Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0386/17.8BEMDL
Data do Acordão:01/08/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOSÉ GOMES CORREIA
Descritores:GÁS NATURAL
IMPOSTO EXTRAORDINÁRIO
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
PRINCÍPIO DA EQUIVALÊNCIA
PRINCÍPIO DA NÃO RETROACTIVIDADE DA LEI
PRINCIPIO DA TUTELA DA CONFIANÇA
PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA
RETROACTIVIDADE DA LEI FISCAL
Sumário:Não padecem de inconstitucionalidade por violação dos princípios da capacidade contributiva e tributação pelo rendimento real, por não serem totalmente claro e preciso quanto à incidência objectiva (art. 104º, nº 2 da CRP), da proporcionalidade, da igualdade na repartição dos encargos públicos (art. 13º da CRP) e da protecção da confiança, segurança jurídica e não retroactividade da lei fiscal (art. 103, nº 3 da CRP), as normas ínsitas nos artigos 2.º, 3.º, 4.º, 11.º e 12.º que modelam o regime jurídico da “Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético”, aprovado pelo artigo 228.º da Lei n.º 83º-C/2013, de 31 de Dezembro.
Nº Convencional:JSTA000P25383
Nº do Documento:SA2202001080386/17
Data de Entrada:07/24/2019
Recorrente:A......, S.A.
Recorrido 1:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo
1. RELATÓRIO

1.1 A………., S.A., m.i. nos autos, recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença por que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela julgou improcedente a impugnação judicial por ela deduzida, na sequência do indeferimento da reclamação graciosa, contra a autoliquidação da Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético (CESE), criada através da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, relativamente ao ano de 2016 e respectivos juros compensatórios.
1.2 O recurso foi admitido, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo e a Recorrente apresentou as alegações, que sintetizou nas seguintes conclusões:

“1. Vem defendendo a impugnante, ora recorrente, que a CESE é, pela sua natureza, conteúdo e continuidade, uma contribuição financeira de natureza não biliteral ou sinalagmática, constituindo um verdadeiro imposto e, como tal, viola, nos moldes em que foi determinada e imposta, os princípios da capacidade contributiva e da tributação pelo rendimento real, bem como, cumulativamente, os princípios da proporcionalidade, da igualdade, da confiança e da proteção jurídica.

2. Todavia, diferentemente deste entendimento, a sentença recorrida acolheu tese qualificativa distinta, assentando na sua fundamentação a construção de que a CESE é uma contribuição extraordinária e transitória, que não se revela desproporcionada, por não ser nem inadequada, desnecessária ou excessiva.

3.Pelo contrário, entende a recorrente ser manifesta a sua desconformidade com a Constituição da República Portuguesa, impondo-se por isso a sua anulação à luz do disposto no artigo 163.º do Código do Procedimento Administrativo “ex vi” do artigo 2.º da Lei Geral Tributária.

4. Isto porque o artigo 228.º da Lei n.º 83-C/2013 de 31 de dezembro, que contém a tipificação da CESE, instituiu um regime que choca ostensivamente com os mais elementares princípios constitucionais e legais,

5. Designadamente o princípio da capacidade contributiva que consubstancia o critério material da igualdade absoluta e relativa dos impostos, enquanto expressão do princípio da igualdade, o princípio da tributação pelo rendimento real que impõe, de uma forma clara e transparente, que o tributo deverá pautar-se pela adequação, necessidade e proporcionalidade ao abrigo do princípio da proporcionalidade, os princípios da igualdade e universalidade e ainda o princípio da proteção da confiança e segurança jurídica.

6. Viola ainda os artigos 4º, 5.º, n.º 2, 8.º e 13º da LGT ao não revelar de forma totalmente clara e precisa a definição da sua incidência objetiva e os pressupostos do tributo.

7. Foi intenção do Governo que fossem as entidades do setor energético a suportar, totalmente, o encargo do novo tributo, sendo a receita que provém da CESE consignada ao Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Setor Energético, nos termos do preceituado no artigo 11.º do regime jurídico da CESE.

8. Em face dos desígnios subjacentes à criação da CESE e do FSSSE, é manifesto que o seu cariz seria forçosamente temporário, com vista não só ao financiamento de políticas de sustentabilidade do setor energético e ao financiamento do défice tarifário, mas também tendo como foco a contribuição para o equilíbrio das contas públicas.

9. Assim sendo, para a efetivação da autoliquidação, a CESE apresenta então a sua incidência sobre os ativos líquidos fixos tangíveis, os ativos intangíveis (com exceção de propriedade intelectual) e os ativos financeiros, desde que afetos a concessões ou atividades licenciadas, estando, por isso, intimamente relacionada com a atividade operacional dos respetivos sujeitos passivos os ativos a tributar.

10. Foi ainda objetivo de criação da CESE a redução do défice tarifário, dispondo o Decreto-Lei n.º 29/2006 de 15 de fevereiro as bases gerais da organização do SEM, prevendo, designadamente, que relativamente às condições de venda de eletricidade, o Comercializador de Último Recurso (CUR) deve aplicar aos seus clientes tarifas reguladas, publicadas pela ERSE, de acordo com o estabelecido no Regulamento Tarifário.

11. Afigura-se inócuo e até abusivo que, para além do esforço empunhado pelos grupos do setor energético, (entretanto divididos em estruturas societárias autónomas por imposição legal) venha ainda a ser imputado a outras empresas do grupo – e em concreto à impugnante A…….. – o pagamento de uma “contribuição” que, sublinhe-se, tem como mesmíssima finalidade o financiamento deste mesmo défice, o qual, em boa verdade, deveria ser suportado pela generalidade dos consumidores de energia.

12. No plano jurídico-fiscal, a CESE subsume-se, sem margem para dúvidas, à figura de tributo, sendo essencial avaliar o cumprimento dos preceitos legais e constitucionais que lhe estão intrínsecos, incluindo-se a possibilidade de recondução da CESE a qualquer uma das categorias típicas de tributo, expressamente previstas na lei.

13. Nestes moldes, seguindo-se o guião imposto pelos artigos 3.º, n.º 2 e 4.º da LGT, os tributos revestem-se sob a forma de imposto, taxa ou contribuição especial.

14. No sentido estrito da tipicidade tributária, a figura da CESE não se encontra especialmente prevista na LGT e, nesta perspetiva, poder-se-ia concluir que a mesma não integra a classificação de tributos previstos pelo legislador e antes poderia configurar uma contribuição financeira, com acolhimento constitucional expresso no artigo 165.º, n.º 1 alínea i) da CRP.

15. A análise abstrata dos conceitos aproxima a figura da contribuição com a da taxa, sendo entre elas sinal diferenciador o sinalagma difuso que pauta a contribuição e que se traduz na impossibilidade de se determinar concreta e individualmente quais e de que modo os seus sujeitos passivos beneficiam da contraprestação, enquanto nas taxas o sinalagma é efetivo, estabelecendo-se uma concreta bilateralidade entre o serviço prestado e a contribuição paga.

16. Consequentemente, as taxas e contribuições devem encontrar correspondência com o custo ou valor das prestações públicas, sendo elementar que, no cumprimento da Lei, seja observada uma equivalência efetiva com custos ou benefícios reais e não apenas especulativos ou imaginários.

17. Deste pressuposto facilmente se depreende que a figura da CESE não apresenta, “tout court”, a natureza sinalagmática exigida com maior grau de compromisso, no que concerne à taxa e ainda que, com a caracterização já indicada da contribuição, que decorre da LGT, certo é que a CESE não poderá enquadrar-se também neste tipo de tributo.

18. O que significa que, perante este circunstancialismo, é concretamente aplicável o regime dos impostos, já que a CESE não consubstancia a contraprestação pela existência de uma troca que, presumivelmente, provoca benefícios para a reclamante ou um aumento do valor dos seus ativos.

19. Pelo que, ainda que seja atendível e compreensível a necessidade de fomentar a sustentabilidade sistémica, como vem especialmente evidenciado na sentença recorrida, crê-se não ser a CESE o instrumento tributário correto para aprovisionar o FSSSE.

20. Sendo a CESE um verdadeiro imposto, separa-se desde logo dos restantes tributos à luz da unilateralidade que o caracteriza, já que não cria um benefício para os seus sujeitos passivos, mas antes para o Estado em geral e aos consumidores em particular.

21. Na mesma linha, reforçando-se a unilateralidade da CESE, tenha-se em linha de conta que os objetivos da figura são o equilíbrio das contas públicas, sustentabilidade sistémica do setor energético, políticas públicas sociais e ambientais do setor energético e a diminuição da divida tarifária, sendo todos eles absolutamente desprendidos do facto tributário que se associa à mera detenção de ativos.

