Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:030/15
Data do Acordão:09/10/2015
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:ANA PAULA PORTELA
Descritores:AQUISIÇÃO DA NACIONALIDADE PORTUGUESA
Sumário:I - O art. 9º nº1 al. b) da Lei nº37/81, de 03.10, na redação dada pela Lei Orgânica nº2/2006, de 17.04 constitui um requisito que vincula a Administração, de tal modo que sempre que ele se verifique não pode ser concedida a requerida nacionalidade portuguesa.
II - Para efeitos de aplicação desta alínea b) releva a «moldura penal abstracta» fixada no tipo de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, sendo irrelevante a pena efetivamente «escolhida» e aplicada no caso concreto.
III - Tendo o requerente da nacionalidade portuguesa, sido condenado em pena de multa, por sentença transitada em julgado, pela prática do crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, verifica-se, quanto a ele, o fundamento de oposição à aquisição de nacionalidade portuguesa previsto na alínea b, do artigo 9º da Lei da Nacionalidade.
Nº Convencional:JSTA000P19378
Nº do Documento:SA120150910030
Data de Entrada:02/27/2015
Recorrente:MINISTÉRIO PÚBLICO
Recorrido 1:E...
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo

I - RELATÓRIO
O Ministério Público vem interpor recurso para o STA, ao abrigo do art. 150º do CPTA, do acórdão do TCAS que negou provimento ao recurso interposto da sentença proferida no TAC de Lisboa que julgou improcedente a ação de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa por si movida.
Para tanto conclui as suas alegações da seguinte forma:
“1. O presente recurso de revista vem interposto, pelo autor, Ministério Público, do acórdão do TCAS que, negando provimento ao recurso por si interposto da sentença proferida no TAC de Lisboa, que considerou improcedente a acção, manteve a mesma e considerou como ... verificado o pressuposto de aquisição da nacionalidade, contido na alínea b), do nº1, do artº 9º, da LN e ainda no nº2 do art. 56º do RNP, da prática de crime punível, com pena máxima superior a três anos segundo a lei portuguesa.
2. Considerou o douto acórdão em apreciação, que a aplicação destes dispositivos legais não é automática, “constituindo a condenação com trânsito em julgado, pela prática do referido crime, um mero indício da falta de idoneidade moral e civil para o estrangeiro aceder ao estatuto de nacional”. Assim, ...“torna-se necessário que o autor da oposição concretize as razões conducentes à verificação de não ser desejável a pretendida aquisição da nacionalidade.”
3. O aqui demandado foi condenado em 2008, pela prática, em 2003, de um crime de ofensa à integridade física agravado pelo resultado, p.p.p. artºs 143, 144º, al b) e 147º nº2, todos do C.Penal.
4. Basta, para que seja negada a nacionalidade portuguesa ao demandado, o desvalor ético-jurídico inerente à prática de uma infracção punível com pena igual ou superior a três anos, não relevando, para o caso, o facto de o demandado “estar minimamente inserido na sociedade portuguesa por aqui residir, ter constituído família e ter trabalho certo”, como entendeu o douto acórdão em apreciação.
5. Esta questão é comum a todos os casos em que o interessado na nacionalidade portuguesa tenha cometido um crime punível, em abstracto, com a referida pena, mas que o julgador considere que só por si não implica o indeferimento do pedido de aquisição da nacionalidade, ou que, em concreto, tivesse merecido pena inferir à aplicável em abstracto.
6. A jurisprudência da jurisdição administrativa tem-se dividido quanto à aplicação deste requisito, ora considerando a pena aplicada em concreto (cfr. neste sentido, o Ac do STA in procº nº 76/12, de 5-2-13), bem como os acs do TCAS de 10-7-14 e de 10-1-13, in procºs 08604/12 e 08678/12, respectivamente), ora considerando que a referida pena deve ser considerada em abstracto (cfr neste sentido, o acórdão do STA de 20-3-2014, proferido no processo nº 01282/13 e acórdão do TCAS de 27-5-2010, proferido no processo nº 06065/10).
7. Assim sendo, parece-nos, salvo melhor opinião, que haverá necessidade de fixar jurisprudência desse Alto Tribunal que decida a aplicação uniforme de um determinado critério aplicável a todas estas situações.
8. O douto acórdão recorrido fez apelo ao circunstancialismo abonatório verificado na altura do pedido de aquisição da nacionalidade nomeadamente à pena de multa concretamente aplicada, portanto também às circunstâncias concretas endógenas e exógenas que rodearam a prática do crime e a sua condenação.
