Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:013/20.6BCLSB
Data do Acordão:02/25/2021
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CARLOS CARVALHO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
TRIBUNAL ARBITRAL
FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL
NÃO ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:Não é de admitir a revista se as questões nela colocadas ou já foram alvo de pronúncia por parte do TC, ou então se, em face do seu juízo e das referidas implicações/consequências pelo mesmo sinalizadas, as mesmas não logram deter ou possuir virtualidade autónoma ou interesse próprio na e para a economia do procedimento e da sua decisão, bem como da solução do litígio.
Nº Convencional:JSTA000P27278
Nº do Documento:SA120210225013/20
Data de Entrada:02/17/2021
Recorrente:FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL
Recorrido 1:SPORTING CLUBE DE BRAGA – FUTEBOL, SAD
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em apreciação preliminar, na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:


1. FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL [FPF], invocando o disposto no art. 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos [CPTA], peticiona a admissão do recurso de revista por si interposto do acórdão de 30.04.2020 do Tribunal Central Administrativo Sul [doravante TCA/S] [cfr. fls. 170/199 - paginação «SITAF» tal como as ulteriores referências à mesma, salvo expressa indicação em contrário], que concedeu provimento ao recurso e revogou o acórdão do TAD na parte em que condenou a SPORTING CLUBE DE BRAGA - FUTEBOL, SAD [SCB …, SAD] pela prática de infrações p. e p. pelos arts. 183.º, n.º 2, 186.º, n.º 2, 187.º, n.º 1, als. a) e b), e 127.º, n.º 1, do Regulamento Disciplinar da LPFP [RD/LPFP], em multas no valor de 20.159,00 €, declarando «a nulidade do ato punitivo proferido em 20/08/2019 e mantido pela deliberação de 17/09/2019 do Pleno da Secção Profissional do Conselho de Disciplina da FPF».

2. Motiva a admissão do recurso de revista [cfr. fls. 213/280] na relevância social e jurídica objeto de litígio e, bem assim, a necessidade de «uma melhor aplicação do direito», fundada na errada interpretação e aplicação, mormente dos arts. 13.º, al. f), 127.º, n.º 1, 183.º, n.º 2, 186.º, n.º 2, 187.º, n.º 1 als. a) e b), 214.º e 259.º, todos do RD/LPFP, 346.º, 363.º, n.º 2, 369.º e 371.º, n.º 1, do Código Civil [CC], 32.º, n.º 10, 79.º e 269.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa [CRP].

3. A SCB, …SAD produziu contra-alegações em sede de recurso de revista [cfr. fls. 352/387], tendo nas mesmas pugnado, desde logo, pela não admissão do mesmo.
Apreciando:

4. Dispõe-se no n.º 1 do art. 150.º do CPTA que «[d]as decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

5. Do referido preceito extrai-se, assim, que as decisões proferidas pelos TCA’s no uso dos poderes conferidos pelo art. 149.º do CPTA, conhecendo em segundo grau de jurisdição, não são, em regra, suscetíveis de recurso ordinário, dado a sua admissibilidade apenas poder ter lugar quando: i) esteja em causa apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, revista de importância fundamental; ou, ii) o recurso revelar ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.

6. O TAD havia julgado improcedente a impugnação que a SCB…, SAD havia dirigido ao acórdão do Pleno da Secção Profissional do Conselho de Disciplina da FPF, mantendo o sancionamento que o mesmo tinha imposto [cfr. fls. 05/54].

7. O TCA/S revogou tal juízo, fundando-o no entendimento de que «a norma constante do artigo 214.º do RDLPFP é materialmente inconstitucional, na parte em que suprime a audiência do arguido em momento anterior ao da aplicação da sanção disciplinar no âmbito de procedimento disciplinar sumário, por violação dos direitos fundamentais de audiência e de defesa, previstos nos artigos 32.º, n.º 10, e 269.º, n.º 3, da CRP» e de que «a aplicação do artigo 13.º, al. f), do RDLPFP, no âmbito do procedimento disciplinar sumário, viola os princípios da culpa, da presunção da inocência, do contraditório e do direito a um processo equitativo, previstos nos artigos 32.º, n.º 2 e 20.º, n.º 4 da CRP», e daí que «é de recusar a aplicação das referidas normas regulamentares, donde decorre a nulidade do ato punitivo proferido em 20/08/2019 e mantido pela deliberação de 17/09/2019 do Pleno da Secção Profissional do Conselho de Disciplina da FPF», sendo que «[c]om a procedência da presente questão, queda prejudicado o conhecimento das demais questões invocadas quanto à invalidade do referido ato».

8. O Tribunal Constitucional [TC] proferiu nos autos acórdão sob o n.º 742/2020, datado de 10.12.2020, na sequência de recurso interposto obrigatoriamente pelo MP, no qual, aderindo ao juízo firmado pelo mesmo Tribunal no acórdão n.º 594/2020, julgou «inconstitucional, por violação do direito de audiência e defesa consagrado no n.º 10 do artigo 32.º da Constituição, a norma que estabelece a possibilidade de aplicar uma sanção disciplinar, no âmbito do procedimento sumário, sem que esta seja precedida da faculdade de exercício do direito de audiência pelo arguido, extraível do artigo 214.º do Regulamento Disciplinar das Competições Organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional», não conhecendo «por inutilidade, da questão da inconstitucionalidade da norma do procedimento disciplinar sumário, que estabelece a presunção inilidível da veracidade dos factos constantes dos relatórios dos árbitros e do delegado da Liga, resultante da interpretação conjugada do artigo 13.º, alínea f), com o artigo 214.º, ambos do Regulamento Disciplinar das Competições Organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional».

