Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0111/18
Data do Acordão:02/28/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P22997
Nº do Documento:SA1201802280111
Data de Entrada:02/01/2018
Recorrente:A.........
Recorrido 1:ADMINISTRAÇÃO CENTRAL DO SISTEMA DE SAÚDE, IP E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Formação de Apreciação Preliminar da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

I. RELATÓRIO.

A……….. intentou, no TAF de Almada, contra o Estado Português, o Secretário-Geral do Ministério da Saúde, o Ministério da Saúde e o Centro Hospitalar de Lisboa Central, EPE, acção administrativa especial pedindo que:
i) Seja declarada ilícita e inválida a actuação do Secretário-Geral do Ministério da Saúde consistente em, por acatamento indevido de despachos de membros do Governo do Ministério das Finanças, mandar desafectar o autor da respectiva Secretaria-Geral, devolvendo o seu processo individual ao Centro Hospitalar de Lisboa Central, E.P.E.;
ii) Seja declarada nula ou anulada a deliberação do Centro Hospitalar de Lisboa Central, E.P.E. de 17/06/2009, por via da qual foi declarada a nulidade da deliberação que colocou o autor em situação de mobilidade especial, reconhecendo-se a validade e eficácia desta e a sua manutenção na ordem jurídica;
iii) Seja o Centro Hospitalar de Lisboa Central, E.P.E. condenado a afectar o autor à Secretaria-Geral do Ministério da Saúde e esta a recebê-lo, com todas as consequências legais;
iv) Sejam o Estado Português e o Ministério da Saúde condenados solidariamente a pagar ao autor, em razão das retribuições que este deixou auferir no período de 09/07/2008 até à presente data, a quantia de € 9.805.93, acrescida dos juros de mora à taxa legal, e nas retribuições vincendas até integral execução do julgado;
v) Ou, quando assim não se entenda, sejam o Estado Português e o Ministério da Saúde condenados solidariamente no pagamento ao autor de indemnização por danos patrimoniais do montante correspondente ao valor de todos os vencimentos referidos na alínea precedente, a liquidar em execução de sentença, mas da qual já se encontra apurada a quantia aí indicada;
vi) Sejam os réus condenados solidariamente a pagar-lhe indemnização por danos morais, a ser arbitrada pelo Tribunal, mas em quantia nunca inferior a € 25.000.00, atenta a intensidade da ilicitude e da culpa e à gravidade da lesão, visto tratar-se da ofensa ao núcleo essencial de direitos fundamentais do autor;
vii) Quando assim não se entenda, serem o Estado Português, o Secretário-Geral da Saúde e o Ministério da Saúde condenados em metade da quantia e o Centro Hospitalar de Lisboa Central, E.P.E. condenado na outra metade;
viii) Sejam os réus condenados a pagar-lhe juros de mora sobre as quantias antes referidas, nos termos legais e à taxa em vigor.”

Sem êxito já que aquele Tribunal julgou a acção totalmente improcedente e absolveu as entidades demandadas dos pedidos.
E o TCA Sul, para onde o Autor apelou, negou provimento ao recurso e confirmou a decisão recorrida.

É desse acórdão que vem a presente revista (artigo 150.º do CPTA).

II. MATÉRIA DE FACTO
Os factos provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III. O DIREITO

1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto como «válvula de segurança do sistema» para funcionar em situações excepcionais em que haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos, pois, se tais requisitos se verificam in casu socorrendo-nos para isso da matéria de facto seleccionada no Acórdão recorrido.

2. Resulta da M.F. que o Autor, funcionário do Hospital …………. de baixa por doença há mais de 18 meses, não manifestou, nos 30 dias imediatos ao final daquele período, a colocação numa das seguintes hipóteses: 1) a submissão à junta médica para aposentação ou (2) a sua colocação na situação de licença sem vencimento até 90 dias, por um ano ou de longa duração.
E perante esta inacção a sua entidade patronal colocou-o, em Novembro de 2001, na situação de licença sem vencimento de longa duração.
O Recorrente não se conformou com essa decisão pelo que continuou a remeter à àquele Centro Hospitalar sucessivos atestados médicos confirmativos da sua situação de doença, os quais não foram atendidos com o fundamento de que o seu vínculo profissional se encontrava suspenso. E, em 9/07/2008, Conselho de Administração daquele Centro deliberou fazer cessar a situação de licença sem vencimento de longa duração do Autor e colocá-lo na situação de mobilidade especial. Situação que não perdurou por muito tempo já que, em 17/06/2009, o citado Conselho de Administração deliberou declarar a nulidade da deliberação de 9/07/2008 e recusar o regresso do Autor ao exercício efectivo de funções.