22. No entanto, a impugnante entende que a CESE desrespeita claramente os princípios da capacidade contributiva e da tributação pelo rendimento real porquanto, como ressalta de uma visão meramente superficial, não será correto pressupor a capacidade contributiva de um sujeito passivo com base na mera detenção de ativos.

23. Respeitando o princípio da capacidade contributiva, os impostos aplicáveis às sociedades devem incidir sobre o lucro efetivamente obtido pelas empresas, determinado à luz da sua contabilidade, composto posteriormente por determinadas correções fiscais; sendo que, a aplicabilidade deste princípio implica que ao lucro das empresas resultante do desenvolvimento da sua atividade sejam deduzidos os custos em que incorreu, precisamente com o desenvolvimento dessa atividade.

24. Deste patamar facilmente se depreende que o legislador errou ao entender que os ativos dos sujeitos passivos da CESE traduzem a sua capacidade contributiva.

25. Mais grave é ainda a regra da não dedutibilidade e da não repercussão, estabelecidas pelos artigos 12.º e 5.º do Regime Jurídico da CESE, que violando os princípios da capacidade contributiva e de tributação pelo rendimento real, configuram uma infeliz situação de dupla tributação, cuja invocação desde já se apresenta.

26. A CESE, peregrina no ordenamento jurídico português, assenta na tributação do rendimento presumido, aferido de acordo com a expressão monetária dos ativos, sem qualquer consideração pela capacidade contributiva manifestada pelos seus sujeitos passivos e, por essa via, manifestamente violador do princípio da igualdade.

27. A CESE e a sua criação não consideraram que já existia um imposto sobre o rendimento das empresas denominado IRC (Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas).

28. Por conseguinte, retomando a temática da inconstitucionalidade, é de referir que a presunção do lucro por esta via é absolutamente inconstitucional por violação expressa do artigo 104.º, n.º 2 da CRP.

29. É manifestamente ilegal a autoliquidação imposta da CESE por ser sustentada em normas inconstitucionais.

30. O princípio da proporcionalidade é uma decorrência do princípio da igualdade e do princípio da capacidade contributiva, o qual apresenta uma tripla exigência para que se verifique, ou seja, adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.

31. O princípio da especialidade e a própria essência do Estado Português refletida na CRP pressupõe que todas as sociedades visam, em última instância, o lucro. Assim, não pode nunca ser imposto a um grupo pequeno e (aparentemente) de forma aleatória um sacrifício que a impugnante não tinha como prever.

32. Nem tampouco perpetuar esta situação “ad aeternum”!

33. A CESE é manifestamente desproporcionada, seja porque é cumulada com o IRC, porque não é considerado o rendimento real das empresas, porque se nega a possibilidade de repercussão e dedutibilidade da CESE e porque esta figura acabou por assumir um caráter definitivo (2014-2019) sem previsão de quando termine.

34. O princípio da igualdade deve nortear a atuação da administração em todas as suas intervenções, independentemente do impacto que aparentemente daí advenha e encontra a sua consagração no artigo 13.º da CRP, aplicável mesmo quando está em causa a repartição de encargos públicos.

35. A título exemplificativo, tenha-se em consideração que uma sociedade que apresente um balanço de 1.500.001,00 €, em que foge ao crivo da isenção por 1,00 € nos termos do artigo 4.º do regime jurídico da CESE deverá, em situação análoga à da reclamante, pagar 127.500,00 € caso tenha um ativo avaliado por aquele valor, já que em boa verdade poderá ser significativamente superior.

36. Por seu turno, se uma empresa com a mesma atividade apresentar um resultado no balanço de 1.499.999,00 € foge à aplicabilidade da CESE e, por consequência, beneficia de uma situação significativamente mais favorável por influência do Estado que assim distorce o livre funcionamento do mercado, penalizando significativamente uma empresa em detrimento de outra por uma variação de apenas 1,00 €.

37. No que toca ao princípio da proteção da confiança e da segurança jurídica, assume “in casu” especial relevância a questão da irretroatividade fiscal, já que o artigo 103.º, n.º 3 da CRP determina que “ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição, que tenham natureza retroativa ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei”.

38. E concretiza o n.º 1 do artigo 2.º da LGT dispondo que “as normas tributárias aplicam-se aos factos posteriores à sua entrada em vigor, não podendo ser criados quaisquer impostos retroativos”.

39. Ora, embora o Orçamento de Estado de 2014 vise e atribua a produção dos respetivos efetivos efeitos desde 1 de janeiro de 2014, a verdade é que lança um tributo retroativo na medida em que é aplicável diretamente a factos tributários ocorridos em 2013, isto porque, o artigo 3.º, n.º 3 do Regime Jurídico da CESE considera que o valor do ativo, para efeitos de liquidação do tributo, é o que consta das demonstrações financeiras a 1 de janeiro de 2014, o qual não se formou naquele dia mas sim no decurso de vários anos de atividade.

40. Não restam, pois, dúvidas que o tributo cobrado e com referência a 1 de janeiro diz respeito ao ano anterior, sendo por inerência a sua aplicabilidade retroativa, o que ataca violentamente este princípio constitucional basilar do sistema fiscal português.

41. Foram violados todos os preceitos citados da CRP e da LGT.

Termos em que deve o presente recurso vir a ser julgado como procedente, revogando-se a sentença recorrida e, consequentemente, julgar-se a impugnação procedente com todas as consequências legais.”

1.3 A Recorrida não contra-alegou.

1.4 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja deve ser negado provimento ao recurso nos seguintes termos:

“1.OBJETO.
Sentença do TAF de Mirandela, que julgou improcedente impugnação judicial deduzida contra a autoliquidação da CESE DE 2016, no entendimento de que o tributo tem a natureza de contribuição financeira, sendo que as normas que a regulam são conformes à CRP, não se mostrando violados os princípios da capacidade contributiva, tributação sobre o rendimento real, proporcionalidade, igualdade e proteção da confiança.
2.FUNDAMENTAÇÃO.
O regime jurídico da CESE foi instituído pelo artigo 228.º da Lei 83-C/2013, de 31/12, com alterações introduzidas pela Lei 82-B/2014, de 31/12, Lei 33/2015, de 27/04, Lei 41/2016, de 28/12 e Lei 71/2018, de 31/12/2018.
Ora, o tributo em causa já foi apreciado pelo acórdão 7/2019, do Tribunal Constitucional, cujo discurso fundamentador se subscreve e aqui se dá por reproduzido, que considerou que consubstancia uma contribuição financeira e não um imposto, como sustenta a recorrente, e que os artigos 2.º, 3.º, 4.º 11.º e 12.º do respetivo regime jurídico estão em perfeita conformidade com a CRP.
Na verdade, a CESE é uma contribuição financeira a favor de uma entidade pública (FSSSE), já que tem uma natureza híbrida, que compartilha em parte a natureza dos impostos, porquanto não tem uma contrapartida individualizada para cada contribuinte e em parte a natureza das taxas, pois que visa retribuir o serviço prestado pelo FSSSE a um certo círculo de entidades que beneficiam coletivamente da atividade daquela.
De facto, o tributo em causa parece não poder qualificar-se como um imposto, uma vez que a sua finalidade não é, exclusivamente, a obtenção de receita, não é a de fazer com que as entidades sujeitas concorram para os gastos gerais da comunidade, mas antes fazer com que o setor energético contribua para financiar mecanismos que promovam a sustentabilidade económica do setor energético, através da constituição de fundo (FSSSE) que visa, nomeadamente, contribuir para a redução da dívida energética e para o financiamento de políticas sociais e ambientais do setor energético.
Tratando-se de um contribuição financeira e não de um imposto, como sustenta a recorrente fica, assim, prejudicado o conhecimento da alegada violação dos princípios da capacidade contributiva e da tributação pelo rendimento real.
Quanto à alegada violação dos princípios da proporcionalidade e da igualdade na repartição dos encargos públicos, da confiança, da segurança jurídica e da não retroatividade da lei fiscal, adere-se, também, sem reservas, ao parecer do MP junto da 1.ª instância (fls. 73/78 do processo físico), cujo discurso fundamentador aqui se dá por reproduzido.
A sentença recorrida não merece censura.
3.CONCLUSÃO
Deve negar-se provimento ao presente recurso jurisdicional e manter-se a sentença recorrida na ordem jurídica.”

Corridos os vistos legais, cumpre decidir.


