Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:096/15
Data do Acordão:09/10/2015
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:TERESA DE SOUSA
Descritores:EXECUÇÃO DE ACÓRDÃO
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
NORMA TRANSITÓRIA
TUTELA JURISDICIONAL EFECTIVA
Sumário:I – Aos processos executivos instaurados após 01.01.2004, mesmo que a execução voluntária e extrajudicial já tivesse sido requerida no âmbito da vigência do regime instituído pelo DL nº 256-A/77, aplicam-se as novas disposições do CPTA respeitantes à execução de sentenças administrativas, por força do disposto na norma transitória do nº 4 do art. 5º da Lei nº 15/2002.
II – Tendo a Recorrente instaurado a acção executiva apenas em 21 de Março de 2006, portanto, já na vigência do CPTA, já se encontrava caducado o respectivo direito de acção por, há muito ter sido ultrapassado o prazo consignado no art. 170º, nºs 1 e 2 do CPTA, aplicável por força da norma transitória do art. 5º, nº 4 da Lei nº 15/2002.
III – O nosso quadro constitucional, concede ao legislador ordinário uma ampla margem de conformação dos prazos de caducidade do direito de acção, cabendo ao poder legislativo proceder à sua fixação através de ponderações abstractas entre os interesses da garantia judicial do exercício de direitos e os interesses da segurança e estabilidade das relações jurídicas. Ou seja, a tutela judicial efectiva não é um exclusivo dos cidadãos face à Administração Pública, sendo também uma garantia desta, na medida considerada adequada pelo legislador, em relação àqueles.
IV – Ainda que os prazos de execução contra entidades privadas seja distinto, tal diferença de prazos para a execução entre as entidades privadas e as públicas, corresponde a um tratamento diferenciado que não coloca qualquer questão de constitucionalidade, correspondendo à apontada relevância do interesse público e à sua ponderação face aos interesses privados em confronto e à necessidade de estabilização das relações jurídicas administrativas, sendo a regra a dos prazos relativamente curtos para o acesso à via judicial.
Nº Convencional:JSTA00069325
Nº do Documento:SA120150910096
Data de Entrada:04/14/2015
Recorrente:A... CONSULTORES DE ENGENHARIA, SA
Recorrido 1:IEFP
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC REVISTA EXCEPC
Objecto:AC TCAS
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR ADM CONT - REC REVISTA EXCEPC
Legislação Nacional:L 15/2002 DE 2002/02/22 ART5 N4.
DL 256-A/77 DE 1977/06/17 ART5.
CPTA02 ART170 N1 N2.
CONST76 ART2 ART3 N2 N3 ART13 ART18 ART20 ART61 ART62 ART266 ART268 N4.
Jurisprudência Nacional:AC STAPLENO PROC038240A DE 2006/05/10.; AC STA PROC039896A DE 2006/05/10.; AC STA PROC039896A DE 2008/01/31.; AC STA PROC0961/2007 DE 2008/03/12.; AC STA PROC046556A DE 2005/03/16.
Referência a Doutrina:MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA E RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA - CPTA VOLI PAG109.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo

1. Relatório

A………….. – Consultores de Engenharia, SA interpõe o presente recurso de revista do acórdão do TCA Sul que julgou improcedente o recurso interposto da decisão do TAC de Lisboa que julgou haver caducado o direito da aqui Recorrente a interpor execução para pagamento de quantia certa. Mais tendo julgado que a aplicação ao caso concreto, pela sentença recorrida, do art. 170º, nº 2 do CPTA, não padecia de qualquer inconstitucionalidade.