9. Ambos os entendimentos fazem apelo a circunstâncias subjectivas que não vêm previstas nos citados normativos, o qual refere clara e textualmente que “não podem adquirir a nacionalidade portuguesa os estrangeiros que tiverem cometido um crime punível com pena de prisão igual ou superior a três anos”.
10. Da letra da lei, não é possível extrair outra interpretação que não seja a recusa de atribuição da nacionalidade quando o interessado tenha praticado um crime que na lei portuguesa seja punível com pena de prisão igual ou superior a três anos.
11. De contrário, o legislador, por certo, ter-se-ia exprimido noutros termos, prevendo a não atribuição da nacionalidade àqueles que tivessem sido efectivamente punidos com pena de prisão igual ou superior a três anos.
12. Deste modo, a admissão deste recurso de revista é necessária nomeadamente para uma melhor aplicação do direito, por violação clara, pelo acórdão recorrido, da alínea c) do artº 9º da LN e nº2 do artº 56 do RNP e artº 92, nºs 2 e 3 do CPC.
13. O entendimento no sentido de que o pressuposto contido nos referidos dispositivos legais não pode ser entendido ipsis verbis, devendo ser atendido só quando a pena efectivamente aplicada for igual ou superior a três anos e, mesmo neste caso, considerar necessário que o autor da oposição concretize as razões conducentes à verificação de não ser desejável a pretendida aquisição da nacionalidade, viola os dispositivos legais citados, bem como os nºs 2 e 3 do artº 99 do C.C. na medida em que o mesmo não tem na letra da lei o mínimo de correspondência verbal, presumindo-se que o legislador consagrou a solução mais adequada.
14. Atribuir ao julgador o poder de decidir, em cada caso, se a condenação prevista na lei é ou não relevante, traria, quanto a nós, um factor de incerteza jurídica e de desigualdade não coadunável com a intenção do legislador que considerou que o factor indicador do merecimento, de ser naturalizado português, é clara e inequivocamente, apenas o não ter praticado nenhum crime punível com pena máxima igual ou superior a três anos.
15. A conduta da Administração tem de entender-se, portanto, vinculada, o que significa que não podem ser introduzidos matizes ou gradações no tocante à verificação do requisito, pelo que o autor da acção de oposição não tem que concretizar as razões conducentes à verificação de não ser desejável a pretendida aquisição da nacionalidade.
16. O requisito da não prática de crimes “puníveis”(e não “punidos”) com pena de prisão igual ou superior a três anos, foi considerado pelo legislador indicativo da personalidade adequada do interessado na aquisição da nacionalidade portuguesa, sendo, pelo contrário, a prática de algum desses crimes considerado como factor de indesejabilidade na medida em que faz pressupor uma personalidade susceptível de vir a causar problemas na sociedade portuguesa.
17. A aquisição da nacionalidade portuguesa a estrangeiros não é um verdadeiro direito mas uma legítima expectativa da sua atribuição mas apenas se se verificarem os pressupostos contidos na lei.
18. Mas ainda que fosse um direito, não seria um direito absoluto, sofrendo as restrições previstas na lei de cada país, aplicáveis apenas a estrangeiros como permite a última parte do nº2 do artº 15º da CRP.
19. O direito de mudar de nacionalidade previsto na 2ª parte do nº 2 do artº 15º da Declaração dos Direitos do Homem, é apenas uma declaração de princípios, que será legislado em concreto e regulamentado pelos Estados soberanos, como aconteceu com o Estado Português (cfr nº4 artº 8 da CRP).
20. Não existe qualquer norma internacional ou constitucional que obrigue o Estado a conceder a nacionalidade a todos os estrangeiros, ou a aplicar a estes normas que atribuem direitos exclusivamente a cidadãos nacionais.
21. Os casos em que não se mostra adequada essa atribuição, em função das opções políticas e dos valores morais e sociais espelhados em lei interna, não podem ser considerados desproporcionais ainda que determinem a impossibilidade, para sempre, de aquisição da nacionalidade a um determinado indivíduo.
22. Nestes termos, consideramos que o douto acórdão recorrido merece, salvo o devido respeito, censura, motivo pelo qual deverá o presente recurso de revista ser admitido e considerado procedente...”

