Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0584/22.2BELSB
Data do Acordão:05/25/2023
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:JOSÉ VELOSO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
HABITAÇÃO SOCIAL
DESPEJO
REJEIÇÃO LIMINAR
Sumário:Não é de admitir a revista em que a «questão» principal contende com a rejeição liminar de pedido de intimação para protecção do direito à habitação social se a decisão judicial em causa se mostra aparentemente acertada.
Nº Convencional:JSTA000P31040
Nº do Documento:SA1202305250584/22
Data de Entrada:05/15/2023
Recorrente:AA
Recorrido 1:ESTADO PORTUGUÊS E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em «apreciação preliminar», na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
1. AA - autor deste processo de «intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias» - vem, invocando o artigo 150º do CPTA, interpor «recurso de revista» do acórdão do TCAS - de 23.03.2023 - que negou provimento à sua «apelação» e manteve a sentença do TAC de Lisboa - de 23.03.2022 - que «rejeitou liminarmente» o seu requerimento inicial por «julgar inobservado o requisito da subsidiariedade» necessário a este tipo de processo urgente - artigos 109º, nº1, e 110º, nº1, do CPTA.

Apesar de nada dizer - expressamente - sobre a verificação dos pressupostos substantivos indispensáveis à admissão da sua pretensão de revista, facilmente se apreende que o faz apenas com fundamento na clara necessidade de uma melhor aplicação do direito.

As entidades demandadas no processo de intimação - GEBALIS, EM, S.A., MUNICÍPIO DE LISBOA, e ESTADO PORTUGUÊS - apresentaram contra-alegações nas quais defendem - além do mais - a não admissão da revista por falta de verificação dos necessários pressupostos legais - artigo 150º, nº1, do CPTA.

2. Dispõe o nº1, do artigo 150º, do CPTA, que «[d]as decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

Deste preceito extrai-se, assim, que as decisões proferidas pelos TCA’s, no uso dos poderes conferidos pelo artigo 149º do CPTA - conhecendo em segundo grau de jurisdição - não são, em regra, susceptíveis de recurso ordinário, dado a sua admissibilidade apenas poder ter lugar: i) Quando esteja em causa apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental; ou, ii) Quando o recurso revelar ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.

3. O autor deste processo urgente - AA - pediu ao tribunal que intimasse os demandados - GEBALIS, MUNICÍPIO DE LISBOA, e ESTADO PORTUGUÊS - a absterem-se da prática de qualquer acto que impossibilite o uso normal da habitação social que habita - sita na Rua ..., ..., ..., Bairro ....

O tribunal de 1ª instância - TAC de Lisboa - entendeu que o aí requerente não podia ter lançado mão deste meio processual principal - dado o «carácter absolutamente excepcional» que ele encerra - por não se verificar o pressuposto relativo à sua subsidiariedade - artigos 109º, nº1, e 110º, nº1, do CPTA. E entendeu, também, que uma vez que se verificava a caducidade do direito de acção - por ter decorrido um «período superior a três meses» desde a data em que o requerente foi notificado da ordem de desocupação sem que tivesse sido interposta a acção principal de que dependeria o processo cautelar, sendo que os vícios por ele invocados não poderiam vir a ser sancionados com o desvalor da nulidade - não haveria lugar a convite para substituição do requerimento inicial de intimação por outro relativo a pedido de providência cautelar - artigo 110º-A, nº1, do CPTA. E, em conformidade, rejeitou liminarmente o seu requerimento.

O tribunal de 2ª instância - TCAS - negou provimento à apelação do autor, e manteve o decidido na sentença recorrida. Reiterou o entendimento de que o direito à habitação que o requerente quer fazer valer poderia ser assegurado através do decretamento de uma providência cautelar de suspensão de eficácia da ordem de desocupação - que lhe foi notificada a 11.10.2021 -, o que lhe permitiria continuar a residir - provisoriamente - na fracção em causa até que viesse a ser decidido o respectivo processo principal. E, ainda, que o convite à substituição da petição inicial - artigo 110º-A do CPTA - resultaria num acto inútil - artigos 116º, nº2 alínea f), do CPTA, e 130º do CPC - dada a caducidade do direito de acção.

