Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0992/16
Data do Acordão:12/07/2016
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:MARIA DO CÉU NEVES
Descritores:DIREITO DE ASILO
CUSTAS
Sumário:I - O art. 84º da Lei nº 27/2008, de 30/6, na redacção que lhe foi introduzida pela Lei nº 26/2014, prevê a gratuitidade dos processos respeitante às situações em causa nesta Lei, tanto na sua fase administrativa como judicial, e não uma isenção de custas, pelo que o regime assim contemplado não está abrangido pelo RCP.
II - Essa gratuitidade não abrange apenas o requerente do estatuto de refugiado, aplicando-se de igual modo à Administração enquanto parte no litígio.
Nº Convencional:JSTA000P21238
Nº do Documento:SA1201612070992
Data de Entrada:10/10/2016
Recorrente:SEF-SERVIÇOS DE ESTRANGEIROS E FRONTEIRAS
Recorrido 1:A........
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo
1. RELATÓRIO

O Ministério da Administração Interna/SEF – Serviço de Estrangeiros e Fronteiras inconformado com a decisão proferida em 30 de Junho de 2016, no TCAS, [que confirmou a sentença proferida pelo TAC de Lisboa, designadamente na parte em que esta o condenou em custas, no âmbito da presente acção intentada com vista à anulação do despacho do Secretário de Estado da Administração Interna de 17/09/2015 que recusou a autorização de residência ao autor/ora recorrido por protecção subsidiária e a condenação do mesmo a conceder tal autorização], interpôs o presente recurso.

Apresentou, para o efeito, as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem:

«1ª - Os processos de impugnação judicial de recusa de admissibilidade do pedido de proteção internacional configuram, nos termos da legislação aplicável, processos gratuitos, conforme estatuído no artº 84º da Lei nº 27/2008 de 30/6;

2ª – O douto Acórdão de que ora se recorre assim não entende, considerando que “O artigo 25º, nº 1 do Decreto-Lei nº 34/2008, de 26/02, revogou o artº 84º da Lei nº 27/2008, de 30/06, no segmento em que este prevê a gratuitidade, na fase judicial, dos processos de concessão ou de perda do direito de asilo ou de protecção subsidiária e de expulsão”;

3ª - O ora recorrente, em total discordância, pugna na senda dos acórdãos proferidos pelo TCA Sul (2º Juízo - 1ª Secção) no âmbito dos recursos jurisdicionais interpostos nos Procs. nºs 11267/14, 11786/15, 11962/15, 12520/15, 12828/15; 13062/16; 13154/16 e 13275/16 e, igualmente, pelo STA, no âmbito dos recursos n.º 63/15 (Proc. nº 11440 do TCA Sul) e nº 1331/14 (Proc. 10821/14 do TCA Sul), os quais aplicam, sem reservas, o referido preceito legal. - “Sem custas – art. 84º da Lei nº 27/2008, de 30.06”, entendimento que, aliás, tem sido seguido transversalmente pelos tribunais administrativos de primeira instância;

4ª – O artº 84º estabelece expressamente que “Os processos de concessão ou de perda do direito de asilo ou de protecção subsidiária e de expulsão são gratuitos e têm carácter urgente, quer na fase administrativa quer na judicial”;

5ª - Ao contrário do douto acórdão recorrido, o recorrente não reconduz o conceito de “gratuitidade” ao de apoio judiciário (para daí retirar uma conformidade ou identidade que, objectivamente, inexiste), pugnando que os mesmos não se confundem nem se assimilam, precisamente em atenção à natureza do direito de asilo e aos valores que lhe subjazem, ou melhor: “ a dimensão constitucional objectiva, enquanto meio de protecção dos valores constitucionais da «democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana» (cf. J.J Gomes Canotilho e Vital Moreira in Constituição da República Portuguesa Anotada; 3ª edição revista, Coimbra Editora, pág. 211);

6ª – Nos termos do artº 9º do Código Civil, quando o legislador optou pela expressão “gratuito” queria significar literal e teleologicamente isso mesmo, até por contraponto a outra legislação aplicável aos cidadãos estrangeiros, a qual usa formulação distinta, prevendo que “ o cidadão estrangeiro goza, a pedido, de protecção jurídica” (cf. artº 150º nº 3 da Lei nº 23/2007);