3- A Formação de Apreciação Liminar proferiu acórdão, em 03-02-2015, admitindo a revista, como se segue:
“(...) 3.1. O artigo 150.º, n.º 1, do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». Como decorre do próprio texto legal e a jurisprudência deste STA, tem repetidamente sublinhado trata-se de um recurso excepcional, como de resto o legislador cuidou de sublinhar na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, considerando-o como uma «válvula de segurança do sistema», que só deve ter lugar, naqueles precisos termos.
3.2. A questão suscitada no presente recurso – como decorre da alegação do Ministério Público – tem sido decidida de modo divergente. Contra a tese sustentada no acórdão recorrido e como refere o voto de vencido existem os acórdãos deste STA de 20-3-2014, proferido no processo 01282/13 e de 17-12-2014, proferido no processo 0585.
Justifica-se admitir a revista, não só pela relevância da questão para casos futuros, mas ainda porque a decisão recorrida está em desconformidade com as últimas decisões deste STA."

4- Após os vistos legais, cumpre decidir.

II – DA FUNDAMENTAÇÃO

II.1. DOS FACTOS
O acórdão recorrido manteve os factos provados em 1ª Instância, por remissão expressa, e que foram os seguintes:

“1 - Factos provados
Com interesse para a decisão consideram-se provados, com base nos documentos, não impugnados, juntos aos autos, os seguintes factos:

A) O Réu nasceu a 7 de Maio de 1978 em, …………., …………., Minas Gerais, Brasil (Certidão de Nascimento junto a fls. 13 e 14 dos autos do processo físico e cujo teor se dá por reproduzido);

B) Tem nacionalidade brasileira (Certificado de Nacionalidade junto a fls. 19 dos autos e cujo teor se dá por reproduzido);

C) É filho de A…………. e de B………. (Certidão de Nascimento cit.);

D) Em 7 de Outubro de 2006, na Conservatória do Registo Civil de Sesimbra, contraiu casamento católico na Igreja Paroquial de São Pedro de Palmela com C…………… (Assento de Casamento n.° 244, do ano de 2009, lavrado na Conservatória do Registo Civil de Sesimbra, junto a fls. 15 e 16 e cujo teor se dá por reproduzido);

E) Cidadã portuguesa (Assento de Nascimento n.° 1341 do ano de 2009, junto a fls. 17 e 18 e cujo teor se dá por reproduzido);

F) Em 21 de Dezembro de 2009, na Conservatória do Registo Civil do Seixal, o Réu prestou declaração para aquisição da nacionalidade portuguesa, nos termos do art.° 3º, n.° 1, da Lei n.° 37/81, de 3 de Outubro, com base no referido casamento (“Auto de Declarações para Aquisição de Nacionalidade” junto a fls. 10-11 dos autos);

G) Na qual referiu, além do mais, que “não foi condenado, por sentença transitada em julgado, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo da lei portuguesa” (“Auto de Declarações” cit.);

H) Juntou, com interesse para a decisão, os seguintes documentos:
assento de casamento, certidão de nascimento, certidão de nacionalidade, acima referidos, e certificado do registo criminal do Réu (fls. 20 a 22 dos autos) e assento de nascimento da esposa (fls. 17 e 18 dos autos);

I) Com base em tal declaração foi instaurado na Conservatória dos Registos Centrais o Processo n.° 2578/10 (Despacho junto a fls. 91-92 dos autos e cujo teor se dá por reproduzido);

J) Cuja certidão foi mandada remeter ao Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal, sob invocação do art.° 10º da Lei n.° 37/81, de 3 de Outubro, na redacção da Lei Orgânica n.° 2/2006, de 17 de Abril (Despacho cit.);