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2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

A sentença deu como provados os seguintes factos:

1. A Impugnante é uma sociedade comercial residente em território nacional que está colectada na actividade de distribuição de combustíveis gasosos por condutas (CAE 35220);
2. A Impugnante enquadra-se, para efeitos do Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), no regime normal de periodicidade mensal desde 1/1/2005;
3. No que respeita ao Imposto sobre o Rendimento (IRC), enquadra-se no regime geral desde 1/1/2009;
4. Relativamente ao exercício de 2016, atenta a actividade exercida pela ora Impugnante, é a mesma considerada sujeito não isento da contribuição extraordinária sobre o sector energético (CESE), nos termos do preceituado no art. 2.º do Regime da Contribuição Especial Sobre o Sector Energético (RCESE);
5. Em 30/12/2016 a Impugnante efectuou autoliquidação da CESE no montante de 399.197,11€;
6. Por entender não ser devida tal contribuição, a Impugnante apresentou reclamação graciosa com o fundamento em erro de autoliquidação;
7. A reclamação graciosa foi expressamente indeferida e notificada à Impugnante por carta registada datada de 2/8/2017
Cfr. art.ºs 2 a 5 e 11 da PI e docs 1 a 6 deste articulado; e factos expostos nos art.ºs 10.º a 16.º da contestação, não impugnados.


