Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0877/09
Data do Acordão:03/30/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Descritores:IMPOSTO SOBRE SUCESSÕES E DOAÇÕES
USUFRUTO
RENÚNCIA
CADUCIDADE
LIQUIDAÇÃO
AUDIÇÃO PRÉVIA
DIREITO DE AUDIÇÃO
PRINCÍPIO DO APROVEITAMENTO DO ACTO
Sumário:I - O juiz só infringe o dever de conhecer todas as questões submetidas à sua apreciação, imposto pelo artigo 660.º nº 2 do CPC, perante questões adequadamente colocadas, isto é, perante questões que se mostrem concretizadas através da enunciação das concretas razões que levam a parte a imputar determinado vício ao acto impugnado. Se a parte não concretiza minimamente o vício, não pode considerar-se suficientemente colocada a questão, ficando inviabilizada a existência de omissão de pronúncia no caso de o juiz não se pronunciar sobre ela.
II - A norma contida no artigo 4.º do Dec.Lei n.º 154/91, de 23 de Abril, ao excluir o imposto de sucessões e doações da sujeição aos prazos de caducidade previstos para a generalidade dos impostos, não é arbitrária, irrazoável ou materialmente infundada, pelo que não infringe o princípio da igualdade plasmado nos artigos 13.º, nº 1, e 266.º, n.º 2, da Constituição.
III - O acto de renúncia a um direito, como é o caso da renúncia ao usufruto, implica sempre, para efeitos fiscais, uma transmissão gratuita de bens (artigo 4.º do CIMSISD) sujeita a imposto sobre sucessões e doações (artigo 3.º do CIMSISD), na medida em que representa a perda voluntária de um direito em benefício do proprietário da raiz, com o enriquecimento deste por liberalidade daquele.
IV - Tendo a renúncia ao usufruto ocorrido através de escritura pública outorgada em 1/02/1994, iniciou-se aí o prazo de caducidade para a liquidação do imposto sobre sucessões e doações.
V - O prazo geral de caducidade previsto na LGT é inaplicável ao imposto sobre sucessões e doações.
VI - Ocorrendo com as sucessivas redacções do artigo 92.º do CIMSISSD um encurtamento do prazo de caducidade, é aplicável o regime do artigo 297.º do Código Civil, que dispõe que a lei que estabelecer um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar.
VII - Tendo havido uma transmissão gratuita e autónoma do usufruto a favor do proprietário da raiz, há lugar a imposto sobre as sucessões e doações que incide sobre o valor fiscal do bem, de harmonia com o disposto no artigo 22.º nº 2 do CIMSISSD, dividido em anuidades por força do artigo 123º do mesmo diploma legal.
VIII - É de aplicar o princípio do aproveitamento do acto para obstar à anulação de um acto de liquidação efectuado sem prévia audição do destinatário, quando se está perante uma situação de solução legal evidente e não se vislumbra a mínima possibilidade de a audição poder ter influência sobre o conteúdo da decisão.
Nº Convencional:JSTA00066901
Nº do Documento:SA2201103300877
Data de Entrada:09/18/2009
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF PENAFIEL PER SALTUM.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR FISC - SUCESSÕES DOAÇÕES.
DIR PROC FISC GRAC - LIQUIDAÇÃO.
Área Temática 2:DIR PROC CIV.
Legislação Nacional:CIMSID91 ART1 ART3 ART4 ART21 ART22 N1 N2 ART40 ART92 ART123 NAS REDACÇÕES DO DL 119/94 DE 1994/05/07 E DL 472/99 DE 1999/11/08.
CPC96 ART660 N2 ART668 N1 D.
LGT98 ART45 N1 ART60 N2.
CPTRIB99 ART125 N1.
ETAF02 ART1 N2.
CONST97 ART2 ART13 N2 ART204 ART266 N2.
CCIV66 ART12 ART297.
CPA91 ART100.
DL 154/91 DE 1991/04/23 ART4.
Jurisprudência Nacional:AC TC 186/90 187/90 E 188/90 IN DR II S DE 1990/09/12.; AC STAPLENO PROC11927 DE 1991/02/20.; AC STA PROC5584 DE 1988/10/06 IN CTF N353 PAG200.; AC STA PROC317/03 DE 2003/05/14.; AC STA PROC18270 DE 1989/07/13.; AC STA PROC36001 DE 1997/12/17 IN BMJ N472 PAG246.; AC STA PROC36037 DE 2001/10/03 IN AP-DR DE 2003/10/23.; AC STA PROC411/02 DE 2002/06/20.; AC STA PROC1240/02 DE 2005/01/25.; AC STA PROC1240/02 DE 2005/01/25.; AC STAPLENO PROC34981 DE 2001/12/12.; AC STAPLENO PROC39379 DE 1999/02/09.; AC STA PROC1071/06 DE 2007/02/15.
Referência a Doutrina:FRANCISCO PINTO FERNANDES E OUTRO CÓDIGO DA SISA E DO IMPOSTO SOBRE AS SUCESSÕES E DOAÇÕES.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1. A…, LDA, com os demais sinais dos autos, recorre para este Supremo Tribunal da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, de improcedência da impugnação judicial que deduziu contra acto de liquidação de Imposto sobre Sucessões e Doações no montante de € 533.464,22.
A Recorrente terminou a sua alegação de recurso enunciando as seguintes conclusões:
1. Em face desta matéria de facto, e em primeiro lugar, está em causa a apreciação da caducidade da liquidação e dentro desta a apreciação da constitucionalidade do art. 4.º do Dec. Lei nº 154/91.
2. Quanto a este ponto a aqui Recorrente alegou que, no caso em análise, a Administração Fiscal procedeu à liquidação de Imposto de Sucessões e Doações derivado de uma doação com usufruto tendo o usufrutuário falecido em 21 de Julho de 1998.
3. Não há dúvidas que a transmissão (falecimento do usufrutuário e consolidação da nua propriedade) ocorrida em 21 de Julho de 1998 implica que é a partir desta data que nasceu a obrigação tributária de liquidação de imposto sobre sucessões e doações.
4. Ora, nos termos do art.º 92º do CIMSISD «Só poderá ser liquidado imposto municipal de sisa ou imposto sobre as sucessões e doações nos 10 anos seguintes à transmissão…».
