Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01159/14
Data do Acordão:05/10/2017
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:PEDIDO
REVISÃO OFICIOSA
JUROS INDEMNIZATÓRIOS
Sumário:I - De acordo com o disposto no artº 43º, nº 3, al. c) da LGT são devidos juros indemnizatórios, quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à Administração Tributária.
II - Se o pedido de revisão oficiosa, no qual se peticionava a anulação parcial da liquidação de derrama, foi decidido e deferido pela Administração Tributária antes do prazo de um ano a se reporta o artº 43º, nº 3, al. c) da LGT, não são devidos juros indemnizatórios.
Nº Convencional:JSTA000P21829
Nº do Documento:SA22017051001159
Data de Entrada:10/23/2014
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A..........., S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


1 – Vem a Fazenda Pública recorrer para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou procedente a impugnação deduzida pela, A……………….. S.A., melhor identificada nos autos, contra o indeferimento tácito do pedido de revisão relativo ao erro na autoliquidação da derrama do exercício de 2011.

Termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

«I) O direito a juros indemnizatórios por parte do Impugnante encontra-se previsto no artigo 43°da LGT estabelecendo-se aí que: «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» [nº 1] e que são também devidos «Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária» [c) do n°3].
II) Quando a anulação da liquidação do tributo ocorra por via de um pedido de revisão oficiosa desencadeado pelo contribuinte, o legislador só lhe reconhece o direito a juros indemnizatórios quando, independentemente do tempo que decorreu desde o pagamento do tributo, a anulação do acto ocorre mais de um ano depois do momento em que o pedido foi efectuado.
III) Se o contribuinte podia, com fundamento em erro imputável aos serviços, reclamar graciosamente da liquidação nos termos e prazos do n° 1 do art° 78° da LGT ou impugnar judicialmente a liquidação, tendo, em tal situação, direito aos juros indemnizatórios contados nos termos do n°3 do art° 61° do CPPT (desde a data do pagamento do imposto indevido até à data da emissão da nota de crédito), se deixou passar esse prazo para reclamação e impugnação judicial e só veio a socorrer-se, mais tarde, do mecanismo da revisão oficiosa previsto no art.° 78º da LGT, imediatamente ficou sujeito às consequências deste mecanismo legal.
IV) Por isso o seu artigo 100º só obriga a Administração ao pagamento de juros indemnizatórios «em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso», omitindo referência à revisão, apesar do que está previsto no anterior artigo 43°.
V) Como se deixou acentuado no acórdão do STA de 24/05/2006 proferido no Proc. n.º 1155/05, «Aqui, há, portanto, uma restrição, justificada pela inércia do interessado, que podendo ter obtido anteriormente a anulação do acto, nada fez, desinteressando-se temporariamente da recuperação do seu dinheiro. O direito a juros indemnizatórios é menos extenso, contando-se eles só passado um ano após o seu pedido, decerto por se considerar que todo o tempo decorrido desde o desembolso até esse pedido correu por conta do contribuinte que não reclamou nem impugnou, e que um ano é o prazo razoável para a Administração decidir o pedido de revisão e executar a sua decisão, quando favorável ao contribuinte. Repare-se que, sendo a iniciativa da revisão da, Administração, de acordo com a alínea b) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, também os juros indemnizatórios se não contam a partir do desembolso, o que se justifica, do mesmo modo, pela inércia do interessado. (...)“
VI) No caso dos autos, verifica-se que efectivamente o Impugnante viu a sua pretensão formulada em sede de pedido de revisão oficiosa objecto de decisão por parte da Administração Tributária em prazo inferior a um ano, não se justificando nessa medida a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios.
VII) A sentença recorrida, ao assim não entender, apresenta-se ilegal por desconformidade com os preceitos acima assinalados, não merecendo por isso ser confirmada na parte objecto do presente recurso.»

2 – Não foram apresentadas contra alegações.

3 – O Exmº Magistrado do Ministério Público emitiu fundamentado parecer no sentido do provimento do recurso, invocando a jurisprudência da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo, nomeadamente os Acórdãos de 21/10/2004, de 17/5/06, de 24/5/06, de 2/11/06 de 15/11/06 e de 15/02/2007, proferidos nos processos nºs 0627/04, 16/06, 1155/05, 604/06, 28/06 e 1041/06, respectivamente, e doutrina condizente ( Jorge Lopes de Sousa, no seu Código de Procedimento e Processo Tributário, Àreas Edit., 6ª edição, Volume I, pags. 544 e 560), pronunciando-se no sentido de que os juros só seriam devidos se a revisão oficiosa fosse tomada após o decurso de um ano sobre a apresentação do pedido de revisão oficiosa, ou seja, após 23/11/2013 e que no caso concreto dos autos tal não ocorreu, uma vez que consta da matéria assente na sentença recorrida que a revisão oficiosa foi decidida em 11/11/2013.
Em face do exposto conclui que a sentença recorrida padece de erro na interpretação e aplicação da lei, motivo pelo qual deve ser revogada nesta parte e em substituição ser julgado improcedente o pedido de juros indemnizatórios.

