente cumprido. Os critérios utilizados foram valorados de forma subjectiva, sem indicação de elementos concretos que permitam saber a forma como se calculou o valor de cada um dos lotes de terreno. Os laudos dos louvados intervenientes na 2ª avaliação indicam como critérios de avaliação dos lotes para construção a localização e o volume de construção de cada lote. Relativamente ao primeiro critério, ponderam que os lotes têm «boa localização», «boas vistas», «boa qualidade ambiental» e a «natureza e topografia do terreno não obriga a espaços especiais de construção»; e em relação ao segundo, referem o número de apartamentos que está aprovado para cada lote.

Ora, estes factores, ainda que se entenda que não possam ser objectivamente quantificáveis, são insuficientes para dar a conhecer a razão pela qual se chegou ao valor tributável de cada lote. Na verdade, atribuir-se a um lote o valor de €320,000,00 apenas porque a sua localização, vistas e a qualidade ambiental é «boa» e porque neles se pode construir um determinado número de apartamentos, não é suficiente para revelar minimamente o “itinerário valorativo” da decisão. Ainda que a lei deixe à Comissão de Avaliação margem de autonomia na avaliação dos lotes, com a inerente dificuldade em justificar o valor atribuído, ainda assim, e porque é exigível a externação dos motivos, não estava dispensada de indicar claramente argumentos convincentes ou razoáveis sobre o modo como chegou àquele valor. Apenas com aquelas indicações, um destinatário normal não consegue perceber porque é que o lote tem o valor de €320,000,00, pois a «boa localização» é um elemento vago ou impreciso que não tem aptidão para justificar concretamente aquele valor.

Em terceiro lugar, sendo o conteúdo da fundamentação variável segundo o tipo de acto, consta-se que os motivos invocados também não são aptos a justificar a avaliação efectuada. Contrariamente ao referido pela recorrente, os critérios de avaliação dos lotes não podiam ser os referidos no artigo 38º do CIMI, pois a avaliação impugnada foi realizada antes da entrada em vigor desse diploma. Por isso, o acto de avaliação não podia justificar-se nos critérios objectivos indicados naquela norma, mas apenas nos referidos nas normas que vigoravam na data em que ele ocorreu.

Até 31 de Dezembro de 2003, a tributação da propriedade imobiliária assentava na Contribuição Autárquica e no Imposto Municipal de Sisa. O nº 1 do artigo 8º do DL 442-C/88 de 30 de Novembro, que aprovou o Código de contribuição autárquica, estabelecia que «enquanto não entrar em vigor o Código das Avaliações, os prédios continuarão a ser avaliados segundo as correspondentes regras do Código da Contribuição Predial e do Imposto sobre a Indústria Agrícola, aprovado pelo Decreto-Lei nº 45 104, de 1 de Julho de 1963, determinando-se o seu valor tributável de acordo com o disposto nos nºs 1 dos artigos 6º e 7º do presente decreto-lei; e o nº 2 dizia que «no caso de terrenos para construção, o seu valor tributável será determinado por aplicação das regras contidas no Código da Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações».

Porque se tratavam de lotes para construção, o único critério capaz de justifica legalmente a avaliação era o valor do metro quadrado do terreno. Com efeito, o § 4 do artigo 94º do Código da Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações, para que remetia o nº 2 do citado artigo 8º, prescrevia que «a avaliação de terrenos considerados para construção basear-se-á no valor venal de cada metro quadrado».

Ora, os actos impugnados não fazem qualquer referência ao único pressuposto de que dependia a avaliação dos lotes e que era o valor venal por metro quadrado. Para que o conteúdo da fundamentação seja adequado e suficiente o autor do acto deve fazer referência aos pressupostos fixados na lei, mostrando concretamente que no seu entender se verificam na realidade as condições legais. Havendo ausência de justificação, para além da relevância que tem na validade substancial do acto, o acto mostra-se formalmente viciado por insuficiência de fundamentação. E trata-se de uma insuficiência manifesta porque, não se fazendo qualquer referência ao valor do metro quadrado do terreno do lote, resulta evidente que a Comissão não realizou uma avaliação completa que esclareça concretamente as razões que levaram à fixação de determinado valor aos lotes.

Em suma: os actos de avaliação impugnados são ilegais por incumprimento do dever de fundamentação, o que implica a manutenção da sentença recorrida.

4. Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 26 de Setembro de 2012. – Lino Ribeiro (relator) – Dulce Neto – Ascensão Lopes.