5. Sucede que em 23 de Abril de 1991 foi publicado o Dec.Lei 154/91 (Código de Processo Tributário) que no seu art.º 33º n.º 1 dispõe que: «O direito à liquidação de impostos e outras prestações de natureza tributária caduca se não for exercido ou a liquidação não for notificada ao contribuinte no prazo de cinco anos contados, nos impostos periódicos, a partir do termo daquele em que se verificar o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu».
6. Considerando que o CPT é de aplicação imediata o prazo de liquidação passou a ser de 5 anos.
7. No entanto, a aqui Recorrente não desconhece a existência de um ofício circulado (n.º 2324, de 20-10-92, do N.J.T.) que limita-se a concretizar o disposto no art.º 4.º do DL 154/91, ou seja, «Os novos prazos de caducidade e prescrição e, consequentemente, a aplicação do art.º 297º do C. Civil não se aplicam à SISA e ao Imposto Sobre as Sucessões e Doações, senão a partir da adaptação do respectivo Código ao CPT, isto quer o facto tributário tenha ocorrido antes ou depois da entrada em vigor deste último diploma».
8. E a aqui Recorrente alegou que «aquele art.º 4º do Dec.Lei 154/91, é ilegal porquanto na lei de autorização legislativa (Lei 37/90, de 10 de Agosto) não encontramos qualquer excepção expressamente prevista para a sisa e para o imposto sobre as sucessões e doações, e por outro lado, tal normativo seria sempre inconstitucional já que viola de forma expressa o disposto nos artigos 266º n.º 2 da CRP o que se invoca para todos os efeitos legais».
9. Ora a sentença recorrida apenas apreciou a questão da inconstitucionalidade orgânica !!
10.Mas a recorrente alega igualmente que o art.° 4° do Dec. Lei 154/91 viola de forma expressa o disposto no art.° 266° n.° 2 da CRP (que remete para os princípios constitucionais da igualdade e da proporcionalidade previstos no art.° 13°da CRP).
11.Ora e sobre esta questão a sentença recorrida é omissa o que implica que a sentença recorrida é nula nos termos do art.° 125° n.° 1 do CPPT, o que se invoca para todos os efeitos legais.
12.E na verdade é manifesta a inconstitucionalidade da excepção prevista no art.° 4° do Dec Lei 154/91, já que limita e ofende de forma manifesta o princípio da igualdade plasmado no artigo 13° e 266° n.º 2 da CRP.
13.Na verdade basta atentar que no preâmbulo do Dec.Lei 154/91 se refere expressamente: «Por isso ficaria inacabada uma reforma fiscal que não contemplasse o processo tributário. Se tal acontecesse, a inovação introduzida por aqueles Códigos na relação Fisco-contribuinte apenas abrangeria alguns impostos, quando não há razão para a não estender aos restantes e, por outro lado, os próprios direitos reconhecidos aos contribuintes pelos novos diplomas...» (sublinhado nosso).
14.É manifesto que viola de forma gritante o princípio da igualdade a excepção prevista no art.° 4° do Dec. Lei 154/91, no sentido de não sujeitar o imposto de sucessões e doações do novo regime dos prazos de caducidade e de prescrição.
15.Por outro lado, a sentença recorrida entendeu que à liquidação em causa não se aplicavam os prazos de caducidade previstos no art.° 45° da LGT.
16.Ora o Dec. Lei 398/98 (Lei Geral Tributária) que revogou o Código de Processo Tributário, relativamente à caducidade da liquidação de impostos, referiu expressamente que o novo prazo de 4 anos só se aplica aos factos tributários ocorridos a partir de 1 de Janeiro de 1998 (Vide art° 5° n.° 5 do Dec. Lei 398/98).
17.Mas esta lei não contém nenhuma norma que excepcione a questão dos prazos de caducidade e de prescrição para a sisa e imposto de sucessões e doações!!
18.Aliás o art.° 1.º da LGT é claro ao considerar que esta «regula as relações jurídico tributárias, sem prejuízo do disposto no direito comunitário e noutras normas de direito internacional que vigorem directamente na ordem interna ou em legislação especial».
19.Ou seja, o facto tributário objecto da liquidação que se impugna teria sempre, a partir da entrada em vigor desta lei - 1 de Janeiro de 1999 - que se coadunar com os princípios ínsitos na mesma.
20.Em conclusão: a presente obrigação tributária nasceu em 21 de Julho de 1998, pelo que tendo nós um prazo de liquidação de quatro anos e socorrendo-nos do disposto no artº 297° do Código Civil, a presente liquidação está inquinada do vício de caducidade.
21.Já que a liquidação em última análise teria que ter sido efectuada até 1 de Janeiro de 2003.
22.É que o facto tributário, tendo nascido anteriormente à entrada em vigor da LGT, teria sempre que ser regulado, após a entrada em vigor da mesma, pela Lei Geral Tributária. É que sendo a liquidação do imposto de sucessões e doações, no caso vertente, efectuada anualmente nos termos do art.° 123° do CIMSISD, é manifesto que todas as liquidações após o dia 1 de Janeiro de 1999 estariam sujeitas aos novos prazos de caducidade previstos na LGT.
23.No entender da recorrente a sentença violou o disposto no art.° 123° do CIMSISD e art.° 45° da LGT.
24.Por outro lado, a Recorrente alegou na sua Impugnação que tinha existido a preterição de formalidades essenciais, nomeadamente a violação do princípio da audição prévia.
25.A Lei Geral Tributária no seu artigo 60°, concretizando a injunção constitucional contida no art.° 267° n.º 5 da CRP, veio consagrar o princípio da participação, permitindo ao contribuinte participar nas decisões que lhe digam respeito.
26.Ora a aqui Impugnante não foi ouvida pela Administração Fiscal no processo que conduziu à liquidação de Imposto sobre Sucessões e Doações.
27.Pelo que dúvidas não há que houve a preterição de uma formalidade legal, atento o disposto no art.° 60° da LGT e art.° 100° do CPA.