7ª – É evidente que a Lei nº 27/2008 postulou no artº 84º uma isenção objectiva de custas, tendo optado por um regime mais favorável do que o previsto nas Directivas nºs 2004/83/CE e 2005/85/CE do Conselho, alicerçado precisamente na dupla protecção constitucional supra, a qual não denega, naturalmente, o regime do apoio judiciário, com o qual não se confunde ou se reconduz, tal como o douto acórdão recorrido parece inferir;

8ª - Acresce que, no caso, a adopção de uma solução mais favorável exprime uma legítima prerrogativa do legislador nacional, sem que dela se nos afigure resultar qualquer desconformidade com o regime das directivas por esta via transpostas para a ordem jurídica interna;

9ª - Ademais, a Lei 27/2008, que regula o direito de asilo, assume, dada a natureza da matéria, carácter especial, como demonstra, aliás, o nº 2 do seu artº 22º ao estabelecer que “À impugnação jurisdicional referida no número anterior são aplicáveis a tramitação e os prazos previstos no artigo 110º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, configurando assim as acções relativas ao asilo em moldes idênticos aos da Intimação para Protecção de Direitos, Liberdades e Garantias, de natureza urgente, norma da qual urge retirar consequências;

10ª – Em conformidade, haverá de apelar ao nº 2 do artº 4º do Regulamento de Custas Processuais, que prevê um regime de isenção objectiva ditada pela especialidade da matéria de determinadas acções, estabelecendo na alínea b) que “Ficam também isentos os processos administrativos urgentes relativos ao pré-contencioso eleitoral quando se trate de eleições para órgãos de soberania e órgãos do poder regional ou local e à intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias” (sublinhado nosso), norma ignorada pelo douto acórdão ora recorrido;

11ª – De referir que o Regulamento de Custas Processuais, ao concentrar todas as regras sobre isenção de custas num único diploma, não procede a uma regulamentação “cega” do regime de isenções, nem o faz apenas depender do critério de insuficiência económica, na perspectiva do direito constitucionalmente consagrado de acesso à justiça e aos tribunais;

12ª - Por outro lado, é inequívoco que o Regulamento de Custas Processuais se apresenta como uma lei de carácter geral que visa a “uniformização e simplificação do sistema de custas processuais”, sendo inegável que, por outro lado, o artº 84º da Lei 27/2008 constitui uma norma especial, entendimento sufragado quer pelo TCA Sul quer pelo STA (cf. nº 3 destas conclusões);

13ª – Donde decorre que se deva aplicar a “ norma “ ensinada pelo Professor Doutor João Baptista Machado, in Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, que prescreve que “(…) a lei especial prevalece sobre a lei geral (critério da especialidade: lex specialis derogat legi generali), ainda que esta seja posterior, excepto (…) se outra for a intenção inequívoca do legislador “ (sublinhado nosso), em total consonância com o artº 7º nº 3 do Código Civil;

14ª – Nesta sede, o ora recorrente tem mesmo fundadas dúvidas se o Decreto-Lei nº 34/2008, de 26/02, que aprovou o Regulamento das Custas Processuais seja, em bom rigor, posterior à Lei nº 27/2008, de 30/06, atento o disposto no artº 5º nºs 1 e 2 do Código Civil, que estipula no seu nº 1 que “A lei só torna obrigatória depois de publicada no jornal oficial” e no seu nº 2 que “Entre a aplicação e a vigência da lei decorrerá o tempo que a própria lei fixar ou, na falta de fixação, o que for determinado em legislação especial”;

15ª – No mesmo devir, o artº 1º da Lei nº 74/98, de 11/11 (Lei Formulária), que estabelece que “ A eficácia jurídica dos atos a que se refere a presente lei depende da sua publicação no Diário da República” (cf. nº 1), e, bem assim, no seu nº 2 que “ A data do diploma é o da sua publicação (…)”;