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2.2 DE FACTO E DE DIREITO

A sociedade acima identificada interpôs recurso para este Supremo Tribunal Administrativo da sentença proferida pelo Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela que julgou improcedente a impugnação judicial por ela deduzida, após indeferimento da reclamação graciosa, contra a autoliquidação da CESE relativa ao ano de 2016 e respectivos juros compensatórios.
Para assim decidir, adoptou o seguinte discurso fundamentador:
“O art.º 228.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro (Orçamento de Estado de 2014) aprovou o regime que criou a contribuição extraordinária sobre o sector energético. Esta contribuição extraordinária “tem por objectivo financiar mecanismos que promovam a sustentabilidade sistémica do sector energético, através da constituição de um fundo que visa contribuir para a redução da dívida tarifária e para o financiamento de políticas sociais e ambientais do sector energético. – art.º 1.º, n.º 2 do Regime
Por seu lado, “A receita obtida com a contribuição extraordinária sobre o sector energético é consignada ao Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Sector Energético (FSSSE), criado pelo Decreto-Lei n.º 55/2014, de 9 de Abril, com o objectivo de estabelecer mecanismos que contribuam para a sustentabilidade sistémica do sector energético, designadamente através da contribuição para a redução da dívida e ou pressão tarifárias e do financiamento de políticas do sector energético de cariz social e ambiental, de medidas relacionadas com a eficiência energética, de medidas de apoio às empresas e da minimização dos encargos financeiros para o Sistema Eléctrico Nacional decorrentes de custos de interesse económico geral (CIEG), designadamente resultantes dos sobrecustos com a convergência tarifária com as regiões autónomas dos Açores e da Madeira, e para o SNGN. (Sistema Nacional de Gás Natural) - art.ºs 11.º, n.º 1 do Regime.
O DL 55/2014, de 9/4 criou o Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Sector Energético (FSSSE), que visa contribuir para a promoção do equilíbrio e sustentabilidade sistémica do sector energético e da política energética nacional, designadamente através:
a) Do financiamento de políticas do sector energético de cariz social e ambiental, relacionadas com medidas de eficiência energética;
b) Da redução da dívida tarifária do Sistema Eléctrico Nacional (SEN), mediante a receita obtida com a contribuição extraordinária sobre o sector energético prevista no artigo 228.º da Lei 83-C/2013, de 31 de Dezembro.
Portanto, os objectivos essenciais da criação da CESE são a sustentabilidade sistémica do sector energético, do qual a Impugnante faz parte.
Pagando o sujeito passivo a taxa CESE, não se constitui, sinalagmaticamente, na sua esfera-jurídica o direito subjectivo (poder de exigir ou pretender) a uma específica correspectiva prestação. De modo que não pode obter pela via judicial a condenação da Administração a efectivar a utilidade pressuposta (prestação de facto), garantindo a sustentabilidade sistémica e a solidariedade do sector e a consolidação das contas públicas, com condenação em perdas e danos, hipoteticamente.
Embora proferido em contexto jurídico tributário diferente vejam-se os acórdãos do Tribunal Constitucional 539/15 de 21.10.2015; 544/15 de 28.10.2015; 564/15 de 28.10.2015; 568/15 de 28.10.2015; 602/15 de 26.11.2015 e 232/16 de 03.05.2016, que se pronuncia sobre a constitucionalidade da Taxa de Segurança Alimentar Mais:
“Apesar dos principais beneficiários das actividades que incumbe ao Fundo Sanitário de Segurança Alimentar Mais financiar, serem os consumidores em geral, não deixa também de aproveitar aos titulares de estabelecimentos de comércio alimentar de produtos de origem animal e vegetal, uma vez que tais actividades contribuem para o cumprimento do dever que sobre eles incide de garantir que os géneros alimentícios que comercializam preencham os requisitos legais, acabando por se projectar positivamente na fiabilidade dos produtos colocados no mercado e na actividade económica dos distribuidores finais que vêem dessa forma complementado o próprio sistema interno de controlo.
(…)
O imposto constitui uma prestação pecuniária, coactiva e unilateral, exigida com o propósito de angariação de receitas que se destinam à satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas, e que, por isso, tem apenas a contrapartida genérica do funcionamento dos serviços estaduais. O que permite compreender que os impostos assentem essencialmente na capacidade contributiva dos sujeitos passivos, revelada através do rendimento ou da sua utilização e do património (artigo 4.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária). A taxa constitui uma prestação pecuniária e coactiva, exigida por uma entidade pública, em contrapartida de prestação administrativa efectivamente provocada ou aproveitada pelo sujeito passivo, assumindo uma natureza sinalagmática. A taxa pressupõe a realização de uma contraprestação específica resultante de uma relação concreta entre o contribuinte e a Administração e que poderá traduzir-se na prestação de um serviço público, na utilização de um bem do domínio público ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares (artigo 4.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária).
A taxa tem igualmente a finalidade de angariação de receita. Mas enquanto que nos impostos esse propósito fiscal está dissociado de qualquer prestação pública, na medida em que as receitas se destinam a prover indistintamente às necessidades financeiras da comunidade, em cumprimento de um dever geral de solidariedade, nas taxas surge relacionado com a compensação de um custo ou valor das prestações de que o sujeito passivo é causador ou beneficiário. Assim, «a bilateralidade das taxas não passa apenas pelo seu pressuposto, constituído por dada prestação administrativa, mas também pela sua finalidade, que consiste na compensação dessa mesma prestação. Se a taxa constitui um tributo comutativo não é simplesmente porque seja exigida pela ocasião de uma prestação pública mas porque é exigida em função dessa prestação, dando corpo a uma relação de troca com o contribuinte» (Sérgio Vasques, em “Manual de Direito Fiscal”, pág. 207, ed. de 2011, Almedina)
(…)
No caso vertente, poderá afirmar-se que a “taxa de segurança alimentar mais” não constitui uma verdadeira taxa porque não incide sobre uma qualquer prestação administrativa de que o sujeito passivo seja efectivo causador ou beneficiário, sendo antes tida como contrapartida de todo um conjunto de actividades levadas a cabo por diversas entidades públicas que visam garantir a segurança e qualidade alimentar. E também porque o facto gerador do tributo não é a prestação individualizada de um serviço público mas a mera titularidade de um estabelecimento de comércio alimentar, sendo o valor da taxa calculado, com base na área de venda do estabelecimento e não com base no custo ou encargo que a actividade de controlo da segurança e qualidade alimentar poderia gerar.
Mas a “taxa de segurança alimentar mais” não pode também ser qualificada como um imposto porque a sua finalidade não é satisfazer os gastos gerais da comunidade, em cumprimento de um dever geral de cidadania, mas unicamente contribuir para o financiamento de uma actividade continuada de controlo e fiscalização da cadeia alimentar mediante a consignação das receitas a um Fundo que tem a missão específica de apoiar financeiramente projectos, iniciativas e acções a desenvolver nessa área”.
Portanto, servindo-nos da definição dada por José Casalta Nabais, in Colecção de Formação Contínua de 2014-2015, do CEJ, estamos perante uma contribuição especial financeira porque, segundo a sua definição as «contribuições especiais financeiras» (que) visam sustentar (ainda que de forma parcial) financeiramente os custos das obrigações de serviço público impostas a empresas no contexto da garantia de serviços de interesse geral e o funcionamento de sistemas públicos de garantia de serviços de interesse geral através da tributação de factos e comportamentos que consubstanciam manifestações de aproveitamento das utilidades geradas para além do aproveitamento correspondente ao mínimo indispensável à subsistência condigna, correspondendo a tributação a essa diferença”.
Neste sentido Cfr. também, CAAD, Processo nº 312/2015-T, de 7/1/2016.
Não sendo a CESE um imposto sobre o lucro, não tem sentido argumentar, salvo o devido respeito, que a taxa implica a violação manifesta do princípio da capacidade contributiva, também enquanto princípio definidor dos concretos limites máximo da tributação.
Quanto ao princípio da equivalência, salienta-se que não postula uma forçosa correspondência entre o custo suportado e a vantagem obtida pelo contribuinte, de modo a que todos os sujeitos passivos se encontrem em rigorosa igualdade, até porque, sobretudo no caso das contribuições financeiras, o benefício resultante da actividade das entidades públicas (a favor de quem são pagas), tem geralmente um carácter difuso, sendo por isso impossível de contabilizar com exactidão os valores da equação custos/benefícios.
Esse ambicionado vínculo de estrita equivalência seria quebrado pela previsão de outro tipo de receitas para financiamento do FSSSE (cfr, o art. 3º do DL-55/2014, de 09.04).
A natureza do CESE como contribuição extraordinária e transitória não perde tal característica em virtude de a sua cobrança ter sido prorrogada pelas subsequentes LOE. Assim, também não nos permite julgá-la desproporcional (inadequada, desnecessária e excessiva) no quadro do estado de emergência económico-financeiro conjuntural que, notoriamente, o país atravessa.
Por outro lado, é notório que os cidadãos (e sociedades de diversos sectores económicos) também suportaram aumento de taxas e impostos, cortes de vencimentos ou salários e subsídios, tendo em vista fazer face a tal situação de crise.
Era expectável e razoável que a aplicação de uma medida como a que se discute não assentasse num critério rígido uniforme de incidência objectiva e subjectiva. Assim, face às isenções do art.º 4.º, o legislador considerou que se tivesse em consideração diversos factores de diferenciação, tendo em vista desígnios de especial protecção ou particular promoção de subsectores ainda incipientes, mas singularmente estratégicos do ponto-de-vista económico, técnico ou ambiental, como sejam: a produção de electricidade por intermédio de centros electroprodutores que utilizem fontes de energia renováveis; a produção de electricidade por intermédio de centros electroprodutores de cogeração com uma potência eléctrica instalada inferior a 20 MW; a produção de electricidade por intermédio de centros electroprodutores de cogeração que estejam abrangidos pelo novo regime remuneratório previsto no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 23/2010, de 25 de Março, excepto se for um centro electroprodutor com uma potência instalada superior a 100 MW; a produção de electricidade por intermédio de unidades de pequena produção a partir de recursos renováveis, etc.
Portanto, os critérios veiculados na previsão e estruturação da CESE não são violadores do princípio constitucional da proporcionalidade (e da igualdade), pois que as distinções consideradas para efeitos de fixação do valor do tributo não assentam na arbitrariedade, nem são desprovidas de razão material bastante.
O art.º 1.º da Lei do Enquadramento do Orçamental (Lei n.º 91/2001, de 20.08) veio estabelecer:
a) As disposições gerais e comuns de enquadramento dos orçamentos e contas de todo o sector público administrativo;
b) As regras e os procedimentos relativos à organização, elaboração, apresentação, discussão, votação, alteração e execução do Orçamento do Estado, incluindo o da segurança social, e a correspondente fiscalização e responsabilidade orçamental;
c) As regras relativas à organização, elaboração, apresentação, discussão e votação das contas do Estado, incluindo a da segurança social.
O art.º 7.º, n.º 1 prevê que não pode afectar-se o produto de quaisquer receitas à cobertura de determinadas despesas. Contudo, e para o que interessa relevar, o n.º 2, al. f) do preceito exceptuou as receitas que sejam, por razão especial, afectadas a determinadas despesas por expressa estatuição legal ou contratual, como é aquela que nos autos se discute.
Portanto, a regra admite a excepção enunciada (entre outras previstas nas alíneas do n.º 2) uma vez que, conforme o n.º 3, essas receitas consignadas a determinadas despesas têm carácter excepcional e temporário.
Quanto à questão suscitada da não retroactividade da lei fiscal, porque na perspectiva da Impugnante a LOE para 2014 lança um tributo retroactivo na medida em que é aplicável directamente a factos tributários ocorridos em 2013, dir-se-á, e também de acordo com a posição defendida pelo Dig. Mag. do MP no parecer final, que o beneficio da contribuição em causa é sobretudo dirigida para o futuro, uma vez que visa implementar de um conjunto de medidas que visam proteger o sector a que a Impugnante pertence de eventuais colapsos futuros. Por outro lado, e como já foi referido pelo Tribunal Constitucional no seu acórdão de 12/10/1983, “Apenas uma retroactividade intolerável , que afecte de forma inadmissível e arbitrária os direitos e expectativas legitimamente fundados dos cidadãos contribuintes , viola o principio de protecção da confiança , ínsito na ideia de Estado de Direito Democrático.”
Ora, perante o exposto, a situação em apreço não configura uma afectação inadmissível e arbitrária os direitos e expectativas da Impugnante.”
Contra o assim fundamentado e decidido se insurge a recorrente, captando-se do perímetro recursório ditado pelas conclusões supra catalogadas que imputa à sentença recorrida erro de julgamento conexo com a interpretação e aplicação dos princípios da capacidade contributiva, tributação sobre o rendimento real, proporcionalidade, igualdade e protecção da confiança, segurança jurídica e da não retroactividade da lei fiscal, por entender que foram por aquela violados.
Ora, como denota o EPGA junto deste Tribunal no seu douto Parecer, o tributo em causa já foi apreciado pelo acórdão 7/2019, do Tribunal Constitucional que considerou que a CESE consubstancia uma contribuição financeira e não um imposto, como sustenta a recorrente, e que os artigos 2.º, 3.º, 4.º, 11.º e 12.º do respectivo regime jurídico estão em absoluta harmonia com a CRP.
E não se antolham razões ponderosas para não seguir esse entendimento como adiante se justificará.
Assim, como bem se identificaram na sentença recorrida, como fundamentos da impugnação foram invocadas a ilegalidade, por inconstitucionalidade material da contributiva especial da CESE, (art. 228.º da L-83-C/2013, de 31/12 – OE-2014 – que criou o regime da “contribuição extraordinária sobre o sector energético”, 2º-6º, 11º e 12 deste, 7º da Lei do Enquadramento Orçamental, L-83-B/2014, de 31/12 – OE-2015 –, DL-55/2014, de 09.04, e Port-208/2014, 10.10) por violação dos princípios seguintes da (i) capacidade contributiva e tributação pelo rendimento real, não sendo totalmente claro e preciso quanto à incidência objectiva, art. 104º, nº 2 da CRP; (ii) da proporcionalidade, da igualdade na repartição dos encargos públicos, art. 13º da CRP, e (iii) da protecção da confiança, segurança jurídica e não retroactividade da lei fiscal, art. 103, nº 3 da CRP.
No que tange à violação do princípio constitucional da capacidade contributiva e tributação pelo rendimento real, ser impreciso quanto à incidência objectiva, como bem se demonstra na sentença recorrida e aponta o Ministério Público o art. 3º estatui que a CESE incide sobre activos fixos tangíveis, activos intangíveis, (com excepção estes dos elementos da propriedade industrial), e sobre os activos financeiros afectos a concessões ou a actividades licenciadas de que sejam detentores na sua esfera jurídica patrimonial os sujeitos passivos de tal contribuição, medindo, por essa manifestação, a expressão percentual do esforço contributivo.
No ponto, o Tribunal Constitucional no referido Acórdão nº 7/2019, pronunciado no dia 8 de Janeiro, no Processo 141/16, expendeu que:
“Os ativos não surgem como manifestação meramente hipotética da capacidade contributiva, que fosse exigida como receita para despesas gerais do Estado, mas como indicador que permite presumir a potencial utilidade das prestações públicas que aos operadores aproveitam, e os custos presumidos que provocam, já que os ativos são elementos essenciais ao desenvolvimento da atividade, sendo suficientemente adequados para diferenciarem aquele impacto. Também por esta razão, não pode ligar-se a sujeição do ativo ao tributo a qualquer demonstração de que estaríamos perante um imposto sobre o património das empresas. Na lógica do legislador, a titularidade de ativos em certa área da economia é um dado que permite aferir da suscetibilidade da empresa para ser causa de ou beneficiar de políticas de sustentabilidade, o que a distingue dos demais operadores de outras áreas e dos cidadãos. Não é, assim, uma forma de arrecadar receita, indistintamente. É, por isso, uma base de incidência adequada”.
Já no plano da incidência subjectiva, não se está a solicitar à impugnante qualquer imposto, qualquer tributação pelo rendimento como se evidencia no mesmo Acórdão ao explicitar-se que:
“Não estamos, por isso, perante uma cobrança de tributo para participação nos gastos gerais da comunidade, numa pura angariação de receitas, que vise prover, indistintamente, às necessidades financeiras do Estado, que traduza o cumprimento de um dever geral de cidadania e solidariedade, como o dever de pagar impostos, em que esteja ausente uma qualquer contraprestação pública dedicada. Isto porque não é finalidade imediata e genérica deste tributo a obtenção de receitas, a serem afetadas, geral e indiscriminadamente, à satisfação de encargos públicos.
O facto de não ser possível individualizar-se, de forma concreta e absolutamente objetiva, uma compensação efetiva que, pelo seu conteúdo e natureza, seja especificamente dirigida aos sujeitos passivos que desenvolvam a atividade da recorrente, mas apenas as vantagens difusas, tal não retira caráter comutativo às prestações que visem financiar os objetivos que vão além da redução da dívida tarifária, já que estas contrapartidas não estão dissociadas de prestações públicas, ainda que genericamente destinadas a um grupo específico, sendo de presumir que os sujeitos passivos da CESE beneficiarão dos mecanismos que promovam a sustentabilidade sistémica do sector energético. Ou seja, no caso da CESE, estamos perante um tributo comutativo, em virtude de, ainda que de forma difusa, ser possível identificar nos objetivos do FSSSE, a que foi consignada, contraprestações destinadas a um determinado grupo de sujeitos passivos que mantêm suficiente proximidade com as finalidades que este prosseguirá, e no qual se se incluirá a recorrente.
Realizando a recorrente o armazenamento subterrâneo de gás natural e a construção, exploração e manutenção das infraestruturas e instalações necessárias para esse fim, dúvidas não restam que a recorrente sempre usufruirá do desenvolvimento das medidas que contribuam para o equilíbrio e sustentabilidade sistémica do setor energético, designadamente das que se associem à atividade do fundo criado que visa, entre outros objetivos, financiar políticas sociais e ambientais do setor energético, enquanto setor de serviços económicos de interesse geral.
Como é bom de ver, os operadores económicos deste sector, entre os quais a recorrente, em virtude do seu específico objeto social, irão, presumivelmente, aproveitar, como contrapartida da CESE, de mecanismos que promovem a sustentabilidade sistémica do sector energético, de cariz social e ambiental, a desenvolver pelo Estado regulador, garante dessa sustentabilidade. Ou seja, uma vez que a atividade desenvolvida por estes agentes económicos beneficiará das ações de regulação traduzidas no desenvolvimento de políticas sociais e ambientais do setor energético, que promovam a sustentabilidade sistémica do setor, designadamente através da constituição do FSSSE dedicado ao seu financiamento, financiamento este que também respeitará ao subsector do gás natural, existem, então, razões que autorizam o legislador a estabelecer que o grupo de operadores, no qual se inclui a recorrente, deve contribuir para os custos decorrente dessas medidas regulatórias.
Chegados à conclusão de que a CESE deve ser qualificada como contribuição financeira, e não como um imposto, fica precludida a análise dos argumentos da recorrente que sustentavam a inconstitucionalidade das normas que a criaram e estabeleceram o respetivo regime, remetendo para os princípios constitucionais que regulam estes tributos, como a violação do princípio da capacidade contributiva na vertente da igualdade material, ou a violação do princípio da tributação das empresas pelo lucro real.”
Mas a impugnante e ora recorrente argui ainda que a liquidação em causa afronta o princípio da proporcionalidade e da igualdade na repartição dos encargos públicos.
Todavia, se o tributo em causa reveste a natureza de uma contribuição financeira, e não de um imposto, apenas é exigível a proporção da respectiva incidência objectiva, isto é, apenas na expressão percentual dos seus activos, e não de um valor fixo, um valor proporcional à respectiva capacidade económica. E tal valor é canalizado para a formação de um património autónomo, e não para gastos comuns do Estado, com autonomia administrativa e financeira, o denominado Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Sector Energético, sendo que tal solicitação é igualmente efectuada na mesma proporção percentual a todos os demais operadores económicos equivalentes do sector energético, com o intuito de financiar políticas de tal sector, de cariz social e ambiental, relacionadas com medidas de eficiência energética, e com a redução do tarifário, da qual a impugnante beneficia na exacta proporção da expressão económica do grupo em que se enquadra e dos benefícios que tal implementação trazem no equilíbrio e sustentabilidade, ambiental e económica do sector em causa.
Assim sob o prisma quer da proporcionalidade material, quer da igualdade material, não se alcança que seja configurável qualquer violação dos princípios referidos na medida em que a impugnante e ora recorrente é tratada exactamente da mesma forma e na mesma expressão de correspondência económica, relativamente a todos os demais sujeitos passivos, sendo chamada a contribuir na proporção da sua dimensão e capacidade.
Tudo isso resulta do Acórdão do TC que vimos referindo e acompanhando e de que se extracta o seguinte bloco fundamentador:

14. A recorrente argumenta que o regime deste tributo, resultante das normas impugnadas, caso se considere a CESE como verdadeira contribuição financeira e não como imposto, sempre seria materialmente inconstitucional, por violar o princípio da equivalência, enquanto subprincípio do princípio da igualdade, aplicável aos tributos paracomutativos, constituindo, igualmente, uma restrição do direito de propriedade imposta em violação do princípio da proporcionalidade, assim como do princípio da proibição de consignação de receitas (cfr. conclusão P. das alegações da recorrente, de fls. 407).

Vejamos se serão postos em causa o princípio da equivalência e da proporcionalidade.

Embora não expressamente consagrado na Constituição, o princípio da equivalência resulta do princípio da igualdade, previsto no artigo 13.º da Lei Fundamental, com ele se procurando que taxas e contribuições se adequem às prestações públicas de que beneficiarão, real ou presumidamente, os respetivos sujeitos passivos.

Decorre, do que atrás se explicitou, que a CESE é um tributo da categoria das contribuições, excluindo a sua classificação, quer como taxa, quer, para o que mais aqui relevava, como imposto.

Garantido que esteja que a contribuição lançada encontra justificação no benefício recebido/custo provocado relativo a uma prestação diferenciada de que efetiva ou presumivelmente beneficiará/ou terá provocado um grupo seu sujeito passivo, estará assegurado o sinalagma que justifica a diferenciação tributária, bem como o respeito pelo princípio da equivalência.

No caso, como atrás se demonstrou, a sujeição à CESE do grupo constituído pelos operadores económicos em que a recorrente se inclui não é desprovida de contrapartidas. Nem quando globalmente considerado o grupo de operadores no setor da energia, nem quando especificamente considerados aqueles que operam no setor do gás natural. Aliás, na definição da consignação de receitas, é para o setor da energia globalmente considerado que são destinadas a maior parte das verbas, visando o financiamento de políticas do setor energético de cariz social e ambiental, relacionadas com medidas de eficiência energética, e de apoio às empresas, já que apenas um terço é reservado à redução da dívida tarifária do SEN.

É, em suma, o carácter sinalagmático, atrás enunciado, que traduz a verificação da equivalência necessária, pelo que não pode deixar de se concluir não existir desrespeito pelo princípio da equivalência. Ao mesmo tempo, a assinalada bilateralidade, encontrada na contraprestação correspondente à sujeição à CESE, retira-lhe o carácter de imposto que incidiria sobre o património das empresas do setor energético que a ela estão obrigadas. Como descrevemos, a estrutura bilateral do tributo justifica que se distinga estes sujeitos passivos dos demais contribuintes, respeitando-se, por isso mesmo, o princípio da equivalência, afastando-se uma injustificada desigualdade.

15. A recorrente invoca, ainda, que esta correspondência não pode violar o princípio da proporcionalidade, sob pena de violar a propriedade privada e livre iniciativa económica. Afastada a caracterização como imposto, em virtude da aceite sinalagmaticidade, uma tal questão remete-nos para o controlo do critério escolhido para definição desta contribuição, ou seja, para o equilíbrio entre prestação e contraprestação.

Significa que, encontrada na relação causal enunciada a justificação para a diferenciação deste grupo na tributação, restaria saber se colhe a invocação da recorrente de que a imposição deste encargo violaria o princípio da proporcionalidade.