28.Em anotação ao artigo 60° da LGT diz António Lima Guerreiro na sua Lei Geral Tributária Anotada, 1ª Edição, pág. 276 «Do presente preceito resulta, igualmente, na linha do CPA, que o meio adequado de participação dos contribuintes na formação das decisões da administração tributária que lhes digam respeito – incluindo actos tributários «stricto sensu» ou em matéria tributária – é o direito de audição, que a administração tributária não pode unilateralmente, sem norma habilitadora ou acordo do contribuinte, substituir por outras formas de participação mesmo quando assegurem o mesmo objectivo».
29.Sendo certo que nos termos do art.° 45° do CPPT «O procedimento tributário segue o princípio do contraditório, participando o contribuinte, nos termos da lei, na formação da decisão», o que implicava «... consoante o disposto no art.° 60º da LGT, a participação do contribuinte na formação da decisão que lhe dizia respeito, designadamente, com direito de audição antes da liquidação, a ser exercido no prazo a fixar pela AT em carta registada a enviar para tal efeito para o seu domicilio fiscal, comunicando-lhe o projecto da decisão e a sua fundamentação, sendo que os elementos novos suscitados na audição seriam obrigatoriamente tidos em conta na fundamentação da decisão, tudo como decorre do art.° 60° da LGT, conjugado com o disposto no art.° 36° nºs 1 e 2 do CPPT» - Acórdão do Tribunal Central Administrativo de 3 de Junho de 2003, in Antologia de Acórdãos do STA e TCA, Ano VI, n.º 3, pág. 306 e segs.
30.Seguindo o raciocínio explanado no acórdão acabado de citar, a presente liquidação é ilegal por preterição de formalidades legais, o que se invoca, e que terá forçosamente que levar à procedência da presente acção de impugnação.
31.Já a sentença recorrida sobre esta questão entende, a nosso ver mal, que a audição prévia estaria dispensada já que se aplicaria o vertido no art.° 60° n.º 2 da LGT.
32.Ora no caso em apreço a liquidação foi efectuada com base numa declaração de B…, que não é contribuinte e muito menos sujeito passivo do imposto aqui em causa !!
33.A sentença recorrida dá por adquirido que não foi a aqui Recorrente que efectuou a declaração !!
34.Logo não se aplica o vertido no n.º 2 do art.° 60° da LGT.
35.Por outro lado, sempre a aqui Recorrente teria que ser ouvida sobre o projecto de decisão já que poderia e deveria instruir os autos com elementos que poderiam implicar uma diferente valoração e ou configuração da obrigação tributária.
36.Violou assim a sentença recorrida o vertido no art.° 60° da LGT e no art.° 267° n.°5 da CRP.
37.Por último, a aqui Recorrente, alegou que a liquidação foi erroneamente efectuada.
38.A sentença recorrida entende que não é assim, já que a liquidação teria que ser efectuada com base nos artigos 22° n.° 2 e 123° do CIMSISD.
39.Ora a recorrente entende que não é o caso dos presentes autos, em que com a renúncia ao usufruto existiu consolidação da nua propriedade, pelo que será na base da consolidação que terá que ser liquidado o imposto (Vide Desp. de 10-7-94, Proc. 33/12 - L° 10/116 - CIMSISD Anotado, E. Pinto Fernandes e Nuno Pinto Fernandes, 1997, 4ª Edição, pág. 371).
40.Pelo que a liquidação do imposto teria que ser efectuada com base no art.° 120° do CIMSISD e não com base no art.° 123°.
41.Ou seja, o imposto sobre as sucessões e doações «será pago em prestações, vencendo-se a primeira no mês seguinte àquele que tiver terminado o prazo referido no § 2 do artigo 87° e, cada uma das restantes, seis meses depois do vencimento da anterior» (art.° 120° do CIMSISD).
42.Ora conforme consta da liquidação a Administração Fiscal liquidou já quatro anuidades no montante de € 106.692,86, o que viola o disposto nos artigos 120° e 87° § 2 do CIMSISD.
43.Pelo que também por este motivo a liquidação é ilegal o que se invoca para todos os efeitos legais.
TERMOS em que deve revogar-se a sentença recorrida por tal ser de JUSTIÇA.
1.2. Não foram apresentadas contra-alegações.
1.3. Por despacho que consta de fls. 77, o Meritíssimo Juiz do tribunal “a quo” sustentou a decisão recorrida face ao teor do presente recurso.
1.4. O Exmo. Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso com a seguinte argumentação:
«Em nosso entender a decisão recorrida não incorreu em omissão de pronúncia, como é alegado pelo recorrente. Na verdade todas as questões submetidas à apreciação do tribunal foram devidamente consideradas, designadamente, as relativas à constitucionalidade de normas.
Entendemos que a decisão recorrida faz uma correcta interpretação e aplicação da lei no que respeita à questão do prazo de caducidade do direito à liquidação do IMSISD e à alegada preterição de formalidades legais por falta de audição da recorrente durante o processo de liquidação. O mesmo se diga no que respeita à alegada ilegalidade da liquidação, em que o decidido, em nosso entender, não merece reparo.
CONCLUSÃO
O recurso não merece provimento.».
1.5. Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Conselheiros Adjuntos, cumpre decidir em conferência.
2. Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte matéria de facto:
A- C…, casado em separação de bens com D…, contribuinte fiscal n.º …, residente no lugar de … São Romão do Coronado, Trofa, era usufrutuário de duas quotas sociais no valor nominal de dois milhões cento e vinte e cinco mil escudos, cada, e três do valor nominal de cento e vinte e cinco mil escudos, cada, no capital social da sociedade comercial por quotas denominada "E…, Limitada", pessoa colectiva n.º …, com sede na Avenida …, São Martinho de Bougado, Trofa, com o capital social de cinco milhões de escudos (fls. 19 e 20 do apenso).
B- Por escritura pública exarada em 04/04/1989, no Segundo Cartório Notarial de Santo Tirso, C… havia cedido pelo respectivo valor nominal as duas primeiras quotas a B… e F…, seus filhos, e as restantes três a G…, H… e I…, seus netos, com reserva de usufruto para si (fls. 27 a 30 do apenso).
C- B… e F… cederam as suas quotas à Impugnante por escritura de 27/12/1993 (fls. 31 do apenso).
