Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02742/13.1BEPRT 0627/17
Data do Acordão:12/20/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P24005
Nº do Documento:SA22018122002742/13
Data de Entrada:05/25/2017
Recorrente:A... SA
Recorrido 1:TURISMO DE PORTUGAL, IP
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1. A…………., S.A., com os demais sinais dos autos, recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou improcedente a impugnação judicial que instaurou contra o acto de liquidação do imposto especial sobre jogo referente ao mês de Julho de 2013, no montante de € 1.286.040,30, referente à concessão da zona de jogo da Póvoa do Varzim.

1.1. Rematou as suas alegações com o seguinte quadro conclusivo:

1. A presente impugnação tem por objecto uma liquidação do Imposto de Jogo;
2. A circunstância de a actividade de jogo exercida pela ora recorrente ser feita ao abrigo de um contrato de concessão celebrado com o Estado, não retira a natureza de imposto ao ... Imposto de Jogo;
3. O imposto de jogo não possui base contratual – como assinala a doutrina, o regime tributário da actividade do jogo é um regime exclusivamente legal;
4. Aliás, a recorrente, na petição inicial da impugnação, não contesta a validade do contrato de concessão, nem a validade de qualquer cláusula de tal contrato;
5. A recorrente contesta a legalidade da liquidação do imposto de jogo por este, tal como definido e estruturado no Decreto-Lei nº 422/89, de 2/12 (Lei do Jogo), violar os princípios constitucionais da legalidade, capacidade contributiva, da tributação pelo rendimento real e da igualdade;
6. A recorrente contesta, também, a legalidade da liquidação de Imposto de Jogo por não estar devidamente fundamentada e por violar o disposto na Lei do Jogo;
7. Por outro lado, não é a circunstância de o Decreto-Lei nº 275/2001, de 17/10, estabelecer a sujeição da recorrente ao pagamento de uma “contrapartida anual”, que toma inútil a presente impugnação;
8. É que estamos perante duas figuras tributárias autónomas (o Imposto de Jogo e a contrapartida anual), que incidem sobre realidades diferentes.
9. A impugnada liquidação de Imposto de Jogo é ilegal por ter como fundamento legal o Decreto-Lei nº 422/89, de 2/12, sendo que tal diploma, na parte fiscal, é organicamente inconstitucional por dizer respeito a matéria da competência da Assembleia da República e a lei de autorização legislativa não indicar os critérios mínimos orientadores da autorização;
10. A liquidação impugnada é, também, ilegal, porque o referido Decreto-Lei nº 422/89, é inconstitucional quanto a uma outra vertente do princípio da legalidade;
11. Na verdade, o referido diploma atribuiu à autoridade administrativa a competência para fixar, para a tributação sobre as máquinas de jogo, um capital em giro, que constitui a incidência real do imposto;
12. Ora, o princípio da legalidade, na sua vertente de reserva de lei, é violado através dessa deslegalização, ao atribuir-se à autoridade administrativa a competência para fixar um elemento essencial do imposto;
13. A impugnada liquidação é também ilegal por violação dos princípios constitucionais da capacidade contributiva e do rendimento real;
14. É que o imposto do jogo incide sobre o chamado “capital em giro” dos jogos, sem qualquer relação, nem com a receita bruta obtida pela recorrente nem, muito menos, com o lucro;
15. O imposto de jogo incide sobre verdadeiras e autênticas presunções inilidíveis de matéria colectável, violando o art.º 104º, nº 2 da Constituição;
16. E ao invés do defendido na douta sentença recorrida, as características próprias do Imposto de Jogo, não permite afastar a sua sujeição aos princípios constitucionais da capacidade contributiva e do rendimento real;
17. A circunstância de o Imposto de Jogo incidir sobre o “capital em giro”, não justifica que a fixação dessa matéria tributável seja feita com ignorância ou desprezo total por um mínimo de correspondência com a capacidade contributiva e o rendimento real da recorrente;
18. A Lei do Jogo é, também, inconstitucional, por violação do princípio constitucional da igualdade, ao fixar taxas de imposto diferentes para as diversas concessões da actividade de jogo e, portanto, para os diversos contribuintes que se dedicam a essa actividade;
19. A liquidação impugnada é ilegal por não haver qualquer fundamentação quanto à fixação, pelo Turismo de Portugal, do “capital em giro inicial”;
20. A liquidação impugnada é também ilegal por esse capital em giro inicial ter sido fixado mensalmente, quando a Lei do Jogo estabelece uma fixação anual;
21. A liquidação impugnada é, ainda, ilegal, porque o Turismo de Portugal, em violação frontal da subalínea b) da alínea c) do art.º 87º da Lei do Jogo, ter fixado o “capital em giro inicial” sem tomar em consideração as características das diversas máquinas de jogo e das circunstâncias concretas verificadas na sua utilização;
22. Assim, a douta sentença recorrida fez uma errada interpretação das normas aplicáveis.