K) Por sentença do 2° Juízo do Tribunal de Família e Menores e de Comarca do Seixal de 7 de Abril de 2008, proferida no Processo n° 251/03.6GASXL, o aqui Réu foi condenado à pena de 190 dias de multa, à taxa diária de € 6,00, perfazendo o montante global de € 1 140,00, pela prática de um crime de ofensa à integridade física agravada pelo resultado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos art.°s 143°, n.° 1, 144°, al. b), e 147°, n° 2, do C.P, “por se mostrar mais favorável ao arguido” (certidão junta fls. 65 a 90 e cujo teor se dá por reproduzido);

L) Entre os factos dados como provados na sentença constam os seguintes:
“6) Após, o ofendido [D…………..] agarrou numa faca e num garfo, que se encontravam junto de uma churrasqueira no quintal daquela habitação e ia a dirigir-se para a porta da sala, onde estavam várias pessoas, quando se apercebeu da presença de alguém junto de si, pelo que, se virou para o lado direito e deparou com o arguido E………, ao qual disse “sai da frente, se não de [pretenderia dizer-se te] furo também”;
7) Seguidamente, ao escutar estas palavras, e sabendo que estavam inclusivamente duas crianças nas imediações, o arguido E………. pegou num pau que se encontrava no quintal e lhe desferiu com ele uma pancada que atingiu D………. no rosto, na região interciliar;
8) Em virtude dessa pancada, D……… sofreu lesões que se consubstanciaram em traumatismo craniofacial, ferida incisocontusa frontal, hematoma periorbitário direito, ferida perfurante querato escleral do olho direito, com fracturas da parede interna da órbita direita, apresentando-se extensíssima as 12 e as 6 horas, com extensão posterior, até praticamente ao nervo óptico, com exteriorização de quase todo o conteúdo do globo ocular (íris, corpo ciliar, cristalino, vítreo e alguma retina);
9) Por apresentar tal ferida no olho direito, D…………… foi sujeito a intervenção cirúrgica de evisceração desse olho, face à impossibilidade de cura da ferida do mesmo, e colocação de uma prótese, no Hospital de Santa Maria, para o qual havia sido transferido do Hospital Garcia da Horta; (...);
12) O arguido E………. sabia que desferiu uma pancada na cara de D……………, e que dessa forma podia lesar esta parte do corpo daquele, e quis agir desse modo com o escopo de se defender a si às várias pessoas presentes de uma agressão eminente (sic) por parte daquele, mas não previu, como podia e devia, que tal pancada causaria as lesões antes descritas no seu olho direito e que conduziria à perda do mesmo; (…);
15) O arguido E………….. tem antecedentes criminais, tendo sido condenado pela prática, em 25/02/2006, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.° do Decreto-Lei n. 2/98, de 3 de Janeiro, numa pena de 80 dias de multa à taxa diária de € 5,00, perfazendo o montante global de € 400, por sentença proferida no Proc. n.° 157/06.7GBSSB do Tribunal Judicial de Sesimbra, transitada em julgado em 21/07/2006” (sentença cit.);

M) Da motivação da decisão sobre a matéria de facto consta, com interesse para a dos presentes autos, inter alia, o seguinte:
“Agora quanto aos termos em que sucedeu a agressão com o pau pelo arguido E………., a qual o próprio admitiu, o tribunal entendeu ter sido feita prova bastante de que D………….. levou a cabo atitudes de provocação das várias pessoas presentes. Na verdade resulta, que o ofendido estava embriagado (todos o afirmaram, com excepção do próprio, a que acresce referência ao seu estado etilizado na documentação clínica junta aos autos cfr. fls. 22, verso, e 30), tendo inclusivamente atirado para dentro de uma sala cheia de pessoas duas garrafas de vinho (tal foi descrito por E….., F………., G……….., e o próprio ofendido não o negou), com os riscos inerentes de ferir várias delas, na sequência do que depois agarrou numa faca e num garfo que estavam na churrasqeira, não sendo credíveis as suas declarações ao negar este último comportamento.
Na verdade, não só o arguido E……… refere que tal sucedeu quanto à faca (aludindo a que na outra mão estaria uma garrafa partida), mas também as testemunhas H………., G………. e I…………, bem como o arguido F……….. foram peremptórios a afirmar que viram o D………. a pegar numa faca e num garfo que estavam na churrasqueira que estava a ser usada na festa e a dirigir-se para a casa, depois da briga com o F………e de ter sido conduzido à saída, acrescentando a testemunha I…….. que também estava no quintal nessa altura e que foi, inclusivamente ameaçado pelo D…………..
Face a tais depoimentos coincidentes, ficou o tribunal convencido de que assumiu tal atitude e que também ameaçou o arguido E……. de que o atingia com a faca, dado o tom firme e emocionado com que o mesmo o descreveu, pretendendo então o arguido E…….. defender-se, a si e aos demais presentes, de uma agressão eminente (sic) do D…………” (sentença cit);