D- Por escritura pública exarada em 01/02/1994, no Segundo Cartório Notarial de Santo Tirso, C… renunciou ao usufruto das aludidas quotas, atribuindo a cada uma delas o mesmo valor (fls. 19 e 20 do apenso).
E- C… faleceu em 21/07/1998 (fls. 34 do apenso).
F- O processo de liquidação do imposto sobre as sucessões e doações n.º 7680 foi instaurado na sequência do termo de declarações entregue por B… (fls. 31 do apenso).
G- Em 01/03/2004 o Serviço de Finanças da Trofa procedeu à liquidação do imposto sobre as sucessões e doações, apurando um imposto devido no valor de 533.464,22 €, correspondente a soma da 1.ª anuidade de 26.673,23 e das restantes dezanove (19 X 26.673,23 €) - (fls. 7 dos autos e 24 do apenso).
H- Atendendo a que o usufrutuário havia falecido em 21/07/1998, a liquidação apurou que estavam em dívida 4 anuidades, já vencidas, no valor de 106.692,86 € (fls. 7 e 24 do apenso).
I- A liquidação do imposto sobre as sucessões e doações foi notificada a impugnante em 05/03/2004 (fls. 6 dos autos, 24 e 25 do apenso).
J- O pagamento do imposto, de pronto, no montante de 106.692,86 €, tinha de ser efectuado durante o mês de Abril de 2004 (fls. 6, 24 e 25 do apenso).
K- As quotas adquiridas pela Impugnante a B… e F… tinham um valor de 1.101.844,29 (fls. 7).
L- A impugnante deduziu a impugnação em 03/06/2004 (fls. 2 e 12).
3. Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente, as questões que, fundamentalmente, se colocam à apreciação deste Tribunal são as de saber se a sentença recorrida é nula por omissão de pronúncia e, no caso negativo, se a mesma enferma de erro de julgamento por não ter reconhecido a invocada caducidade do direito à liquidação do imposto, por ter julgado que a liquidação não padecia de vício de violação de lei por ofensa da norma contida no artigo 123.° do Código de Imposto Municipal sobre Sucessões e Doações (CIMSISD), nem do vício de preterição do direito de audição prévia consagrado no artigo 60.º da Lei Geral Tributária.
3.1. Invoca a Recorrente a nulidade da sentença prevista no artigo 668.º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil e no artigo 125.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, por não ter havido pronúncia acerca da questão da inconstitucionalidade material do artigo 4.º do Decreto Lei n.º 154/91, de 23 de Abril, por violação do artigo 266.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa (conclusão 9ª).
Dispõe a citada norma do Código de Processo Civil que é nula a sentença quando “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”. Esta nulidade está directamente relacionada com o dever que é imposto ao juiz, pelo artigo 660.º nº 2 do mesmo Código, de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e de não poder ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
Assim, embora o julgador não tenha que analisar todas as razões ou argumentos que cada parte invoca para sustentar o seu ponto de vista, incumbe-lhe a obrigação de apreciar e resolver todas as questões submetidas à sua apreciação no quadro do litígio (tendo em conta o pedido, a causa de pedir e as eventuais excepções invocadas), com ressalva, naturalmente, das questões cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras.
Todavia, o juiz só infringe esse dever de conhecimento perante questões adequadamente colocadas, isto é, perante questões que se mostrem concretizadas através da enunciação das concretas razões que levam a parte a imputar determinado vício ao acto impugnado, embora sem necessidade de nominação categorial do vício. Com efeito, para que o juiz possa exercer a sua função de resolução de todas as questões que a parte submeta à sua apreciação, é necessário que esta seja clara na sua intenção de ver conhecidas e solucionadas essas questões, procedendo à concretização dos vícios que invoca, expondo com clareza os termos por que entende ter havido desvio ao padrão normativo relativamente a qualquer dos elementos do acto impugnado ou aos termos por que entende que é inconstitucional a norma nele aplicada. Se a parte não concretiza minimamente o vício, pela enunciação das razões que a levam a sustentá-lo, por forma a que o juiz o identifique como questão sujeita a julgamento, não pode considerar-se suficientemente colocada a questão, ficando, assim, inviabilizada a existência de omissão de pronúncia no caso de o juiz não se pronunciar sobre ela, já que a “questão”, verdadeiramente, não existia.
No caso vertente, verifica-se que a Impugnante não cumpriu o ónus que sobre si impendia de substanciação do vício de inconstitucionalidade da norma contida no artigo 4.º do Dec.Lei n.º 154/91 por ofensa do artigo 266.º, n.º 2 da CRP, pois que se limitou a referir, em termos genéricos (depois de esgrimir com a inconstitucionalidade orgânica do preceito por desconformidade com a lei de autorização legislativa) que «tal normativo sempre seria inconstitucional já que viola de forma expressa o disposto no artigo 266º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa», deixando por indicar os princípios violados e as razões de facto e/ou de direito que, no seu ponto de vista, suportam tal inconstitucionalidade.
O que, naturalmente, conduziu ao não reconhecimento dessa afirmação conclusiva como a colocação de uma questão em sentido técnico e autónoma relativamente à questão da inconstitucionalidade do preceito por desconformidade com a lei de autorização legislativa, levando o Mmº Juiz a conhecer apenas desta última.
Neste contexto, não tendo a questão sido adequada e suficientemente concretizada, ela não chegou, verdadeiramente, a ser colocada, pelo que não se gerou o dever de pronúncia judicial exigido pelo nº 2 do artigo 660.º do CPC.
O que tanto basta para julgar improcedente a arguição de nulidade da sentença.
3.2. Considerando, porém, que a Recorrente procedeu agora, em sede de recurso, à substanciação do vício de inconstitucionalidade material da norma contida no artigo 4.º do Dec.Lei n.º 154/91, de 23 de Abril (conclusões 10ª a 14ª), invocando a ofensa do princípio da igualdade por nele se excluir o imposto de sucessões e doações da sujeição aos prazos de caducidade e de prescrição previstos para a generalidade dos impostos; e considerando que ao tribunal incumbe exercer, ainda que oficiosamente e até à decisão final, a fiscalização concreta da constitucionalidade de normas jurídicas, isto é, apreciar a inconstitucionalidade das normas aplicadas ao caso submetido a julgamento, em conformidade com o preceituado no artigo 204.º da CRP e com o estatuído no artigo 1.º n.º 2 do ETAF, importa passar, de imediato, à análise desta questão.