16ª - Em termos de conflitos de normas, a vacatio legis, porque se destina somente a possibilitar o conhecimento da lei pelos seus destinatários, não será o critério para determinar qual dos diplomas (de igual valia) é posterior, devendo seguir-se o critério aplicação/publicação das mesmas, de cuja aplicação resulta que a Lei nº 27/2008 é posterior ao Decreto-Lei nº 34/2008, ditando a incorrecção do controvertido acórdão, o qual partindo de lei anterior e de carácter geral, considera revogado um preceito ínsito em lei posterior e de carácter especial;

17ª - Como é bom de ver, não se pode retirar qualquer intenção revogatória de uma norma – o artº 25º nº 1 do Decreto-Lei nº 37/2008 - que não obstante ter entrado em vigor em data posterior à da Lei nº 27/2008, foi, contudo, publicada quatro meses antes da publicação desta Lei de Asilo, devendo advogar-se, em conformidade, que o tatbestand do artº 25º nº 1, a não ser por juízo de prognose futura, nunca poderia visar normas cuja publicação só veria a ocorrer no futuro, ainda para mais tratando-se de normas de valia idêntica ou superior;

18ª - Não sopesando sequer o valor (hierarquia) dos referidos diplomas, sobretudo no que concerne à sua materialidade (trata-se de um decreto-lei que aprova um regulamento de custas (adjectivo), em contraponto a uma lei parlamentar que regula um regime substantivo concretizador de um direito fundamental), damos por adquirido, que jamais um diploma/norma anterior pode revogar um diploma/norma posterior;

19ª - Ainda que se entenda, à semelhança do douto acórdão recorrido, que o Decreto-lei nº 34/2008, face à sua data de entrada em vigor, é posterior à Lei nº 27/2008, esta argumentação não procede, tendo presente a máxima de que a lei especial prevalece sobre a lei geral (critério da especialidade: lex specialis derogat legi generali), ainda que esta seja posterior;

20ª - De acordo com o artº 25º nº 1 do Decreto-lei nº 34/2008 só “ São revogadas as isenções de custas previstas em qualquer regulamento ou portaria e conferidas a quaisquer entidades públicas e privadas, que não estejam previstas no presente decreto-lei”;

21ª – Acontece, porém, que esta isenção de custas está prevista numa lei parlamentar e, consequente e manifestamente, fora do âmbito da revogação operada por este diploma, independentemente de ser anterior ou posterior;

22ª - Não pode ser afirmado, tal como no douto acórdão ora recorrido, que se apura qualquer intenção do legislador, e muito menos inequívoca, de revogar uma isenção prevista numa lei, e numa lei especial, aliás, o decreto-lei em causa é claro precisamente no sentido oposto, identificando os diplomas cujas isenções revoga – tão somente as incluídas em “regulamentos ou portarias”;

23ª - Não constando do elenco taxativo do artº 25º nº 1 leis ou decretos-lei, também por esta via, haverá que concluir, face às mais elementares normas de interpretação previstas no artº 9º do Código Civil, que a isenção objectiva de custas prevista no artº 84º da Lei nº 27/2008 não foi revogada porque não estava prevista nos diplomas nele identificados;

24ª - Resultaria bastante controverso que da letra do artº 25º decorra uma intenção “de revogar todas as normas especiais relativas a isenção de custas constantes do nosso ordenamento jurídico”, nas palavras do autor acolhido pelo douto acórdão, até porque estamos no domínio dos direitos, liberdades e garantias, que beneficia do regime do artº 18º da CRP;

25ª - Tendo sido defendido pelo ora recorrente que a isenção de custas prevista no artº 84º integra o conjunto de garantias especiais do direito de asilo, é evidente que este entendimento viola o nº 2 do artº 18º que preceitua que “ a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”, sendo licito indagar que outros direitos ou interesses estariam aqui em causa;

