Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:080/18.2BCLSB
Data do Acordão:03/22/2019
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Descritores:APRECIAÇÃO PRELIMINAR
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P24360
Nº do Documento:SA120190322080/18
Data de Entrada:03/01/2019
Recorrente:A... E FUTEBOL... - FUTEBOL SAD
Recorrido 1:FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:

I. RELATÓRIO
Futebol …………. – Futebol, SAD e A………….. recorreram para o Tribunal Arbitral do Desporto (TAD) do acórdão proferido pelo Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol que sancionou cada um deles com duas multas p.p. pelo art.º 136.°, n.º 1 do Regulamento Disciplinar da LPFP, por referência ao seu art.º 112.°, n.º 1.
Sem êxito já que o TAD negou provimento ao recurso.

Inconformados, recorreram para o TCA Sul mas, sem êxito, já que este confirmou a decisão do TAD.

É desse Aresto que A………….. e o F……….. recorrem justificando a admissão da revista com a relevância jurídica e social da questão e com a necessária intervenção do STA com vista a uma melhor interpretação e aplicação do direito (art.º 150.º do CPTA).

II. MATÉRIA DE FACTO
Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III. O DIREITO

1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto para funcionar em situações excepcionais em haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos se, in casu, tais requisitos se verificam.

2. O Futebol ………… - Futebol SAD tem um jornal electrónico, denominado “………..”, de subscrição gratuita, disponibilizada diariamente aos seus subscritores por correio electrónico.
Na sua edição, de …….., o Recorrente A………… que, à data, exercia funções de dirigente daquela SAD, escreveu o seguinte relativamente à arbitragem de B…………. no jogo ……….. – Desportivo ………: «Lutamos contra muita coisas e o valor dos adversários não é a mais difícil de vencer. Ontem, na ……, o …… fez “pendant” com o …….., o que nem aos mais distraídos surpreende - está lá mesmo para isso, para fazer “pendant”.”» E na edição do mesmo Diário, de ………., escreveu o seguinte: “Na sexta-feira à noite, no Estádio …….., a verdade desportiva foi grosseiramente adulterada pelo árbitro B………… e ontem no …….. só uma equipa à ……… impediu C………. de tirar pontos à nossa equipa. ... O F………. está naturalmente preocupado, porque tem de haver uma explicação para o árbitro C………… ter mostrado tanto medo de assinalar faltas relevantes a favor do F………... E só quem não quiser ver é que pode fingir que estas arbitragens não acontecem devido à coação grave e reiterada que é diariamente exercida directa e indirectamente pelo ………. e por um exército de comentadores e meios de comunicação social que lhe são afetos.”
O Futebol ……….. - Futebol SAD não impediu essas publicações nem manifestou discordância quanto ao seu conteúdo.

A publicação desses textos foi sancionada pelo Conselho de Disciplina da FPF com as penas de multa acima referidas. Decisão que o TAD manteve.
Futebol ………… - Futebol SAD e A…………. recorreram para o TCA alegando, por um lado, que a decisão do TAD limitava os seus direitos de liberdade de expressão, opinião e informação e, por outro, que as críticas dirigidas àqueles árbitros não ofenderam o seu direito à honra e ao bom-nome. Advogando, ainda, A………….. a sua não sujeição ao poder disciplinar da FPF por não ser nem agente nem dirigente desportivo.