Como se sabe, o princípio constitucional da igualdade, entendido como limite objectivo da discricionariedade legislativa, não veda à lei a realização de distinções, pois lhe proíbe apenas a adopção de medidas que estabeleçam distinções discriminatórias, nomeadamente de diferenciações de tratamento fundadas em categorias meramente subjectivas, como são as indicadas, exemplificativamente, no n.º 2 do artigo 13.º da Lei Fundamental (diferenciações baseadas na ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social).
Ou seja, o que a lei constitucional proíbe são as desigualdades de tratamento materialmente infundadas, sem qualquer fundamento razoável ou sem qualquer justificação objectiva e racional Cfr., por todos, os Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs. 186/90, 187/90 e 188/90, publicados no Diário da República, II Série, de 12 de Setembro de 1990..
No que concerne aos prazos de caducidade do direito à liquidação dos impostos, verifica-se que na vigência do Código de Processo das Contribuições e Impostos não era nele estabelecido qualquer norma geral que consagrasse um prazo de caducidade, pois que cada cédula fixava o seu. Assim, a caducidade ocorria, relativamente à maior parte dos impostos, em cinco anos Como se extraía, por exemplo, dos artigos 43.º do Código do Imposto de Capitais, 35.º do Código de Imposto Profissional, 238.º e 239.º do Código da Contribuição Predial, 28.º do Código do Imposto de Mais-Valias, 94.º do Código da Contribuição Industrial, 41.º do Código do Imposto Complementar e 36.º do Código do Imposto de Transacções.. Para o imposto de sisa e imposto sobre sucessões e doações, o respectivo Código consagrava, porém, o prazo de vinte anos (artigo 92.º do CIMSISD).
Posteriormente, com a abolição da maior parte desses impostos operada com a reforma fiscal de 1989, integrada pelos novos Códigos do IRS, do IRC, da Contribuição Autárquica e do IVA, o legislador optou por consagrar no Código de Processo Tributário uma regra geral sobre os prazos de caducidade dos impostos, que fixou em cinco anos, mantendo, assim, o prazo que já anteriormente vigorara para a maioria dos impostos.
Deixou, porém, ressalvado que este prazo de caducidade só seria aplicável ao imposto de sisa e imposto sobre sucessões e doações «após introdução no respectivo Código das normas necessárias de adaptação» (art.º 4.º do diploma que aprovou o CPT - Dec.Lei n.º 154/91, de 23 de Abril). O que se compreende, por se tratar de um imposto não abolido, cujo regime continuava a constar de diploma próprio e onde se previa um prazo muito mais longo de caducidade, o que exigia a introdução de alterações nesse Código sobre a matéria.
O que significa que o legislador pretendeu afastar a aplicação imediata deste prazo de caducidade face à necessidade de introduzir no CISISSD as necessárias normas de adaptação ou normas de gradual ajustamento àquela regra. É essa a leitura que fazemos do referido artigo 4.º, onde se deixou expressamente consignado que «Os prazos de caducidade e prescrição só serão aplicáveis à sisa ao imposto sobre sucessões e doações após a introdução no respectivo Código das normas necessárias de adaptação.».
Perante tal justificação, lógica, objectiva e racional, não se pode considerar que a norma encerra uma desigualdade de tratamento arbitrária, sem fundamento razoável para os contribuintes tributados neste imposto em comparação com os contribuintes tributados noutros impostos.
Eis, pois, em termos muito breves, as razões pelas quais a norma em causa não é arbitrária, irrazoável ou materialmente infundada, pelo que não infringe o princípio da igualdade plasmado nos artigos 13.º, n.º 1, e 266.º, n.º 2, da Constituição.
3.3. Ainda segundo a Recorrente, a sentença terá incorrido em erro no julgamento da questão da caducidade do direito à liquidação do imposto, na medida em que não considerou que a transmissão ocorreu em 21 de Julho de 1998, com o falecimento do usufrutuário e a consolidação da nua propriedade, só aí tendo nascido a obrigação de liquidar imposto e começado o prazo de caducidade, nem considerou o prazo de cinco anos previsto no artigo 33.º do Código de Processo Tributário nem o prazo de quatro anos previsto no artigo 45.º da Lei Geral Tributária.
Vejamos.
Relativamente ao dies a quo a considerar para efeitos de prazo de caducidade do direito à liquidação do imposto, a sentença julgou que ele ocorrera em 1/02/94, data em que o usufrutuário renunciou ao usufruto das quotas sociais da sociedade comercial E…, Ldª. «A impugnante, que já detinha a nua propriedade das quotas, viu a propriedade plena das referidas quotas consolidada em 1/02/1994, data da renúncia do usufruto. A renúncia ao usufruto de quotas sociais é havida como transmissão, que se presume gratuita (art. 4.° do CIMSISD) e como tal está sujeita a IMSISD (art. 1.° do CIMSISD). A data da transmissão é a da renúncia ao usufruto e é a data determinante para a contagem do prazo da caducidade do direito de liquidação do imposto sobre as sucessões e doações (art. 22.° do CIMSISD).».
E decidiu com acerto.
Na verdade, os factos geradores da obrigação de imposto são aqueles acontecimentos ou comportamentos que despoletam efeitos jurídicos, que preenchem a previsão normativa fiscal, como acontece com o acto de transmissão gratuita de bens mobiliários e imobiliários, sobre a qual incide o imposto sobre sucessões e doações nos termos previstos no CIMSISD.
Ora, o acto de renúncia a um direito, como é o caso da renúncia ao usufruto, implica sempre, para efeitos fiscais, uma transmissão gratuita de bens (artigo 4.º do CIMSISD) sujeita a imposto sobre sucessões e doações (artigo 3.º do CIMSISD), na medida em que representa a perda voluntária de um direito em benefício do proprietário da raiz, com o enriquecimento deste por liberalidade daquele Cfr., na doutrina, Francisco Pinto Fernandes e José Cardoso dos Santos, in “Código da Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações”, e na jurisprudência, o Acórdão do STA de 6 de Outubro de 1988, no Recurso n.º 5584..