26ª - O douto acórdão recorrido, ao acolher a tese da revogação do artº 84º da Lei nº 27/2008, viola também o nº 3 do supra citado artigo, pois está a “diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais”, porquanto, tal como estabelecido, a isenção de custas (que não se confunde com concessão de apoio judiciário na modalidade de dispensa do pagamento de preparos e de custas) integra o núcleo de garantias do estatuto do requerente de protecção internacional ou subsidiária, pelo que qualquer restrição tinha de obedecer aos ditames constitucionais, o que não aconteceu, não obviando que nem é sequer isso que o artº 25º nº 1 do Decreto-Lei nº 34/2008 estatui;

27ª – Nestes termos, urge concluir que o douto acórdão recorrido violou os artºs 20º e 33º da CRP (e também o artº 18º nº 2 e 3 da Lei Fundamental), ao ter considerado revogado o artº 84º da Lei nº 27/2008, para além de ter violado o artº 7º nº 3 do Código Civil, para além de ter interpretado incorrectamente o artº 25º nº 1 do Decreto-Lei nº 34/2008, violando, assim, o artº 9º do citado Código».


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O recorrido não apresentou contra alegações.

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O «recurso de revista» foi admitido por acórdão deste STA [formação a que alude o nº 5 do artigo 150º do CPTA], proferido a 14.09.2016.

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O Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146º nº 1 do CPTA, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Sem vistos, cumpre decidir.

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2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1. MATÉRIA DE FACTO

Os factos provados são os constantes do Acórdão recorrido, para onde se remete, ao abrigo do disposto no nº 6 do artº 663º do C.P.C.


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2.2. O DIREITO

O segmento objecto do presente recurso de revista respeita à condenação em custas do recorrente, decidida no acórdão recorrido, no âmbito de um processo de impugnação judicial de recusa de admissibilidade do pedido de protecção internacional, motivada pela invocada revogação do disposto no artº 84º da Lei nº 27/2008 de 30/06.

Em concreto, consignou-se a este propósito no acórdão recorrido:

«Vem o presente recurso interposto da sentença do TAC de Lisboa de 4/03/2016, na parte em que condenou a entidade demandada, ora recorrente, em custas.

Entende a mesma que o Tribunal a quo errou ao assim decidir na medida em que o artigo 84º da Lei n.º 27/2008, de 30/06 estipula a gratuitidade dos processos de concessão ou de perda do direito de asilo ou de protecção subsidiária, quer para os requerentes, quer para a Administração, e essa norma não foi objecto de revogação pelo Decreto-lei n.º 34/2008, de 26/02 (que aprovou o Regulamento das Custas Processuais).

Desde já se adianta entendermos que não assiste qualquer razão ao recorrente.

Independentemente da questão de saber se a regra da gratuitidade dos referidos processos se aplica não só ao requerente mas também à Administração, o certo é que a mesma foi revogada e, por isso, deixou de haver isenção de custas.

Vejamos.

O artigo 84º da Lei n.º 27/2008, de 30/06 prescreve que “os processos de concessão ou de perda do direito de asilo ou de protecção subsidiária e de expulsão são gratuitos e têm carácter urgente, quer na fase administrativa quer na judicial”.

Dúvidas não há que esta norma confere isenção de custas.

Acontece, porém, que, na parte em que estabelece a gratuitidade dos ditos processos na fase judicial, tal norma já não vigora na ordem jurídica. Com efeito, o artigo 25º, n.º 1 do Decreto-lei n.º 34/2008, de 26/02, que aprovou o Regulamento das Custas Processuais, “procedeu à revogação, «expressis verbis», de todas as isenções de custas anteriores e descontinuadas pelo RCP” (cfr. Acórdão do STA de 18/06/2015, proc. n.º 061/15).

Como refere a propósito deste preceito, Salvador da Costa (in Regulamento das Custas Processuais, Anotado, 5ª Edição, 2013, págs. 11/12), “Várias foram as normas e diplomas revogados por via do artigo 25.º deste diploma, cujo n.º 1 estabelece: “São revogadas as isenções de custas previstas em qualquer regulamento ou portaria e conferidas a quaisquer entidades públicas e provadas, que não estejam previstas no presente Decreto-Lei”.

Onde este preceito se refere às isenções previstas neste Decreto-Lei, deve entender-se, necessariamente, as isenções previstas no Regulamento das Custas Processuais.