4. Colhidos os vistos legais, cabe decidir.

5 – No Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra foram dados como provados e com interesse para a decisão os seguintes factos:

A. No ano de 2011, a impugnante é a sociedade dominante de um grupo de sociedades sujeitas a tributação de acordo com o regime especial de tributação de grupos de sociedades (RETGS) (fls. 56 do PAT em apenso).
B. A 31.05.2012, a impugnante procedeu à apresentação da declaração periódica de rendimentos Modelo 22 — Declaração de Grupo, relativa ao exercício de 2011, inscrevendo no campo 382 do quadro 09, referente ao valor líquido da soma algébrica dos resultados fiscais das sociedades que compõem o grupo, o valor de € 5.590.062,11 (fls. 22 do PAT em apenso).
C. Na declaração indicada em B) a impugnante indicou no campo 364, do quadro 10, referente à derrama, o valor de € 241.814,62 (fls. 23 do PAT em apenso).
D. A 23.11.2012 foi apresentado pela impugnante um pedido de revisão oficiosa com base em erro na autoliquidação referente ao exercício de 2011, peticionando a anulação parcial da liquidação de derrama com as demais consequências legais (fls. 2 a 14 do PAT em apenso).
E. A presente impugnação judicial foi remetida via postal em 17.06.2013 [fls. 3 dos autos].
E. Por despacho de 11.11.2013, da Directora de Serviços de IRC foi deferido de correcção da derrama calculada pela impugnante, no sentido de devolução do montante de € 157.963,69, e indeferido o pedido de juros indemnizatórios (fls. 16 a 18 do PAT em apenso).
G. A 03.12.2013 foi introduzido pela AT o DC que corrigiu o montante devido de derrama de € 241.814,62 para € 83.850,93 (fls. 47 PAT em apenso).

6. Do objecto do recurso
Da análise do segmento decisório da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal Sintra e dos fundamentos invocados pela Fazenda Pública para pedir a sua alteração, podemos concluir que a questão a decidir é a de saber se incorre em erro de julgamento a sentença de fls. 88 e seguintes, na parte em que condenou a administração tributária no pagamento de juros indemnizatórios, desde a data do pagamento indevido até ao reembolso do imposto indevidamente pago.


Na decisão sindicada deu-se como assente que a recorrida procedeu ao cálculo da derrama a pagar no exercício de 2011 em conformidade com as instruções administrativas da administração tributária, aplicando a taxa sobre o lucro tributável apurado individualmente pelas sociedades que compõem o grupo de sociedades sujeitas ao RETGS, tendo apurado o valor de € 241.814,62 euros na declaração que apresentou em 31/05/2012.
Mais se deu como assente que em 23/11/2012 foi apresentado pela impugnante um pedido de revisão oficiosa, no qual se peticionava a anulação parcial da liquidação de derrama, tendo o mesmo sido deferido por despacho da directora de serviços de IRC, datado de 11/11/2013, no sentido de devolução do montante de € 157.963,69 euros.
Em face da decisão da Administração Tributária a determinar a anulação parcial da liquidação da derrama, a primeira instância considerou satisfeita a pretensão da impugnante e determinou nessa parte a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide.
E, no que respeita aos peticionados juros indemnizatórios, o tribunal recorrido considerou que se mostravam reunidos os pressupostos legais previstos no artigo 43°, nº 1, da LGT e nessa medida julgou procedente o pedido, tendo condenado a AT no pagamento dos juros calculados sobre o montante anulado de € 157.963,69 euros, “desde a data do pagamento indevido até ao reembolso deste montante”.

Não conformada com o assim decidido vem a Fazenda Pública invocar a que a decisão sindicada incorreu em erro de julgamento na interpretação e na aplicação da lei, nomeadamente quanto ao disposto na alínea c) do nº3 do artº 43º da LGT.
A base da sua argumentação assenta nas seguintes proposições:
- Quando a anulação da liquidação do tributo ocorra por via de um pedido de revisão oficiosa desencadeado pelo contribuinte, o legislador só lhe reconhece o direito a juros indemnizatórios quando, independentemente do tempo que decorreu desde o pagamento do tributo, a anulação do acto ocorre mais de um ano depois do momento em que o pedido foi efectuado.
- No caso dos autos, verifica-se que efectivamente o Impugnante viu a sua pretensão formulada em sede de pedido de revisão oficiosa objecto de decisão por parte da Administração Tributária em prazo inferior a um ano, não se justificando nessa medida a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios.

Entendemos que assiste razão à Fazenda Pública.
Vejamos.

6.1 Da condenação em juros indemnizatórios
De harmonia com o disposto no nº 1 do artº 43.º da LGT, «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido».
Por sua vez o nº 3, al. c) do mesmo preceito dispõe também são devidos juros indemnizatórios, «quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à Administração Tributária».
A atribuição de uma indemnização ao contribuinte, quando se detecta um vício respeitante à relação jurídica tributária, radica no facto de esse vício implicar a lesão de uma situação jurídica subjectiva, consubstanciada na imposição ao contribuinte da efectivação de uma prestação patrimonial contrária ao direito e decorre da imposição constitucional de o Estado reparar os danos causados pelos seus actos ilegais.
No caso particular previsto no artº 43º, nº 3, al. c) do CPPT - erro imputável aos serviços determinado na sequência de pedido revisão efectuado pelo contribuinte fora do prazo de reclamação administrativa – a solução consagrada pelo legislador prevê apenas o pagamento de juros indemnizatórios quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à Administração Tributária.
A justificação para não serem devidos juros indemnizatórios pelo período que medeia entre o momento do pagamento indevido e o da revisão, apesar de haver erro imputável aos serviços, parece assentar no entendimento legislativo de que há culpa do contribuinte na formação dos prejuízos derivados do acto ilegal, por não ter sido diligente em usar, nos prazos normais, os meios de impugnação administrativa e contenciosa que a lei põe ao seu dispor (Neste sentido Jorge Lopes de Sousa, no seu Código de Procedimento e Processo Tributário, Àreas Edit., 6ª edição, Volume , pag. 61 e Acórdãos citados no parecer do Exmº Procurador-Geral Adjunto.) e de que, por outro lado, o prazo de um ano será o prazo razoável para a Administração decidir o pedido de revisão, reapreciando o acto de liquidação e executar a respectiva decisão, quando favorável ao contribuinte.

No caso vertente a situação dos autos é enquadrável no nº 3, al. c) do artº 43º da Lei Geral Tributária porquanto o erro imputável aos serviços não foi determinado em sede de reclamação graciosa ou de impugnação judicial mas sim em sede de pedido de revisão pedido de revisão oficiosa dos actos tributários.

De facto ficou demonstrado nos autos que a impugnante seguiu as instruções da AT na autoliquidação da derrama, pelo que o erro é imputável a esta última.
Por outro lado a revisão oficiosa do acto tributário foi efectuada pela Administração Tributária na sequência de iniciativa do contribuinte.
É certo que a recorrida deduziu impugnação judicial na sequência de formação do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado nos termos do artº 78º da LGT relativamente ao erro na autoliquidação da derrama referente ao exercício de 2011.
Mas não foi neste meio processual – impugnação judicial - que se determinou e declarou a existência de erro imputável aos serviços.
Como se evidenciou na decisão recorrida o pedido principal de anulação parcial da o da derrama devida para o exercício de 2011 foi atendido em sede do pedido de revisão oficiosa – cf. al. g) e H) dos factos assente e sentença a fls. 94 – sendo esse facto determinante para a declaração de inutilidade superveniente da lide de impugnação ( sentença, fls. 95).
Ora, no caso concreto dos autos tendo a declaração periódica sido apresentada em 31/05/2012, o pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 23/11/2012 (decorridos já os prazos de reclamação graciosa e de impugnação previstos, respectivamente, nos arts. 70º, nº 1 e 131º, nº 3 do CPPT).
Sendo que os juros indemnizatórios só seriam devidos se a revisão do acto tributário tivesse sido efectuada mais de um ano após o pedido do contribuinte.
Mas não foi isso que sucedeu pois que, como resulta do probatório, o pedido de revisão oficiosa acabou por ser decidido pela Administração Tributária em 11.11.2013, ou seja antes do prazo de um ano a se reporta o artº 43º, nº 3, al. c).

A decisão recorrida, que atribuiu a indemnização desde a data do pagamento indevido até à data do processamento da respectiva nota de crédito, no pressuposto de que seria aplicável o artº 43º, nº 1 da LGT, não pode, pois, ser confirmada, já que face ao disposto na referida al. c) do nº 3, do artº 43º, aplicável ao caso subjudice, tal indemnização não tem apoio legal.
Pelo que fica dito procede o presente recurso.

7. Decisão:
Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em julgar procedente o presente recurso e revogar a sentença recorrida na parte em que condenou a Fazenda Pública nos peticionados juros indemnizatórios.
Sem custas.

Lisboa, 10 de Maio de 2017. - Pedro Delgado (relator) – Dulce Neto – Isabel Marques da Silva.