N) A sentença transitou em julgado em 9 de Dezembro de 2008 (Certidão cit.);

O) A pedido do Réu e por promoção do Ministério Público (MP), foi por decisão do 2° Juízo Criminal do Tribunal de Família e Menores e de Comarca do Seixal, de 22 de Junho de 2010, determinada “a substituição da multa aplicada por 190 horas de trabalho, a prestar em dias úteis, sem exceder, por dia o permitido segundo o regime de horas extraordinárias aplicável, nos termos do disposto no art. 58°, nº 3 e 4, aplicável ex vi do art. 48°, n° 2 do Código Penal” (fls. 107-108 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido);

P) “Tendo em conta os elementos constantes dos autos, salientando-se a inserção sócio-familiar do condenado, bem como a manifestação de vontade por parte do mesmo em cumprir a pena em que foi condenado, leva o tribunal a concluir que substituição da pena por dias de trabalho, realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição: a protecção de bens jurídicos (prevenção geral positiva) e a reintegração do agente na sociedade (prevenção especial) - cfr. o artigo 40°, n 1 do Cód. Penal” (decisão cit.);

Q) Da folha de registo de assiduidade emitida pela Junta de Freguesia da …………. e relativa ao ora Réu consta a declaração de que “desempenhou com regularidade, assuidade [quereria, talvez, dizer-se assiduidade) respeitou as orientações dadas” (fls. 109 e 110 dos autos).”
*