De novo vem o autor - e apelante - discordar agora do decidido pelo tribunal de apelação, apontando-lhe «erros de julgamento de direito». Insiste no mérito da sua pretensão - o que não está aqui propriamente em causa, atento o teor das decisões das instâncias - e alega ter sido feita uma interpretação e aplicação errada do artigo 109º do CPTA, pondo em causa o seu «direito à habitação» - artigo 65º da CRP - e a uma «tutela jurisdicional efectiva» - artigo 20º, nº5, da CRP. Ademais, diz, atento o regime de suspensão de prazos adoptado no âmbito da pandemia - doença Covid-19 -, e a consequência jurídica de alguns vícios apontados à ordem de desocupação, não se verificará a invocada caducidade do direito de acção - Lei nº13-B/2021, de 05.04 - pelo que deveria ter-se procedido à convolação permitida por lei.

Compulsados os autos, importa apreciar «preliminar e sumariamente», como compete a esta Formação, se estão verificados os «pressupostos» de admissibilidade do recurso de revista - referidos no citado artigo 150º do CPTA - ou seja, se está em causa uma questão que «pela sua relevância jurídica ou social» assume «importância fundamental», ou se a sua apreciação por este Supremo Tribunal é «claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

Ora, como vem sublinhando esta «Formação», a admissão da revista fundada na clara necessidade de uma melhor aplicação do direito prende-se com situações respeitantes a matérias relevantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente, ou, até, de forma contraditória, a exigir a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa como essencial para dissipar as dúvidas sobre o quadro legal que regula essa concreta situação, emergindo, destarte, a clara necessidade de uma melhor aplicação do direito com o significado de boa administração da justiça em sentido amplo e objectivo. E que a relevância jurídica fundamental se verifica quando se esteja - designadamente - perante questão jurídica de elevada complexidade, seja porque a respectiva solução envolve a aplicação conjugada de diversos regimes jurídicos, seja porque o seu tratamento tenha já suscitado dúvidas sérias na jurisprudência ou na doutrina. Por seu lado, a relevância social fundamental aponta para questão que apresente contornos indiciadores de que a respectiva solução pode corresponder a paradigma de apreciação de casos similares, ou que verse sobre matérias revestidas de particular repercussão na comunidade.

Feita essa apreciação preliminar e sumária, tal como nos compete, constatamos desde logo a «unanimidade de decisão dos tribunais de instância», o que não sendo só por si garantia de acerto não deixa de constituir um relevante sinal de bom direito. Também se constata que tais decisões, sobretudo a consubstanciada no acórdão ora recorrido, tratam de uma matéria que - embora relevante - tem sido tratada pelos tribunais superiores com relativa frequência, e apresenta, no caso concreto, um enquadramento jurídico e uma interpretação e aplicação das pertinentes normas legais que se afigura acertada, pois que dotada - além do mais - de lógica e consistência jurídicas, com ausência de erros ostensivos ou manifestos, e em sintonia com as circunstâncias factuais do caso.

Tudo aponta, assim, para que não deva ser admitida a revista em nome de uma clara necessidade de melhor aplicação do direito, e, se em abstracto está em causa questão de relevância social - por contender com o direito à habitação - o certo é que, em concreto, o teor da decisão proferida - que não chegou a abordar o mérito da pretensão de intimação - só se traduz numa decisão formal - aparentemente acertada - a não clamar pela intervenção do tribunal de revista.

Por isso, entendemos não se verificar qualquer um dos «pressupostos» justificativos da admissão da revista, pelo que, não será este caso susceptível de quebrar a «regra da excepcionalidade» da admissão do respectivo recurso.

Nestes termos, e de harmonia com o disposto no artigo 150º do CPTA, acordam os juízes desta formação em não admitir a revista.

Sem custas - artigo 4º, nº2, alínea b) do RCP.

Lisboa, 25 de Maio de 2023. – José Veloso (relator) – Teresa de Sousa – Fonseca da Paz.