Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0247/18
Data do Acordão:06/20/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:MARIA DO CÉU NEVES
Descritores:RECURSO SUBORDINADO
Sumário:Desde que se conheça do mérito do recurso principal, seja o mesmo provido ou improvido, deve conhecer-se do recurso subordinado.
Nº Convencional:JSTA000P23442
Nº do Documento:SA1201806200247
Data de Entrada:04/20/2018
Recorrente:A............
Recorrido 1:COMPANHIA DE SEGUROS B............ SA E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo
1. RELATÓRIO

A…………, devidamente identificado nos autos, intentou no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Penafiel a presente Acção Administrativa Comum contra a B………… – Companhia de Seguros S.A., e Ascendi Norte – Auto-estradas do Norte, S.A. peticionando o pagamento de indemnização resultante dos danos sofridos em virtude de um acidente de viação, cuja responsabilidade imputa à Ré Ascendi como concessionária da AE.


*

O TAF de Penafiel julgou a acção parcialmente procedente, nos termos que constam de fls. 242 a 248.

*

Desta decisão foram interpostos dois recursos, a saber: da Ré B…………- Companhia de Seguros S.A. e da Ascendi Norte.

Notificado da interposição e admissão destes recursos, o Autor apresentou as respectivas contra alegações e interpôs ainda RECURSO SUBORDINADO destinado à apreciação do período de privação e do montante diário arbitrado a título de privação do uso do veículo, imputando à decisão recorrida, nulidade por omissão de pronúncia, e impugnando a matéria de facto que havia sido dada como assente quanto àquela questão, para além do erro de julgamento que também foi assacado.

Nesta sequência veio a ser proferida nova sentença, que conheceu da nulidade por omissão de pronúncia e manteve a parcial procedência da acção, ficando esta a fazer parte integrante da anteriormente proferida, nos termos do disposto no artº 617º, nºs 2 e 3 do CPC.


*

A fls. 382, a Ré B…………-Companhia de Seguros veio desistir do recurso interposto, por lhe ser favorável a decisão, mantendo-se os demais recursos interpostos.

*

Em 03.11.2017, o TCAN proferiu o acórdão recorrido, negando provimento ao recurso “principal” interposto pela Ré Ascendi-Norte – Auto-estradas do Norte, S.A. e não tomando conhecimento do recurso subordinado interposto pelo Autor, por o considerar prejudicado.

*

É desta decisão que o Autor/recorrente veio interpor o presente recurso de revista, para o que alegou, apresentando para o efeito as seguintes conclusões:

«1. Com o presente recurso pretende-se que seja apreciado o conceito de recurso subordinado da jurisdição administrativa, decidindo-se se o mesmo deve ou não ser apreciado depois de conhecido e julgado improcedente o recurso principal;

2. Tratando-se de uma questão processual, a sua apreciação pelo STA contribuirá para a certeza e previsibilidade do direito e deste modo para a segurança jurídica, até porque esta questão foi já apreciada pelo STA no acórdão de 26-05-2010, processo nº 09/10, relator conselheiro Pires Esteves, acessível em www.dgsi.pt, com decisão contrária àquela de que se recorre, o que constitui fundamento legal para a admissão do presente recurso – cfr. artigo 150º do CPTA.

3. Dispõe o artigo 633º nº 3 do CPC que se o primeiro recorrente desistir do recurso ou este ficar sem efeito ou o tribunal não conhecer do mesmo, caduca o recurso subordinado.

4. “A contrario” resulta da mencionada norma que, não se verificando qualquer das situações aí descritas (desistência do recurso, o mesmo ficar sem efeito ou o tribunal não conhecer do mesmo) terá o recurso subordinado que ser apreciado.

5. Na decisão recorrida foi apreciado o recurso principal e julgado o mesmo improcedente, nada obstando, atenta aquela decisão, a apreciação do recurso subordinado, antes pelo contrário, se impondo a sua apreciação em obediência ao disposto no artigo 633º do CPC, aplicável por força do disposto no artigo 140º do CPTA.

6. O acórdão recorrido violou, entre outros, o disposto nos artigos 140º do CPTA e 633º nº 1, 2, 3 e 5 do Código de Processo Civil.