O TCA negou provimento ao recurso, mantendo o acto sancionatório. Fê-lo pelas razões que se destacam:
“.......
Entendemos assim que, nos autos, está comprovado que A………… é na verdade dirigente para efeitos de sujeição e aplicação do RD da LPFP.
Alcançando-se dos autos que o recorrente teve intervenção pessoal nos termos fixados no probatório, em razão da ligação funcional e profissional à recorrente e porque os actos em discussão foram praticados no domínio da estrutura desta, as responsabilidades deles decorrentes ao nível desportivo gerada vinculam o representante e a representada não só por força das normas regulamentares indicadas no acórdão recorrido, mas também segundo as regras gerais no que tange à vinculação dos representados pelos actos dos seus representantes.
........
.... o que é determinante para a decisão é saber se o juízo de valor é ilegítimo, ainda que no âmbito do exercício da liberdade de expressão, quando se dirige ao visado em si mesmo e, se os recorrentes tiveram a intenção, que lograram concretizar, de deixar desonra nos visados pelas respectivas declarações, concretamente, os árbitros identificados e o Conselho de Arbitragem, no sentido de este ter intencional e deliberadamente actuado de forma parcial e na prossecução de interesses particulares.
.......
Por conseguinte, repete-se, as diversas declarações do Demandante A…………… .... desprovidas de um suporte fáctico, constituem uma formulação de um juízo de valor que lesa a honra e consideração/reputação dos órgãos da estrutura desportiva e dos seus membros, mais concretamente do Conselho de Arbitragem da FPF, desta última e do Sport ……….. - Futebol SAD, mostrando-se em si mesmas com uma pesada carga de gravidade para a defesa e salvaguarda do superior interesse público e privado da preservação das competições profissionais de futebol ..............
As declarações aqui transcritas feitas pelo Demandante A………….. em dias diferentes, traduzem uma dupla violação dos deveres elencados no artigo 19º do RD, norma que impõe aos agentes desportivos a observância de uma conduta conforme aos princípios desportivos da lealdade, probidade, verdade e retidão em tudo o que diga respeito às relações de natureza desportiva, económica ou social (nº 1), sendo-lhes proibido exprimir publicamente juízos ou afirmações lesivos da reputação de pessoas singulares ou colectivas (nº2), deveres esses manifestamente violados pelo aqui Demandante A…………. ao ter qualificado a Sport ………. - Futebol SAD de "monstro" e "eminência" parda que controla e manipula as arbitragens, os membros de arbitragem e o próprio Conselho de Arbitragem da FPF.
O mesmo se diga em relação ao Demandante Futebol ………… Futebol SAD que ao ter consentido a divulgação pública das citadas declarações na sua publicação "………." bem sabia que o respectivo teor era apto a prejudicar a honra e reputação devidas ao Conselho de Arbitragem da FPF, na medida em que as mesmas indiciam uma actuação do Conselho de Arbitragem a que não presidiram critérios de isenção objectividade e imparcialidade, antes enquadrando e integrando este órgão da estrutura desportiva no "polvo" e "monstro" que controlam o futebol português, numa equiparação ("polvo") ao comportamento ilícito das máfias e considerando-o responsável pelo estado de coisas, como órgão que "menos vergonha tem", constituindo também duas infrações disciplinares.
........
Ou seja, a crítica ofensiva da honra e consideração de outrem, no âmbito do processo penal/disciplinar, só é admissível se for necessária e indispensável à realização, exercício ou defesa de direitos ou cumprimento de deveres.
.......
Outrossim, os arguidos não lograram convencer o Tribunal de que agiram na defesa de um interesse legítimo e existiam fundamentos sérios para, em boa fé, reputar como verdadeiros os factos imputados aos visados, isto é, que se verifica a exceptio veritatis .....
Não pode assim sustentar-se, sem quebra de razão, que os arguidos, agiram no fito da realização de interesses legítimos e na convicção da verdade das imputações (convicção que não se vê assente em nada de concretizado, de objectivo), sendo certo que as imputações transcritas na acusação e na decisão recorrida não podem deixar de considerar-se objectivamente difamatórias, sabido que o dolo se basta com que o agente actue por forma a violar o dever de abstenção implicitamente imposto nas normas sancionatórias referidas na acusação, levando a cabo a conduta nelas prevista, sem que seja necessária a previsão do perigo (concreto).

3. É deste Acórdão que A………… e o F……… – SAD recorrem sustentando que a “manter-se a decisão do Tribunal a quo, cristaliza-se na ordem jurídica um acórdão que limita, forte e injustificadamente, o direito fundamental à liberdade de expressão, fazendo sobrepor o sancionamento disciplinar às garantias constitucionalmente consagradas.” Tanto mais quanto é certo nunca ter havido da sua parte “o propósito de ofender a honra e a reputação do árbitro, mas apenas apreciar a sua arbitragem, isto é, o seu desempenho profissional. Correspondendo, os textos em apreço, numa parte, a uma crítica objectiva, e noutra a uma valoração – depreciativa, é certo - não, porém, puramente gratuita mas antes devidamente fundada.” Ao que acrescia que se impunha “garantir uma reforçada liberdade de expressão quando estiverem em causa condutas expressivas adotadas em contexto futebolístico, em particular no que concerne a debates que confrontam clubes rivais e que se consubstanciem em denúncias de práticas de atos ilícitos ou censuráveis para conquistar competições nacionais ou internacionais.”

3. A questão aqui suscitada é, como se vê, a de saber se os textos acima parcialmente reproduzidos, da autoria de A…………., publicados no diário electrónico do F………, têm a gravidade suficiente para merecer as impugnadas sanções. Ou seja, e dito de forma diferente, se as críticas dirigidas aos dois árbitros acima identificados constituem ataques que excedem o legítimo direito de expressão e, por isso, se os Recorrentes incorreram nas infracções que determinaram a sua penalização.
Em Acórdão recente deste Tribunal - de 26.02.2019 (rec. 66/18) - numa situação com evidente semelhança com a retratada nos autos, ponderou-se o seguinte:
“Imputações estas que atingem não só os árbitros envolvidos, como assumem potencialidade para gerar um crescente desrespeito pela arbitragem e, em geral, pela autoridade das instituições e entidades que regulamentam, dirigem e disciplinam o futebol em Portugal, sendo o sancionamento dos comportamentos injuriosos, difamatórios ou grosseiros necessário para a prevenção da violência no desporto, já que tais imputações potenciam comportamentos violentos, pondo em causa a ética desportiva que é o bem jurídico protegido pelas normas em causa.
Ou seja, os escritos criticam a “jornada” no que se refere aos jogos neles aludidos, dirigindo expressões injuriosas e difamatórias aos árbitros que neles tiveram intervenção, expressões estas que excedem os limites do que deve ser a liberdade de expressão, conforme previsto no art. 37º, nºs 1 e 2 da CRP, pondo em causa o direito ao bom nome dos árbitros em questão.”
O que se retira deste excerto parece indiciar que o Acórdão recorrido decidiu de harmonia com o transcrito Aresto e, portanto, aconselhar à não admissão da revista. E isto porque essa conformidade entre as duas decisões não justifica que o STA reanalise o que recentemente estabeleceu sendo certo, por outro lado, que as discussões sobre a arbitragem no futebol não têm a importância social que os recorrentes lhe atribuem.
Termos em que acordam não admitir o recurso.
Custas pelos Recorrentes.
Porto, 22 de Março de 2019. – Costa Reis (relator) – Madeira dos Santos – Carlos Carvalho.