E essa transmissão ocorre no momento da consolidação do usufruto com a propriedade, como decorre claramente do disposto no artigo 22.º do CIMSISD e se deixou explicitado no acórdão proferido em 20/02/91 pelo Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA, no Recurso n.º 11927, onde se afirma que «a transmissão fiscal do usufruto para o nú-proprietário só se opera com a consolidação, sendo o valor para a liquidação o da data desta reportada à da transmissão».
No caso vertente, a renúncia ao usufruto das quotas sociais ocorreu através da escritura pública outorgada em 1/02/94, altura em que sucedeu o facto tributário (transmissão gratuita) que dá lugar ao pagamento de imposto nos termos do 22.º do CIMSISD, iniciando-se aí o prazo para a respectiva liquidação.
Concluindo-se que o dies a quo ocorreu em 1/02/94, resta apurar o prazo de caducidade aplicável, tendo em atenção o princípio geral da aplicação da lei no tempo, de que a lei só dispõe para o futuro (postulado pelo princípio do Estado de Direito vertido no artigo 2.° da CRP, na sua vertente de protecção da confiança dos cidadão e da segurança jurídica, de que o artigo 12.° do Código Civil é uma concretização).
À data em que a renúncia ocorreu (1/02/94), o imposto sobre sucessões e doações só poderia ser liquidado “nos vinte anos seguintes à transmissão ou à data em que a isenção ficou sem efeito” (art.º 92.º do CIMSISD). Tal prazo de caducidade foi encurtado para dez anos com a entrada em vigor do Decreto Lei nº 119/94, de 7 de Maio, que deu nova redacção àquele artigo 92.º, mas, por força da norma contida no artigo 297.º do Código Civil, a contagem deste novo prazo só se inicia a partir da entrada em vigor daquele diploma, em 12 de Maio de 1994, pelo que a caducidade só ocorreria em 12/05/2004.
Posteriormente, em 1/01/1999, entrou em vigor a Lei Geral Tributária, que estabeleceu um prazo de caducidade de quatro anos para a liquidação de tributos (art.º 45.º, n.º 1), mas deixando ressalvado que ele era inaplicável sempre que a lei fixasse outro. Ou seja, o prazo geral previsto na LGT é inaplicável se o prazo de exercício do direito à liquidação estiver fixado em lei especial – o que é o caso, pois em 1/01/99 o prazo de caducidade, em matéria de imposto sobre sucessões e doações, era de 10 anos (art.º 92º do CIMISSD).
Pelo que está fora de causa considerar que o prazo de caducidade da liquidação impugnada é o de 4 anos previsto na LGT.
Contudo, com o Dec.Lei nº 472/99, de 8 de Novembro, esse prazo foi reduzido para 8 anos. E na sucessão de leis no tempo no que concerne ao estabelecimento do prazo de caducidade há que aplicar a regra contida no artigo 297.º do Código Civil, que dispõe que a lei que estabelecer um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar.
In casu, e porque à data da entrada em vigor do Dec.Lei nº 472/99 faltava, à luz da lei antiga, menos tempo do que o estabelecido na lei nova para o prazo se completar, há que aplicar aquele prazo de 10 anos, caducando, assim, o direito de liquidar o imposto em 12/05/2004.
Neste enquadramento, e visto que na data em que foi realizada a notificação da liquidação (5/03/2004) não tinha ainda decorrido esse prazo de 10 anos, carece de razão a Recorrente ao defender a caducidade do direito à prática do acto.
Termos em que improcedem as respectivas conclusões do recurso.
3.4. Ainda na tese da Recorrente, a sentença terá incorrido em erro ao julgar que o acto de liquidação não padecia de vício de violação de lei que lhe é imputado, traduzido na inaplicabilidade do regime especial de liquidação por anuidades previsto no artigo 123º do CIMSISSD, por, na sua óptica, este regime estar reservado à transmissão separada do usufruto, e não à consolidação da propriedade da raiz com o usufruto, ocorrido no caso em apreço.
Vejamos.
Conforme resulta do suporte formal fundamentador do acto de liquidação impugnado, e melhor se apreende do teor do documento de liquidação junto a fls. 8 do processo administrativo apenso, o Serviço de Finanças da Trofa procedeu à liquidação do imposto sobre sucessões e doações devido pela renúncia ao usufruto de quotas sociais de que a Impugnante era proprietária de raiz desde 27/12/93.
O que levou ao apuramento de imposto nos termos do artigo 22.º, n.º 2 do CIMSISSD, com a aplicação das taxas previstas no artigo 40.º, e divisão do imposto em anuidades com base no disposto no artigo 123.º do mesmo diploma legal.
O imposto apurado, de 533.464,22 €, mostra-se, assim, calculado nos seguintes termos:
Valor das quotas...............total ........ 1.101.844,29 € (artigo 22.º, n.º 2)
Taxas (43% e 50%)............total ....... 533.464,22 € (artigo 40.º)
Divisão em anuidades.......... ..............1ª anuidade......... 26.673,23 €
..........................................................19 restantes....... 506.790,99 €
..........................................................Total................. 533.464,22 €

Esse artigo 22.º dispõe sobre a transmissão do usufruto separadamente da propriedade do seguinte modo:
Artigo 22.º
Quando o usufruto for transmitido separadamente da propriedade, observar-se-ão, quando ao usufruto, os seguintes preceitos:
1.º O imposto relativo à aquisição do usufruto incidirá sobre o valor igual ao da propriedade, sendo vitalício; e sobre o produto da vigésima parte do valor da propriedade por tantos anos quantos aqueles por que o usufruto foi deixado, sendo temporário. Passando o usufruto temporário a terceira pessoa, o imposto incidirá sobre o produto da mesma vigésima parte por tantos anos quantos faltarem para o seu termo, sem que, em qualquer dos casos, possam exceder a vinte;
2.º Se o usufrutuário alienar o usufruto, por título gratuito, em favor do proprietário, será liquidado o imposto pela consolidação, salvo se o usufrutuário tiver sido o primitivo vendedor da raiz, caso em que o proprietário pagará imposto pela aquisição do usufruto, enquanto este devesse durar; se o usufruto for alienado por título gratuito em favor de terceiro, liquidar-se-á novo imposto por esta aquisição nos termos do número antecedente.