Ora, está bem de ver – o que sobressai da desenvolvida distinção entre taxas e contribuições para que atrás se remeteu – que a objetividade conseguida na relação entre uma taxa e a troca real e efetiva que a justifica, e uma contribuição e a prestação genérica e presumida que lhe dá origem, será de grau necessariamente diferenciado, já que, nas prestações presumidas/custos provocados, esta relação não poderá deixar de ser mais difusa ou reflexa, pela sua própria natureza. Por isso, na finalidade de promoção de mecanismos para financiamento de políticas do setor energético de cariz social e ambiental, e de medidas relacionadas com a eficiência energética, prevista como um dos destinos da CESE, a que, aliás, a lei consigna a maior parte das receitas deste tributo [artigo 4.º, n.º 2, alínea a)], não se procura a identificação de benefícios efetivos, concretos, objetivamente mensuráveis e comparáveis com o sacrifício imposto, mas um mínimo de probabilidade na obtenção desses benefícios pelos sujeitos passivos. E, no caso da recorrente, ainda que se pudesse considerar que inexistiria relação causal entre o desempenho da sua atividade e a dívida tarifária do Setor Elétrico Nacional, ou que não beneficiaria de medidas promovidas para sua redução – já que a requerente não integra o setor electroprodutor –, sempre aqueloutro objetivo, enunciado como destino maioritário da alocação de verbas, pode ser identificado como elemento suficientemente justificador da relação causal entre o tributo a pagar e o financiamento de políticas do setor energético de cariz social e ambiental. É que, como se afirmou já, a causalidade estrutural desta contribuição não assenta, de modo algum, exclusivamente, na redução da dívida tarifária do SEN.

Adiante-se, aliás, que não cabe ao Tribunal Constitucional apurar do posterior e efetivo grau de desenvolvimento de concretas políticas sociais e ambientais, relacionadas com medidas de eficiência energética, que concretizem a intervenção estadual no setor energético de modo a satisfazer aquele que é um dos objetivos da CESE elencado no artigo 1.º, n.º 2, do seu regime, aprovado pelo artigo 228.º da Lei n.º 83.º-C/2013, de 31 de dezembro, no qual se determinou que esta «contribuição tem por objetivo financiar mecanismos que promovam a sustentabilidade sistémica do setor energético…», finalidade reforçada no artigo 2.º do diploma que criou o Fundo para o qual a contribuição reverte, que visa a «promoção do equilíbrio e sustentabilidade sistémica do setor energético e da política energética nacional».

No caso, ao lançar esta contribuição, o legislador definiu uma base de incidência subjetiva suficientemente estreita, com a preocupação de delimitar, com a certeza possível, os sujeitos passivos que virão a beneficiar de presumida prestação, em troca da sujeição a este tributo. Deliberadamente, afastou a solução de fazer repercutir a responsabilidade desta contraprestação em toda a comunidade, que, se assim não fosse, custearia, através dos impostos, prestações públicas de que a sociedade, no seu todo, não seria causadora ou beneficiária. Concebido como encargo a suportar por estes operadores económicos, a consagração deste tributo é, desde logo, acompanhada da proibição da sua repercussão nos consumidores, por via tarifária (artigo 5.º do Regime jurídico da CESE).

Consequentemente, a incidência subjetiva da CESE abrange um conjunto justificável e diferenciável de destinatários que irão, através dela, compensar prestações que presumivelmente serão por estes provocadas ou aproveitadas – seja, a redução tarifária do SEN, ou, no caso dos operadores económicos desempenhando a atividade da requerente, os encargos com os mecanismos de promoção da sustentabilidade do setor energético –, mantendo estes inegável proximidade com as finalidades procuradas com o lançamento da CESE, nesse sentido assumindo aquela contraprestação uma natureza grupal, razão justificadora da tributação que sobre o grupo recai, distinguindo-o dos demais contribuintes.

No quadro de um modelo de Estado regulador, o objetivo do financiamento de mecanismos que promovam a sustentabilidade sistémica do setor energético é especialmente aproveitada pelo grupo de operadores económicos em que a recorrente se inclui. Como já se afirmou, neste contexto, é possível identificar uma suficiente conexão entre a origem da receita, cuja fonte são os agentes económicos sujeitos à CESE, e a sua finalidade, que a lei consignou ao FSSSE, de instituição de mecanismos para financiamento de políticas do setor energético de cariz social e ambiental, e de medidas relacionadas com a eficiência energética, de que o setor económico beneficiará.

É na promoção desta finalidade, e nos benefícios e encargos que daí advêm para determinados setores, que o legislador sustenta a imposição a operadores do setor económico da energia de um tributo que não recai sobre outros operadores económicos, nem sobre a generalidade dos cidadãos contribuintes. E esta prestação é inegavelmente útil à consecução do fim a que se destina, de assegurar as medidas do setor energético referidas, sem onerar a generalidade dos operadores de setores distintos e os cidadãos em geral, a que não se destinam, que as não causaram nem delas beneficiam.

É por esta mesma razão, de afastar do financiamento destas medidas de sustentabilidade energética os demais contribuintes que não lhes dão origem, nem delas beneficiarão de modo direto, que resulta patente que impô-las não se poderá considerar discriminatório.

Também no que respeita à incidência objetiva da CESE se considera estar garantido um nexo causal suficiente entre os ativos (no caso, ativos regulados) sobre os quais recai a CESE (artigo 3.º, n.º 1, do Regime jurídico da CESE) e as políticas públicas de cariz social e ambiental do setor energético.

A titularidade dos ativos tributáveis por parte das empresas que as normas legais sujeitam à CESE, cuja justificação radica na sustentabilidade sistémica do setor energético, torna-as presumíveis beneficiárias das políticas públicas de energia e da sua regulação. Os ativos não surgem como manifestação meramente hipotética da capacidade contributiva, que fosse exigida como receita para despesas gerais do Estado, mas como indicador que permite presumir a potencial utilidade das prestações públicas que aos operadores aproveitam, e os custos presumidos que provocam, já que os ativos são elementos essenciais ao desenvolvimento da atividade, sendo suficientemente adequados para diferenciarem aquele impacto. Também por esta razão, não pode ligar-se a sujeição do ativo ao tributo a qualquer demonstração de que estaríamos perante um imposto sobre o património das empresas. Na lógica do legislador, a titularidade de ativos em certa área da economia é um dado que permite aferir da suscetibilidade da empresa para ser causa de ou beneficiar de políticas de sustentabilidade, o que a distingue dos demais operadores de outras áreas e dos cidadãos. Não é, assim, uma forma de arrecadar receita, indistintamente. É, por isso, uma base de incidência adequada. Corrobora-se, por isso, a conclusão alcançada pelo tribunal a quo:

«[E]ntende-se que no caso é ainda possível estabelecer uma relação de causalidade suficiente entre o critério adotado pelo legislador para a determinação da base tributável da CESE e a sua finalidade, pois o valor dos ativos é um índice adequado para medir a diferença de capacidade (potencial) de impacto da atividade desenvolvida pelos sujeitos passivos, no contexto das políticas de eficiência energética. Um juízo onde tem especial peso a circunstância de estarmos perante um tributo de natureza extraordinária, que por isso se requer de fácil implementação e aplicação para um período de aplicação transitório e curto, onde não se justificaria a implementação de critérios, porventura mais adequados, como a “medida do impacto das economias de energia potenciais” (algo que os contratos de gestão de eficiência energética têm provado ser de elevada complexidade técnica), mas muito complexos e com elevados custos de cumprimento, ou seja, totalmente desajustados da urgência no caso pretendida.»

Embora a propósito do respeito deste princípio da equivalência no âmbito da fixação das taxas, o Tribunal Constitucional teve já ocasião de decidir que «em matéria tributária, não cabe ao Tribunal Constitucional, em linha de princípio, controlar as opções do legislador ou da Administração nas escolhas que estes fazem para estabelecer o quantum dos tributos, quer se trate de impostos, de taxas ou de contribuições especiais» (Acórdão n.º 640/1995). Chegando, mesmo, a afirmar-se, no mesmo aresto que «o Tribunal Constitucional rejeita – seguindo a doutrina fiscalista portuguesa que se exprime sem discrepâncias – o entendimento de que uma taxa cujo montante exceda o custo dos bens e serviços prestados ao utente se deve qualificar como imposto ou de que deve ter o tratamento constitucional de imposto».

A mesma ideia veio a ser explicitada, por exemplo, no Acórdão n.º 140/1996: «as opções feitas pelo legislador (ou pela Administração) na fixação do montante das taxas são, em princípio, insindicáveis por este Tribunal, que, quando muito, poderá cassar as decisões legislativas (ou regulamentares), se, entre o montante do tributo e o custo do bem ou serviço prestado, houver uma desproporção intolerável - se a taxa for de montante manifestamente excessivo».