9. Extrai-se da respetiva motivação que o «processo sumário regulado no RD-LPF é um processo disciplinar. Visa punir o ilícito disciplinar com uma sanção disciplinar, tendo, portanto, natureza sancionatória. Nessa medida, encontra-se abrangido pelo âmbito de aplicação do n.º 10 do artigo 32.º da Constituição. Sendo assim, inequívoco se afigura que a norma do referido Regulamento, que suprime o direito de audiência no âmbito do processo disciplinar sumário, contraria flagrantemente o disposto no artigo 32.º, n.º 10 da Constituição» e quanto à questão da aplicação do art.13.º, al. f) do RD/LPFP no quadro do processo sumário que o «resultado da apreciação da conformidade constitucional desta segunda norma está intrinsecamente ligado ao resultado da apreciação da primeira. Uma apreciação positiva de inconstitucionalidade da primeira norma torna a segunda norma insubsistente, conduzindo à inutilidade da apreciação da sua conformidade constitucional», porquanto «uma vez que se concluiu pela inconstitucionalidade material da norma que estabelecia a possibilidade de aplicar uma sanção disciplinar no âmbito do processo sumário, sem que esta seja precedida da faculdade de exercício do direito de audiência pelo arguido, extraível do artigo 214.º do RD-LPF, inútil se torna a apreciação da segunda norma impugnada. Com efeito, sendo inconstitucional a referida norma, insubsistente se torna a interpretação normativa de que existia uma presunção inilidível da veracidade dos factos constantes dos relatórios de arbitragem e do delegado da Liga. Impondo a Constituição a audiência prévia do arguido, desaparece o segmento da norma que conduzia ao estabelecimento da presunção inilidível e sendo assim, prejudicada fica a utilidade de conhecimento da inconstitucionalidade da segunda norma» e que, para além disso, «[c]onstituindo o sentido útil da explicitação constitucional do direito de audiência e defesa constante do artigo 32.º, n.º 10, da Lei Fundamental, o de se dever considerar a falta de audiência do arguido como implicando a ofensa do conteúdo essencial do direito fundamental de defesa num processo disciplinar, de uma tal omissão não pode deixar de resultar a nulidade do procedimento disciplinar em causa. E, sendo assim, impõe-se o regresso dos autos à fase do procedimento disciplinar, de forma a assegurar a audiência do arguido. Foi, de resto, também esse o resultado decisório a que chegou o tribunal a quo, designadamente ao declarar a nulidade da deliberação do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol que confirmou a decisão singular do Conselho de Disciplina de aplicação de uma multa à Recorrente. Um resultado decisório que resulta desde logo confirmado pela inconstitucionalidade da norma que estabelecia a possibilidade de aplicar uma sanção disciplinar no âmbito do processo sumário sem que esta seja precedida da faculdade de exercício do direito de audiência pelo arguido, extraível do artigo 214.º do RD-LPF a que acima se chegou» [cfr. fls. 327/336].

10. A FPF, aqui ora recorrente, na sequência do decidido veio reiterar o interesse no prosseguimento do presente recurso [cfr. fls. 346], fundado na relevância social e jurídica do litígio e na necessidade de melhor aplicação do direito, insurgindo-se contra o que entende ser a errada interpretação e aplicação feita no acórdão recorrido do quadro normativo supra enunciado.

11. Ocorre que ante o que se mostra decidido pelo TC e daquilo que são as implicações/consequências aportadas pelo seu juízo no e ao quadro do procedimento e da decisão sancionatória sub specie temos que a presente revista mostrar-se-á primo conspectu inviável, não se justificando submetê-la à análise deste Supremo, já que as questões nela colocadas ou já foram alvo de pronúncia por parte do TC, ou então, em face do seu juízo e das referidas implicações/consequências, aliás sinalizadas pelo próprio TC como resulta do excerto supra reproduzido, as mesmas não logram deter ou possuir virtualidade autónoma ou interesse próprio na e para a economia do procedimento e da sua decisão e da solução do litígio, na certeza de que a pronúncia do TCA/S se apresenta como reconduzida à questão da inconstitucionalidade do art. 214.º do RD/LPFP tendo ficado, como afirma, «prejudicado o conhecimento das demais questões invocadas quanto à invalidade do referido ato».

12. Neste contexto, no presente recurso não se colocam, assim, questões a decidir por este Supremo que assumam relevância jurídica e social fundamental, pelo que não se justifica admitir a revista, impondo-se concluir no sentido da sua inviabilidade, valendo in casu a regra da excecionalidade supra enunciada.

DECISÃO
Nestes termos e de harmonia com o disposto no art. 150.º do CPTA, acordam os juízes da formação de apreciação preliminar da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal em não admitir a revista.
Custas a cargo da recorrente.
D.N..

Lisboa, 25 de fevereiro de 2021
[O relator consigna e atesta, que nos termos do disposto no art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo art. 03.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento, o Conselheiro Jorge Artur Madeira dos Santos e a Conselheira Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa]
Carlos Luís Medeiros de Carvalho