(...).
E o artigo 123.º estabelece o seguinte quanto ao pagamento do imposto relativo à aquisição do usufruto:
Artigo 123.º
O imposto relativo à aquisição do usufruto será pago em anuidades, nos termos seguintes:
1.º Se o usufruto for vitalício, ou temporário por vinte ou mais anos, dividir-se-á a importância do imposto em vinte anuidades; se for temporário por menos de vinte anos, dividir-se-á em tantas anuidades quantos os anos por que o usufruto deve durar. Nenhuma das anuidades, porém, poderá ser inferior a 500$00;
2.º As anuidades vencer-se-ão no dia 1 de Janeiro de cada um dos anos posteriores ao da transmissão e poderão ser pagas durante esse mês;
3.º As anuidades já vencidas à data da liquidação serão pagas, em um só conhecimento, no mês seguinte àquele em que a liquidação se tiver tornado definitiva ou em que, havendo contestação de valores, tiver sido notificado.
(...)
In casu, verifica-se que em 1993 ocorrera a transmissão para a Impugnante, a título oneroso, da nua propriedade de quotas sociais de que era titular C…, com reserva de usufruto vitalício para este. A Impugnante adquirira, assim, onerosamente a nua-propriedade, e só ulteriormente adquiriu gratuitamente o usufruto, através do referido acto de renúncia.
Essa renúncia constitui, assim, uma transmissão a título gratuito do usufruto (artigo 4.º, n.º 2), que provoca liquidação de imposto sobre sucessões e doações, incidente sobre o valor igual ao da propriedade por se tratar de usufruto vitalício (artigo 22.º, n.º 1). Por outro lado, tendo o usufrutuário sido o primitivo vendedor da raiz, a Impugnante tem de pagar imposto pela aquisição do usufruto enquanto este devesse durar (artigo 22.º, n.º 2), como bem se deixou explicado no acórdão proferido por esta Secção do Supremo Tribunal Administrativo em 6/10/1988, no recurso n.º 5584, publicado na CTF n.º 353, pág. 200.
Em suma, tendo havido uma transmissão gratuita e autónoma do usufruto a favor do proprietário da raiz, há lugar a imposto sobre as sucessões e doações, o qual incidirá sobre o valor fiscal das quotas sociais, de harmonia com o disposto no artigo 22.º nº 2 do CIMSISSD, dividido em anuidades por força do artigo 123º do mesmo diploma legal. É que, sendo embora o direito de usufruto de menor valor e limitado no tempo, tudo se passa como se a transmissão se fosse realizando parcelarmente, ano após ano, enquanto durar o usufruto.
Razão por que comungamos da interpretação jurídica adoptada na decisão recorrida, segundo a qual «estamos perante uma renúncia abdicativa do usufruto, que não foi objecto de contrato entre o usufrutuário e a proprietária da raiz, que está englobada na alienação a título gratuito em favor do proprietário e determina apenas a liquidação do imposto pela consolidação. Sendo uma alienação a título gratuito, a favor do nu-proprietário, este paga o imposto pela consolidação (arts. 22.°, n.° 2, e corpo do 21.° do CIMSISD). Mas como o usufrutuário foi o primitivo vendedor da raiz não há lugar, do ponto de vista fiscal, a consolidação (arts. 22°, n.° 2, do CIMSISD) por ter sido paga oportunamente a sisa pela aquisição. O proprietário pagará então imposto pela aquisição do usufruto, nos termos do n.º 2, do art. 22.°, imposto que é dividido em anuidades (...). Neste caso a impugnante, como proprietária, pagará o imposto pela aquisição do usufruto, enquanto este devesse durar, em anuidades (arts. 22.°, n.° 2, e 123.° do CIMSISD).».
Termos em que improcedem as respectivas conclusões do recurso.
3.5. Resta analisar a questão do assacado erro no julgamento da questão do exercício do direito de audição.
Segundo a decisão recorrida, a audição prévia estaria dispensada por força do disposto no n.º 2 do artigo 60.º da LGT, já que a liquidação foi efectuada com base em declaração apresentada pelo contribuinte B…. Por outro lado, e independentemente disso, a falta de audição degradou-se em formalidade não essencial, que não acarreta a invalidade do acto final, por não se vislumbrar como é que a participação da Impugnante poderia relevar para a decisão.
Como aí se deixou dito, «deverá entender-se que não se justifica a anulação, apesar da preterição do direito de audição, nos casos em que se apure no processo contencioso que, se a audiência tivesse sido realizada, o interessado não teria possibilidade de apresentar elementos novos nem de se pronunciar sobre questões relevantes para determinar o conteúdo da decisão final sobre as quais não tivesse já tido oportunidade de se pronunciar. No entanto, o princípio do aproveitamento do acto apenas poderá ser aplicado em situações em que não se possam suscitar quaisquer dúvidas sobre a irrelevância do exercício do direito de audiência sobre o conteúdo decisório do acto, o que conduz, na prática, à sua restrição aos casos em que não esteja em causa a fixação de matéria de facto relevante para a decisão. (...). No caso em apreço, os factos relevantes para a liquidação impugnada estavam já todos concretizados. A audição da impugnante não alteraria em nada a fixação da matéria de facto relevante para a liquidação (....). Daí que sendo a audição prévia da impugnante absolutamente irrelevante para a matéria de facto determinante para a liquidação, a considerar-se que havia de proceder-se à sua audição prévia (porque o contribuinte declarante não foi a impugnante [alínea F) da matéria de facto], a irregularidade de tal omissão degradar-se-ia em formalidade não essencial, que não acarretaria a invalidade do acto de liquidação impugnado».
Quanto ao primeiro fundamento de improcedência, a Recorrente defende a inaplicabilidade do n.º 2 do artigo 60.º da LGT, porquanto a aludida declaração foi apresentada no âmbito do processo sucessório instaurado por força do óbito de C…, por um herdeiro deste, que não é o sujeito passivo do imposto em causa na presente liquidação.