Inconformado, o Autor, ora Recorrente, intentou esta acção contra o Estado e outras entidades ligadas ao Ministério da Saúde pedindo o reconhecimento do seu direito à colocação na situação de mobilidade especial e a anulação dos actos praticados pelos RR que impediram a concretização dessa pretensão, bem como a reparação dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, que daí decorreram.

O TAF julgou a acção improcedente.

O Autor apelou para o TCA Sul e este, por decisão individual da respectiva Relatora, negou provimento ao recurso.

O Autor reclamou para a Conferência mas sem sucesso já que ela manteve a improcedência do recurso.
E conhecendo os alegados erros de julgamento ponderou:
“ … O regime estatuído no art.° 47° n.ºs 1 a) e b), n° 2 a) e n° 7 Do DL 100/99, de 31.03. O qual, nos pontos que agora interessam, tem as seguintes redacções:
Art.º 38
“1. A junta pode justificar faltas por doença dos funcionários ou agentes por períodos sucessivos de 30 dias até ao limite de 18 meses”
Art.° 47°:
“1. Findo o prazo de 18 meses na situação de faltas por doença, o pessoal nomeado pode:
a) Requerer no prazo de 30 dias e através do respectivo serviço, a sua apresentação à junta médica da Caixa Geral de Aposentações, reunidas que sejam as condições mínimas para a aposentação.
b) Requerer a passagem à situação de licença sem vencimento até 90 dias, por um ano ou de longa duração independentemente do tempo de serviço prestado.”
Art.° 47.º:
“2. No caso previsto na alínea a) do número anterior e até á data da decisão da junta médica da CGA, o funcionário é considerado na situação de faltas por doença, com todos os direitos e deveres à mesma inerentes.
“3. O funcionário que não requerer, no prazo previsto, a sua apresentação à junta médica da Caixa Geral de Aposentações passa automaticamente à situação de licença sem vencimento de longa duração.
7. O regresso ao serviço do funcionário que tenha passado a qualquer das situações de licença previstas na alínea b) do n° 1 não está sujeito ao decurso de qualquer prazo.”
tem como pressuposto que o trabalhador na situação de 18 meses de faltas por doença, findo estes 18 meses nos 30 dias seguintes emite uma declaração de vontade junto do serviço público em que trabalha, no sentido de iniciar um procedimento administrativo de (i) apresentação à junta médica para aposentação, (ii) passagem a licença sem vencimento até 90 dias, (iii) passagem a licença sem vencimento por um ano (iv) passagem a licença sem vencimento de longa duração.
….
Neste caso do art.° 47.º n° 3 a previsão normativa começa logo por fixar a situação fáctica “O funcionário que não requerer no prazo previsto, a sua apresentação à junta médica da Caixa Geral de Aposentações … “
E perante esta ausência de manifestação de vontade nos 30 dias seguintes ao termo dos 18 meses de faltas por doença, é a própria lei que determina o efeito jurídico inovatório a introduzir na relação jurídico-laboral do trabalhador – este ”… passa automaticamente à situação de licença sem vencimento de longa duração.”
De modo que o trabalhador ausente do serviço ao longo de ano e meio por doença certificada por atestados médicos se não exercer o direito de escolha que a lei lhe propicia - aposentar-se ou ir de licença sem vencimento - o efeito jurídico que a lei determina no domínio da relação jurídica público-laboral é a colocação desse trabalhador na situação de licença sem vencimento de longa duração.
E este o caso do ora Recorrente - alínea b) do probatório.
Pelo exposto se conclui que em sede de sentença o Tribunal a quo não procedeu a nenhum julgamento implícito de desaplicação do regime do art.° 47º, n° 7, DL 100/99, na medida em que o Recorrente não exerceu o direito de requerer fosse o que fosse dentro do quadro das alternativas dadas pelo diploma em causa no tocante ao regime de faltas por doença findo o período de 18 meses consecutivos de ausência justificada por atestados médicos, alternativas constantes da alínea b) do n° 1 do art.° 47°.
O que significa que não sendo a realidade dos factos provados enquadrável na previsão da alínea b) do n° 1 do art.° 47° na exacta medida em que o Recorrente nada requereu, nem junta médica para aposentação nem licença sem vencimento, também não é de trazer à colação o regime do n° 7 do art.° 47°, posto que neste n° 7 a remissão para aquela alínea b) do n° 1 é expressa.
A situação do Recorrente, 18 meses ausente por doença e nada requereu, é subsumível na previsão do art.° 47.º, n° 3, de colocação automática em licença sem vencimento de longa duração, com as consequências do regime estabelecido nos art.°s 80.º, n.ºs 1 e 2, do diploma em causa, isto é, - suspensão do vínculo com a Administração, - perda total da remuneração e desconto da antiguidade para efeitos de carreira, aposentação e sobrevivência e - abertura de vaga nos termos do art.° 22° n° 3 DL 11/93, 15.01 e, ainda, obedecendo as condições de regresso da licença sem vencimento de longa duração aos condicionalismos estatuídos no art.° 82° do DL 100/99 que vem sendo mencionado.
Neste sentido, acompanha-se integralmente o discurso jurídico fundamentador em sede de sentença, exarado no segmento de lis. 1027 a 1032 dos autos.”