Trata-se de um normativo de carácter geral, mas dos seus termos decorre a intenção inequívoca do legislador revogar todas as normas especiais relativas a isenção de custas constantes do nosso ordenamento jurídico.

Nesta perspectiva, nos termos do art. 7º, n.º 3, do Código Civil, a conclusão é no sentido de que, com o início da vigência deste normativo no dia 20 de abril de 2009, revogadas ficaram as isenções de custas constantes do nosso ordenamento jurídico em relação a pessoas privadas ou entidades públicas nos processos da competência dos tribunais das ordens judicial, administrativa e tributária” (sublinhado nosso).

As situações de isenção de custas vêm expressamente referidas no artigo 4º do RCP e nesse elenco não consta qualquer situação assimilável à dos presentes autos.

Concluímos, pois, que o recorrente fundamenta a sua pretensão num preceito revogado, não havendo outro que, entretanto, lhe tivesse trazido o mesmo benefício.

E nem se diga, como o recorrente parece pretender, que a revogação da isenção de custas na fase judicial dos processos de concessão ou de perda do direito de asilo ou de protecção subsidiária e de expulsão, viola as directivas comunitárias, designadamente as Directivas n.ºs 2004/83/CE e 2005/85/CE do Conselho de, respectivamente, 29/04 e 1/12.

A Directiva 2004/83/CE, que “tem por objectivo estabelecer normas mínimas relativas às condições a preencher por nacionais de países terceiros ou apátridas para poderem beneficiar do estatuto de refugiado ou de pessoa que, por outros motivos, necessite de protecção internacional e ao conteúdo da protecção concedida” (cfr. artigo 1º), nada dispõe sobre a matéria em questão.

Por seu lado, a Directiva 2005/85/CE, que “tem por objectivo definir normas mínimas aplicáveis ao procedimento de concessão e de retirada do estatuto de refugiado nos Estados-Membro” (cfr. artigo 1º), estabelece no artigo 15º determinadas regras no que a esta matéria concerne.

Assim, dispõe este preceito, sob a epígrafe “Direito a assistência jurídica e a representação”, que:

“1. Os Estados-Membros devem conceder aos requerentes de asilo a oportunidade de, a expensas próprias, consultarem de forma efectiva um advogado ou outro consultor, admitido ou aceite nessa qualidade pela legislação nacional, sobre matérias relacionadas com os seus pedidos de asilo.

2. No caso de o órgão de decisão se pronunciar negativamente, os Estados-Membros devem assegurar a concessão de assistência jurídica e/ou representação gratuitas, a pedido, sob reserva do disposto no n.º 3.

3. Os Estados-Membros podem prever na sua legislação nacional a concessão dessa assistência ou representação gratuitas apenas:

(…)

b) Às pessoas que carecem de meios suficientes;

(…).

4. Os Estados-Membros podem prever normas relativas às modalidades de apresentação e tratamento dos pedidos de assistência jurídica e/ou representação.

(…).”

O que esta Directiva impõe aos Estados-membros é, pois, que os mesmos assegurem a concessão de assistência jurídica e/ou representação gratuitas às pessoas que carecem de meios suficientes sempre que o pedido por elas apresentado seja indeferido. Só nessas situações e não em todos os processos de concessão ou de perda do direito de asilo ou de protecção subsidiária e de expulsão é que a Directiva obriga os Estados-membros a estabelecer regras naquele sentido.

Ora, nos termos do disposto nos artigos 25º, n.º 4 e 49º, n.º 1, al. f) da Lei n.º 27/2008, de 30/06 (na redacção dada pela Lei n.º 26/2014, de 5/5), os requerentes de asilo ou de protecção subsidiária beneficiam de apoio judiciário nos termos gerais, caso estejam em situação de insuficiência económica, designadamente através da dispensa do pagamento da taxa de justiça e demais encargos com o processo.

Constata-se, assim, que o legislador nacional, ao revogar a isenção de custas na fase judicial dos processos de concessão ou de perda do direito de asilo ou de protecção subsidiária e de expulsão, não violou as referidas directivas comunitárias, na medida em que estabeleceu mecanismos que asseguram assistência jurídica aos requerentes que careçam de meios suficientes».