Nas alegações do presente recurso são formuladas as seguintes conclusões:
1. Deve ser admitido o presente recurso de revista excepcional, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 150°, n° 1, do CPTA, por a questão em discussão se prender com a interpretação do artigo 5° da Lei n.° 15/2002, de 22.02, que aprovou o CPTA e do regime transitório por ele instituído, revestindo importância jurídica fundamental, uma vez que se trata de apurar qual o espírito do legislador subjacente àquela disposição;
2. Por outro lado, a decisão recorrida é claramente contrária ao entendimento expresso em diversas ocasiões pelo Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo sobre a mesma matéria, mostrando-se necessária a admissão do presente recurso de revista como única forma de contribuir para uma interpretação mais segura do quadro normativo aplicável;
3. Contrariamente ao decidido no Acórdão recorrido, são diferentes os regimes de execução estabelecidos na LPTA e no Decreto - Lei n.° 256-A/77, por um lado, e no CPTA, por outro, sendo também diferentes os respectivos trâmites procedimentais, uma vez que o primeiro regime exige que, uma vez decorrido o prazo para execução espontânea, o interessado interpele a Administração, no segundo regime, é possível recorrer de imediato à execução judicial da sentença, sem necessidade de qualquer interpelação prévia;
4. Sendo diferentes as regras, os pressupostos e os prazos da execução pré-jurisdicional, não se podem dissociar os prazos estabelecidos dos procedimentos onde os mesmos se inserem, pelo que a entrada em vigor do CPTA não constitui apenas uma questão de sucessão de prazos, estando antes em causa uma sucessão de regimes;
5. Por essa razão, no artigo 5° da Lei n.° 15/2002, de 22.02, para o efeito de determinar a entrada em vigor das novas normas processuais do CPTA quanto às acções executivas, o legislador teve precisamente o cuidado de abranger naquela norma "as novas disposições relativas à execução" como um bloco, e não somente as normas relativas a prazos, pois se fosse esse o objectivo teria utilizado outras palavras, donde se retirasse a referência a prazos;
6. Deste modo, contrariamente ao que decidiu o Tribunal “a quo”, no Acórdão recorrido, não é aplicável, na interpretação do artigo 5° da Lei n.° 15/2002, de 22.02, o artigo 297° do Código Civil que regula apenas a sucessão de prazos;
7. Acresce que, no caso concreto, o processo de execução de sentença já se encontrava iniciado à data da entrada em vigor do CPTA, porquanto o mesmo tinha início com a notificação para execução, prevista pelo artigo 5° do Decreto-Lei n° 256-A/77, a qual, de acordo com a jurisprudência e a doutrina, constituía um verdadeiro pressuposto processual da fase judicial do processo de execução de sentenças (vd., neste sentido, VIEIRA DE ANDRADE, Direito Administrativo e Fiscal, pág. 125 e SANTOS BOTELHO, Contencioso Administrativo, págs. 610-611);
8. Estando o processo de execução da sentença já iniciado à data da entrada em vigor do CPTA, não é aplicável ao caso concreto o artigo 170° do mesmo código, nos termos previstos no artigo 5° da Lei n.° 15/2002, de 22.02, "a contrario", pelo que ao decidir de modo diverso o Acórdão recorrido violou a citada disposição legal;
9. Ainda que assim não se entenda, sempre se dirá que, a aplicação ao caso concreto, pelo Acórdão recorrido, do artigo 170°, n° 2, do CPTA, nos termos do qual o prazo para executar uma sentença transitada em julgado caduca após 6 meses, decorridos sobre os 30 dias que a Administração Pública possui para cumprir voluntariamente, é inconstitucional e deve ser recusada a sua aplicação;
10. Tal inconstitucionalidade decorre da violação dos artigos, 2°, 3°, n°s 2 e 3, 13°, 18°, 20°, 61 °, 62°, 266°, 268°, n° 4 - todos da CRP;
11. A consagração de um prazo de 6 meses para executar uma sentença condenatória ao pagamento de uma quantia certa viola o princípio da igualdade e da proporcionalidade na diferenciação de regime entre as entidades públicas e privadas, na medida em que o prazo de caducidade para propor uma acção de execução quando o devedor seja uma entidade privada coincide com o prazo prescricional, no caso concreto, de 20 anos, inexistindo qualquer fundamento para o estabelecimento de tal diferença de regime;
12. Acresce que a consagração de um tal prazo diminuto viola o direito à protecção jurídica, e portanto o artigo 20° da CRP, que abrange o direito a possuir prazos razoáveis de acção, que deve ser extensível ao direito a um processo de execução que é coarctado se o prazo para o exercer é desproporcionadamente diferenciado quando o devedor é uma entidade pública;
13. O mencionado artigo 170°, n° 2 viola igualmente o direito de iniciativa privada e de propriedade privada, introduzindo limitações ao estabelecimento de relações contratuais com entidades públicas, as quais são posteriormente desproporcionalmente limitadas em sede de execução de sentença perante o incumprimento por parte da Administração, correspondendo a verdadeira expropriação a obtenção de serviços cujo pagamento foi reconhecido por sentença judicial transitada em julgado e, mantendo-se o direito de crédito na ordem jurídica (por se encontrar sujeito apenas ao prazo prescricional ordinário constante do artigo 309° do CodCiv), insusceptível de execução;
14. De tal facto resulta, ainda a violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva, consagrada no artigo 268°, n° 4 da CRP, porquanto existindo o direito na esfera jurídica da ora Recorrente, inexiste qualquer meio processual que permita a efectivação desse direito;
15. Tais violações de direitos, liberdades e garantias, sujeitos ao regime constante dos artigos 18° e 19° da CRP consubstanciam uma violação do princípio do Estado de Direito democrático, do qual constituem corolários;
16. É, pois, flagrante, a inconstitucionalidade do artigo 170°, n° 2 do CPTA, na parte em que determina o prazo de 6 meses para intentar uma acção de execução de sentença, devendo o Venerando Tribunal desaplicá-la, nos termos do artigo 204° da CRP, devendo o processo de execução prosseguir, nos termos gerais aplicáveis;

Em contra-alegações o Instituto do Emprego e Formação Profissional, IP (IEFP, IP) formula as seguintes conclusões:
Ao contrário do que vem defender a Recorrente, não se verificam neste caso os pressupostos definidos no art.° 150°, n.° 1 do CPTA para a admissão do recurso de revista interposto do douto Acórdão do TCA Sul de 23.OUT.2014.
