Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0425/14
Data do Acordão:05/28/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ASCENSÃO LOPES
Descritores:IMPOSTO DE SELO
VERBA
TABELA DO IMPOSTO DE SELO
PRÉDIO URBANO
AFECTAÇÃO
HABITAÇÃO
Sumário:Não tendo o legislador definido o conceito de “prédios (urbanos) com afectação habitacional”, e resultando do artigo 6.º do Código do IMI - subsidiariamente aplicável ao Imposto do Selo previsto na nova verba n.º 28 da Tabela Geral - uma clara distinção entre “prédios urbanos habitacionais” e “terrenos para construção”, não podem estes ser considerados, para efeitos de incidência do Imposto do Selo (Verba 28.1 da TGIS, na redacção da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro), como prédios urbanos com afectação habitacional.
Nº Convencional:JSTA000P17559
Nº do Documento:SA2201405280425
Data de Entrada:04/03/2014
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A... SA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1 – RELATÓRIO
A………………, SA, NIPC ……………, veio deduzir Impugnação Judicial, contra a liquidação de imposto de selo nº 2012 001898389 relativa ao ano de 2012, no montante de € 16.723,05.

Por sentença de 31 de janeiro de 2014, o TAF de Loulé, julgou a impugnação procedente.
Reagiu a Fazenda Pública, interpondo o presente recurso, cujas alegações integram as seguintes conclusões:

a) A questão decidenda é a interpretação da verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS) aditada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29/10, em articulação com o art.º 6.° n.º 1 al. f) i) dessa mesma Lei;
b) Com a alteração introduzida pela citada Lei, o IS passou a incidir também sobre a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo VPT constante da matriz, nos termos do CMI, seja igual ou superior a € 1 000 000,00 (vide verba n.º 28 da TGIS);
c) No CIS não há qualquer definição sobre os conceitos de prédio urbano, terreno para construção e afectação habitacional, pelo que terá que se aplicar o disposto no CIMI, para aferir da eventual sujeição a IS (Cfr. art.º 67.º n.º 2 do CIS redacção dada pela Lei n.º 55-A/2012);
d) O art.º 2.º n.º 1 do CIMI define o conceito de prédio e o art.º 6.º n.º 1 do CIMI dispõe acerca das espécies de prédios urbanos existentes, integrando neste conceito os terrenos para construção;
e) A noção de afectação do prédio urbano está subjacente à avaliação dos imóveis, corresponde ao valor incorporado ao imóvel em função da utilização a que está afecto, constituindo um facto de distinção determinante para efeitos de avaliação (coeficiente), porquanto;
f) Na avaliação dos terrenos para construção, o legislador optou pela aplicação da metodologia de avaliação dos prédios urbanos em geral, assim se devendo levar em consideração todos os coeficientes previstos no art.º 38.° do CIMI, nomeadamente, o coeficiente de afectação previsto no art.º 41.º desse código;
g) E tal resulta da imposição legal prevista no n.º 2 do art.º 45.º do CIMI, ao remeter para o valor das edificações autorizadas ou previstas no terreno para construção (Vide Ac. do TCA do Sul, 2012/02/14, proc. 04950/11 e Ac. do STA, 2010/02/10, proc. 01191/09);
h) Para efeitos de determinação do VPT dos terrenos para construção é clara a aplicação do coeficiente de afectação em sede de avaliação, pelo que a sua consideração para efeitos de aplicação da verba n.º 28 da TGIS não pode ser “desprezada”, já que;
i) Na aplicação daquele coeficiente deve levar-se em consideração a classificação dos prédios urbanos (cfr. art.º 6.º n.º 2 do CIMI), norma que estabelece como critérios a eleger, com base nessa classificação dos prédios, em primeiro lugar, o licenciamento dos edifícios ou construções ou, na falta de licenciamento, o destino normal dos imóveis;
j) O regime de avaliação do valor patrimonial dos terrenos para construção está previsto no art.º 45.º do CIMI e o seu modelo é semelhante ao dos edifícios construídos, embora tenha como suporte o edifício a construir, tomando por base o respectivo projecto;
k) O valor do terreno para construção corresponde a uma expectativa jurídica, que se traduz num direito de nele se vir a construir um prédio com determinadas características e valor;
l) É essa expectativa consubstanciada na produção de uma riqueza materializada num imóvel a construir que faz aumentar o valor do património do proprietário do terreno para construção, logo que o imóvel passa a poder ser qualificado como terreno para construção;
m) O legislador, na avaliação dos terrenos para construção, separa 2 partes do terreno:
n) a parte do terreno onde vai ser implantado o edifício a construir, cuja área de implantação se situa dentro do perímetro previsto de fixação do edifício a construir no solo. A determinação do valor dessa parte do terreno resulta da avaliação do edifício a construir, como se já estivesse construído, utilizando-se para tal o projecto de construção aprovado. Efectuada essa determinação do valor, reduz-se o valor apurado a uma percentagem entre 15% e 45% (cfr. art.º 45.º n.º 2 do CIMI) devido ao prédio ainda não estar concluído;
o) e a parte do terreno adjacente à área de implantação, o valor desta parte do terreno é apurado da mesma forma que se determina o valor da área do terreno livre e da área do terreno excedente para efeitos de qualquer imóvel urbano, levando em consideração o disposto no art.º 40.º n.º 4 do CIMI;
p) Daqui ser forçoso concluir que, a utilização do coeficiente de afectação na determinação do VPT dos terrenos para construção deriva da lei, quando estabelece que o valor da área da implantação é determinado em função do valor das edificações autorizadas ou previstas, resultando tal da aplicação do sistema geral de avaliações de prédios urbanos ao projecto de construção em causa, na avaliação do valor patrimonial dos terrenos para construção;
q) Além disso, a indicação da afectação habitacional dos terrenos para construção decorre da iniciativa do contribuinte, nos termos do art.º 37.° do CIMI, ou decorre da avaliação geral, com base nos elementos fornecidos pela Câmara Municipal;
r) O entendimento da AT é que o conceito de “prédios com afectação habitacional” para efeitos do disposto na verba n.º 28 da TGIS, compreende quer os prédios edificados quer os terrenos para construção, desde logo atendendo ao elemento literal da norma, já que,
s) O Legislador não refere “prédios destinados a habitação” antes tendo optado pela noção “afectação habitacional”. Expressão diferente e mais ampla cujo sentido há-de ser encontrado na necessidade de integrar outras realidades para além das identificadas no art.º 6.º n.º 1 al. a) do CIMI;
t) Por outro lado, muito antes da efectiva edificação do prédio, é possível apurar e determinar a afectação do terreno para construção, através do alvará de licença para a realização de operações urbanísticas e, muitas vezes, do estabelecido nos Planos Directores Municipais que estabelecem o modelo de organização espacial do território municipal;
u) Logo, contrariamente ao decidido na douta sentença, a afectação habitacional, para efeitos de aplicação da verba 28, não implica necessariamente a existência de edifícios ou construções, aplicando-se, portanto, a terrenos para construção com essa afectação;
v) Embora, a douta sentença tenha acompanhado de perto a fundamentação constante da decisão do CAAD de 02/10/2013, proc. 53/2013-T, que decidiu que um “prédio com afectação habitacional” não poderá ser apenas um prédio licenciado para habitação ou destinado a esse fim (isto é, não bastará que seja um “prédio habitacional”), tendo de ser um prédio que tenha já efectiva afectação a esse fim”, consideramos que,
w) Salvo melhor opinião, tal entendimento não resulta nem do pensamento legislativo nem tem o mínimo de correspondência verbal com a letra da lei aqui em causa;
x) A douta sentença padece de erro de julgamento de direito, quando decidiu considerar que um terreno para construção não implica uma afectação habitacional subsumível à verba n.º 28 da TGIS, violando, assim, o disposto nos art.ºs 41.º, 45.º, 37.º e 38.º todos do CIMI, art.º 9.º n.º 1 do CC e art.º 11.º nº1 da LGT.
y) Do que decorre a não obrigatoriedade de pagamento de juros indemnizatórios por erro imputável aos serviços nos termos legais;

Pelo exposto, deve ser dado provimento ao presente recurso e consequentemente revogada a douta sentença recorrida, mantendo-se a liquidação impugnada, assim se fazendo Justiça.

Contra alegou a entidade recorrida concluindo da seguinte forma:

“I. A questio decidenda consiste em saber se os terrenos para construção integram o conceito de “prédio com afectação habitacional”, para efeitos da tributação prevista na verba 28.1 da tabela Geral do imposto do Selo – aditada pela Lei nº 55-A/2012, de 29.10., se devem incluir os terrenos para construção com valor patrimonial tributário igual ou superior a 1 milhão de Euros.
II. Analisadas as conclusões do recurso da fazenda pública – as quais, como é sabido, balizam o objecto do mesmo – constata-se que a recorrente pretende interpretar extensivamente o disposto no sobredito preceito legal, de forma a integrar os terrenos para construção no conceito legal de “prédio urbano com afectação habitacional”.
III. Dos elementos de hermenêutica – mormente trabalhos preparatórios decorrentes da discussão na generalidade, na Assembleia da República, do preceito em causa – resulta, desde logo, que aquilo que se pretendeu tributar em sede de IS foram os “prédios urbanos habitacionais”, a “propriedades destinadas à habitação”, “casas” de levado valor – e não terrenos para construção.
IV. a lei não estabelece o que deve entender-se por “prédios urbanos com afectação habitacional”, sendo que a única menção minimamente semelhante, constante na lei, reporta-se, outrossim, ao coeficiente de afectação (art. 41.º do CIMI) – onde se prevê que tal coeficiente depende de utilização dos prédios edificados.
V. Como decorre da jurisprudência deste Supremo tribunal, na determinação do VPT de terrenos para construção não deve ser considerado, sequer, o coeficiente de afectação (cit. Acórdão do STA de 18.11.2009, processo nº 0765/09, destaque nosso, neste sentido, Acórdão do STA de 02.05.2012 – processo nº 01131/11).
VI. No caso dos autos está em causa um terreno para construção, onde, por conseguinte, como é obvio, não existe ainda qualquer prédio edificado, nem tampouco, se pode presumir, para efeito de tributação, que vai acabar por ser construída, naquele terreno, uma habitação.
VII. Mesmo que se admitisse que a determinação do VPT de terrenos para construção considera o coeficiente de afectação (habitacional) — o que não se concede - tal classificação para aquele fim não pode (nem deve) implicar, necessariamente, uma classificação como “prédio afecto à habitação” para efeitos de tributação em sede do IS, pelo simples facto de que não existe qualquer afectação do imóvel à habitação.
VIII. Mesmo que exista um licenciamento ou projecto — e, por maioria de razão, quando seja admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção (cfr. Art. 6.º nº3 CIMI) — a finalidade construtiva pode vir a ser alterada, com a construção, por exemplo, de um prédio destinado a comércio ou serviços.
IX. Analisadas as alegações recursivas, entende a Fazenda Pública que «O valor do terreno para construção corresponde a uma EXPECTATIVA JURÍDICA, que se traduz num direito de nele se vir a construir um prédio com determinadas características e valor.» (destaque nosso).
X. Ora, o nosso ordenamento jurídico tributário encontra-se enformado pelo princípio da capacidade contributiva - que, como princípio jurídico-constitucional material modelador do exercício do poder tributário, deve ser tido como pressuposto e critério que preside à criação dos impostos (cfr. Casalta Nabais, Direito Fiscal, Coimbra, 2003, p. 148 sgs.) - sendo de repudiar os mecanismos que conduzam à imputação de uma capacidade contributiva meramente potencial.
XI. Como referido na douta sentença recorrida, «(…) o objectivo da lei foi tributar aquelas demonstrações de capacidade contributiva para se alcançar “uma efectiva repartição dos sacrifícios necessários ao cumprimento do programa de ajustamento”(..)».
XII. Logo, a mera existência de uma expectativa jurídica de, num terreno para construção, se vir a construir “um prédio urbano com afectação habitacional” não configura a exteriorização de qualquer capacidade contributiva merecedora de tributação.
XIII. A Recorrente entende também que “O valor do terreno para construção corresponde a uma expectativa jurídica, que se traduz num direito de nele se vir a construir um prédio com determinadas características e valor.», mas, como é de liminar clareza, pelo simples facto de um terreno para construção ter um valor patrimonial tributário superior a um milhão de euros, não se pode concluir, e muito menos necessariamente, que o “prédio com afectação habitacional” a ser construído terá o mesmo valor patrimonial tributário.
XIV. Mesmo no caso em que o prédio urbano, depois de edificado, seja afecto exclusivamente à habitação, a incidência do IS, nos termos da Verba n.º 28 da TGIS, deve ser tida em conta face ao VPT «e cada uma das fracções construídas e não ao prédio como um todo.
XV. No caso de a edificação comportar o fraccionamento em regime de propriedade horizontal, a tributação em sede do IS deverá ser efectuada tendo em conta o VPT de cada uma das fracções de forma autónoma, e não o VPT do prédio como um todo — pois só assim se compreenderá a sujeição ao IS, ao abrigo da Verba nº. 28 da TGIS, quando o VPT de uma determinada fracção autónoma habitada ou habitável, for igual ou superior a €1.000.000.
XVI. Tampouco se pode classificar, ab initio, como se de uma realidade concretizada e consolidada se tratasse, que os terrenos para construção são afectos à habitação, porquanto os mesmos podem ser destinados, conjunta ou isoladamente, a muitas outras finalidades (e.g. comércio, serviços, industria, estacionamento, etc).
XVII. Em suma: ao contrário do que pretende a Recorrente, a Verba n.º 28 da TGIS, na redacção aplicável, não faz qualquer menção sobre a incidência do IS sobre os terrenos destinados à construção, outrossim sobre “prédios com afectação habitacional”, isto é, que já comportam uma efectiva afectação habitacional de per si.
XVIII. Bem andou o Tribunal a quo julgar pela ilegalidade da liquidação em causa por violação de lei - nomeadamente dos artigos 6º, n.º 1, al. a) a f), subalínea i) da Lei n. 55-4/2012 e Verba n.º 28 da TGIS.
XIX. Como referido na douta sentença recorrida, só com a Lei de Orçamento de Estado para 2014 se veio proceder, de forma expressa, à tributação em IS dos terrenos para construção de valor tributário igual ou superior a €1.000.000 cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no CIMI.
XX. Muito embora a nova normação não seja, também ela, isenta de críticas, pode desde já retirar-se, com sentido útil para os presentes autos, que i) só agora a norma vem estabelecer uma regra de incidência expressa sobre terrenos para construção, e que ii) essa norma não tem natureza interpretativa.
XXI. Como é sabido, para que uma lei nova possa ser realmente interpretativa são necessários dois requisitos: i) que a solução do direito anterior seja controvertida ou pelo menos incerta, e ii) que a solução definida pela nova lei se situe dentro dos quadros da controvérsia e seja tal que o julgador ou o intérprete a ela poderiam chegar sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e aplicação da lei (Cfr Alberto dos Reis, revista da ordem dos advogados, ano 2º, nºs 1 e 2, pp. 49 sgs; Baptista Machado, Sobre a Aplicação no Tempo do Novo Código Civil, p. 286; Pereira coelho, Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 114.º, p. 184).
XXII. Assim, se o julgador ou o intérprete, em face do texto antigo, não podiam sentir-se autorizados a adotar a solução que a lei nova vem consagrar, então esta é decididamente inovadora — como é o caso.
XXIII. Estando está em causa a interpretação e aplicação de uma norma de incidência, não é possível expandir a letra da lei para nela fazer caber situações que não estão expressamente previstas, na medida em que tal equivaleria a criar norma onde não existia norma e, portanto, em última análise, a exercer poder legislativo em matéria constitucionalmente vedada — assim violando o princípio da legalidade fiscal.
XXIV. Assim, o artigo 6º. n.º 1, f)/i) da Lei n.º 55- A/2012, se interpretado, como a AT, no sentido de que se aplica a terrenos para construção, seria materialmente inconstitucional, por violação dos princípios da legalidade e tipicidade fiscal.
XXV. A interpretação que é feita, pela AT, sobre a incidência da Verba n.º 28 da TGIS conduz a resultados discriminatórios e atentatórios dos princípios da igualdade — constitucionalmente consagrado no artigo 266.º da CRP.
XXVI. Isto porque o entendimento da AT, no qual engloba os terrenos para construção, como a mesma realidade tributária, sem atender às suas naturais especificidades, acarreta uma “penalização” indevida dos terrenos para construção (sem qualquer edificação), relativamente aos prédios habitados ou habitáveis.”

O EMMP pronunciou-se emitindo o seguinte parecer:

“Recorrente: Fazenda Pública
Objecto do recurso: sentença declaratória da procedência da impugnação judicial deduzida contra liquidação de Imposto de Selo (ano 2012) no montante de € 16 723,05
FUNDAMENTAÇÃO
Questão decidenda: interpretação da norma de incidência objectiva constante da verba 28.1 Tabela Geral do Imposto de Selo TGIS (redacção da Lei nº 55-A/2012, 29 outubro), por forma a saber se contempla os terrenos para construção
1. A norma interpretanda sujeita a tributação em Imposto de Selo os prédios urbanos com afectação habitacional cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do CIMI, seja igual ou superior a € 1 000 000.
Inexistindo um conceito normativo de prédio com afectação habitacional, haverá que ponderar o conceito legal próximo de prédios habitacionais adoptado pelo CIMI, diploma de aplicação subsidiária, na economia da Lei nº 55-A/2012, 29 outubro (arts.2° n°4, 3° n°3 al. u), 5° al. u), 23° n°7, 46° n°5 e 67° n°2 CIS)
A distinção formal das realidades jurídicas prédios habitacionais e terrenos para construção, enquanto espécies do género prédios urbanos, tem expressão em clara diferenciação dos respectivos conceitos normativos (art.6° n°1 als. a) e c), 2 e 3 CIMI). Um terreno para construção não pode ser considerado prédio habitacional ou prédio com afectação habitacional (sendo espúria no caso concreto elaboração doutrinária sobre a distinção dos conceitos) na medida em que, não tendo utilização definida, não tem igualmente outra afectação ou destino que não seja a de construção de tipo desconhecido, em abstracto para habitação, comércio, indústria ou serviços (art.6° n°1 als. a) e b) CIMI)
Decisivamente, no sentido de que o legislador (da Lei n°55-A/2012, 29 outubro) não pretendeu incluir no âmbito objectivo de incidência da verba 28.1 da TGIS os terrenos para construção, milita a alteração de redacção introduzida pelo art.194° Lei nº 83-C/2013, 31 dezembro (Lei 0GB 2014) que passou a incluir expressamente na sua previsão o terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação.
2.Sem prejuízo da consistência da argumentação aduzida na sentença, no sentido da distinção entre os conceitos de prédio habitacional e prédio com afectação habitacional, ela é espúria para a solução da questão decidenda na medida em que, pelos motivos supra enunciados, a espécie terreno para construção seria sempre distinta das espécies descritas naqueles conceitos, cujo denominador comum é a habitação, como destino normal ou como afectação concreta e efectiva.
No sentido propugnado neste parecer pronunciou-se recentemente a jurisprudência do STA — SCT (acórdãos 9.04.2014 processo nº 1870/13; 9.04.2014 processo n°48/14)
CONCLUSÃO
O recurso não merece provimento.
A sentença impugnada deve ser confirmada.”

Foram colhidos vistos

2 – FUNDAMENTAÇÃO

O Tribunal “a quo” deu como provada a seguinte factualidade:
1.
A…………………, SA, é proprietária do prédio inscrito na matriz predial urbana de Portimão sob o artigo 17.428— cfr. fls. 61 dos autos.
2.
A Caderneta Predial Urbana do prédio referido em 1., que aqui se dá por integralmente reproduzida, tem, no que ora interessa, o seguinte teor:
(…)
DESCRIÇÃO DO PRÉDIO
Tipo de Prédio: Terreno para Construção
(..)
DADOS DE AVALIAÇÃO
Tipo de coeficiente de localização: 1-Habitação
(...)
Ca [Coeficiente de afectação]: 1,00
(…)
— cfr. fls. 61 dos autos.
3.
Em 7 de Novembro de 2012, foi emitida a liquidação de Imposto de Selo n.º 2012.001898389, no valor de € 16.723,05, relativa ao prédio identificado em 1., efectuada ao abrigo do artigo 6°, n.º 1, alínea f), ponto i), da Lei n.º 55-A/2012 (acto impugnado) — cfr. fls. 58 dos autos.
4.
No dia 20 de Dezembro de 2012, A…………….., SA, efectuou o pagamento de €16.723,05 relativos à liquidação identificada no ponto anterior — cfr. fls. 58 dos autos.

3 – DO DIREITO

A questão que se coloca no presente é a de saber qual o âmbito de incidência da verba nº 28.l. da Tabela Geral de Imposto de Selo (TGIS), na redacção dada pela Lei n° 55-A/2012, de 29 de Outubro, particularmente se ela inclui terrenos para construção, ou, mais precisamente, se os terrenos para construção com valor patrimonial tribunal igual ou superior a € 1.000.000 podem subsumir-se no conceito de prédios urbanos “com afectação habitacional” a que alude a referida verba.

A sentença recorrida, julgou procedente a impugnação deduzida pela ora recorrida contra o acto de liquidação de Imposto do Selo relativo ao ano de 2012, no montante de € 16.723,05 anulando-o e determinando a restituição à impugnante do imposto pago acrescido de juros indemnizatórios, no entendimento de que mostrando-se provado que o prédio objecto de tributação é um terreno para construção, a liquidação enferma de vício de violação daquela verba n.º 28.1, por erro sobre os pressupostos de direito, que justifica a declaração da sua ilegalidade e anulação.

Discorda do decidido a Fazenda Pública, imputando à sentença recorrida erro de julgamento por errada interpretação e aplicação da verba 28.1 da TGIS, no entendimento segundo o qual naquela norma de incidência estão abrangidos os terrenos para construção que tenham como destino definido a construção dum edifício habitacional, como alegadamente resulta da letra da lei.

A recorrida contra-alegou, sustentando o acerto da decisão recorrida.

Na decisão de 1ª Instância expendeu-se a seguinte fundamentação de direito:

(…) QUANTO AO CONCEITO DE «PRÉDIO COM AFECTAÇÃO HABITACIONAL»:
Face ao estado das finanças públicas da República, o Governo entendeu ser necessário “um esforço de consolidação que requererá, além de um permanente activismo na redução da despesa pública, a introdução de medidas fiscais inseridas num conjunto mais vasto de medidas de combate ao défice orçamental”. Pretendendo garantir “uma efectiva repartição dos sacrifícios necessários ao cumprimento do programa de ajustamento”, “por todos e não apenas por aqueles que vivem do rendimento do seu trabalho”, o Governo apresentou à Assembleia da República a Proposta de Lei n.º 96/XII (2.ª), através da qual propôs a alteração de quatro diplomas tributários: o Código do IRS, o Código do IRC, o Código do Imposto do Selo e a Lei Geral Tributária — cfr. o Diário da Assembleia da República, 2.ª série-A, n.º 003 (XII Legislatura, 2.ª Sessão Legislativa), de 21 de Setembro de 2012, p. 44.
Esta Proposta de Lei originou a Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, cujo artigo 3.° deu nova redacção aos artigos 1°, 2°, 3º, 4°, 5.º, 7.º, 22.°, 23°, 44°, 46°, 49.º e 67.º do Código do Imposto do Selo. Com estas alterações pretendeu o legislador tributar as situações jurídicas previstas na Tabela Geral (cfr. o artigo 1°), designadamente a que ficou consignada na sua verba 28 (cfr. as restantes alterações).
Por força do artigo 4.º da mesma Lei n.º 55-A/2012, foi aditada à Tabela Geral do Imposto do Selo a verba n.º 28, com a seguinte redacção:
“28 — Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000 — sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:
28.1 — Por prédio com afectação habitacional — 1 %;
28.2 — Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residente em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças — 7,5 %.”
Pretendeu, assim, o legislador tributar manifestações de capacidade contributiva reveladas pela propriedade, pelo usufruto ou pelo direito de superfície de prédios urbanos com valor patrimonial tributário igual ou superior a €1.000.000,00.
Sendo que, nos termos da verba n.º 28.1, a obrigação de imposto incide sobre “prédio com afectação habitacional” e corresponde a uma percentagem do valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI.
Isto é, o sujeito passivo é tributado em Imposto do Selo por cada prédio urbano com afectação habitacional com VPT igual ou superior a €1.000.000,00 de que seja proprietário, usufrutuário ou superficiário, sendo o montante do imposto uma percentagem desse VPT tal como ele é utilizado para efeito de IMI.
Também o artigo 67°, n.º 2, do Código do Imposto do Selo determina a aplicação subsidiária do Código do IMI “Às matérias não reguladas no presente Código respeitantes à verba n.º 28 da Tabela Geral”.
Deste modo, quanto à incidência real prevista na verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, uma vez que o CIS não define prédio urbano com afectação habitacional, a esta matéria é aplicável, subsidiariamente, o CIMI.
Ora, nos termos do artigo 6.°, n.º 1, do Código do IMI, “Os prédios urbanos dividem-se em a) Habitacionais; b) Comerciais, industriais ou para serviços; c) Terrenos para construção; e d) Outros”, pelo que o conceito de «prédio urbano com afectação habitacional» utilizado pelo legislador no OS não corresponde à divisão típica de prédio urbano efectuada pelo legislador no CIMI.
Em todo o caso, é seguro que o conteúdo daquele conceito há-de ser encontrado neste Código, uma vez que tal prédio foi, de acordo com o disposto no CIS, avaliado em sede de IMI tendo-lhe sido atribuído um Valor Patrimonial Tributário.

Assim sendo, impõe-se interpretar as normas do CIMI de modo a “determinar o sentido objectivo da lei”, sendo que esta “é expressão da vontade do Estado, e tal vontade persiste de modo autónomo, destacada do complexo dos pensamentos e das tendências que animaram as pessoas que contribuíram para a sua emanação”. O ponto directivo da indagação levada a efeito na tarefa interpretativa “é, por consequência, que o intérprete deve buscar não aquilo que o legislador quis, mas aquilo que na lei aparece objectivamente querido: a mens legis e não a mens legislatoris” - cfr. FRANCESCO FERRARA, Interpretação e Aplicação das Leis, Colecção Stvdivm, 3.ª edição, Arménio Amado — Editor, Sucessor, pp. 134-135.
Para o efeito, ex vi do disposto no artigo 11,º, n.º 1, da Lei Geral Tributária, dispõe o
Artigo 9.º do Código Civil
Interpretação da lei
1 - A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições especificas do tempo em que é aplicada.
2 - Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
3- Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
Resulta daquele n.º 1 que na actividade interpretativa operam, pois, quatro elementos: o literal, o teleológico, o sistemático e o histórico.
O elemento literal baseia-se na letra da lei, sendo o ponto de partida da actividade interpretativa e também o seu limite, uma vez que intérprete não pode considerar um pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
O elemento teleológico de interpretação consiste em determinar a finalidade que levou o legislador a emanar a norma. Reconstituindo, a partir dos textos, o pensamento legislativo, o intérprete apodera-se “de um ponto de referência que ao mesmo tempo o habilita a definir o exacto alcance da norma e a adivinhar outras situações típicas com o mesmo ou com diferente recorte”, o que lhe permite compreender como é que o legislador valorou ou ponderou “os diversos interesses que a norma regula e, portanto, o peso relativo desses interesses, a opção entre eles traduzida pela solução que a norma exprime” — cfr. BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, pp. 182-183.
O elemento sistemático tem em conta a unidade do sistema jurídico e, portanto, eventuais relações normativas de subordinação, paralelismo ou conexão.
Finalmente, o elemento histórico considera as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições especificas do tempo em que é aplicada, o que pressupõe a consideração da evolução do regime legal ao longo do tempo e dos motivos pelo qual o legislador manteve a norma em vigor no momento da prática dos factos a que é aplicada.
Sintetizando, “a lei deve ser entendida como se atrás dela estivesse, não a entidade real histórica — indivíduo ou pluralidade de indivíduos — que efectivamente a produziu, mas um certo legislador abstracto, convencional — um legislador razoável, quer na escolha da substância legal, quer na sua formulação técnica, que depois de editado no tempo da publicação, a fosse mantendo de pé, e renovando, por assim dizer, a cada momento, em todo o período da sua vigência” — cfr. MANUEL DE ANDRADE, Ensaio sobre a Teoria da Interpretação das Leis, Colecção Stvdivm, 3ª edição, Arménio Amado — Editor, Sucessor, pp. 103404.

Vejamos, pois:
Como se disse já, com apoio no elemento literal de interpretação, foi intenção do legislador tributar o sujeito passivo em Imposto do Selo por cada prédio urbano com afectação habitacional com VPT igual ou superior a € 1000.000,00 de que seja proprietário, usufrutuário ou superficiário, sendo o montante do imposto uma percentagem desse VPT tal como ele é utilizado para efeito de IMI.
Concluiu-se, também, com respaldo no elemento teleológico, que o objectivo da lei foi tributar aquelas demonstrações de capacidade contributiva para se alcançar “uma efectiva repartição dos sacrifícios necessários ao cumprimento do programa de ajustamento”, “por todas e não apenas por aqueles que vivem do rendimento do seu trabalho”.
Finalmente, quanto à incidência real prevista na verba n°28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, averiguou-se que o CIS não define prédio urbano com afectação habitacional, que a esta matéria é aplicável subsidiariamente o CIMI e que este conceito não corresponde à divisão típica de prédio urbano efectuada pelo legislador no CIMI (Nos termos do artigo 6°, n.º 1, do Código do IMI, “Os prédios urbanos dividem-se em a) Habitacionais; b) Comerciais, industriais ou para serviços; c) Terrenos para construção; e d) Outros”).
Impõe-se, então, delimitar o conceito de prédio urbano com afectação habitacional, o que se fará, atendendo à predita remissão do CIS para o CIMI, através do elemento sistemático de interpretação, tendo em conta a unidade do sistema jurídico e, portanto, eventuais relações normativas de subordinação, paralelismo ou conexão.
Ora, nos termos do nº 2 do mesmo artigo 6.º do CIMI, “Habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins”.
Por outro lado, “Consideram-se terrenos para construção os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedido licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, exceptuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afectos a espaços, infra-estruturas ou equipamentos públicos”.
Ou seja, são prédios urbanos habitacionais os edifícios ou as construções licenciadas para habitação, bem como os edifícios ou as construções não licenciadas para habitação mas cujo destino normal seja a sua utilização como habitação; e são prédios urbanos da classe terrenos para construção os terrenos sobre os quais já foi constituído (1) o direito de construção ou (2) o direito de loteamento, bem como, à míngua da constituição destes direitos, os terrenos (3) que tenham viabilidade construtiva e o seu destino, escriturado aquando da sua aquisição, seja a construção ou o loteamento, e a realização de tais operações não seja vedada pelas entidades competentes
“É notório que a lei não confere, neste artigo 6.º do CIMI, qualquer relevância à efectiva afectação do imóvel no momento da avaliação. Esse facto é muito importante porque ocorrem muitas situações em que um prédio pode estar a ser efectivamente ocupado ou utilizado para um fim diferente daquele para que foi licenciado. Mas pode também acontecer que a utilização efectiva no momento da avaliação, além de não corresponder à finalidade para que foi licenciada a sua utilização, não corresponda também à sua afectação normal. Nestes casos a lei é relativamente rígida, considerando que, para os efeitos do artigo 6.º, o que releva é a afectação que consta do licenciamento, não deixando margem para que se possa atribuir qualquer relevo à utilização efectiva do imóvel. Mesmo nos casos em que não exista licenciamento, o CIMI determina que o que releva não é a utilização que em cada momento esteja a ser dada ao imóvel, mas antes o seu destino normal. Significa isso que, no teor literal da lei, nas situações em que um prédio construído para habitação esteja a ser utilizado como escritório, será considerado afecto a habitação, por ser esse o seu destino normal” - cfr. José MARIA FERNANDES PIRES, Lições de Impostos sobre o Património e do Selo, Almedina, p. 85.
Por outro lado, a determinação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação, comércio, indústria ou serviços resulta de uma fórmula matemática que integra o coeficiente de afectação — cfr. o artigo 38°, n.º 1, do CIMI. Este coeficiente depende do tipo de utilização dos prédios edificados, distinguindo de forma mais fina, em relação à distinção operada pelo predito artigo 6°, entre comércio, armazéns e actividade industrial, serviços e habitação, mas também entre habitação social sujeita a regimes legais de custos controlados, comércio e serviços em construção do tipo industrial, estacionamento coberto e fechado, estacionamento coberto e não fechado, estacionamento não coberto, prédios não licenciados em condições muito deficientes de habitabilidade e arrecadações e arrumos — cfr. o artigo 41.º do CIMI.
“A rigidez da classificação do artigo 6.º contrasta com o pragmatismo constante do artigo 41.º, nos termos do qual o que releva para a determinação do coeficiente de afectação é o «tipo de utilização dos prédios edificados». Ou seja, quando o objectivo é de determinar o coeficiente de afectação, já não releva a classificação constante do licenciamento nem o «destino normal» do prédio, mas antes a sua efectiva utilização, ou, com mais rigor, o fim a que está afecto no momento em que se procede à sua avaliação. Seguindo a formulação legislativa, na aplicação do coeficiente de afectação, o que releva é o tipo de utilização do prédio, sendo que essa tipologia é a que consta da lista do artigo 41.º - cfr. JOSÉ MARIA FERNANDES PIRES, ob. cit., Almedina, p. 85.
Com este regime não se confunde a determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção que, nos termos do artigo 45°, n.º 1, do CIMI, corresponde ao “somatório do valor da área de implantação do edifício a construir, que é a situada dentro do perímetro de fixação do edifício ao solo, medida pela parte exterior, adicionado do valor do terreno adjacente à implantação”.
Aqui inexiste, desde logo, uma edificação, motivo pelo qual não é considerado no valor patrimonial tributário do terreno o coeficiente de afectação — cfr. o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 18 de Novembro de 2009 — processo n.º 765/09.
De outro modo: os prédios urbanos da espécie «terrenos para construção» têm como característica serem utilizados para edificação - eventualmente de prédios habitacionais (ou comerciais, ou industriais, ou de serviços) - inexistindo, pois, qualquer possibilidade de efectiva afectação habitacional, propriedade de que apenas gozam as edificações (edifícios ou construções) já que os terrenos para construção não são, de per si habitáveis: como se viu, trata-se de terrenos sobre os quais já foi constituído direito de construção ou de loteamento, ou então terrenos que têm viabilidade construtiva e o seu destino, escriturado aquando da sua aquisição, é a construção ou o loteamento permitida pelas entidades competentes.
Através do exposto fica, então, visível o motivo pelo qual o legislador utilizou diferentes formulações no CIS e no CIMI:
- No CIMI, nos termos do seu artigo 6.º um prédio urbano é habitacional se os edifícios/construções já se encontrarem licenciados para habitação ou se for este o seu destino normal, sendo pois susceptíveis de afectação habitacional;
- Ainda no CIMI, para efeito de determinação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação (artigo 38°), o coeficiente de afectação é fixado de acordo com o fim a que o prédio está afecto no momento em que é avaliado (artigo 41°), sendo que o legislador tipificou estes fins, nos quais incluiu, entre outros, a habitação ou a habitação social sujeita a regimes legais de custos controlados;
- No CIS, para efeito de tributação ao abrigo da verba 28.1, o legislador considerou os prédios urbanos com afectação habitacional, isto é, em conexão com aqueles artigos 38.º e 41.° do CIMI, considerou os prédios urbanos para habitação que, no momento da verificação do facto tributário, estejam efectivamente afectos a habitação, que não meramente licenciados ou com a habitação como seu destino normal.
Aqui chegados podemos, então, declarar que os prédios urbanos que no momento da verificação do facto tributário estejam efectivamente afectos a habitação preenchem o conceito de «prédio com afectação habitacional», consideração do pensamento legislativo que tem na letra da lei (verba 28.1 da Tabela Geral do IS) um mínimo de correspondência verbal: prédio com afectação habitacional é um prédio efectivamente afecto a habitação, i.e., que se encontra a ser utilizado pelos seus habitantes.
E concluir que um terreno para construção, dada a sua natureza, não pode ser efectivamente afecto a habitação, já que não pode ser habitado.
Tese que tem respaldo no elemento histórico de interpretação. Mesmo desconsiderando a declaração do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais na discussão na generalidade da Proposta de Lei n.º 96/XII (2.ª), (Em primeiro lugar, o Governo propõe a criação de uma taxa especial para tributar prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. (...) Esta taxa será de 0,5% a 0,8%, em 2012, e de 1%, em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros. (..)“ — cfr. o relato da Reunião Plenária da Assembleia da República de 10 de Outubro de 2012, publicado no Diário da Assembleia da República, 1.ª série, n.º 009 (XII Legislatura, 2.ª Sessão Legislativa), de 11 de Outubro de 2012, p. 32.) uma vez que, nos preditos termos, “o intérprete deve buscar não aquilo que o legislador quis, mas aquilo que na lei aparece objectivamente querido: a mens legis e não a mens legislatoris”, certo é que a Lei 83-C/2013, de 31 de Dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2014, veio, no seu artigo 194°, dar nova redacção à verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo.
Por este motivo a redacção inicial:
“28.1 — Por prédio com afectação habitacional — 1 %;”
Foi abandonada pelo legislador, passando a verba a rezar do seguinte modo:
“28.1 — Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI — 1 %”
Verifica-se, pois, um alargamento da base de incidência do tributo previsto nesta verba, sendo que só com a entrada em vigor da alteração promovida pelo Orçamento do Estado para 2014 é que os terrenos para construção cuja edificação respectiva seja para habitação passaram a ser abrangidos, no ponto, pelo Imposto do Selo que mantém a incidência sobre os prédios habitacionais.
E, assim sendo, na redacção inicial — a aplicável no caso dos autos -, os prédios urbanos com afectação habitacional são apenas tais prédios habitacionais que, no momento da verificação do facto tributário, já se encontravam a ser fruídos pelos seus habitantes.

No caso dos autos as partes apenas divergem quanto ao direito que lhe é aplicável, sendo que resulta provado que o terreno para construção da Impugnante foi tributado com fundamento na verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, na sua redacção inicial (anterior à que lhe foi dada pela Lei do Orçamento de Estado para 2014) — cfr. pontos 1 a 3 do probatório.
Como na norma de incidência aí prevista não se incluem os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, a liquidação em crise nos autos padece de vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de direito, o que gera o vício da anulabilidade e consequência a sua remoção da ordem jurídica.

Ficando prejudicado o conhecimento das outras questões invalidantes do acto tributário suscitadas na presente Impugnação, restando apreciar a questão relativa aos juros indemnizatórios. (…)
Vejamos.

Desde já se adianta que o presente recurso não merece provimento e que a sentença deve ser confirmada pelas razões que ficaram devidamente explicitadas nos acórdãos proferidos por esta Secção no dia 9 de Abril 2014, nos processos nºs 1870/13 e 48/14, e no dia 23 de Abril de 2014, nos processos nº 270/14, 271/14 e 272/14 (Sendo que nos quatro primeiros acórdãos citados o ora relator interveio como 2º Adjunto) nos quais se decidiu que os “terrenos para construção” não podem ser considerados, para efeitos de incidência do Imposto do Selo prevista na Verba 28.1 (na redacção da Lei n.º 55-A/2012), como prédios urbanos com afectação habitacional.
Trata-se de jurisprudência que também aqui se acolhe, por com ela continuarmos a concordar integralmente, pelo que nos limitaremos a reproduzir o que sobre a questão ficou dito no referido acórdão proferido no processo nº 1870/13:

«O conceito de “prédio (urbano) com afectação habitacional” não foi definido pelo legislador. Nem na Lei n.º 55-A/2012, que o introduziu, nem no Código do IMI, para o qual o n.º 2 do artigo 67.º do Código do Imposto do Selo (igualmente introduzido por aquela Lei), remete a título subsidiário. E é um conceito que, provavelmente mercê da sua imprecisão – facto tanto mais grave quanto é um função dele que se recorta o âmbito de incidência objectiva da nova tributação -, teve vida curta, porquanto foi abandonado aquando da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2014 (Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro), que deu nova redacção àquela verba n.º 28 da Tabela Geral, e que recorta agora o seu âmbito de incidência objectiva através da utilização de conceitos que se encontram legalmente definidos no artigo 6.º do Código do IMI.
Esta alteração - a que o legislador não atribuiu carácter interpretativo, nem nos parece que o tenha –, apenas torna inequívoco para o futuro que os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação se encontram abrangidos no âmbito da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (desde que o respectivo valor patrimonial tributário seja de valor igual ou superior a 1 milhão de euros), nada esclarecendo, porém, em relação às situações pretéritas (liquidações de 2012 e 2013), como a que está em causa nos presentes autos.
Ora, quanto a estas, não parece poder perfilhar-se a interpretação da recorrente, porquanto não resulta inequivocamente nem da letra, nem do espírito da lei que a intenção desta tenha sido, ab initio, a de abranger no seu âmbito de incidência objectiva os terrenos para construção para os quais tenha sido autorizada ou prevista a construção de edifícios habitacionais, como resulta hoje inequivocamente da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo.
Da letra da lei nada de inequívoco decorre, aliás, pois ela própria ao utilizar um conceito que não definiu e que também não se encontrava definido no diploma para o qual remeteu a título subsidiário prestou-se, desnecessariamente, a equívocos, em matéria – de incidência tributária - em que a certeza e a segurança jurídica deviam também ser preocupações cimeiras do legislador.
E do seu “espírito”, apreensível na exposição de motivos da proposta de lei que está na origem da Lei n.º 55-A/2012 (Proposta de Lei n.º 96/XII – 2.ª, Diário da Assembleia da República, série A, n.º 3, 21/09/2012, p. 44, disponível em www.parlamento.pt) nada mais decorre senão a preocupação de angariar novas receitas fiscais, sobre fontes de riqueza “mais poupadas” no passado à voragem do Fisco que os rendimentos do trabalho, em particular os rendimentos de capitais, mais-valias mobiliárias e a propriedade, motivos estes que nenhum contributo relevante trazem ao esclarecimento do conceito de “prédios (urbanos) com afectação habitacional”, porquanto o dão como assente, sem preocupação alguma de o esclarecer. Tal esclarecimento terá, porém, surgido - como informado na Decisão Arbitral proferida em 12 de Dezembro de 2013, no processo n.º 144/2013-T, disponível na base de dados do CAAD -, aquando da apresentação e discussão na Assembleia da República daquela proposta de lei, nas palavras do Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, que terá referido expressamente, conforme se colhe do Diário da Assembleia da República (DAR I Série n.º 9/XII – 2, de 11 de Outubro, p. 32) que: «O Governo propõe a criação de uma taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8% em 2012 e de 1% em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros” (sublinhados nossos), donde se colhe que a realidade a tributar tida em vista são, afinal, e não obstante a imprecisão terminológica da lei, “os prédio (urbanos) habitacionais”, em linguagem corrente “as casas”, e não outras realidades.
O facto de se poder considerar que na determinação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos classificados como terrenos para construção se deve levar em conta a afectação que terá a edificação para ele autorizada ou prevista para determinação do respectivo valor da área de implantação (cfr. os n.ºs 1 e 2 do artigo 45.º do CIMI), não determina que os terrenos para construção possam ser classificados como “prédios com afectação habitacional”, porquanto a afectação habitacional” surge sempre no Código do IMI referida a “edifícios” ou “construções”, existentes, autorizados ou previstos, porquanto apenas estes podem ser habitados, o que não sucede no caso dos terrenos para construção, que não têm, em si mesmos, condições para tal, não sendo susceptíveis de serem utilizados para habitação senão se e quando neles for edificada a construção para eles autorizada e prevista (mas nesse caso não serão já “terrenos para construção” mas outra espécie de prédios urbanos – “habitacionais”, “comerciais, industriais ou para serviços” ou “outros” – artigo 6.º do CIMI).
Estranho seria, aliás, que a determinação do âmbito da norma de incidência tributária da verba n.º 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo se encontrasse, ao fim e ao cabo, nas normas de determinação do valor patrimonial tributário do Código do IMI, e que a imprecisão terminológica do legislador na redacção daquela regra fosse, afinal, elucidada e finalmente esclarecida por via de uma remissão, indirecta e equívoca, para o coeficiente de afectação estabelecido pelo legislador em relação a prédios edificados (artigo 41.º do Código do IMI).
Assim, atendendo a que um terreno para construção – qualquer que seja o tipo e a finalidade da edificação que nele será, ou poderá ser, erigida – não satisfaz, só por si, qualquer condição para como tal ser licenciado ou para se poder definir como sendo a habitação o seu destino normal, e referindo-se a norma de incidência do imposto do selo a prédios urbanos com “afectação habitacional”, sem que seja estabelecido qualquer conceito específico para o efeito, não pode dela extrair-se que na mesma se contenha uma potencialidade futura, inerente a um distinto prédio que porventura venha a ser edificado no terreno.
Conclui-se pois, em conformidade com o decidido na sentença sob recurso que, resultando do artigo 6.º do Código do IMI uma clara distinção entre prédios urbanos “habitacionais” e “terrenos para construção”, não podem estes ser considerados como “prédios com afectação habitacional” para efeitos do disposto na verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, na sua redacção originária, que lhe foi conferida pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro». (fim de citação)
Reitera-se esta jurisprudência, uma vez que a recorrente não aduz nova fundamentação que infirme a orientação jurisprudencial supra assinalada. Conclui-se que o recurso não merece provimento, sendo de confirmar a sentença recorrida.
4- Decisão:
Pelo exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.

Custas a cargo da recorrente.

Lisboa, 28 de Maio de 2014. – Ascensão Lopes (relator) – Ana Paula LoboDulce Neto.