Contra o assim decidido insurge-se o recorrente alegando que (i) a expressão usada no artº 84º da Lei nº 27/2008 de 30/06 ao dizer que “os processos são gratuitos” não coincide totalmente com “apoio judiciário”; (ii) que a Lei nº 27/2008 de 30/06 foi publicada em momento posterior ao DL nº 34/2008 de 26/02, (iii) que o processo de “protecção subsidiária” segue o regime previsto no artº 110º do CPTA, pelo que deve também ter a isenção de custas previstas no artº 4º, nº 2º do RCP; e, finalmente, (iv) que a isenção de custas prevista na Lei 27/2008 não é revogada pelo artº 25º do DL 34/2008 de 26/02.

Vejamos:

É inequívoco que o artº 84º da Lei nº 27/2008 de 30/06 [que só entrou em vigor 60 dias após a sua publicação] previa na sua redacção originária que os processos de concessão ou de perda de direito de asilo ou de protecção subsidiária fossem gratuitos, quer na sua fase administrativa quer na judicial.

Esta Lei foi alterada pela Lei nº 26/2014 de 05/05 [que igualmente só entrou em vigor 60 dias após a sua publicação – cfr. artº 89º], mas a redacção manteve-se sensivelmente a mesma, prevendo-se agora que «Os processos de concessão ou de perda do direito de asilo ou de protecção subsidiária e de expulsão são gratuitos e têm carácter urgente, quer na fase administrativa, quer na judicial».

De acordo com o disposto no artº 5º do CC “A lei só se torna obrigatória depois de publicada no jornal oficial” (nº 1) e “Entre a publicação e a vigência da lei decorrerá o tempo que a própria lei fixar ou na falta de fixação, o que for determinado em legislação especial” (nº 2).

Por outro lado, dispõe o artº 7º do mesmo diploma legal que:

«1. Quando se não destine a ter vigência temporária, a lei só deixa de vigorar se for revogada por outra lei.

2. A revogação pode resultar de declaração expressa, da incompatibilidade entre as novas disposições e as regras precedentes ou da circunstância de a nova lei regular toda a matéria da lei anterior.

3. A lei geral não revoga a lei especial, excepto se outra for a intenção inequívoca do legislador.

4. (…)»

Ou seja, a data da publicação de uma lei pode não coincidir com a data da entrada em vigor e respectiva produção de efeitos.

Temos assim que a Lei nº 26/2014 de 05/05 que procedeu, até à data, à 1ª alteração da Lei nº 27/2008 de 30/06, apesar de ter sido publicada em 30 de Junho, apenas entrou 60 dias após, ou seja em 30 de Agosto de 2014 [cfr. artº 89º], logo em data posterior à data da publicação do DL nº 34/2008, que foi 26 de Fevereiro, mas anterior à sua entrada em vigor que foi 01/09/2008 – artº 26º].

Ou seja, o DL 34/2008 de 26/02, que veio aprovar o Regulamento das Custas Processuais [RCP] é anterior em termos de publicação àquela Lei, mas posterior à entrada em vigor da mesma, sendo que, o que importa é a data da produção de efeitos e estes só se realizam, depois de passado o período da vacatio legis.

Porém, apesar dos argumentos alegados pelo recorrente, no que respeita à data da publicação das leis não proceder [e o mesmo se verificando quanto aos factos aduzidos nas conclusões 9º e 10º, uma vez que a forma de tramitação processual definida pelo legislador – nº 2 do artº 22º da Lei 27/20008 e artº 110º do CPTA – não transforma este processo judicial em intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, mas apenas reduz os respectivos prazos processuais, em conformidade com os previstos para os processos urgentes, em termos de tramitação, não sendo por isso de aplicar o nº 2 do artº4º do RCP], isto não significa que o arº 25º do DL nº 34/2008 de 26/02 tenha revogado o artº 84º da Lei nº 27/2008 de 30/06, como infra se verá.