Quanto ao segundo fundamento de improcedência, limita-se a afirmar, genericamente, nas alegações e respectivas conclusões de recurso, que tinha «que ser ouvida sobre o projecto de decisão, já que poderia e deveria instruir os autos com elementos que poderiam implicar uma diferente valoração e ou configuração da obrigação tributária.».
Vejamos.
É indiscutível a necessidade de fazer observar, no procedimento tributário que conduziu ao acto de liquidação impugnado - que decorreu já na vigência da Lei Geral Tributária - o disposto no artigo 60.º, isto é, a necessidade de ouvir o contribuinte, ora Recorrente, antes da liquidação do imposto, tendo em conta que a liquidação não foi efectuada com base em declaração apresentada por si, não se verificando, assim, a situação de dispensa de audição prevista no n.º 2 do aludido preceito legal.
Pelo que ocorreu, efectivamente, um vício procedimental, por violação do citado preceito legal, que é susceptível de ter reflexos no acto final da liquidação, tornando-a anulável, a menos que seja manifesto que a decisão viciada não podia deixar de ter, em abstracto, o conteúdo que teve em concreto.
Com efeito, a jurisprudência da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal Administrativo tem formada, desde há muito, uma sólida orientação no sentido de que os vícios de forma não impõem, necessariamente, a anulação do acto a que respeitam, e que as formalidades procedimentais essenciais se degradam em não essenciais se, apesar delas, foi dada satisfação aos interesses que a lei tinha em vista ao prevê-las Neste sentido, podem ver-se, entre tantos outros, os seguintes Acórdãos do STA: de 13/07/1989, no Recurso nº 18270, in Apêndice ao D.R. de 30-4-91; de 17/12/1997, no Recurso nº 36001, in BMJ nº 472, pág. 246; de 20/11/1997, no Recurso nº 41719, in Cadernos de Justiça Administrativa nº 13, pág. 14; de 3/10/2001, no Recurso nº 36037, in Apêndice ao D.R. de 23-10-03; de 20/06/2002, no Rec. nº 412/02, de 19/02/2003, no Rec. nº 123/03, e de 25/01/2005, no Rec. n.º 1240/02.
. E, nessa decorrência, tem entendido que a omissão do dever de audiência prévia consagrado no artigo 100.º do Código de Procedimento Administrativo (CPA) não será invalidante da decisão final nos casos em que, através de um juízo de prognose póstuma, o tribunal possa concluir, sem margem para dúvidas, que a decisão tomada era a única concretamente possível. Cfr. os acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do STA, de 9/02/1999, no Recurso nº 39.379, e de 12/12/2001, no Recurso nº 34.981.
Como se pode ler no acórdão proferido em 14/05/2003, no recurso nº 317/03, «Não basta, convém salientar, que a decisão seja proferida no exercício de poderes vinculados, para ter como não invalidante a violação do disposto no artigo 100.º do Código do Procedimento Administrativo, pois pode ainda ser possível, em certos casos de actividade vinculada, admitir a influência da participação do interessado no sentido daquela. Consequentemente, a formalidade em causa (essencial) só se degrada em não essencial, não sendo, por isso, invalidante da decisão, nos casos em que a audiência prévia não tivesse a mínima probabilidade de influenciar a decisão tomada, o que impõe o aproveitamento do acto – utile per inutile non viciatur - já que, como se salientou, a audiência dos interessados não é um mero rito procedimental”».
Em aplicação desse princípio, a jurisprudência emanada da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo e dos Tribunais Centrais Administrativos tem igualmente proclamado que a omissão da audiência prevista no artigo 60.º da LGT nem sempre conduz à anulação do acto a que se reporta. Mesmo no exercício de poderes estritamente vinculados, essa omissão só será invalidante nos casos em que o tribunal possa concluir, sem margem para dúvidas, que a audição do interessado não tinha a mais ténue possibilidade de exercer influência (quer pelos esclarecimentos prestados, quer pelo chamamento da atenção de certos aspectos de facto e de direito) na decisão a proferir.
«À luz de tal princípio, deverá entender-se que não se justifica a anulação, apesar da preterição do direito de audição, nos casos em que se apure no processo contencioso que, se a audiência tivesse sido realizada, o interessado não teria possibilidade de apresentar elementos novos nem de se pronunciar sobre questões relevantes para determinar o conteúdo da decisão final sobre as quais não tivesse já tido oportunidade de se pronunciar. Mas, apenas nessas situações em que não se possam suscitar quaisquer dúvidas sobre a irrelevância do exercício do direito de audiência sobre o conteúdo decisório do acto pode ser efectuada aplicação daquele princípio» - acórdão proferido pelo STA em 15/02/2007, no recurso nº 01071/06.
No caso vertente, a Recorrente não questiona a aplicabilidade genérica deste princípio do aproveitamento do acto, defendendo apenas que ele não é de aplicar à situação em apreço uma vez que se tivesse sido ouvida poderia ter instruído «os autos com elementos que poderiam implicar uma diferente valoração e ou configuração da obrigação tributária», não especificando, porém, que aspectos (de facto e de direito) da decisão poderiam ter sido por si influenciados e/ou que elementos são esses que poderia ter apresentado com relevo para a decisão.
Ora, como se deixou frisado na decisão recorrida, no caso em apreço, os factos relevantes para a liquidação estavam já todos concretizados. A audição da impugnante não alteraria em nada a fixação da matéria de facto relevante para a liquidação, uma vez que ela estava dependente de actos formais já apurados no processo de liquidação do imposto sucessório. Quais sejam: as transmissões das quotas sociais; os seus valores; a reserva do usufruto e a renúncia ao usufruto, tudo factos dependentes de prova documental que a impugnante não poderia alterar ou influenciar.
Sendo assim, é de concluir que foi correcta a aplicação do referido princípio do aproveitamento do acto, por se estar perante uma situação de solução legal evidente e em que não se vislumbra qualquer possibilidade de a omitida audição antes do acto de liquidação poder ter influência sobre o conteúdo desta.
4. Face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.
Custas pela Recorrente, com procuradoria que se fixa em 1/6.
Lisboa, 30 de Março de 2011. - Dulce Manuel Neto (relatora) - Pimenta do Vale – Valente Torrão.