II.2. DE DIREITO
A questão que aqui importa resolver é a de saber se o acórdão recorrido violou a alínea b) do artº 9º da LN (embora, certamente por lapso o recorrente se refira à alínea c) do mesmo preceito), o nº2 do artº 56 do RNP e artº 92, nºs 2 e 3 do CPC.
Relativamente ao art. 9º nº1 al. b) da Lei nº37/81, de 03.10, na redação dada pela Lei Orgânica nº2/2006, de 17.04, coloca-se a questão de saber se este constitui um requisito que vincula a Administração, de tal modo que sempre que ele se verifique não pode ser concedida a requerida nacionalidade portuguesa.
E, ainda, se na interpretação a fazer do mesmo, se deverá atender sempre à «pena abstracta», tal como prevista no tipo legal de crime, (isto é, que o requerente tenha sido condenado, com trânsito em julgado, pela prática de crime cuja moldura penal preveja, em singular ou em alternativa com uma pena não privativa de liberdade, pena de «prisão de máximo igual ou superior a três anos, segundo a lei portuguesa»), ou se se deverá atender à pena concretamente aplicada.
Então vejamos.
Nos termos deste artº 9º da Lei da Nacionalidade [Lei 37/81 de 03/10, na redação dada pela Lei Orgânica nº 2/2006 de 17/04], inserido no Capítulo intitulado “Oposição à aquisição da nacionalidade por efeito da vontade ou da adopção”:
«Constituem fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa:
a) A inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional;
b) A condenação, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa;
c) O exercício de funções públicas sem carácter predominantemente técnico ou a prestação de serviço militar não obrigatório a Estado estrangeiro»
Entendeu-se na decisão recorrida que:
“ ...o fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa previsto no art. 9º 1 c) da Lei nº 37181, de 3/9, com as alterações introduzidas pela Lei nº 21/2006, de 17/4, e no art. 56º/2 do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, aprovado pelo DL 237-A/2006, não é de aplicação automática, constituindo a circunstância de ter ocorrido condenação com trânsito em julgado pela prática de crime punível com pena igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa, um mero indício da falta de idoneidade moral e civil para o estrangeiro aceder ao estatuto de nacional.
O que significa que, verificando-se tal tipo de condenação penal, torna-se necessário que o autor da oposição concretize as razões conducentes à verificação de não ser desejável a pretendida aquisição da nacionalidade.
O que não foi feito...
Acresce que o Réu foi condenado no crime de ofensa à integridade física agravada pelo resultado p. e p. pelos art.s 143º, 144º, b) e 147º/2 do C Penal, em 2008, por factos ocorridos em 2003, em pena de multa, e estará minimamente inserido na sociedade portuguesa para aqui residir, ter constituído família e ter trabalho certo...”
Esta decisão mereceu um voto de vencido por aderência ao entendimento consagrado nos Acórdãos de 20.03.2014, Proc. 01282/13 e de 10.07.2014, Proc. 0595/14 e é o correto, como infra veremos.
A primeira questão que se coloca é, assim, a de saber se, efetivamente, esta alínea b) da LN constitui um requisito que, cumulativamente com outros vincula a Administração, o que implica que quando ele se verifique não pode ser concedida a requerida nacionalidade portuguesa «por naturalização».
E assim é.
Veja-se, a propósito os Acs. deste STA 01282/13 de 20/3/2014 , 662/14 de 20/11/2014 e 490/14 de 17/12/014, entre outros, donde resulta que a exigência do art. 9º al. b) da Lei da Nacionalidade (Lei 2/2006 de 17/4) é um requisito estritamente vinculado na aquisição da nacionalidade, ou seja, para que seja concedida a aquisição da nacionalidade impõe-se que o candidato a tal não tenha sido condenado, com trânsito em julgado de sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa.
Pelo que, não se segue o entendimento vertido na decisão recorrida de que a alínea b) do citado art. 9º não é de aplicação automática, por constituir um mero indício da falta de idoneidade moral e civil para o estrangeiro aceder ao estatuto de nacional, impondo-se que o autor da oposição concretize as razões conducentes à verificação de não ser desejável a pretendida aquisição da nacionalidade.
Perante a resolução dada à primeira questão coloca-se a questão de saber se este requisito previsto na al. b), do artº 9º da LN [cujo teor é idêntico ao previsto nº 2 do artº 56º do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa], se reporta à pena em abstrato ou à pena concretamente aplicada.
A questão tem tido entendimento unânime na recente jurisprudência deste STA no sentido de que se reporta à pena abstratamente aplicável e não à pena concreta.
A este propósito, consignou-se no Ac. deste STA, proferido em 20/11/2014, in rec. nº 0662/14, supra citado, e secundado pelo Ac. de 17/12/2014, in rec. nº 0490/14, também supra citado, que:
«(…)«Punível» é adjectivo verbal que aponta de forma muito clara para o genérico, abstracto, enquanto «punido» nos remete já para o mundo do concreto, do efectivamente aplicado. Era fácil ao legislador ter dito, se fosse essa a sua intenção: pela prática de crime «punido» com pena de prisão de três anos ou mais. Mas, ciente, com toda a certeza, da potencialidade significativa dos dois termos, ele optou pelo de referência abstracta, e devemos ter isso em consideração. Aliás, também a referência à lei portuguesa efectuada na parte final da alínea d) - «…pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a três anos, segundo a lei portuguesa» - nos remete claramente, cremos, para o âmbito do tipo legal, pois é esse que preferencialmente distingue a lei pátria da lei estrangeira [artigo 9º, nº3, do Código Civil].
Também a intenção legislativa, vertida no texto legal, aponta no mesmo sentido, pois tudo leva a crer que o legislador pretendeu consagrar um critério objectivo que permitisse aferir da «suficiente conformidade» do candidato à obtenção da cidadania portuguesa, por naturalização, com os bens fundamentais relevantes para a sociedade portuguesa que pretende integrar, sendo que esses bens são, precisamente, os protegidos com penas criminais [artigo 9º, nº1, do Código Civil].
É que o artigo 6º da LN, nos nºs 1 a 4, e diferentemente do que acontece nos nºs 5 e 6, vincula a Administração a conceder a nacionalidade portuguesa, por naturalização, àqueles que preenchem os requisitos aí previstos, e que gozam, assim, de um verdadeiro «direito à naturalização» [Rui Manuel Moura Ramos, A Renovação do Direito Português da Nacionalidade pela Lei Orgânica nº2/2006, de 17.04, RLJ nº136º, Março-Abril de 2007, nº3943, páginas 206, 207, e 213].
Esta «vinculação», se por um lado vem reforçar o peso daqueles elementos que apontam para a construção da nacionalidade como um direito fundamental, por outro lado vem exigir, ao Estado Português que estabeleça padrões razoáveis de aferição da conformidade do naturalizando com os bens jurídicos por ele protegidos segundo o padrão de «mínimo ético». E essa conformidade é aferida, sobretudo, pelo respeito manifestado pelos bens criminalmente protegidos, e não, propriamente, pela maior ou menor gravidade da conduta criminal concreta.
Temos, por conseguinte, que se a vinculação da aquisição da nacionalidade por naturalização pretende vincar o seu carácter de direito fundamental, a exigência do respeito do naturalizando pelos bens jurídicos criminalmente sancionados com «pena de prisão de máximo igual ou superior a três anos, segundo a lei portuguesa», visa evitar o risco de introdução na comunidade nacional de sujeitos em relação aos quais haja fundadas razões para que o Estado não lhes queira reconhecer a condição nacional portuguesa.
4. A este respeito, é preciso ter presente que, na linha de reputados penalistas, a actividade de «escolha da pena» faz parte, já, da tarefa de encontrar a pena «concretamente cabida ao caso». Trata-se da determinação da medida da pena «em sentido amplo» [Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, Coimbra Editora, 2005, II volume, página 212; Anabela Miranda Rodrigues, A Determinação da Medida da Pena Privativa de Liberdade, Coimbra Editora, 1995].
Assim, nos casos de previsão alternativa, determinar se medidas não privativas de liberdade são suficientes para promover a recuperação social do delinquente e dar satisfação às exigências de reprovação e de prevenção do crime [artigo 71º do CP], não constitui uma operação abstracta ou atitude puramente intelectual, mas é fruto de uma avaliação das circunstâncias de cada situação concreta. Só caso a caso, processo a processo, através de uma apreciação aturada dos elementos de prova disponíveis, se legitimará a «escolha» entre as penas detentivas e não detentivas [Adelino Robalo Cordeiro, Escolha e Medida da Pena, Jornadas de Direito Criminal, publicação do Centro de Estudos Judiciários, páginas 237 a 240].
Fazer depender o preenchimento ou não do requisito da alínea d) em referência da «escolha» realizada pelo juiz criminal quanto à natureza da pena a aplicar ao arguido concreto, significaria não só navegar ao arrepio da intenção legislativa acima dita, mas, também, introduzir no respectivo regime jurídico um elemento de alguma subjectividade que cremos não se coadunar com a objectividade que o legislador pretendeu imprimir ao requisito em causa.
5. Temos, pois, que tanto o pertinente texto legal como a intenção detectável do legislador apontam, de forma consistente, para que a punição a que se refere a alínea d), do nº1, do artigo 6º da LN [na redacção dada pela Lei Orgânica 2/2006 de 17.04], tem a ver com a moldura penal abstracta fixada ao tipo criminal, sendo irrelevante a pena efectivamente escolhida e aplicada no caso concreto».
Por aderência ao supra transcrito e nomeadamente à pertinência e validade dos fundamentos invocados entendemos que a punição mencionada na al. b), do artº 9º da LN, abarca a moldura penal abstracta fixada ao tipo penal, sendo irrelevante, para este efeito, a pena efetivamente aplicada ao infractor, neste caso requerente/recorrido.
Quanto à violação do art. 92º do CPC não se invoca de que forma o mesmo foi violado sendo que de qualquer forma tal é irrelevante face ao entendimento veiculado relativamente à violação dos outros preceitos sindicados.
Procede, pois, o recurso.
*
Em face de todo o exposto acordam os juízes deste STA em:
a) Conceder provimento ao recurso e revogar a decisão recorrida;
b) Julgar procedente a ação de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa do aqui recorrido;
Custas na 1ª e 2ª instância a cargo do recorrido sem prejuízo do benefício do apoio judiciário.

Sem custas nesta instância.

R. e N.

Lisboa, 10 de Setembro de 2015. – Ana Paula Soares Leite Martins Portela (relatora) – Alberto Acácio de Sá Costa ReisAntónio Bento São Pedro.