Termos em que, admitindo-se o presente recurso e julgando-se o mesmo procedente, com a consequente revogação do acórdão recorrido na parte em que se decidiu não conhecer do recurso subordinado e devida baixa dos autos para dele se conhecer»


*

A recorrida Ascendi Norte, Auto-estradas do Norte, S.A. apresentou contra alegações que concluiu da seguinte forma:

«I. Em caso de omissão de pronúncia e necessariamente de nulidade quanto ao não conhecimento do objecto de recurso subordinado do A. por parte do TCA Norte, a forma de reagir contra tal decisão (melhor: ausência dela) é/teria sido a da reforma de sentença, no prazo de 10 dias contados da notificação do acórdão (cfr. artigo 615º nº 1, al. d) – 1ª parte do CPC, aplicável por força do disposto no artigo 666º também do CPC e ambos ex vi do artigo 1º do CPTA e ainda o artigo 149º do CPC);

II. Atendendo, por um lado, a que o A. não apresentou essa reforma de sentença no prazo que para tal dispunha e, por outro, que o recurso de revista tem carácter excepcional e que não se destina a permitir que nele sejam arguidas nulidades que o deviam ter sido na 2ª Instância, admitir este recurso de revista do A. seria violar o disposto no artigo 150º nº 1 do CPTA;

III. Donde é imperioso concluir que o recurso do A. não deve ser admitido».


*

O «recurso de revista» foi admitido, pela formação a que alude o artº 150º do CPTA, por acórdão deste STA proferido a 22.03.2018.

*

O Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146º, nº 1 do CPTA, nada disse.

*

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

*

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1. MATÉRIA DE FACTO

Com interesse para a decisão a proferir, dá-se por reproduzida a matéria de facto constante do Acórdão recorrido, nos termos do artº 663º, nº 5 do CPC, e enunciam-se ainda as conclusões de recurso subordinado apresentado pelo autor:

«1. Foram as Recorridas condenadas no pagamento do valor de € 400,00 a título de privação do uso do veículo do Autor (€ 10,00/dia X 40 dias);

2. O Recorrente impugna a decisão da matéria de facto, nomeadamente, a resposta constante do artigo 23 dos factos assentes, no sentido de ter sido considerada como “não apurada” a data da reparação, bem como a matéria que foi alegada no artigo 39º da PI, que se encontra provada através de certidão junta como documento nº 2 com aquela peça e que não foi considerada como assente;

3. Começando pela primeira daquelas questões, resulta da conjugação dos documentos nºs 11 e 13 juntos com a PI com os depoimentos das testemunhas ………… e ………… (acima transcritos) que a viatura do Recorrente lhe foi entregue reparada no dia 4 de Fevereiro de 2011.

4. De facto, do documento nº 11 resulta que a viatura ficou impossibilitada de circular em consequência do acidente;

5. Por sua vez, do documento nº 13, correspondente à fatura da reparação que o Recorrente ordenou que fosse efetuada à viatura para que a mesma pudesse voltar a circular (veja-se artigos 20 e 21 dos factos provados), resulta que a mesma foi entregue reparada ao autor no dia 04 de Fevereiro de 2011 (data da fatura), já que consta do mencionado documento que:

“Os artigos faturados foram colocados à disposição do adquirente nesta data …”

6. Por outro lado, a testemunha …………, proprietário da oficina onde foi efetuada a reparação, foi perentório ao referir que a fatura foi passada na data em que entregou a viatura reparada ao Recorrente;

7. Ora, sendo a fatura datada de 4 de Fevereiro de 2011, esta corresponderá à data em que a viatura foi entregue reparada ao Recorrente.

8. Deverá, assim a redação do artigo 23 dos factos assentes ser alterada e passar a figurar da seguinte forma:

“A viatura do Autor ficou, em consequência do acidente, impossibilitada de circular, no período compreendido entre a data do acidente e a data da reparação, concluída no dia 4 de Fevereiro de 2011.”

9. Relativamente ao quantum indemnizatório a título de privação de uso, a matéria que foi alegada no artigo 39º da PI e que se encontra provada através de certidão junta como documento nº 2 com aquela peça não mereceu qualquer consideração por parte da Sra. Juiz a quo, o que configura nulidade da sentença (cfr. artigo 615º nº 1 al. d) do CPC) que deverá ser suprida por esse tribunal superior (cfr. artigo 662º nº 2 alínea c) “a contrario” do CPC), passando o artigo 39º da PI passar a constar dos factos assentes;

10. Por outro lado, entende o Recorrente que o montante diário de € 10,00 é insuficiente para ressarcir o dano da privação de uso considerando que utilizava a viatura diariamente para se deslocar de sua casa para o local de trabalho e, em resultado do acidente teve que, recorde-se, durante 197 dias, se deslocar de transportes públicos e recorrer a “boleias”, reputando como mais justo e equitativo o valor diário de € 20,00, o que perfaz um total indemnizatório de € 3.940,00 (€ 20,00 X 197 dias) a este título;

11. A sentença recorrida violou entre outros, o disposto nos artigos 483º e 496º do Código Civil.

Termos em que, julgando-se o recurso interposto pela Recorrente Ascendi totalmente improcedente, o da Recorrente B………… parcialmente procedente (considerando a franquia aplicável), e o recurso subordinado apresentado pelo Recorrente A………… totalmente procedente, se fará inteira justiça.» - cfr. fls. 344 349.


*

2.2. O DIREITO

Cumpre decidir, sendo que, a única questão que se mostra controversa e objecto do presente recurso de revista, consiste em saber se o Acórdão do TCAN que conheceu do recurso principal interposto pela Ré Ascendi Norte, julgando-o improcedente, incorreu em erro de julgamento ao, por aquele facto, ter considerado prejudicado o conhecimento do recurso subordinado interposto pelo autor.

De acordo com o disposto no nº 1 do artº 631º do CPC/2013, os recursos só podem ser interpostos por quem, sendo parte principal na causa, tenha ficado vencido; ou seja, a norma prevê expressamente que a legitimidade da interposição do recurso assista apenas a quem seja parte na causa e tenha ficado vencido.

Mas, se ambas as partes, ficarem vencidas, cada uma delas pode recorrer na parte que lhe seja desfavorável, podendo o recurso, nesse caso, ser independente ou subordinado, como expressamente resulta do artº 633º do CPC/2013 [na redacção anterior correspondia ao artº 682º], sob a epígrafe: “Recurso independente e recurso subordinado”, que refere:

«1. Se ambas as partes ficarem vencidas, cada uma delas pode recorrer na parte que lhe seja desfavorável, podendo o recurso, nesse caso, ser independente ou subordinado.

2. O prazo de interposição do recurso subordinado conta-se a partir da notificação da interposição do recurso da parte contrária.

3. Se o primeiro recorrente desistir do recurso ou este ficar sem efeito ou o tribunal não tomar conhecimento dele, caduca o recurso subordinado, sendo todas as custas da responsabilidade do recorrente principal.

4. Salvo declaração expressa em contrário, a renúncia ao direito de recorrer ou a aceitação, expressa ou tácita, da decisão por parte de um dos litigantes não obsta à interposição do recurso subordinado, desde que a parte contrária recorra da decisão.

5. Se o recurso independente for admissível, o recurso subordinado também o será, ainda que a decisão impugnada seja desfavorável para o respectivo recorrente em valor igual ou inferior a metade da alçada do tribunal de que se recorre». Sub nosso.

O recurso subordinado tem por causa o recurso independente; o recorrente subordinado interpõe o seu recurso pelo facto de a parte contrária ter impugnado o acórdão em crise; se esta tivesse aceitado a decisão, ele ter-se-ia também conformado com ela.

Parece, pois, resultar da letra da lei que o conhecimento do recurso subordinado, que é um recurso precário, implica necessariamente o conhecimento de mérito ou do objecto do recurso principal, sendo que, por vezes, havendo recurso independente ou principal e recurso subordinado, deve conhecer-se deste em primeiro lugar se o recurso subordinado constituir uma questão prévia [por exemplo, quando está em causa a impugnação da matéria de facto dada como provada] da apreciação do principal. – cfr. entre outros, Ac. do STA de 07.03.89, in rec. nº 026525.

Com efeito, a questão do destino do recurso subordinado quando o principal é apreciado de fundo/de mérito, assume características diferentes de quando (i) o recorrente principal desistir do recurso, (ii) de este ficar sem efeito, por qualquer causa, ou (iii) o tribunal não tomar conhecimento dele, pois só nestes casos o recurso subordinado caduca.

Fora, destas circunstâncias, o conhecimento do mérito do recurso subordinado é de conhecimento obrigatório, devendo, inclusive conhecer-se do mesmo em primeiro lugar quando, como é o caso dos autos, vem sindicada a matéria de facto, pois só depois de definitivamente fixada esta factualidade, o juiz estará em condições de decidir ambos os recursos (principal e subordinado).

Sobre esta questão, a doutrina parece ser unânime.

Veja a este propósito, Alberto dos Reis, in “Código de Processo Civil” Anotado, Vol. V, 143, 284 e ss., a propósito do recurso independente e do recurso subordinado, em anotação ao art. 682º, do então Código de Processo Civil, na redacção anterior à actualmente prevista no art. 633º do Novo CPC, mas que, na sua essência, mantém redacção similar, refere expressamente que:

«Perante uma sentença em parte favorável ao autor e em parte favorável ao réu, a disposição psicológica, o estado de espírito de qualquer dos litigantes pode apresentar-se nestes termos:

1) Resolução firme e decidida de impugnar a decisão naquilo em que lhe foi desfavorável;

2) Inclinação e tendência para se conformar com a decisão, caso a parte contrária não recorra.

Porque as realidades são estas, o art. 682.º pôs à disposição do vencido, meios de dar satisfação a cada um dos interesses desenhados.

Efectivamente, a parte vencida pode lançar mão ou de recurso independente ou de recurso subordinado. A 1.ª espécie ajusta-se à disposição psicológica descrita em primeiro lugar; a 2.ª espécie quadra perfeitamente ao estado de espírito definido em segundo lugar.

Na verdade, se o autor ou o réu está firmemente disposto a impugnar a decisão qualquer que seja a atitude que venha a tomar o seu adversário, não tem outra coisa a fazer senão interpor recurso independente, pois que com este recurso assegura novo exame da causa na parte em que a decisão lhe foi desfavorável. Chama-se independente este recurso, precisamente porque a sua sorte e o seu destino não ficam na dependência da resolução que haja de aportar a parte contrária.

Se, pelo contrário, o autor ou o réu só quer recorrer no caso de a outra parte impugnar a decisão, está naturalmente indicado que use o recurso subordinado, pois que, como o nome inculca, este recurso fica dependente das vicissitudes por que haja de passar o recurso de que depende – o recurso principal ou independente interposto pelo adversário» – (sublinhado nosso).

Igualmente, José Lebre de Freitas, in “Código de Processo Civil” Anotado, Vol. 3º, 26 e ss., em anotação ao referido preceito legal se pronunciou nos seguintes termos sobre o recurso subordinado:

«(…) Se a parte autora decair no pedido principal, sendo absolvido o réu do pedido, e o réu reconvinte decair no pedido reconvencional, sendo o autor absolvido deste, ambas as partes são vencidas e cada uma delas pode recorrer a título principal, ou uma delas subordinadamente em relação ao recurso principal interposto pela outra.

Há duas possibilidades de interposição de recurso nestes casos:

- ou ambas as partes interpõem recursos independentes (…) tendo cada um deles autonomia, embora sejam processados em conjunto (…);

- ou apenas uma interpõe recurso principal e a outra, notificada da sua admissão, decide também interpor recurso, o qual fica dependente do primeiro na medida em que só é conhecido pelo Tribunal “ad quem” se ele tomar conhecimento do recurso principal. (…)

O recurso subordinado é interposto por aquele que, em princípio, aceita a parte da decisão em que ficou vencido, desde que a contraparte aceite igualmente a parte em que também ficou vencida, e, por isso, deve razoavelmente ser interposto apenas quando o primeiro tiver conhecimento da atitude processual da contraparte» – (sublinhado nosso).

Semelhante entendimento tem Miguel Teixeira de Sousa, in Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lex, 2ª Edição, 1997, 496 e ss., em relação ao recurso subordinado, referindo a este propósito o seguinte:

«(…) A este recurso que é interposto depois da interposição do recurso pela contraparte chama-se recurso subordinado (…).

O recurso subordinado é sempre dependente da subsistência e admissibilidade do recurso principal. É por isso que o recurso subordinado caduca sempre que o recorrente desista do recurso principal ou o Tribunal não possa tomar conhecimento do seu objecto (…). Compreende-se que assim seja: se o recurso subordinado só é interposto porque a contraparte recorreu da decisão, ele não deve manter-se se o recurso principal não subsistir ou não puder ser julgado quanto ao seu mérito”.

(…)

Tal como a renúncia ao recurso não exclui o recurso subordinado, também a exclusão inicial do recurso não pode afastá-lo se a contraparte impugna a mesma decisão» – (sublinhado nosso).

Finalmente, António Santos Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 3ª Edição, 2016, Almedina, 82 e ss., se pronunciou sobre esta matéria nos seguintes termos:

«(…) Ficando vencidas ambas as partes quanto ao objecto do processo, o decaimento de cada uma será apreciado nos termos gerais, tendo em conta a posição assumida e o resultado final da acção. Consequentemente, de acordo com as regras gerais, cada uma tem legitimidade para interpor recurso, o qual será apreciado e tramitado com total autonomia.

(…)

Em função das circunstâncias, a impugnação das decisões pode apresentar-se sob alguma das seguintes formas:

- Recurso interposto pelo autor, por sucumbência total ou parcial na acção;

- Recurso interposto pelo réu, por procedência total ou parcial na acção;

- Recurso independente e paralelos interpostos pelo autor e pelo réu, por decaimento parcial na acção e na defesa, respectivamente;

- Recurso principal interposto por uma das partes, por decaimento parcial na acção ou na defesa, seguido de recurso subordinado interposto pela contraparte que incide sobre o segmento decisório em que ficou vencida; (…).

Por outro lado, em termos jurisprudenciais, não há divergência em relação à doutrina supra referida.

A este propósito vg. Acórdão do STJ de 26.01.2017, in rec. nº 308/13.5TTVLG.P1.S1, e o Acórdão do STA de 26.05.2010, in rec. nº 09/10, onde expressamente se consignou:

«Ora, para que o recurso subordinado opere necessário se torna que o recurso principal (independente) subsista para conhecimento. Assim se o recurso principal naufragar antes do seu conhecimento, o recurso subordinado deixará de ter eficácia.

(…)

É o princípio da igualdade das partes que justifica que aquela que inicialmente não interpusera recurso, por se haver conformado com a decisão, seja mais tarde – já depois de esgotado o prazo normal – admitida a recorrer após a outra parte ter interposto recurso. Só impugna a decisão porque a outra também o fez. O seu recurso é, portanto, subordinado ao da contraparte. Ora se o recurso subordinado tem por causa o recurso independente, o recorrente subordinado interpôs o seu recurso pelo facto de a parte contrária ter impugnado a sentença ou o despacho; se esta tivesse aceitado a decisão, ele ter-se-ia também conformado com ela. Daí vem que a vitalidade, a razão de ser do recurso subordinado fica necessariamente presa e condicionada à vitalidade do recurso principal: desde que este caia, aquele tem, forçosamente, de desaparecer (ver: Pais do Amaral, Direito Processual Civil, 3ª ed., págs. 345/346).

Porém, como toda a vitalidade do recurso subordinado depende do recurso principal, o tribunal tem, em primeiro lugar, de se assegurar de que o recurso principal está em condições de poder conhecer-se do seu objecto; obtida essa certeza, cumpre ao tribunal começar por julgar a questão posta no recurso subordinado, quando o conhecimento do seu objecto deve preceder o do recurso principal, nos termos do artº 288º do CPC (Prof. Alberto Reis, ob. cit. pág.290).

Também Rodrigues Bastos se pronuncia no mesmo sentido ao escrever que “existindo recurso principal e subordinado, e versando este sobre questão prévia da que constitui objecto daquele, o tribunal deve conhecer primeiramente do recurso subordinado, porém, deve o tribunal, antes de mais, assegurar-se de que não se verifica qualquer das razões que prejudicam a subsistência do recurso principal; só depois poderá fazer aquela opção, porque só então se porá a questão da prioridade do conhecimento de qualquer dos recursos” (Notas ao CPC, Vol. III, págs.280/281).

Igualmente Amâncio Ferreira refere que “à distinção entre recursos independentes e recurso subordinados subjaz um critério cronológico: recursos independentes são os propostos em primeiro lugar; recursos subordinados são os interpostos depois da admissão do recurso principal. A dependência cronológica entre ambos os recursos reflecte-se na sua autonomia. Assim, enquanto o recurso independente tem vida própria, desenvolvendo-se por si só, independentemente da posição a assumir pela parte contrária, o recurso subordinado tem a sua existência dependente da do recurso independente, mantendo-se apenas enquanto este subsistir…A igualdade das partes e a justiça processual justificam a admissão do recurso subordinado, interposto pela parte que se conformara inicialmente com a decisão e que terá sido surpreendida com a interposição do recurso pelo seu adversário….Dependendo o recurso subordinado da subsistência do recurso principal, caducará sempre que o recorrente independente desista do recurso, este fique sem efeito ou o tribunal não tome conhecimento dele….Depois de o tribunal se assegurar da inexistência de obstáculos ao conhecimento do objecto do recurso principal, poderá começar por julgar a questão posta no recurso subordinado, se o conhecimento desta preceder o da questão posta no recurso principal, em conformidade com o disposto no nº 1 do artº 660º” (Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª ed., págs. 92 e ss.).