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Com efeito, o cerne da questão suscitada pelo recorrente na presente revista referente à gratuitidade ou não neste tipo de processos, é questão que se mostra já julgada no recente Acórdão do Pleno deste Supremo Tribunal – Proc. nº 408/16 de 17 de Novembro de 2016, a favor da tese defendida pelo recorrente, pelo que nos dispensamos da análise dos demais argumentos aduzidos, tendo-se ali decidido:

«Ora, quer na actual redacção do citado art. 84º da Lei nº 27/2008, quer na anterior (em tudo semelhantes), o que se prevê é a gratuitidade dos processos respeitante às situações em causa nesta Lei, tanto na sua fase administrativa como judicial, e não uma isenção de custas, pelo que o regime assim contemplado não está abrangido pelo RCP.

O regime previsto no art. 84º da Lei nº 27/2008, por não ser de isenção de custas, mas antes de gratuitidade na tramitação dos processos nela contemplados, teve em conta a especial vulnerabilidade e fragilidade da situação dos respectivos requerentes de asilo, atribuindo-lhe, entre outros, esse direito especial a um processo gratuito (cfr. as Directivas nºs 2004/83/CE e 2005/85/CE do Conselho, de 29/4 e 1/12, respectivamente).

E, não há quaisquer dúvidas de que o legislador quis manter esse direito ao processo gratuito, pois deixou intocada na alteração que introduziu com a Lei nº 26/2014, a norma constante do art. 84º da Lei nº 27/2008, quando poderia tê-la alterado ou suprimido, aplicando-se então aos requerentes de asilo o regime geral da lei de acesso ao direito e aos tribunais (o qual se defendeu ser o aplicável no acórdão recorrido).

E, não pode entender-se que um diploma de carácter geral, como é o RCP, possa ter revogado uma lei especial e posterior – a Lei nº 27/2008, na redacção que lhe foi introduzida pela Lei nº 26/2014.

Ora, se o legislador da lei especial posterior quis configurar, mantendo, um regime de gratuitidade de determinados processos, não ignorando, como não ignorava, certamente, o regime geral quanto a custas estabelecido no RCP, foi porque entendeu que os processos constantes da Lei nº 27/2008 pela sua especial natureza deviam obedecer a esse regime especial de gratuitidade.

Assim sendo, afigura-se-nos também que essa gratuitidade não pode restringir-se apenas aos requerentes do estatuto de refugiado, mas estende-se, de igual modo, à administração enquanto parte no litígio.

Com efeito, na fase judicial é sabido que há uma parte – a administração – que defende interesses opostos ao do requerente do estatuto de refugiado.

Ora, se o legislador tivesse querido que o processo apenas tivesse carácter gratuito para os requerentes daquele estatuto tê-lo-ia expressado no texto legal. Se o não fez foi porque entendeu ser a solução mais correcta que esse tipo de processo fosse gratuito para os seus intervenientes, requerente de asilo e/ou Administração Pública (cfr. art. 9º do CC).

Foi o que entendeu, e bem, o acórdão fundamento ao decidir em matéria de custas, não serem devidas, atento o disposto no art. 84º da Lei nº 27/2008.

Pelo exposto, acordam no pleno da Secção do Contencioso Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogando o acórdão recorrido e deferindo o pedido de reforma no sentido de não serem devidas custas, atento o disposto no art. 84º da Lei nº 27/2008, de 30/6, fixando-se a seguinte jurisprudência «Os processos de impugnação judicial no âmbito da concessão de asilo ou protecção subsidiária configuram-se, nos termos do artigo 84º da Lei nº 27/2008, de 30/6, como processos gratuitos».

Face ao exposto, e com a argumentação supra, dispensamo-nos do conhecimento da demais alegação, impondo-se a procedência do recurso, com a consequente revogação da decisão recorrida.

DECISÃO:

Atento o exposto, acordam os juízes que compõem este Tribunal em conceder provimento ao recurso e consequentemente revogar a decisão recorrida.

Sem custas

Lisboa, 7 de Dezembro de 2016. – Maria do Céu Dias Rosa das Neves (relatora) – Jorge Artur Madeira dos Santos – Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa.