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Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0410/20.7BEPNF
Data do Acordão:07/13/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:NULIDADE DE SENTENÇA
OPOSIÇÃO ENTRE A DECISÃO E OS FUNDAMENTOS
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
NULIDADE PROCESSUAL
QUESTÃO NOVA
INSOLVÊNCIA
REVERSÃO DA EXECUÇÃO FISCAL
Sumário:I - Nos termos do preceituado no citado artº.615, nº.1, al.c), do C. P. Civil, é nula a sentença quando os seus fundamentos estejam em oposição com a decisão. Encontramo-nos perante um corolário lógico da exigência legal de fundamentação das decisões judiciais em geral consagrado no artº.154, nº.1, do C.P.Civil. O vício em análise, o qual tem como premissa a eventual violação do necessário silogismo judiciário que deve existir em qualquer decisão judicial, terá lugar somente quando os fundamentos da sentença devam conduzir, num processo lógico, a uma decisão oposta ou, pelo menos, diferente da que foi adoptada. No processo judicial tributário o vício de oposição entre os fundamentos e a decisão, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C.P.P.Tributário. Como decorre do texto legal, só releva, para efeito desta nulidade, a contradição entre a decisão e os respectivos fundamentos e não eventuais contradições entre fundamentos (de facto ou de direito) de uma mesma decisão, por um lado, ou contradição entre decisões, fundamentadas ou não, por outro.
II - Nos termos do preceituado no citado artº.615, nº.1, al.d), do C.P.Civil, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões (que não as meras "razões" ou "argumentos") que devesse apreciar (seja por que foram alegadas pelas partes, seja por que são de conhecimento oficioso, nos termos da lei). No processo judicial tributário o vício de omissão de pronúncia, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C.P.P.Tributário, no penúltimo segmento da norma.
III - As nulidades processuais consubstanciam os desvios do formalismo processual seguido, em relação ao formalismo processual prescrito na lei, e a que esta faça corresponder, embora não de modo expresso, uma invalidação mais ou menos extensa de actos processuais (cfr.artº.195, do C.P.Civil). As nulidades de processo que não sejam de conhecimento oficioso têm de ser arguidas, em princípio, perante o Tribunal que as cometeu (cfr.artºs.196 e 199, do C.P.Civil). São as nulidades secundárias, com o regime de arguição previsto no artº.199, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6.
IV - A jurisprudência dos Tribunais Superiores vem, repetidamente, afirmando que os recursos são meios de obter o reexame de questões já submetidas à apreciação dos Tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do Tribunal de que se recorre, visto implicar a sua apreciação a preterição de um grau de jurisdição.
V - A possibilidade de prossecução da execução fiscal contra o responsável subsidiário, por reversão realizada depois da declaração de insolvência da sociedade devedora originária, tem hoje consagração legal expressa no artº.23, nº.7, da L.G.T. Mais, a declaração de insolvência do responsável subsidiário não acarreta a impossibilidade legal do acto de reversão da execução contra si.
VI - A circunstância da reversão da execução fiscal contra o responsável subsidiário ter lugar após a emissão do despacho final de exoneração do passivo restante do mesmo, enquanto devedor e no âmbito de processo de insolvência, não afecta a sua validade. É que, como resulta expressamente do artº.245, nº.2, al.d), do C.I.R.E., a mencionada exoneração do passivo restante não abrange os créditos tributários.
(sumário da exclusiva responsabilidade do relator)
Nº Convencional:JSTA000P28016
Nº do Documento:SA2202107130410/20
Data de Entrada:06/21/2021
Recorrente:A............
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE COM 1 DEC VOT
Aditamento:
Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
A…………, com os demais sinais dos autos, deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mº. Juiz do T.A.F. de Penafiel, constante a fls.296 a 318-verso dos presentes autos, a qual julgou totalmente improcedente a reclamação de acto do órgão de execução fiscal, deduzida pelo ora recorrente, enquanto revertido, no âmbito do processo de execução fiscal nº.4219-2011/103116.3 a correr seus termos no Serviço de Finanças de Trofa, em consequência do que manteve o acto reclamado produzido no identificado processo de execução fiscal e que, além do mais, indeferiu o pedido de revogação/anulação do acto de penhora do seu vencimento.
X
O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.338 a 361 do processo físico) formulando as seguintes Conclusões:
1-O recorrente não se conforma com a douta sentença, vem apresentar recurso quanto à interpretação dos normativos aplicáveis – matéria de direito, que salvo melhor opinião, padecem de ilegalidade, na justa medida que a decisão padece de erro de julgamento, devendo por isso ser anulada;
2-O presente recurso deverá ter efeito suspensivo, uma vez que o efeito devolutivo do presente recurso afecta o efeito útil, pois decorrerão prejuízos irreparáveis para o recorrente, coarctando-se os direitos de defesa que, processualmente, lhe assistem, podendo perder o recurso utilidade ao abrigo do disposto no artigo 286.º, n.º 2, parte final do CPPT;
3-A douta sentença que se recorre padece de manifesta contradição entre a fundamentação e a decisão, violando o artigo 615.º, n.º 1 alínea c) do CPC, por aplicação do artigo 2.º, alínea e) do CPPT, que aqui se invoca e argui para todos os legais efeitos;
4-A douta sentença é nula por manifesta contradição existente entre o facto dado como provado no ponto 4, ou seja, a declaração de insolvência do aqui reclamante e a alegação na douta sentença de que não faz sentido invocar a restrição do n.º 5 do artigo 180.º do CPPT relativamente ao responsável subsidiário caso inexista declaração de insolvência quanto a si;
5-Considerou a douta sentença que: “o facto de o devedor originário e de o devedor revertido serem declarados insolventes, como sucede no caso em apreço nos presentes autos [ cf. pontos 2. e 4. do elenco dos factos provados] não é impeditivo da instauração e prosseguimento da execução fiscal, quer contra a devedora originária, a sociedade B............, Lda., quer contra o devedor revertido, o Reclamante, nos termos retro expendidos, máxime nos termos do artigo 180.º, n.º 5 do CPPT. ” (fls... pp. 42 da douta sentença, primeiro parágrafo);
6-Sucede que, para que houvesse a reversão teria o responsável subsidiário, nos termos do artigo 180º, n.º 5 do CPPT, ter adquirido bens depois de declarada a falência da devedora originária e não existir declaração de insolvência de pessoa singular, o que não aconteceu in casu;
7-A MM Juiz a este propósito invocou a jurisprudência dos Tribunais superiores, máxime do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, proferido no processo n.º 00191/06.7BEBRG, de 29/06/2017 (disponível em www.dgsi.pt), em cujo sumário pode ler-se que: “(…) III - É legalmente viável a prossecução da execução fiscal contra o responsável subsidiário, por reversão realizada antes ou depois da declaração de insolvência da sociedade devedora, com a penhora de bens do património do revertido independentemente da data da sua aquisição, na medida em que só relativamente à entidade insolvente fica a possibilidade de penhora limitada a bens ulteriormente adquiridos, não fazendo sentido invocar a restrição do n.º 5 do artigo 180.º do CPPT relativamente ao responsável subsidiário caso inexista declaração de insolvência quanto a si.”;
8-A douta sentença ao dar como provado que o reclamante/recorrente foi declarado insolvente por sentença proferida em 11/07/2012 no ponto 4 do factos provados e ao dar como provado no ponto 7 que em 04/01/2013 foi gerado o projecto de reversão incorreu em clara violação do disposto no artigo 180.º, n.º 5 do CPPT;
9-A AT prosseguiu com a execução fiscal da sociedade devedora originária contra o responsável subsidiário, por alegada reversão realizada depois da declaração de insolvência da sociedade devedora, penhorando bens (salário) do aqui reclamante/recorrente quando este também foi declarado insolvente em 11/07/2012, e no decurso do período da exoneração do passivo restante deste, e não o podia fazer nos termos do artigo 180.º n.º 5 do CPPT;
10-A douta sentença ao indeferir o pedido de anulação/revogação da penhora do vencimento do reclamante incorreu em clara contradição com os fundamentos expostos de fls. 35 a 37, e com o facto provado no ponto 4 dos factos provados pelo que é nula nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea c) do CPC, por aplicação artigo 2.º, alínea e) do CPPT, nulidade que aqui se invoca e argui para todos os legais efeitos;
11-A reversão, ao aqui Reclamante/Recorrente violou o disposto nos n.ºs 1 e 5 do artigo 180º do CPPT, pelo que deverá ser declarada a nulidade de toda a tramitação que conduz à ilegalidade da reversão efectuada;
12-O órgão de execução fiscal ao ter determinado a reversão da execução contra o responsável subsidiário, em 2013, quando o reclamante /recorrente tinha sido declarado insolvente em 2012, incorreu em clara violação do disposto no artigo 180.º, do CPPT e do artigo 23.º, n.º 2 da LGT;
13-Em face ao exposto, deve ser a douta sentença recorrida ser revogada, e deferir a anulação/revogação da penhora do vencimento do reclamante e ainda ser declarada a nulidade de toda a tramitação que conduziu à ilegalidade da mesma;
Sem prescindir,
14-Na douta sentença a MM Juiz deu como provado no ponto 10 a citação por reversão do devedor no dia 23/12/2013 e no ponto 13 deu como provado que o Reclamante apresentou resposta à citação da reversão referindo a ocorrência: da declaração de insolvência da sociedade B…………, Lda.; da sua própria insolvência; e de lhe ter sido concedida a exoneração do passivo restante, informando que as notificações deveriam ser dirigidas ao Administrador da Insolvência, isto para alegar em sede de fundamentação da decisão que aqui se recorre que o meio adequado para impugnar o despacho que ordenou a reversão era a oposição à execução, não integrando os fundamentos da reclamação do acto do órgão de execução fiscal;
15-A douta sentença, padece de erro e contradição, na justa medida em que o reclamante no prazo da resposta à citação por reversão em 23/01/2014, informou a AT da sua insolvência e de lhe ter sido concedido a exoneração do passivo restante, informou ainda que todas as notificações deveriam ser dirigidas ao Administrador de Insolvência do processo tendo indicado o nome e morada do mesmo, conforme melhor resulta da exposição de fls...49 a 53 do PEF;
16-No momento em que foi efectuada a citação 23/12/2013, encontrava-se já o aqui recorrente - insolvente - desde 11/07/2012 -, pelo que à luz do direito tributário deveria ser citado o administrador de insolvência, tal decorre expressamente do disposto no art.º 23.º, n.º 7 da Lei Geral Tributária;
17-O Supremo Tribunal Administrativo, no Acórdão proferido no processo n.º 01354/14,de 10 de dezembro de 2014, considerou que: «É nula a citação de uma sociedade posterior à declaração de insolvência, se essa mesma citação é efectivada por via postal para a sede da referida sociedade, ao invés de ser dirigida ao Administrador da insolvência e para o seu domicílio constante da sentença de insolvência.», não havendo qualquer razão legal para considerar que tal nulidade se não verifica se se tratar não de um devedor originário, mas de um responsável subsidiário, igualmente declarado insolvente antes da determinação dessa citação;
18-A citação efectuada na pessoa do recorrente, no momento em que ocorreu, violou o disposto no art.º 180º, n.º 1 e 156.º do Código de Processo e Procedimento Tributário, e o art.º 88.º do CIRE, o que constitui prática de um acto não admitido por lei que produz a nulidade do acto de citação por a irregularidade cometida, implicando o desrespeito pelas normas legais aplicáveis ao processo de insolvência que se impõem a todos os credores do insolvente e, também à Administração Tributária;
19-No caso sub judice a AT não citou o Administrador de Insolvência do reclamante/recorrente, apesar de ter sido informada pelo reclamante do nome e do domicílio profissional do mesmo, nem reclamou créditos no processo de insolvência, como se impunha a qualquer credor;
20-A AT teria que ter reclamado o crédito no processo de insolvência do reclamante;
21-A AT/órgão de execução fiscal não reclamou créditos no processo de insolvência do aqui reclamante, nem o fez através do instituto da verificação ulterior de créditos admitido pelo CIRE;
22-Tendo presente o disposto nos artigos 95.º, n.º 1, do CPA e o artigo 2.º, alínea d), do CPPT, o procedimento de reversão foi todo ele ilícito porque a AT conhecia e não tinha forma de ignorar a insolvência do aqui reclamante/recorrente e as inerentes consequências de natureza legal;
23-O recorrente informou em momento oportuno a sua insolvência à data do projecto de reversão, o nome e a morada do Administrador de Insolvência para que fossem efectuadas as notificações da AT, uma vez que se verificava, um despojamento dos poderes de actuação do insolvente/reclamante sobre os seus bens que estavam a integrar a massa insolvente;
24-A substituição do insolvente pelo administrador da insolvência, declarada que tenha sido aquela, resulta automaticamente da lei, relativamente a “todas as acções em que se apreciem questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente, intentadas contra o devedor, ou mesmo contra terceiros, mas cujo resultado possa influenciar o valor da massa…”, bem como a “todos os processos nos quais se tenha efectuado qualquer acto de apreensão ou detenção de bens compreendidos na massa insolvente”, cfr. art.º 85º, do C.I.R.E.;
25-A “… declaração de insolvência priva imediatamente o insolvente, (...), dos poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente, os quais passam a competir ao administrador da insolvência”, vide art.º 81º, n.º 1, do C.I.R.E.;
26-Mesmo que assim não fosse, por mera cautela de patrocínio, a circunstância do despacho de reversão ter sido considerado legal e sem padecer de qualquer vício, nunca o conhecimento da invocada nulidade da citação ficaria prejudicado, como foi entendido na decisão recorrida;
27-A validade do despacho de reversão, por si só, não assegura a regularidade do despacho de citação que lhe sucedeu, sendo que se trata de dois actos distintos, sujeitos a diversas regras jurídicas;
28-Decorre expressamente do disposto no art.º 23.º, n.º 7 da Lei Geral Tributária que impõe a reversão e a remessa imediata do processo para o Tribunal da insolvência sem determinar qualquer citação do revertido, mas dando por assente a citação do administrador de insolvência;
29-In casu não se verificou essa citação, existindo uma ilegalidade geradora da nulidade de citação, que a douta sentença foi omissa na pronúncia, incorrendo em nulidade ao abrigo do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC, que aqui se invoca e argui para todos os legais efeitos;
30-A douta sentença deu como provado a insolvência do responsável subsidiário e paradoxalmente deu como provado a resposta deste à AT, com a indicação do número de processo, nome e morada e o pedido deste para que as notificações fossem efectuadas ao A.I. em razão dos efeitos patrimoniais da insolvência deste;
31-Com a devida vénia, a douta sentença incorreu em nulidade de sentença para além da omissão de pronúncia dos efeitos da insolvência geradora na arguida nulidade de citação da reversão do aqui recorrente como também é contraditória nos fundamentos que apresentou pois desconsiderou totalmente os efeitos patrimoniais na esfera do insolvente do processo de insolvência e da exoneração do passivo restante que à data existia;
32-Nulidade de sentença que aqui se invoca e argui para todos os legais efeitos, ao abrigo do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea c) do CPC ex vi artigo 2.º, alínea e)do CPPT;
33-A intervenção do administrador de insolvência é uma questão fundamental da tutela concursal, no qual deveria ser conhecida a questão, a todo o tempo, da irregularidade de representação, e no caso concreto, da invalidade da citação e dos atos subsequentes;
34-A circunstância de o responsável subsidiário estar já declarado insolvente se nenhuma repercussão tem relativamente ao despacho de reversão, impõe, necessariamente, a imediata suspensão da execução após a prolação desse despacho, em tudo equivalente à instauração da execução contra o devedor originário, isto é, sem que no processo sejam praticados quaisquer outros actos para além daqueles inerentes à remessa do processo ao tribunal que declarou a insolvência;
35-A citação do administrador de insolvência no processo de execução fiscal onde haja sido ordenada a reversão decorre das normas do CIRE mas, também de várias normas do Código de Processo e Procedimento Tributário e in casu não se verificou, pelo que andou mal a douta sentença ao considerar que “tendo sido devidamente citado o reclamante/recorrente no processo executivo [cf. ponto 10. dos elenco dos factos provados], deveria ter lançado mão da Oposição à Execução para ver apreciadas tais questões”;
36-O art.º 181.º, n.º 2 do Código de Processo e Procedimento Tributário ao definir os deveres tributários do administrador de insolvência estabelece um prazo de 10 dias a contar da citação que lhe tenha sido feita em processo de execução fiscal, para requerer a avocação dos processos em que o insolvente seja executado ou responsável, a fim de serem apensados ao processo de insolvência. (Redação da Lei n.º 64-B/2011 de 30 de Dezembro, em vigor à data e nessa medida aplicável ao caso concreto);
37-A douta decisão agora recorrida deverá ser revogada e declarar a nulidade do acto de citação de reversão por a irregularidade cometida implicar desrespeito pelas normas legais aplicáveis ao processo de insolvência que se impõem a todos os credores do insolvente e, também à Administração Tributária;
38-A nulidade arguida é invocável a todo o tempo e encontra-se prevista nas alíneas c), d) e i), do n.º 2, do artigo 161.º, do CPA, pelo que pelos invocados argumentos o acto deveria ter sido declarado nulo e insuscetível de produzir qualquer efeito a responsabilidade subsidiária das liquidações de IVA e respetivos juros compensatórios;
39-Com a devida vénia incorreu em erro de julgamento a douta sentença ao considerar prejudicada a apreciação quanto à irregularidade/nulidade da citação do despacho de reversão do aqui recorrente;
40-A douta sentença violou os normativos dispostos nos artigos 81.º, 85.º e 88.º do CIRE, artigos 156.º, 180.º e 181.º, todos do CPPT e artigos 22.º, n.º 4, 23.º, n.º 2 e 7 e 24.º todos da LGT;
41-Em face do exposto, deve ser a douta sentença recorrida ser revogada, e deferir a anulação/revogação da penhora do vencimento do reclamante e ainda ser declarada a nulidade de toda a tramitação que conduziu à ilegalidade da mesma, nomeadamente a prossecução da execução fiscal contra o aqui reclamante/recorrente por existir uma declaração de insolvência do mesmo.
X
Não foram produzidas contra-alegações no âmbito da instância de recurso.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no qual termina pugnando pelo não provimento do recurso (cfr.fls.331 a 333 do processo físico).
X
Sem vistos, atenta a natureza urgente do processo (cfr.artº.657, nº.4, do C.P.Civil; artº.278, nº.5, do C.P.P.T.), vêm os autos à conferência para deliberação.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
X
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.298-verso a 306 do processo físico):
1-O Reclamante foi sócio gerente da sociedade B…………, Lda. [cf. acordo];
2-A sociedade B…………, Lda. foi declarada insolvente por sentença proferida no dia 21/07/2011, no Processo n.º 3085/11.0TBSTS, que correu termos no 3.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Santo Tirso e posteriormente no Tribunal Judicial da Comarca do Porto Juízo de Comércio de Santo Tirso – Juiz 1. [cf. Doc. n.º 2 junto com a petição inicial, cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido];
3-Em 02/08/2011 foi instaurado processo de execução fiscal contra a sociedade B…………, Lda. ao qual foi atribuído o n.º 4219201101031163, para cobrança de IVA do período de 2011/05 [cf. certidão de dívida a fls. 112 e 113 dos elementos do PEF incorporados nos autos a fls. 72 a 173 cujo processado foi reconstituído na íntegra a fls. 322 a 623 dos autos (paginação eletrónica)];
4-O Reclamante foi declarado insolvente por sentença proferida em 11/07/2012, no âmbito do processo n.º 2097/12.1TJVNF, que correu termos no 1.º Juízo Cível dos Juízos de Competência Cível de Vila Nova de Famalicão [cf. Doc. n.º 4 junto com a petição inicial, cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido];
5-Em 4/07/2012 foi publicado “Anúncio” de encerramento do processo n.º 3085/11.0TBSTS, com o seguinte teor:

[Imagem]

(…)”
[cf. fls. 145 dos elementos do PEF incorporados nos autos a fls. 72 a 173 cujo processado foi reconstituído na íntegra a fls. 322 a 623 dos autos (paginação eletrónica), cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido];
6-Em 12/11/2012 foi proferido no processo de insolvência do Reclamante referido no ponto 4. “Despacho Inicial no Incidente de Exoneração do Passivo restante e Nomeação de Fiduciário” [cf. Doc. n.º 5 junto com a petição inicial e fls. 149 dos elementos do PEF incorporados nos autos a fls. 72 a 173 cujo processado foi reconstituído na íntegra a fls. 322 a 623 dos autos (paginação eletrónica)];
7-Em 04/01/2013 foi gerado informaticamente o “Projeto de Reversão n.º 4219.2013.3-2” relativamente ao Reclamante e a outro devedor subsidiário abrangendo a dívida titulada no PEF n.º 4219201101031163 [cf. fls. 118 e 119 dos elementos do PEF incorporados nos autos a fls. 72 a 173 cujo processado foi reconstituído na íntegra a fls. 322 a 623 dos autos (paginação eletrónica)];
8-O Reclamante foi ouvido em sede de audiência prévia quanto à reversão tendo apresentado pronúncia, em 04/02/2013, com o seguinte teor:

[Imagem]

(…)”
[cf. fls. 120 a 129 dos elementos do PEF incorporados nos autos a fls. 72 a 173 cujo processado foi reconstituído na íntegra a fls. 322 a 623 dos autos (paginação eletrónica)];
9-Em 03/10/2013 foi publicado no processo de insolvência do Reclamante referido no ponto 4. “Anúncio” de encerramento desse processo de insolvência. [cf. fls. 165 dos elementos do PEF incorporados nos autos a fls. 72 a 173 cujo processado foi reconstituído na íntegra a fls. 322 a 623 dos autos (paginação eletrónica)];
10-No dia 23/12/2013 o Reclamante foi citado, por carta registada com aviso de receção, da decisão de Reversão no PEF n.º 4219201101031163 em que era executada originária a sociedade B…………, Lda., através de citação com o seguinte teor:

[Imagem]

12-Em 23/01/2014 foi publicado “Anúncio” de encerramento do processo de insolvência do Reclamante [cf. Doc. n.º 7 junto com a petição inicial cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido];
13-Em 23/01/2014 o Reclamante apresentou resposta à citação da reversão referindo a ocorrência: da declaração de insolvência da sociedade B…………, Lda.; da sua própria insolvência; e de lhe ter sido concedida a exoneração do passivo restante, informando que as notificações para pagamento deveriam ser dirigidas ao Administrador da Insolvência [cf. fls. 146 a 148 dos elementos do PEF incorporados nos autos a fls. 72 a 173 cujo processado foi reconstituído na íntegra a fls. 322 a 623 dos autos (paginação eletrónica)];
14-O PEF n.º 4219201101031163, respeitante à sociedade B…………, Lda. foi devolvido à Autoridade Tributária em 12/02/2014 [cf. fls. 137 a 139 dos elementos do PEF incorporados nos autos a fls. 72 a 173 cujo processado foi reconstituído na íntegra a fls. 322 a 623 dos autos (paginação eletrónica)];
15-Em 03/05/2015 foi proferido no âmbito do processo de insolvência do Reclamante “Despacho de Exoneração do Passivo Restante” com o seguinte teor:
“(…)

[Imagem]

16-Em 23/01/2017, foi publicado novo “Anúncio” de encerramento do processo de insolvência da sociedade B…………, Lda. ao abrigo do disposto no artigo 230.º, n.º 1, a) do CIRE, após rateio final [cf. Doc. n.º 3 junto com a petição inicial cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido];
17-Em 27/01/2017 a Autoridade Tributária remeteu aos Juízos de competência Cível de Vila Nova de Famalicão – 1.º Juízo, novo pedido de devolução dos processos de execução fiscal da sociedade B…………, Lda. [cf. Doc. n.º 8 junto com a petição inicial cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido e fls. 140 dos elementos do PEF incorporados nos autos a fls. 72 a 173 cujo processado foi reconstituído na íntegra a fls. 322 a 623 dos autos (paginação eletrónica)];
18-Em 30/06/2017 foi proferida sentença no âmbito do processo n.º 3770/09.7TBSTS que correu termos no Juízo Central Cível da Póvoa de Varzim – Juiz 3, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, no qual a sociedade B…………, Lda. foi Autora, em que se decidiu o seguinte:

[Imagem]

19-Em 11/09/2018 foi proferido no processo referido no ponto anterior acórdão do Tribunal de Relação do Porto no qual se decidiu o seguinte:
“(…)

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(…)”
[cf. Doc. n.º 10 junto com a petição inicial cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido];
20-No PEF n.º 4219201101031163 foram efetuados três pagamentos em reversão ocorridos em 22/05/2017, 11/05/2017 e 30/05/2017, respetivamente nos valores de € 270.50; € 39,50; € 117,77 correspondentes à compensação do crédito apurado a favor do Reclamante em sede de IRS dos anos de 2016, 2017 e 2018, e foram imputados a juros de mora calculados no PEF 4219201101031163 [cf. fls. 152 a 158 dos elementos do PEF incorporados nos autos a fls. 72 a 173 cujo processado foi reconstituído na íntegra a fls. 322 a 623 dos autos (paginação eletrónica)];
21-A Autoridade Tributária através do pedido de penhora n.º 421920200000013050 efetuou a penhora do vencimento do Reclamante com vista ao pagamento da dívida exequenda no PEF n.º 4219201101031163 no valor de € 24.462,20, tendo obtido resposta da entidade patronal do Reclamante em 12/02/2020 [cf. fls. 159 dos elementos do PEF incorporados nos autos a fls. 72 a 173 cujo processado foi reconstituído na íntegra a fls. 322 a 623 dos autos (paginação eletrónica)];
22-Em 08/03/2020 o Reclamante apresentou requerimento dirigido ao Órgão de Execução Fiscal no PEF n.º 4219201101031163 no qual terminou pedindo o seguinte:

[Imagem]

(…)”
[cf. requerimento a fls. 81 a 111 dos elementos do PEF incorporados nos autos a fls. 72 a 173 cujo processado foi reconstituído na íntegra a fls. 322 a 623 dos autos (paginação eletrónica)];
23-A entidade patronal do Reclamante depositou, por força da penhora reclamada respetivamente em 10/03/2020, 14/04/2020 e 12/05/2020 os montantes de €167,08, € 169,34, € 169,24 [cf. fls. 160 a 162 dos elementos do PEF incorporados nos autos a fls. 72 a 173 cujo processado foi reconstituído na íntegra a fls. 322 a 623 dos autos (paginação eletrónica)];
24-Em 03/06/2020 O Órgão de Execução Fiscal proferiu no PEF n.º 4219201101031163 “Informação” e “Despacho” com o seguinte teor:

[Imagem]
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: "…1. Que a sociedade B…………, Lda. tenha executado o acórdão referido no ponto 19. do elenco dos factos provados proferido no processo referido no ponto 18. do mesmo elenco.
2. Que a sociedade B…………, Lda. tenha adquirido a posse e propriedade dos bens objeto do processo referido no ponto 18. do elenco dos factos provados passando os mesmos a integrar o seu património.
3. O valor dos bens objeto do processo referido no ponto 18. do elenco dos factos provados…".
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Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: "…Em face do disposto nos artigos 396.º do Código Civil (CC) e 607.º, n.º 5 do Código de Processo Civil (CPC) ex vi do artigo 2.º, e) do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), a formação da convicção do Tribunal acerca de cada facto dado como provado fundou-se nos elementos do processo de execução fiscal juntos aos autos e em todos os documentos carreados pelas partes para os autos, atento o onus probandi que impendia sobre as mesmas, e bem ainda no acordo das mesmas, quando possível, atentas as posições vertidas nos respetivos articulados, tudo conforme indicado acima em relação aos factos elencados como provados.
Os factos dados como não provados foram assim considerados por não encontrarem sustentação nos elementos probatórios carreados para os autos…".
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a decisão recorrida julgou totalmente improcedente a presente reclamação de acto do órgão de execução fiscal, em consequência do que manteve na ordem jurídica o acto reclamado (penhora de vencimento) proferido no âmbito do processo de execução fiscal nº.4219-2011/103116.3 (cfr.nº.21 do probatório).
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Relembre-se que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal "ad quem", ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, "ex vi" do artº.281, do C.P.P.Tributário).
O recorrente dissente do julgado alegando, em primeiro lugar e em síntese, que a sentença recorrida é nula por manifesta contradição existente entre o facto dado como provado no ponto 4 do probatório, a declaração de insolvência do aqui reclamante, e o conteúdo da fundamentação de direito da mesma peça processual, de que não faz sentido invocar a restrição constante do artº.180, nº.5, do C.P.P.T., relativamente ao responsável subsidiário mais tendo este sido declarado insolvente em processo próprio para esse efeito. Que igualmente é contraditória na fundamentação ao desconsiderar totalmente os efeitos patrimoniais na esfera do insolvente do processo de insolvência e da exoneração do passivo restante que à data existia. Que se verifica uma nulidade da sentença, a qual se enquadra na previsão do artº.615, nº.1, al.c), do C.P.Civil (cfr.conclusões 3 a 10, 31 e 32 do salvatério), com base em tal argumentação pretendendo, supomos, concretizar uma alegada nulidade da decisão recorrida devido a contradição entre a fundamentação de facto e de direito.
Analisemos se a decisão recorrida padece de tal pecha.
Nos termos do preceituado no citado artº.615, nº.1, al.c), do C. P. Civil, é nula a sentença quando os seus fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível. Encontramo-nos perante um corolário lógico da exigência legal de fundamentação das decisões judiciais em geral consagrado no artº.154, nº.1, do C.P.Civil. O vício em análise, o qual tem como premissa a eventual violação do necessário silogismo judiciário que deve existir em qualquer decisão judicial, terá lugar somente quando os fundamentos da sentença devam conduzir, num processo lógico, a uma decisão oposta ou, pelo menos, diferente da que foi adoptada (cfr.Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.141 e 142; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.689 e 690; Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª. edição, Almedina, 2009, pág.36 e 37).
No processo judicial tributário o vício de oposição entre os fundamentos e a decisão, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C.P.P.Tributário. Como decorre do texto legal, só releva, para efeito desta nulidade, a contradição entre a decisão e os respectivos fundamentos e não eventuais contradições entre fundamentos (de facto ou de direito) de uma mesma decisão, por um lado, ou contradição entre decisões, fundamentadas ou não, por outro (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.361 e seg.; ac.S.T.A-2ª.Secção, 18/02/2010, rec.1158/09; ac.S.T.A-2ª.Secção, 4/05/2011, rec.66/11; ac.S.T.A-2ª.Secção, 20/04/2020, rec.1618/08.9BELRS).
No caso "sub judice", não vislumbra este Tribunal que a sentença recorrida padeça da nulidade em análise. Concretizando, a decisão recorrida não comporta nenhuma contradição entre os fundamentos e a decisão, na medida em que, tendo decidido pela total improcedência da reclamação deduzida, a fundamentação jurídica de tal peça processual vai no mesmo sentido. Especificamente, no que diz respeito ao exame do citado artº.180, nº.5, do C.P.P.T., o Tribunal "a quo" conclui que o facto de serem declaradas as insolvências do devedor originário e do responsável subsidiário não é impeditivo da instauração e prosseguimento da execução fiscal, no caso de serem apreendidos bens adquiridos em momento posterior àquelas declarações, como era o caso dos autos, em que foram penhorados reembolsos de I.R.S. e vencimentos auferidos após a declaração de insolvência do reclamante e aqui recorrente (cfr.nºs.20 e 21 do probatório), assim não padecendo a identificada fundamentação do vício de contradição face ao dispositivo da sentença.
Por outro lado, não vislumbra este Tribunal que padeça a sentença recorrida de qualquer contradição na sua fundamentação, de facto e de direito (a qual, como se vincou, a existir não gera a nulidade da respectiva peça processual).
Por último, quanto à alegada contradição da sentença recorrida derivada da desconsideração total dos efeitos patrimoniais, na esfera do insolvente, do processo de insolvência e da exoneração do passivo restante que à data existia, não nos encontramos, manifestamente, perante qualquer vício gerador de nulidade da decisão judicial objecto da apelação, pecha esta que o recorrente igualmente não concretiza.
Face ao exposto, julga-se improcedente este fundamento do recurso.
Também aduz o apelante, em síntese, que no processo de execução não se verificou a citação do administrador de insolvência, assim existindo uma ilegalidade geradora da nulidade de citação. Que o Tribunal "a quo" não se pronunciou sobre tal matéria (cfr.conclusões 28 e 29 do recurso), com base em tal argumentação pretendendo concretizar uma nulidade da sentença recorrida devido a omissão de pronúncia nos termos do artº.615, nº.1, al.d), do C.P.Civil.
Analisemos se a decisão recorrida sofre de tal vício.
Nos termos do preceituado no citado artº.615, nº.1, al.d), do C.P.Civil, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (seja por que foram alegadas pelas partes, seja por que são de conhecimento oficioso, nos termos da lei) ou conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento. Decorre de tal norma que o vício que afecta a decisão advém de uma omissão (1º. segmento da norma) ou de um excesso de pronúncia (2º. segmento da norma). Na verdade, é sabido que essa causa de nulidade se traduz no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no artº.608, nº.2, do mesmo diploma, o qual consiste, por um lado, no resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes (salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente). Ora, como se infere do que já deixámos expresso, a omissão de pronúncia pressupõe que o julgador deixa de apreciar alguma questão que lhe foi colocada pelas partes. Por outras palavras, haverá omissão de pronúncia, sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido. Pelo que deve considerar-se nula, por vício de "petitionem brevis", a sentença em que o Juiz invoca, como razão de decidir, um título, ou uma causa ou facto jurídico, essencialmente diverso daquele que a parte colocou na base (causa de pedir) das suas conclusões (pedido). No entanto, uma coisa é a causa de pedir, outra os motivos, as razões de que a parte se serve para sustentar a mesma causa de pedir. E nem sempre é fácil fazer a destrinça entre uma coisa e outra. Com base neste raciocínio lógico, a doutrina e a jurisprudência distinguem por um lado, "questões" e, por outro, "razões" ou "argumentos" para concluir que só a falta de apreciação das primeiras (ou seja, das "questões") integra a nulidade prevista no citado normativo, mas já não a mera falta de discussão das "razões" ou "argumentos" invocados para concluir sobre as questões. E recorde-se que o objecto do recurso está dependente do objecto inicial da acção definido, essencialmente, a partir da conjugação entre o pedido e a causa de pedir, elementos que, por seu lado, são submetidos a apertadas regras a respeito da sua alteração, nos termos dos artºs.264 e 265, do C.P.Civil (cfr.Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.53 a 56 e 142 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.690; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. Edição, Almedina, 2009, pág.57; Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª. Edição, Almedina, 2009, pág.37).
No processo judicial tributário o vício de omissão de pronúncia, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C. P. P. Tributário, no penúltimo segmento da norma (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2006, pág.911 e seg.; ac.S.T.A-2ª.Secção, 24/02/2011, rec.50/11; ac.S.T.A-2ª.Secção, 30/05/2012, rec.514/12; ac.S.T.A-2ª.Secção, 9/10/2019; rec.3131/16.1BELRS; ac.S.T.A-2ª.Secção, 20/04/2020; rec.2145/12.5BEPRT).
"In casu", do exame do articulado inicial dos presentes autos de reclamação de acto do órgão de execução fiscal, junto a fls.1 a 19 do processo físico, desde logo, se deve vincar que o reclamante e ora recorrente não enuncia, de forma expressa ou até implícita, esse vício como fundamento da acção (a alegada nulidade da citação, derivada da inexistência de citação do administrador de insolvência), sendo que tal matéria não é de conhecimento oficioso, nos termos da lei.
Em suma, manifestamente, não se vê que a decisão recorrida tenha omitido pronúncia e, nestes termos, improcedendo este alicerce do recurso.
Mais defende o recorrente, em síntese, que a reversão da execução contra si violou o disposto no artº.180, nºs.1 e 5, do C.P.P.T., pelo que deverá ser declarada a nulidade de toda a tramitação posterior, o que conduz à ilegalidade da reversão efectuada. Que a nulidade arguida é invocável a todo o tempo e encontra-se prevista no artº.161, nº.2, alíneas c), d) e i), do C.P.Administrativo, pelo que, tal acto deveria ter sido declarado nulo e, por consequência, insusceptível de produzir qualquer efeito a responsabilidade subsidiária do reclamante/recorrente face à dívida exequenda revertida (cfr.conclusões 11, 13, 18 e 38 do recurso), com base em tal argumentação pretendendo concretizar, supomos, a preterição de uma formalidade legal e consequente nulidade processual no âmbito dos presentes autos.
Examinemos se a identificada nulidade processual existe.
Antes de mais, será conveniente relembrar que o Tribunal "a quo", no que respeita aos vícios atinentes ao procedimento de reversão, tal como à verificação, ou não, dos pressupostos da responsabilidade subsidiária, concluiu que os mesmos são próprios da forma de processo de oposição à execução fiscal, assim não integrando os fundamentos possíveis da reclamação de acto do órgão de execução fiscal, pelo que deles não conheceu.
Abordando, agora, as nulidades processuais, dir-se-á que as mesmas consubstanciam os desvios do formalismo processual seguido, em relação ao formalismo processual prescrito na lei, e a que esta faça corresponder, embora não de modo expresso, uma invalidação mais ou menos extensa de actos processuais (cfr.artº.195, do C.P.Civil; ac.S.T.A-2ª.Secção, 16/09/2020; rec.1762/13.0BEBRG; Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pág.176; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. Edição, 2011, pág.79).
As nulidades de processo que não sejam de conhecimento oficioso têm de ser arguidas, em princípio, perante o Tribunal que as cometeu (cfr.artºs.196 e 199, do C.P.Civil). São as nulidades secundárias, com o regime de arguição previsto no artº.199, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6.
Revertendo ao caso dos autos, começa este Tribunal por afastar a aplicação ao presente processo de execução fiscal do regime de nulidade dos actos administrativos previsto no actual Código do Procedimento Administrativo e constante do artº.161 e seg. do mesmo diploma. É que, além do ser questionável, em sede de regime de direito transitório, a aplicação do actual Código do Procedimento Administrativo ao acto de reversão da execução fiscal contra o reclamante/recorrente, o qual ocorreu em 2013 (cfr.nºs.7 e 8 do probatório supra), devendo recordar-se que o citado diploma entrou em vigor em 2015 (cfr.artº.9, do dec.lei 4/2015, de 7/01), sempre se dirá que a eventual ilegalidade do acto de reversão da execução fiscal não tem por consequência a nulidade do mesmo, dado que a lei não comina, expressamente, essa forma de invalidade no caso concreto (cfr.artº.161, nº.1, do actual C.P.A.; artº.133, nº.1, do anterior C.P.A.).
Por outro lado, além de ser manifesto que não nos encontramos perante qualquer nulidade em sede de processo de execução fiscal (cfr.artº.165, do C.P.P.T.), igualmente não estamos perante nulidade processual, ainda que relativa ou secundária (cfr.artº.195, do C.P.Civil), mais sendo patente que a mesma não pode influir no exame ou na decisão da causa.
Concluindo, não existe qualquer nulidade processual, ainda que relativa ou secundária, consistente na alegada nulidade da reversão da execução fiscal contra o reclamante e ora recorrente, assim improcedendo o presente fundamento do recurso.
Por último, aduz o recorrente, em síntese, que o órgão de execução fiscal, ao ter determinado a reversão da execução contra o responsável subsidiário, em 2013, quando o reclamante/recorrente tinha sido declarado insolvente em 2012, incorreu em violação do disposto no artº.180, do C.P.P.T., tal como do artº.23, nº.2, da L.G.T. Que no momento em que foi efectuada a citação do recorrente, em 23/12/2013, se encontrava o mesmo já insolvente, desde 11/07/2012, pelo que, à luz do direito tributário deveria ser citado o administrador de insolvência, tal decorrendo expressamente do disposto no artº.23, nº.7, da L.G.T. Que a A. Fiscal não citou o Administrador de Insolvência do reclamante/recorrente, nem reclamou créditos no processo de insolvência, como se impunha a qualquer credor. Que a validade do despacho de reversão, por si só, não assegura a regularidade do despacho de citação que lhe sucedeu, sendo que se trata de dois actos distintos, sujeitos a diversas regras jurídicas. Que se deve declarar a nulidade do acto de citação de reversão por a irregularidade cometida implicar desrespeito pelas normas legais aplicáveis ao processo de insolvência, o qual se impõe a todos os credores do insolvente e, também, à Administração Tributária. Que a sentença recorrida violou os artºs.81, 85 e 88, do C.I.R.E., os artºs.156, 180 e 181, todos do C.P.P.T., e os artºs.22, nº. 4, 23, nºs.2 e 7, e 24, todos da L.G.T. (cfr.conclusões 12, 13, 16 e 17, 19 a 27, 30, 33 a 37 e 40 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo concretizar, supomos, um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso comporta tal vício.
No exame deste último esteio do recurso, começa este Tribunal por identificar uma questão nova já sinalizada supra, a alegada inexistência de citação do administrador de insolvência e consequente violação do disposto nos artºs.23, nº.7, da L.G.T., e 156, do C.P.P.T., a qual, igualmente, não é de conhecimento oficioso. Concluindo, o recorrente pretende a emissão de pronúncia sobre questão nova, o que o mesmo é dizer que o tema suscitado nas conclusões apelatórias em análise excede o objecto do recurso, implicando a sua apreciação a preterição de um grau de jurisdição, pelo que dele se não conhece (cfr.ac.S.T.A-2ª.Secção, 17/02/2021; rec.597/09.0BECBR).
Avançando.
E nesta sede, podemos sintetizar em três os fundamentos, com apoio na jurisprudência deste Tribunal e Secção, para negar provimento ao presente esteio da apelação, os quais são:
1-Relativamente às dívidas tributárias constituídas anteriormente à declaração de insolvência do devedor originário não se aplica, sem mais, o regime do artº.88, do C.I.R.E., uma vez que a A. Fiscal, contrariamente ao resto dos credores, embora esteja obrigada a sustar a execução e a reclamar esses créditos no processo de insolvência (cfr.artº.180, nº.1, do C.P.P.T.), não está impedida de prosseguir com a sua execução contra bens que não façam parte da massa da insolvência (cfr.artº.180, nº.5, do C.P.P.T.), assim como pode instaurar novas execuções fiscais respeitantes a créditos vencidos após a declaração de insolvência, conforme dispõe o artº.180, nº.6, do C.P.P.T. (cfr.ac.S.T.A-Pleno da 2ª.Secção, 17/02/2016; rec.122/15; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. Edição, 2011, pág.324);
2-A possibilidade de prossecução da execução fiscal contra o responsável subsidiário, por reversão realizada depois da declaração de insolvência da sociedade devedora originária, tem hoje consagração legal expressa no artº.23, nº.7, da L.G.T. Mais, a declaração de insolvência do responsável subsidiário não acarreta a impossibilidade legal do acto de reversão da execução contra si (cfr.ac.S.T.A-2ª.Secção, 11/05/2016; rec.1017/14; ac.S.T.A-2ª.Secção, 20/02/2019; rec.216/14.2BEBRG; ac.S.T.A-2ª.Secção, 12/02/2020; rec.105/15.3BESNT);
3-A circunstância da reversão da execução fiscal contra o responsável subsidiário ter lugar após a emissão do despacho final de exoneração do passivo restante do mesmo, enquanto devedor e no âmbito de processo de insolvência, não afecta a sua validade. É que, como resulta expressamente do artº.245, nº.2, al.d), do C.I.R.E., a mencionada exoneração do passivo restante não abrange os créditos tributários (recorde-se o carácter indisponível do crédito tributário - cfr.artº.30, nº.2, da L.G.T.; ac.S.T.A-2ª.Secção, 10/03/2021; rec.945/18.1BEAVR; Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas anotado, Quid Juris, 3ª. edição, 2015, pág.871), assim nenhum efeito tendo sobre a instauração ou prosseguimento de execuções fiscais nas quais são efectuadas penhoras em momento posterior ao do encerramento do processo de insolvência do mesmo responsável subsidiário, como é o caso dos presentes autos (de acordo com o probatório supra os créditos, em sede de I.R.S., penhorados são de anos posteriores à declaração de insolvência do reclamante e os vencimentos penhorados igualmente, sendo todos também posteriores à data de encerramento do processo de insolvência do mesmo, a qual ocorreu em 23/01/2014 - cfr.nºs.4, 12, 20 e 21 do probatório supra).
Com estes pressupostos, deve concluir-se que a sentença recorrida não violou os artºs.81, 85 e 88, do C.I.R.E., os artºs.156, 180 e 181, do C.P.P.T., e os artºs.22, nº. 4, 23, nºs.2 e 7, e 24, da L.G.T.
Sem necessidade de mais amplas considerações, nega-se provimento ao presente esteio da apelação e, em consequência, mantém-se a sentença recorrida "in totum", embora com a presente fundamentação, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO EM NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A SENTENÇA RECORRIDA, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
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Condena-se o recorrente em custas.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 13 de Julho de 2021

Joaquim Manuel Charneca Condesso (Relator)

O Relator atesta, nos termos do artº.15-A, do Decreto-Lei 10-A/2020, de 13 de Março, o voto de conformidade dos Exº.mos Senhores Conselheiros Adjuntos: Paulo José Rodrigues Antunes (com a seguinte declaração de voto: Considero que a exceção a que se refere o art. 245.º n.º 2 c) do C.I.R.E. é relativa ao efeito previsto no n.º 1, de extinção do crédito, que não propriamente à impossibilidade de execução sobre os bens do devedor durante o período da exoneração/cessão a fiduciário. Como a penhora em causa foi efetuada mais de 5 anos decorridos desde a decisão inicial de exoneração que foi proferida, entendo que a reclamação não obtém provimento, conforme o dispositivo do presente acórdão) e Pedro Nuno Pinto Vergueiro.
Joaquim Manuel Charneca Condesso