O Prof. Castro Mendes, sobre esta matéria, escreve que “o recurso subordinado supõe que ambas as partes tenham ficado vencidas; e que uma se pretende colocar na posição de só recorrer se a outra o fizer. Então intenta um recurso subordinado, que tem as seguintes duas principais características: 1ª-é intentado dentro de cinco dias a contar da notificação do despacho que admite o recurso da parte contrária (artº 682º nº 2); 2ª-caduca se o primeiro recorrente (recorrente principal ou independente) desistir do recurso ou este ficar sem efeito ou o tribunal não tomar conhecimento dele - isto é, se o recurso principal se extinguir sem julgamento do seu objecto (artº 682º nº 3). Note-se que «o facto de ser negado provimento ao recurso principal não obsta à apreciação do subordinado» (Recursos-1980, págs. 132/133).

Também neste aspecto, e em consonância, tem sido decidido que “o recurso subordinado encontra-se dependente do recurso principal e, em regra, o conhecimento do recurso independente precederá o do recurso subordinado, só assim não será quando a questão a resolver no âmbito deste tenha primazia sobre a que deva ser apreciada no recurso independente de acordo com os princípios decorrentes dos arts. 660º nº 1, 510º nº 1 als. a), b) e c) e 288º todos do CPC” (neste sentido: Acs. do TP de 25/7/1984-rec. nº 13.784, in AD. 288º, 1386, e do STA de 12/12/1996-rec. nº 40692, de 4/6/1998-rec. nº 41223, de 2/2/1999-rec. nº 41296, de 17/3/1999-40304 e de 14/5/2003-rec. nº 47333).

Podemos, assim concluir que, em regra, o recurso subordinado se encontra dependente do recurso principal, quer quanto à sua admissibilidade quer quanto à sua subsistência, pelo que o recurso subordinado caducará se o recurso principal ficar sem efeito ou o tribunal não conhecer dele ou o recorrente desistir do mesmo (artº 682º nºs 2 e 3 do CPC).

Porém, desde que se conheça do mérito do recurso principal, ainda que o mesmo improceda, deve conhecer-se do recurso subordinado.

Neste sentido escreve José Lebre de Freitas que “o recurso subordinado só deve ser apreciado pelo tribunal se este conhecer do objecto do recurso principal, julgue-o procedente ou improcedente” (Código de Processo Civil Anotado, vol. 3º, pág. 27). No mesmo sentido pode ver-se: Fernando Amâncio Ferreira, in Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª ed., pág. 94; Armindo Ribeiro Mendes, in Recursos em Processo Civil, págs. 174 e 175; António Santos Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil-Novo Regime, págs. 79 e 80; Miguel Teixeira de Sousa, in Estudos sobre o Novo Processo Civil, pág. 496; José João Baptista, in Dos Recursos [em Processo Civil], pág. 66).

Podemos, assim, concluir que desde que se conheça do mérito do recurso principal, seja o mesmo provido ou improvido, deve conhecer-se do recurso subordinado».

Cremos, pois, não subsistirem dúvidas que o recurso subordinado interposto pelo autor, em que inclusive, se questionava a matéria de facto fixada, depois de se ter conhecido do recurso principal, não podia ter ficado, como ficou, prejudicado no seu conhecimento, antes se impondo o mesmo, por força da lei aplicável.

Impunha-se deste modo, ao TCAN, apesar de ter julgado improcedente o recurso principal, conhecer do mérito do recurso subordinado, o que se determina.

3. DECISÃO:

Atento o exposto, acordam os juízes que compõem este Tribunal em conceder provimento ao recurso, e em consequência revogar o acórdão recorrido na parte em que considera prejudicado o conhecimento do recurso subordinado interposto pelo Autor e determinar a baixa dos autos ao TCAN para dele conhecer

Custas a cargo da recorrida.

Lisboa, 20 de Junho de 2018. – Maria do Céu Dias Rosa das Neves (relatora) – António Bento São Pedro – José Augusto Araújo Veloso.