Bem se compreenderá que, no caso das contribuições, como nas contribuições de regulação, relativamente às quais o sinalagma que é possível identificar não é, como no caso das taxas, individualizado e efetivo, mas apenas presumido, não poderá este Tribunal deixar, por maioria de razão, de lhes estender um tal entendimento.

Ora, como se afirmou, se é verdade que também nas contribuições não se dispensa alguma objetividade mínima no estabelecimento da relação entre a contribuição a pagar e a vantagem para um grupo determinado ou determinável de contribuintes que a suportará, acontece que, sendo esta vantagem presumida, contrariamente ao que sucede nas taxas, em que a vantagem que lhe dá origem é real e singularizável, permitindo melhor adequar o tributo ao custo ou benefício do sujeito passivo, já no caso das contribuições, pela natureza da relação, mais difusa ou reflexa, o grau de exigência na objetividade exigida será ainda mais atenuado.

Note-se, na sequência do que vem dito, que o facto de a sujeição à CESE ser diferenciada (artigo 3.º da Lei n.º 83-C/2013) em função da titularidade do valor dos elementos do ativo de determinados operadores económicos, ou do valor dos ativos regulados – como é o caso da recorrente –, assim afastando a imposição de um encargo à generalidade dos contribuintes, e ajustando a base de incidência em função dos diferentes grupos de sujeitos passivos do tributo, não é, ao contrário do que sustenta a recorrente, indício de desigualdade, mas, antes, de delimitação da base de incidência em função da presumida contraprestação, cujo benefício/custo respeita ao setor energético, desde logo, não a impondo à generalidade dos contribuintes, e procurando a acomodação da contribuição ao custo/benefício presumidos.

Por outro lado, e relativamente às isenções previstas no artigo 4.º do regime da CESE, sendo, à partida, variado o leque de obrigados pelo tributo, a pretensão da sua criação será a de permitir, de algum modo, a distinção do seu impacto nos diferentes operadores económicos, visto que as diferenças normativas de regime já lhes definiram, previamente, distintos direitos e obrigações administrativas, ao modelarem a respetiva atividade. Ao estabelecer isenções, o legislador dá indicação de procurar atender aos diversos regimes jurídicos a que estão obrigados os operadores, em função da natureza da sua atividade, que os colocam em planos não coincidentes relativamente ao seu contributo para a sustentabilidade sistémica do setor energético. O mesmo se diga da opção de não estabelecer uma taxa única aplicável à base de incidência definida, que fosse indiferenciável para todos os operadores.

Daqui não se segue – o que é reforçado pela natureza do tributo em causa – que, da definição das isenções, ou da diferenciação introduzida, dentro de cada grupo de operadores económicos, em função do critério dos ativos como base de incidência, ou da distinção feita através da definição de taxas diferentes, tenham de resultar esforços com peso relativo rigorosamente igual, sob pena de se dever considerá-los arbitrários, já que, não apenas se entende que a definição das obrigações encontra fundamento nas características da sua atividade, como procura levar em conta os diversos contributos dos operadores para a sustentabilidade, verificando-se que a diferenciação não é arbitrária. Nesse sentido, acompanha-se a análise desenvolvida pelo tribunal a quo quanto ao contributo das entidades isentas do pagamento da CESE:
«[I]mporta destacar que a maior parte desses operadores económicos foram chamados a ‘contribuir’ por outra via para a eliminação do défice tarifário do Sistema Eléctrico Nacional, ou seja, para impedir que o mesmo subsista e continue a avolumar-se sob a forma de dívida tarifária. Referimo-nos, no caso da produção elétrica: i) à eliminação, para o futuro, do regime de subsidiação à tarifa da produção em regime especial (a partir de fontes renováveis), com a entrada em vigor da nova redação dos Decretos-Lei n.º 29/2006 e 172/2006, dada pelos Decretos-Lei n.º 215-A/2012 e 215-B/2012; ii) com a imposição aos centros electroprodutores eólicos já instalados de uma compensação anual ao SEN, durante o período de oito anos, compreendido entre 2013 e 2020 (artigos 5.º e 9.º do Decreto-Lei n.º 35/2013, de 28 de Fevereiro); iii) com a redução drástica das subvenções à cogeração (primeiro com a aprovação do Decreto-Lei n.º 23/2010, de 25 de Março e a respetiva alteração por apreciação parlamentar pela Lei n.º 19/2010, de 23 de Agosto e, por último, com a aprovação do Decreto-Lei n.º 68-A/2015, de 30 de Abril); iv) com a redução, igualmente drástica, das subvenções ao regime do autoconsumo (abrangendo a microgeração e a minigeração), após a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 153/2014, de 20 de Outubro; v) com a redução dos custos com a garantia de potência após a entrada em vigor do novo regime de remuneração previsto na Portaria n.º 251/2012, de 20 de Agosto. Todos estes exemplos mostram que a reforma financeira do Sistema Eléctrico Nacional foi promovida também por outras vias, com sacrifícios financeiros impostos aos respetivos operadores económicos, no intuito de alcançar a sustentabilidade do sector, ou seja, a redução dos custos para permitir que todos possam ser repercutidos nas tarifas e que esta repercussão não se traduza num preço final a pagar pelo consumidor que possa excluir uma parte da população de um consumo normal deste serviço. Nesta parte, pode dizer-se que tendo sido chamados a contribuir financeiramente por outra via para o fim do deficit tarifário existe uma razão que sustenta a sua exclusão do âmbito da contribuição para a redução do stock da dívida tarifária acumulada em anos anteriores, mesmo que as contribuições não sejam financeiramente equivalentes nos respetivos montantes. E vale lembrar também que esta comparação do esforço financeiro exigido a cada operador há-de limitar-se apenas, no caso dos sujeitos passivos da CESE, ao valor de um terço da mesma, por ser apenas essa a parcela afeta àquela finalidade.
Por outro lado, e no que respeita ao contributo para a sustentabilidade social e ambiental em termos de financiamento de medidas que promovam a eficiência energética, haverá que dizer que a maior parte dos operadores isentos da CESE dão o respetivo contributo nesta matéria através do exercício das respetivas atividades, que, em si, internalizam os custos ambientais e de escassez de produtos energéticos primários, seja a produção elétrica a partir de fontes renováveis (para a Europa a estratégia da eficiência energética é hoje indissociável da geração a partir de fontes renováveis), seja a produção de biocombustíveis, seja a cogeração (em si um dos eixos fundamentais da eficiência energética), seja a gestão mais eficiente do serviço de despacho/disponibilidade, que compõe a garantia de potência, e onde as centrais termoeléctricas a gás natural são as principais operadoras. E até os pequenos produtores aportam um contributo útil para esta política através dos denominados benefícios da geração distribuída.»
Assim, quer porque o critério escolhido pelo legislador para delimitar a base subjetiva e objetiva da CESE não é totalmente desligado da finalidade que com a contribuição financeira se procura realizar, quer porque o critério definidor do montante não é manifestamente injusto, flagrante e intolerável (Acórdão n.º 640/1995), não se deverá afastar as normas em causa.”
A essa luz, não ocorre a violação dos princípios da equivalência e da proporcionalidade nos termos invocados pela recorrente e que foram rechaçados pela bem elaborada sentença recorrida.

*
Como também não se verifica a violação do princípio da confiança, da segurança jurídica e da não retroactividade da lei fiscal como acusa a recorrente.
E tal conclusão é desde logo imposta pelo facto de, como se demonstrou à saciedade, não só se tratar de um imposto mas também de a contribuição financeira se apresentar como uma situação de excepção que teve a sua génese e fundamento na iminente situação de ruptura financeira das contas públicas, de ruptura económica, e consequentemente também de conturbação do sector da energia, onde se revelava indispensável a intervenção do Estado pelo modo em apreço.
A jurisprudência consolidada do Tribunal Constitucional tem afirmado que, fora do âmbito dos impostos, a retroactividade de outros tributos apenas deve ser recusada em caso de violação intolerável de direitos e expectativas legitimamente fundadas dos contribuintes, sendo que relativamente ao princípio da segurança jurídica, na vertente material da confiança, exige, para que esta seja tutelada, a verificação de dois pressupostos cumulativos (cfr. o acórdão do TC n° 135/2012, citado na sentença recorrida): a afectação de expectativas, em sentido desfavorável, será inadmissível (i) quando sejam introduzidas na ordem jurídica normas que produzam uma mutação dessa mesma ordem, com que, razoavelmente, os seus destinatários não possam contar; e (ii) quando a alteração da ordem jurídica não for ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalecentes sobre os interesses particulares afectados (deve recorrer-se, aqui, ao princípio da proporcionalidade, explicitamente consagrado, a propósito dos direitos, liberdades e garantias, no n° 2 do art. 18° da CRP).
Ora, no caso, estes pressupostos não se verificam.