Desde logo, porque, tal como propugna a própria Recorrente, caso se entenda que "o processo de execução de sentença já se encontrava iniciado à data da entrada em vigor do CPTA", sendo-lhe, por isso, aplicável o regime constante do Dec.-Lei n.° 256-A/77 de 19 de Agosto, e não do CPTA, então, tratando-se de processo pendente, não tem lugar o presente recurso de revista, nos termos previstos no art.° 5°, n.°s 1 e 3, 2a parte, da Lei n.° 15/2002, de 22 de Fevereiro.
3a Com efeito, nos termos da referida disposição legal, não são aplicáveis aos processos pendentes as disposições do CPTA que introduzem novos recursos que não eram admitidos na vigência da legislação anterior.
4a Depois, ainda que assim não seja, continua a Recorrente a não ter razão.
Ao contrário do que a Recorrente pretende fazer crer, do invocado Acórdão de 10.05.2006 do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do STA, proferido no processo 038240A, não decorre, de forma clara, qualquer entendimento "no sentido de que à execução do julgado objecto dos autos não é aplicável o disposto no art.° 170°, n.° 2 do CPTA, em virtude da execução voluntária já ter sido requerida pela Recorrente ao abrigo do Dec.-Lei n.°256-A/77, de 17 de Junho.
6a Com efeito, compulsado o referido Acórdão de 10.05.2006 que a Recorrente invoca, constata-se não existir qualquer incompatibilidade entre o decidido no douto Acórdão de 23.OUT.2014 do TCA Sul ora recorrido e o considerado naquele.
Ou seja, nos termos consagrados neste Acórdão de 10.05.2006, aos requerimentos executivos de sentença administrativas apresentados em tribunal ou processo executivos instaurados após 1.1.2004, mesmo que a execução voluntária e extrajudicial já tenha sido requerida no âmbito da vigência do regime instituído pelo Dec.-Lei n.° 256-A/77, aplicam-se as novas disposições do CPTA respeitantes à execução de sentenças administrativas, por força do disposto no n.° 4 do art.° 5° da Lei n.° 15/2002, de 22 de Fevereiro.
Não se verifica, pois, nesta vertente, qualquer divergência entre as decisões contidas no Acórdão ora recorrido e a jurisprudência do STA já firmada sobre a questão.
9a De facto, tendo a Recorrente instaurado a acção executiva em 21 de Março de 2006, nenhuma dúvida se pode suscitar quanto à bondade do decidido no douto Acórdão ora recorrido, face à irremediável ultrapassagem do prazo para o efeito fixado no art.° 170°, n.°s 1 e 2 (1 + 6 meses - execução para pagamento de quantia certa), bem como da sua conformidade com a jurisprudência já consolidada do STA sobre a questão.
10a Deste modo, e tal como foi decido no Acórdão de 18.DEZ.2014 do STA, proferido no processo n.° 01467/14, in www.dgsi.pt, não se justifica admitir o recurso de revista excepcional para apreciar questão decidida no acórdão do TCA em conformidade com a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo.
11a Nestes termos, deverá considerar-se que não se encontram verificados no caso sub judice os pressupostos exigidos no art.° 150°, n°1 do CPTA para ser admitida a presente revista.
12ª No entanto, caso assim não venha a ser decidido, embora sem conceder, verificar-se-ia a total improcedência dos fundamentos e conclusões do recurso.
13a Aliás, do já acima exposto, à luz do disposto no art.° 150°, n.° 1 do CPTA, sobre a inadmissibilidade do presente recurso de revista, decorre também de forma suficiente e clara a improcedência das conclusões formuladas pela Recorrente quanto a uma suposta violação do art.° 5° da Lei n.° 15/2002, de 22 de Fevereiro pelo decidido no douto Acórdão recorrido.
14a Com efeito, a jurisprudência é unânime em considerar que o apuramento da tempestividade da instauração da execução de uma sentença administrativa, transitada em julgado no domínio da LPTA e do Decreto-Lei n.° 256-A/77, faz-se à luz do novo regime estabelecido pela referida Lei, cujo art.° 5°, n.° 4 manda aplicar as novas disposições respeitantes à execução das sentenças aos processos executivos que sejam instaurados após a entrada em vigor do novo CPTA.
15ª O requerimento dirigido à Administração, no âmbito e na vigência do Decreto-Lei n.° 256-A/77, para esta dar execução voluntária à sentença condenatória não equivale à instauração do processo executivo no tribunal, cuja instância só e apenas tem início, quer agora, na vigência do CPTA, quer antes, na vigência da LPTA, com a entrada do respectivo requerimento executivo em tribunal.
16a Por isso, à data da instauração da acção executiva pela Recorrente, em 21 de Março de 2006, não podem sobrar quaisquer dúvidas de já se encontrava caducado o respectivo direito de acção, por já ter há muito decorrido o prazo aplicável, previsto no art.° 170°, n.° 1 e 2 do CPTA, no caso de execução para pagamento de quantia certa.
17a Mas, ainda que assim não fosse, mesmo ao abrigo da LPTA e do Dec.-Lei n° 256-A/77, caso ainda estivessem em vigor, o direito de acção da Recorrente à data da instauração da presente execução da sentença administrativa condenatória, em 21 de Março de 2006, também já havia caducado há muito.
18a Com efeito, desde o trânsito em julgado do Acórdão do STA exequendo e após o requerimento dirigido ao IEFP, I.P. em 14 de Outubro de 2003 e até 21 de Março de 2006, já há muito que decorreram os prazos de sessenta dias a contar daquele requerimento (art.°s 5°, n.° 1 e 6°, n.° 1 do Dec.-Lei n.° 256-A/77), bem como o de um ano, após o referido de sessenta dias, para iniciar o processo de execução jurisdicional (art.° 96°, n.° 2, al. b) da LPTA).
19a Por conseguinte, as conclusões da Recorrente em relação à pretensa violação do art.° 5° da Lei n.° 15/2002 pelo douto Acórdão recorrido não apresentam qualquer consistência, sendo manifestamente improcedentes.
20a Porém, pouco ou nada acreditando nesta sua tese, a Recorrente vira-se para uma pretensa inconstitucionalidade da aplicação do disposto no art.° 170° do CPTA à execução por si instaurada em 21 de Março de 2006, por violação dos art.°s 2°, 3°, n.°s 2 e 3, 13°, 18°, 20°, 61°, 62°, 266° e 268, n.° 4, todos da CRP. Mas sem qualquer razão.
21a A Recorrente limita-se a vir reproduzir o já alegado em sede de recurso jurisdicional interposto para o TCA Sul, mas sem fazer nenhuma referência ou rebater os fundamentos da douta pronúncia do Acórdão recorrido sobre a invocada inconstitucionalidade, pelo que, ainda que o presente recurso fosse admitido, não haveria lugar ao seu conhecimento da mesma.
22a Ora, a douta pronúncia do Acórdão recorrido sobre as inconstitucionalidades invocadas no recurso jurisdicional para o TCA Sul demonstra com clareza a não verificação das mesmas, o que é bastante para concluir pela improcedência das conclusões 9. a 16. ora formuladas pela Recorrente no presente recurso.
23a Com efeito, de acordo com o art.° 170° do CPTA, a petição de execução deve ser apresentada no prazo de seis meses, contado desde o termo do prazo dentro do qual a obrigação devia ter sido cumprida, isto é, o prazo estabelecido no próprio título executivo ou, na falta dele, o prazo supletivo estabelecido no n° 1 deste preceito normativo - trinta dias.
24ª De facto, o CPTA suprimiu a anterior denominada fase pré-executiva e procedeu a uma significativa redução do prazo global para a instauração da execução jurisdicional, que passou a ser de seis meses contados do fim de trinta dias, no caso de execução para pagamento de quantia certa.
25a Houve, pois, a preocupação de assegurar a mais rápida estabilização das situações jurídicas, sobretudo no interesse de eventuais contra-interessados, num contexto em que o exequente sabe que dispõe de um título executivo e é o primeiro interessado na execução do mesmo.
26a Aliás, ao contrário do que alega, o crédito da recorrente cai no âmbito do disposto no art.° 317°, al. b) do Código Civil, pelo que o prazo de prescrição do mesmo é de dois anos, e não de 20 anos, como defende.
27a Porém, como já referido, mesmo que a LPTA e o Dec.-Lei n.° 256-A/77, de 17 de Junho, ainda se encontrassem em vigor, a presente execução jurisdicional, com a instância iniciada em 21 de Março de 2006, também teria de ser considerada extemporânea, pois já tinha sido ultrapassado há muito o prazo de um ano contado do termo dos sessenta dias após o seu requerimento de 14 de Outubro de 2003 apresentado ao ora Recorrido.
28a Por outro lado, a ora recorrente esteve desde 1 de Janeiro de 2004 à espera para executar o Acórdão, bem sabendo que naquela data entrou em vigor um novo regime de execução de sentenças proferidas pelos tribunais administrativos, com prazos distintos para instauração das acções executivas.
29a Assim, não subsistem dúvidas de que o princípio do direito à tutela jurisdicional previsto no art.° 2° do CPTA não é violado pelo facto de existir um prazo de seis meses para executar uma sentença.
30a Daí que, também não há violação dos princípios constitucionais decorrentes daquele e que são invocados pela recorrente: do direito à protecção jurídica, do direito de acção, do princípio da igualdade, da proporcionalidade, da iniciativa privada e, em particular, o Estado de Direito democrático.
31ª Encontra-se subjacente a este prazo de seis meses, ínsito no art.° 170° do CPTA, a garantia de os particulares, caso a Administração não cumpra voluntariamente com o pagamento, poderem ser ressarcidos dos seus créditos num prazo mais curto, evitando, assim, o protelar do pagamento.
32ª Destarte, é indubitável que as conclusões apresentadas pela Recorrente no presente recurso jurisdicional em nada contrariam o douto julgamento por parte do douto Acórdão ora recorrido sobre a caducidade do direito de acção e, em consequência, à absolvição do executado da instância.

O recurso de revista foi admitido pela formação a que se refere o art. 150º, nº 5 do CPTA, por acórdão de 12.03.2015.

A Exmª Magistrada do Ministério Público emitiu parecer a fls. 212 e 213 no sentido de ser de julgar improcedente o recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

2. Os Factos
O acórdão recorrido considerou provados os seguintes factos:
a) Em 11.11.1996 a ora exequente A…………… - Consultores de Engenharia, S.A., intentou contra o ora executado Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP), a acção ordinária a que respeitam os autos principais;
b) Na sentença dessa ação foram considerados provados os seguintes factos: [OMISSIS]
c) Com base nestes factos a ação foi considerada parcialmente procedente, nestes termos:
i. Decreto a resolução dos contratos nºs 12/93 e 4/94 nos termos do artigo 127° nos 2 e 4 do Decreto Lei n°235/86, aplicável ex vi da Cláusula Primeira do contrato n° 12/93 e dos Pontos 1.2. e 2.1. do Caderno de Encargos e do Artigo 1º do contrato n.º 4/94, celebrados entre a Autora A……………. - CONSULTORES DE ENGENHARIA, LDA, e o Réu INSTITUTO DE EMPREGO E FORMAÇÃO PROFISSIONAL;
ii. Condeno o Réu INSTITUTO DE EMPREGO E FORMAÇÃO PROFISSIONAL, a pagar à Autora A…………… - CONSULTORES DE ENGENHARIA, LDA, a quantia de Esc.: 10.704.361$00 (dez milhões setecentos e quatro mil trezentos e sessenta e um escudos - correspondente à soma dos seguintes valores parciais: Esc.: 1.517.688$00- factura n.°1037; Esc.: 1.749.571$00 - factura n.°1206; Esc.: 7.437.102$00 - prestação se serviços entre Abril de 1995 e Setembro de 1995), acrescida de juros de mora nos termos definidos supra, ou seja; à taxa de 15% desde 06.12.96, até 17.04.99; à taxa de 12% a partir de 17.04.99 até integral pagamento.
d) Interposto recurso da sentença o STA, por acórdão de fls. 498 e ss., de 2003.02.06 revogou-a parcialmente, nestes termos:
i. Julgar parcialmente procedente o recurso apresentado pelo IEFP e, consequentemente, revogando-se na parte correspondente a sentença recorrida, condená-lo no pagamento dos serviços prestados pela A. entre Abril e Setembro de 1995 apenas no montante que vier a ser liquidado em execução de sentença;
ii. Julgar parcialmente procedente o recurso apresentado pela A. e, consequentemente, revogando-se na parte correspondente a sentença recorrida condenar o IEFP no pagamento dos juros de mora sobre o valor das facturas n.°s 1206 (1.794.571$00) e 1037 (1.517.361$00) desde 28/02/96 até integral cumprimento, com taxa de 15% desde o início até 17/4/99 e de 12% desde 18/4/99 até final;
iii. Confirmar, quanto ao restante, a sentença recorrida.
e) O acórdão foi notificado às partes por ofício registado enviado em 10.02.2003.

3. O Direito
No presente recurso são suscitadas pela Recorrente duas questões: i) a primeira atinente à interpretação e aplicação do regime transitório previsto no art. 5º, nº 4 da Lei nº 15/2002, de 22/2; ii) a segunda respeitando à constitucionalidade da diferença de prazos de caducidade entre as jurisdições civil e administrativa, relativamente à propositura das acções excutivas, para pagamento de quantia certa.
São, pois, estas as questões a apreciar e decidir na presente revista.

3.1 Caducidade do direito à execução
Quanto à primeira questão a Recorrente reconhece que o que está em causa é a interpretação a dar ao art. 5º, nº 4 da Lei nº 15/2002, que aprovou o CPTA, e ao regime transitório que instituiu, quanto à aplicação deste diploma às execuções. Considera que o acórdão recorrido assumiu posição claramente contrária ao entendimento expresso pelo Pleno do STA, sobre a mesma matéria, no acórdão de 10.05.2006, processo 038240A.
Efectivamente, o acórdão recorrido faz apelo ao voto de vencido, para o qual remetem vários outros, constante daquele acórdão do Pleno, considerando que o prazo de 6 meses estabelecido no art. 170º, nº 2 do CPTA (por se tratar de execução para pagamento de quantia certa), por força do disposto no art. 297º do CC, apenas se conta da data em que o CPTA entrou em vigor, ou seja, 01.01.2004.
A Recorrente sustenta igualmente que “estando o processo de execução da sentença já iniciado à data da entrada em vigor do CPTA, não é aplicável ao caso concreto o artigo 170º do mesmo código, nos termos previstos no artigo 5º da Lei n.º 15/2002, de 22.02, “a contrario”, pelo que ao decidir de modo diverso o Acórdão recorrido violou a citada disposição legal”.
Apesar do acórdão recorrido não ter perfilhado o entendimento que obteve vencimento no acórdão do Pleno deste Supremo Tribunal, no caso concreto, não existe incompatibilidade entre ambos, não decorrendo deste o entendimento de que à execução de julgado como a objecto dos presentes autos não seria aplicável o prescrito no art. 170º, nº 2 do CPTA, “em virtude da execução voluntária já ter sido requerida pela Recorrente ao abrigo do Dec.-Lei nº 256-A/77, de 17 de Junho”.
Assim, o Pleno do STA expendeu o seguinte naquele acórdão de 10.05.2006:
«No caso que nos ocupa o Acórdão a executar transitou em julgado em 15.01.2003 e não lhe tendo a Administração dado execução, em 12.06.2003, a exequente requereu ao Ministro da Saúde, ao abrigo do art.º 6º do DL n.º 256-A/77, de 17.06, a respectiva execução.
Durante um ano a partir da data do referido requerimento, isto é, até 12.06.2004, se fosse aplicável o regime revogado, a interessada podia apresentar pedido executivo ao Tribunal.
Mas, entretanto, em 1.1.2004 entrou em vigor o CPTA dispondo a norma transitória que não são aplicáveis às acções executivas a propor desde o momento da sua entrada em vigor as novas disposições relativas à execução das sentenças.
Como estava ainda em curso o prazo de um ano para a interessada recorrer a tribunal não há que conferir na apreciação do caso nenhuma valia ao argumento de que estava em curso o prazo a que se reportava o art.º 96º, n.º 2, al. b) da LPTA, mas apenas àquele facto de o recorrente ainda estar em tempo, segundo a lei revogada, de requerer a execução perante o tribunal.
E, nenhum desconto de prazo do novo regime podia fazer-se por conta dos prazos ou tempo decorrido no domínio da lei velha, antes devendo aplicar-se as novas disposições respeitantes à execução de sentenças a todas as execuções requeridas depois de 1.1.2004, como determina o n.º 4 do art.º 5º da Lei n.º 15/2002.
Assim a caducidade não ocorria em 1.07.04, mas após o decurso de três meses e mais seis contados sucessivamente, a partir de 1.1.2004, pelo que, requerida que foi a execução do acórdão, em 15.09.2004, deve considerar-se tempestiva».
O assim consignado, significa que aos processos executivos instaurados após 01.01.2004, mesmo que a execução voluntária e extrajudicial já tivesse sido requerida no âmbito da vigência do regime instituído pelo DL nº 256-A/77, aplicam-se as novas disposições do CPTA respeitantes à execução de sentenças administrativas, por força do disposto na norma transitória do nº 4 do art. 5º da Lei nº 15/2002.
No que, nesta parte, não se verifica qualquer divergência entre as decisões contidas no acórdão ora recorrido e a jurisprudência do STA já firmada sobre a questão - v.g. nos Acs. de 10.05.2006, proc. 039896A, 31.01.2008, proc. 039896A e de 12.03.2008, proc. 961/2007 [todos disponíveis in www.dgsi.pt].
Com efeito, não faz sentido a tese da Recorrente de afirmar que o processo de execução já se encontrava iniciado à data da entrada em vigor do CPTA, pretendendo fazer equivaler o requerimento dirigido à Administração nos termos do art. 5º do DL nº 256-A/77, de 17/8, com vista à execução voluntária da sentença condenatória (numa fase administrativa ou pré-judicial da execução dos julgados), à instauração do processo executivo no tribunal, o qual apenas se inicia com a entrada em tribunal da competente petição de execução, tanto no regime do actual CPTA como no da LPTA e do DL nº 256-A/77.
Assim, tendo a Recorrente instaurado a acção executiva apenas em 21 de Março de 2006, portanto, já na vigência do CPTA, já se encontrava caducado o respectivo direito de acção por, há muito ter sido ultrapassado o prazo consignado no art. 170º, nºs 1 e 2 do CPTA, aplicável por força da norma transitório do art. 5º, nº 4 da Lei nº 15/2002. Ou seja, e por se tratar de execução para pagamento de quantia certa, o prazo de 30 dias para a execução espontânea, seguido de 6 meses, para o particular requerer ao Tribunal a execução, contado de 01.01.2004.
Deste modo, apesar de com diferente fundamentação o acórdão recorrido ajuizou correctamente ao considerar caducado o direito de acção.

3.2 Inconstitucionalidade do art. 170º, nº 2 do CPTA
Alega ainda a Recorrente que a aplicação, ao caso concreto, pelo Acórdão recorrido, do artigo 170º, nº 2, do CPTA, nos termos do qual o prazo para executar uma sentença transitada em julgado caduca após 6 meses, decorridos sobre os 30 dias que a Administração Pública possui para cumprir voluntariamente, é inconstitucional e deve ser recusada a sua aplicação.
Decorrendo, tal inconstitucionalidade, da violação dos arts. 2º, 3º, nºs 2 e 3, 13º, 18º, 20º, 61º, 62º, 266º e 268º, nº 4, todos da CRP.
Diga-se, desde já, que inexiste qualquer inconstitucionalidade, tal como bem entendeu o acórdão recorrido.
Tal como neste acórdão se refere, desde logo, o Recorrente apenas invoca a inconstitucionalidade da norma do art. 170º, nº 2 do CPTA, quando a norma que determina a solução do caso em apreço, é o preceito contido no nº 4 do art. 5º da Lei nº 15/2002, que determina que as novas disposições (do CPTA) respeitantes à execução das sentenças são aplicáveis aos processos executivos instaurados após a entrada em vigor do CPTA, ou seja, após, 01.01.2004, como é o caso em apreço.
No entanto, sempre diremos que o preceito do art. 170º, nº 2 do CPTA não viola nenhum dos preceitos indicados pela Recorrente.
Prevê o art. 170º do CPTA que a petição de execução deve ser apresentada no prazo de 6 meses, contado do termo do prazo de 30 dias, no qual a obrigação de pagamento de quantia certa deve ser espontaneamente cumprida pela Administração, se outro prazo não tiver sido estabelecido no respectivo título executivo.
Tal como se expendeu no acórdão deste Supremo Tribunal de 16.03.2005, Proc. 046556A, no que agora interessa, “o regime introduzido pelo CPTA, para além de suprimir a referida fase pré-executiva, trouxe um assinalável encurtamento do prazo global para se instaurar a execução – que passou a ser de seis meses contados do fim dos três meses estabelecidos para a execução espontânea …” (no caso ali em apreço estava em causa a aplicação do art. 175º, nº 1 do CPTA).
Houve, conforme salienta o Recorrido, a preocupação de assegurar a mais rápida estabilização das situações jurídicas, tendo em vista o interesse público que subjaz à actuação da Administração e o interesse de eventuais contra-interessados, sendo certo que o exequente sabe que dispõe de um título executivo e é o principal interessado na sua rápida execução.
Como também se diz no acórdão recorrido, “a Constituição não garante aos administrados o recurso aos tribunais em toda e qualquer circunstância, com desrespeito pelos condicionalismos impostos pela lei ordinária, quanto a prazos”.
Ora, é de salientar que o prazo de 6 meses (mais 30 dias), contados da entrada em vigor do CPTA, por força do referido art. 5º, nº 4 da Lei nº 15/2002, não se mostra desproporcionadamente curto ou insuficiente para que a Recorrente pudesse fazer valer em tribunal a sua pretensão de execução de um acórdão que lhe havia sido notificado em 10.02.2003, não podendo ignorar, até por estar representado por advogado no processo no qual foi proferido aquele acórdão, que em 01.01.2004 havia entrado em vigor um novo regime de execução de sentenças com prazos distintos e mais curtos para o exercício dos direitos.
Acresce que o nosso quadro constitucional, concede ao legislador ordinário uma ampla margem de conformação dos prazos de caducidade do direito de acção, cabendo ao poder legislativo proceder à sua fixação através de ponderações abstractas entre os interesses da garantia judicial do exercício de direitos e os interesses da segurança e estabilidade das relações jurídicas. Ou seja, a tutela judicial efectiva não é um exclusivo dos cidadãos (ou dos “administrados”) face à Administração Pública, sendo também uma garantia desta, na medida considerada adequada pelo legislador, em relação àqueles (cfr. neste sentido Mário e Rodrigo Esteves de Oliveira, in “Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, Vol. I, pág. 109).
Por outro lado, ainda que os prazos de execução contra entidades privadas seja distinto (sendo duvidoso que o prazo seja o indicado pela Recorrente, conforme invoca o Recorrido), tal diferença de prazos para a execução entre as entidades privadas e as públicas, corresponde a um tratamento diferenciado que não coloca qualquer questão de constitucionalidade, correspondendo à já apontada relevância do interesse público e à sua ponderação face aos interesses privados em confronto e àquela indicada necessidade de estabilização das relações jurídicas administrativas, sendo a regra a dos prazos relativamente curtos para o acesso à via judicial.
Do mesmo modo, não se vê que a estipulação de determinados prazos judiciais para o exercício do direito de executar possa pôr em causa “o direito de iniciativa privada e de propriedade privada, introduzindo limitações ao estabelecimento de relações contratuais com entidades públicas”, constituindo uma expropriação, como invoca a Recorrente, já que tendo esta obtido um título executivo constituído por decisão judicial, esta era obviamente susceptível de execução, desde que respeitados os prazos legais em vigor.
Assim, não estão violados os princípios constitucionais invocados pela Recorrente do direito à protecção jurídica e à tutela jurisdicional efectiva, do direito de acção, do princípio da igualdade, da proporcionalidade e da iniciativa privada ou da propriedade privada.
Termos em que as conclusões da revista mostram-se improcedentes ou irrelevantes.

Pelo exposto, acordam em:
a) – negar provimento ao recurso, confirmando o acórdão recorrido com a fundamentação acima expressa;
b) – condenar a Recorrente nas custas.

Lisboa, 10 de Setembro de 2015. – Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa (relatora) – José Francisco Fonseca da Paz – Maria do Céu Dias Rosa das Neves.