1.2. O Instituto de Turismo de Portugal, I.P., ora Recorrido, apresentou contra-alegações para defender a manutenção do julgado.

1.3. O Exmo. Magistrado do Ministério Público pronunciou-se no sentido de ser concedido provimento ao recurso no que tange, exclusivamente, à questão da falta de fundamentação do acto de liquidação impugnado, na medida em que dele «não resultam as operações que conduziu ao apuramento do montante de imposto tido como devido, não obedecendo, assim, esta ao disposto no art.º 77º nºs 1 e 2 da LGT.».

1.4. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir em conferência.


2. Na sentença recorrida deu-se como provada a seguinte factualidade:
1. A Impugnante é concessionária da exploração de jogos de fortuna ou azar na zona de jogo permanente da Póvoa de Varzim, conforme resulta do contrato de concessão que foi celebrado em 29/12/1988 e publicado no Diário da República, III Série, nº 37 de 14/02/1989.
2. O contrato referido em 01) foi objecto de revisão e prorrogação em 14/12/2001, o qual foi publicado por Aviso no Diário da República nº 27, de 01/02/2002, III Série, com o título “Contrato de concessão da exploração de jogos de fortuna ou azar na zona de jogo permanente da Póvoa de Varzim à A…………, SA” – Cfr. Diário República constante de fls. 19/34 do PA.
3. Resulta da cláusula Terceira do contrato referido nos pontos anteriores o seguinte: “A concessionária aceita todas as obrigações impostas pela legislação em vigor, designadamente, as estabelecidas nos Decretos-Leis nºs 422/89, de 2 de Dezembro, e 184/88 de 25 de Maio, e legislação complementar, bem como pelos Decretos-Leis nºs 274/88 de 3 de Agosto e 275/2001 de 17 de Outubro, e pelo Decreto Regulamentar nº 029/88 de 3 de Agosto”;
4. Decorre ainda da cláusula 4ª daquele contrato que a concessionária se obriga a: “1) Prestar uma contrapartida inicial (...). 2) para além da contrapartida referida no número anterior, prestar, em cada ano, contrapartida no valor de 50% das receitas brutas declaradas dos jogos explorados no casino, todavia, em caso algum a contrapartida prestada nos termos deste número poderá ser inferior aos valores indicados no anexo ... ; A contrapartida referida neste número realiza-se pelas seguintes formas: a) através do pagamento do imposto especial sobre o jogo, nos termos da legislação em vigor; (...)”;
5. A Comissão de Jogos do Turismo de Portugal IP deliberou - Deliberação da Comissão de Jogos, nºs 30/2011/CJ de 17 de Março e 23/2011/CJ, de 11.03, que se proceda a avaliação do capital em giro inicial com periodicidade mensal, ao longo do ano - Facto não controvertido.
6. Na sequência da Deliberação da Comissão de Jogos, nºs 30/2011/CJ de 17 de Março e 23/2011/CJ, de 11.03, por despacho de 03/07/2013, a Vice-Presidente do Conselho Directivo do Turismo de Portugal, IP, fixou para o Casino da Póvoa de Varzim o capital em giro inicial de 939 Euros para todas as máquinas automáticas, com efeitos a partir de 03.07.2013 - Cfr. fls. 09 do PA.
7. A impugnante foi notificada em 03.07.2013, através da notificação nº 321/2013 de 03.07.2013, pelo Turismo de Portugal, do seguinte: “(...) ASSUNTO: Capital em giro inicial das máquinas automáticas em exploração. Mês de Julho de 2013. (...) no seguimento da Deliberação da Comissão de jogos, nºs 30/2011/CJ de 17 de março e 23/2011/CJ de 11 março, por despacho de 03/07/2013 da Senhora Vice-Presidente do Conselho Directivo do Turismo de Portugal, IP, foi fixado para o Casino da Póvoa de Varzim o capital em giro inicial de 939 Euros para todas as máquinas automáticas, com efeitos a partir de 3 de julho (inclusive)...” – Cfr. fls. 09 do PA.
8. A impugnante recebeu e rubricou os mapas mensais, onde se inclui o “Mapa Mensal VI - Liquidação de Impostos” onde constam os valores mensais apurados (Capital em giro inicial ou Lucros) com a exploração no mês antecedente e as percentagens que sobre os mesmos incide e o imposto devido – Cfr. fls. 11/17 do PA cujo teor se tem por integralmente reproduzidas para os devidos efeitos legais.
9. Os mapas referidos em 07) são preenchidos pela impugnante – Cfr. fls. 11/17 do PA.
10. A impugnante foi notificada, através de ofício de 04.08.2013 do Turismo de Portugal, IP, da liquidação de imposto de jogo respeitante ao mês de Julho de 2013 e para proceder ao seu pagamento até ao dia 15 de Agosto de 2013 – Cfr. doc. 1 junto com a PI e constante de fls. 20 do processo físico.
11. Consta da Notificação referida no ponto anterior, entre o mais, o seguinte: “(...) deverá até ao dia 15 do corrente: 1. Ser efectuado, o pagamento dos 20% do imposto Especial sobre o jogo, no valor de € 257.208,08 liquidado neste casino durante o mês de julho findo, devendo para o efeito fornecer no Serviço de Finanças, no ato de pagamento, os dados necessários à emissão do documento denominado “Pagamento de DUC - Receitas Diversas”, designadamente:



Identificação Fiscal
Receita
Classificação Orçamental
Designação
Valor (EUR)
0380
0202030199
Imposto de jogo receitas gerais
257.208.08


2. Ser transferido para a conta (...) do Turismo de Portugal IP o valor de € 996.681,29 referente a 77,5% do Imposto Especial sobre Jogo, liquidado neste casino durante o mês de Julho findo;
3. Ser transferido para a conta (...) do Fundo de Fomento Cultural o valor de € 32.151,01 referente a 2,5% do Imposto Especial sobre o jogo, liquidado neste casino durante o mês de julho findo ...”
12. A impugnante pagou as quantias referidas no ponto anterior – Cfr. fls. 4/7 do PA cujo teor se tem por integralmente reproduzidas para os devidos efeitos legais.

13. A impugnante intentou neste Tribunal uma acção administrativa comum, contra o Estado Português, pedindo a reposição do reequilíbrio económico-financeiro do contrato de concessão e a modificação do contrato, que corre termos com o nº de Processo 192/13.9BEPRT – consulta ao SITAF.

3. As questões colocadas no presente recurso são essencialmente as mesmas que foram objecto de julgamento ampliado com a intervenção de todos os Juízes Conselheiros desta Secção, realizado ao abrigo do disposto no art.º 148º do CPTA, no processo que correu termos sob o nº 2224/13.1BEPRT (recurso no STA nº 1457/15), no qual foi prolatado acórdão em 5/12/2018 e onde foram decididas as seguintes questões:
1- Ilegalidade do acto de liquidação impugnado por violação dos princípios constitucionais da capacidade contributiva, do rendimento real e da proporcionalidade;
2- Ilegalidade do acto de liquidação por o Decreto-Lei nº 422/89 violar o princípio constitucional da legalidade, na sua vertente de reserva de lei material;
3- Ilegalidade do acto de liquidação porque a Lei do Jogo é inconstitucional, por violação do princípio constitucional da igualdade;
4- Ilegalidade do acto de liquidação por falta de fundamentação;
5- Ilegalidade do acto de liquidação por o capital em giro inicial ter sido fixado mensalmente, quando a Lei do Jogo estabelece uma fixação anual;
6- Ilegalidade do acto de liquidação por o “capital em giro inicial” ter sido fixado sem serem tidas em consideração as características das diversas máquinas de jogo e as circunstâncias concretas verificadas na sua utilização.

E ainda que a questão da alegada inconstitucionalidade orgânica do Dec. Lei nº 422/89, de 2 de Dezembro, tenha sido colocada de forma autonomizada nas conclusões do presente recurso, quando não fora colocada dessa forma naquele outro processo, o certo é que a questão foi também tratada no referido acórdão a propósito da violação do princípio da legalidade.
Deste modo, perante a suprema importância da uniformidade na interpretação e aplicação da lei (art.º 8º nº 3 do Código Civil) e a finalidade do julgamento ampliado realizado (assegurar a uniformidade da jurisprudência – art.º 148º do CPTA), resta-nos reiterar o discurso fundamentador desse acórdão, subscrito por unanimidade, para qual remetemos ao abrigo da faculdade concedida pelo nº 5 do art.º 663º do CPC, aplicável ex vi alínea e) do art.º 2º do CPPT.
O que conduz a que se negue total provimento ao recurso.

Quanto ao formulado pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, importa considerar que este acórdão foi proferido por remissão para um acórdão uniformizador de jurisprudência, o que, desde logo, permite dar por verificado o requisito de “menor complexidade” contido no nº 7 do art.º 6º do Regulamento das Custas Processuais; além de que se nos afigura manifestamente desproporcionada a taxa de justiça que seria devida em face do concreto serviço prestado, o que justifica a dispensa total do pagamento do remanescente dessa taxa.

4. Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da secção de Contencioso Tributário do STA, em conferência, em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente, com dispensa total de pagamento do remanescente da taxa de justiça.
*
Junte-se cópia do acórdão proferido em 5 de Dezembro de 2018 no processo n.º 2224/13.1BEPRT (1457/15).

Lisboa, 20 de Dezembro de 2018. – Dulce Neto (relatora) – Pedro Delgado – Isabel Marques da Silva.

O acórdão supra identificado encontra-se tratado e divulgado informaticamente nesta base de dados.