Com efeito, qualificando-se a CESE como um tributo extraordinário também não pode ignorar-se que tal tributo surgiu num contexto de crise financeira.
Daí que, em concordância com o Ministério Público, “…ainda que se reconheça que haja compressão dos direitos patrimoniais da impugnante, importa, face à situação de excepção, fazer uma interpretação de necessária concordância prática de todos os interesses materialmente relevantes e legalmente protegidos em conflito, no sentido de levar a cabo a respectiva compaginação de todos, sem que se mostre afectado o núcleo essencial de qualquer um deles, o que não se verifica neste caso, nem a impugnante o evidencia, discutindo apenas em abstracto a sua discordância por ter sido chamada a efectuar esta contribuição.
Na verdade, e ainda que se admita que a impugnante possa alegar, que no início da sua actividade económica não previu concretamente este pedido de contribuição financeira, também não podemos deixar de referir que tal lhe fosse completamente imprevisível e inopinado, uma vez que se existe sector de actividade em que o inesperado e o contingente é o de maior imprevisibilidade, é este, o da energia.
Conforme é consabido, este é o sector económico mais volátil, em que o próprio preço pode exprimir num curto espaço de horas, não as condicionantes naturais e causais da sua produção e de outros custos fixos, mas de meros fenómenos climatéricos e ambientais extremos, acções especulativos, e o da ocorrência de conflitos armados, distantes que sejam, induzindo tais factores variações imediatas nos preços que se multiplicam por vários dígitos, e consequentemente nas expectativas de rentabilidade, que no limite podem mesmo conduzir a colapso económico.
Assim sendo, contribuir para políticas públicas de eficiência energética, esbatimento no impacto ambiental, e até mesmo da redução marginal do deficit tarifário, na expressão da estabilização do sector em que a impugnante desenvolve a sua actividade, situação que surgiu numa situação de excepção e de emergência financeira nacional, e em que também foram chamados a contribuir todos os restantes actores económicos, e bem assim as pessoas individuais, mesmo as mais desfavorecidas, que ao invés de se confrontarem com uma mera redução da sua expectativa económica, se chegaram a ter que confrontar até com situações extremas de desespero, decorrentes de desemprego, milhares delas, e de insolvência, não sendo esta sequer a situação da impugnante, pelo que não se antevê em que medida pode a mesma considerar-se afectada nas suas expectativas imprevisíveis e inauditas de confiança e segurança jurídica ao ser chamada a contribuir para uma solução de que até é beneficiária e lhe interessa, exactamente na estabilização do mercado energético.”
Em suma, dada a conjuntura económica e financeira ao tempo e a crise que perpassava no sector bancário, não se nos afigura que as instituições em causa não pudessem, razoavelmente, contar com a criação da CESE, em termos de se considerar que ocorreu violação intolerável de direitos e expectativas legitimamente fundadas dos respectivos sujeitos passivos.
Acompanha-se também o Ministério Público no que concerne à alegada irretroactividade, “… que se nos afigura não verificar, pois o benefício da sua contribuição é, sobretudo, dirigida ao futuro, ou seja, tendente a uma implementação de medidas que a visam proteger no grupo a que pertence, de eventuais colapsos futuros neste sector energético, importa chamar à colação, ainda que se possa entender por alguma retroactividade, na estabilização do deficit tarifário, o que já foi referido pelo Tribunal Constitucional no seu AC. de 12/10/1983:
“Apenas uma retroactividade intolerável, que afecte de forma inadmissível e arbitrária os direitos e expectativas legitimamente fundados dos cidadãos contribuintes, viola o principio de protecção da confiança , ínsito na ideia de Estado de Direito Democrático” o que não nos parece ser a situação em apreço invocado pela impugnante”.
Adite-se que, em termos tributários, releva a distinção entre o que se vem considerando como retroactividade de 1º grau (também designada de autêntica, perfeita ou própria), retroactividade de 2º grau (também designada de inautêntica, imperfeita ou imprópria) e retroactividade de 3º grau (ou restrospectividade).
A primeira verifica-se quando se pretende que os efeitos da lei nova se projectem sobre factos que integralmente se verificaram antes da sua entrada em vigor, tendo aquele já produzido todos os seus efeitos no âmbito da lei antiga: ou seja, quando se aplica a lei fiscal nova — desvantajosa — a um facto tributário ocorrido na totalidade no âmbito da vigência da lei fiscal antiga, pretendendo retirar desses mesmos factos efeitos jurídicos distintos; na segunda — retroactividade de 2º grau ou imprópria — o facto também se verificou por inteiro ao abrigo da lei antiga (em termos semelhantes ao que sucede na retroactividade de 1º grau): porém, ao invés, «os seus efeitos não se esgotaram por inteiro à sombra da lei velha, mas continuam a produzir-se no domínio temporal da aplicação da lei nova»; na terceira — retroactividade de 3º grau retrospectividade — o facto não se verificou totalmente à sombra da lei antiga, antes se prolongando «na sua produção concreta no domínio da lei nova» (Cfr. Alberto Xavier, Manual de Direito Fiscal, I, 1981, pp. 197-202; Casalta Nabais, Direito Fiscal, 5ª ed., 2009, pp. 146-147. ).
Não obstante algumas divergências doutrinais relativamente ao enquadramento em cada uma das apontadas situações, como se sublinha na sentença recorrida, a jurisprudência consolidada do Tribunal Constitucional (Sobre o sentido da jurisprudência do Tribunal Constitucional, sobre a proibição constitucional da retroactividade, antes e depois da Revisão Constitucional de 1997, bem como a propósito das leis interpretativas, cfr. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3ª ed., Coimbra editora, 2007, pp. 186 e ss. ) tem interpretado este princípio acentuando uma dupla perspectiva: (i) a proibição constitucional apenas abrange a retroactividade de 1º grau (os casos de retroactividade inautêntica serão tutelados à luz do princípio da confiança, ínsito no princípio do Estado de direito democrático — art. 2° CRP); (ii) o referido princípio constitucional aplica-se apenas aos impostos, excluindo-se as outras figuras tributárias (taxas e contribuições financeiras): para estas, mesmo perante uma situação de retroactividade autêntica, a apreciação da conformidade constitucional das normas deverá ter como parâmetro o princípio da tutela da confiança e da segurança jurídica (Cfr., entre outros, os acórdãos Tribunal Constitucional nº 287/90, de 30/10/1990; nº 128/2009, de 12/03/2009; nº 85/2010, de 03/03/2010; e nº 399/10, de 27/10/2010.).
E o facto tributário assim configurado, como volve provado nos autos, verificou-se após o início da vigência do regime da CESE, não havendo, pois, aplicação da lei nova a factos tributários integralmente verificados ou cujos efeitos estivessem integralmente produzidos e verificados no domínio da lei antiga, ou seja, antes da entrada em vigor da lei nova, nem ocorrendo, assim, destruição de efeitos produzidos por actos pretéritos.
E uma vez que o Tribunal Constitucional tem entendido que apenas a retroactividade de 1º grau está contemplada no nº 3 do 103° da CRP (a retroactividade imprópria ou inautêntica será tutelável apenas à luz do princípio da confiança), concluímos que, também relativamente a esta matéria, a decisão recorrida não enferma do erro de julgamento que lhe é imputado pela recorrente.
Este tem sido, igualmente, o sentido da jurisprudência desta secção do STA de que é representativo o acórdão de 19-06-2019, tirado no Processo nº02340/13.0BELRS.
Por assim ser, improcedem in totum as conclusões recursivas, sendo de confirmar a sentença recorrida.
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O valor da presente acção excede o montante de 275.000 Euros.
E, atenta a decisão, não temos por verificado o requisito de “menor complexidade” a que alude o nº 7 do art. 6º do RCP.
Não obstante, porque se nos afigura que o montante da taxa de justiça devida é manifestamente desproporcionado em face do concreto serviço prestado nos autos, pondo em causa a relação sinalagmática que a taxa pressupõe, decide-se dispensar em 50% o pagamento do remanescente da taxa de justiça.

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3. DECISÃO

Em face do exposto, acorda-se nesta secção do contencioso tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pela recorrente, com dispensa do pagamento de 50% do remanescente da taxa de justiça.
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Lisboa, 8 de Janeiro de 2020. – José Gomes Correia (relator) – Joaquim Manuel Charneca Condesso – Francisco Rothes.