De seguida, o Acórdão referiu que “o Recorrente suscita questões de constitucionalidade que não colocou à apreciação do Tribunal a quo e que, por isso, constituem ius novarum”, recusando-se conhecê-las após o que se pronunciou sobre a alegada ilegalidade resultante da inexistência de audiência prévia. Fazendo-o nos seguintes termos:
“Na circunstância dos autos ocorre um vício de procedimento, na medida em que a audiência de interessados, enquanto formalidade essencial prevista em termos gerais no art.° 100° CPA para todos os procedimentos, não teve lugar, verificando-se que não foi dispensada em concreto.
Todavia, verifica-se também que a sua realização não teria nenhuma influência na medida em que, e transcrevendo da sentença proferida pelo Tribunal a quo, “(...) sendo a deliberação de 09.07.2008 nula por incompetência absoluta do seu autor, o cumprimento da formalidade essencial de audiência dos interessados mostrava-se insusceptível de influenciar o sentido da decisão de declaração da nulidade da referida deliberação, ou seja, independentemente do cumprimento da formalidade, o conteúdo do acto seria o mesmo. (...)“, veja-se que no circunstancialismo da situação jurídica do Recorrente, a matéria da cessação da licença sem vencimento nos termos do art.° 82°, n° 2, DL 100/99 compete ao membro do Governo, o que significa que está fora do elenco dos interesses públicos cuja prossecução a lei entregou ao ente público em causa nos autos, o Centro Hospitalar de Lisboa Central, EPE e, consequentemente, fora do âmbito de competência desta entidade, por esse motivo, eivando de nulidade a deliberação de 09.07.2008 nos termos do art.° 133° n° 2 b) CPA.
Efectivamente, como vem explicitado na sentença sob recurso, quando foi criado o Centro Hospitalar de Lisboa Central EPE o Recorrente não se encontrava provido num lugar do quadro do Centro Hospitalar de Lisboa (Zona Central) ou seja, não transitou para este Centro Hospitalar de Lisboa Central, EPE nos termos previstos no art.° 15° DL 233/2005, 29,11.
De modo que, pelas razões de direito enunciadas supra impunha-se aplicar, como se aplicou, o princípio do aproveitamento do acto (utile per mutile non viciatur) e não, como sustentado pelo Recorrente, anular a deliberação de 17.06.2009 por falta de audiência do ora Recorrente.
Pelo exposto, improcede a questão trazida a recurso nos itens 40 a 42 das conclusões.”

4. O Recorrente requer a admissão desta revista para que se reanalisem três questões:
- em primeiro lugar, a de saber se cumpria ao Acórdão recorrido conhecer oficiosamente das inconstitucionalidades invocadas na apelação e qual a consequência da recusa desse conhecimento;
- Depois, a de “saber se um trabalhador da função pública do então regime de nomeação, comprovadamente doente, que entrou automática e forçadamente na situação de licença sem vencimento de longa duração por não ter requerido a sua submissão à junta médica da CGA, quando cessa a situação de doença e requer o regresso ao serviço tem ou não direito ao lugar que ocupava”. Questão de especial melindre por a recusa do regresso ao serviço no lugar que o Recorrente ocupava quando cessou a sua incapacidade temporária, com a perda dos correspondentes vencimentos e a sua colocação “num verdadeiro Iimbo jurídico em virtude do qual está impedido de trabalhar e de ser considerado desempregado” merece ser reexaminada pelo Supremo.
- Finalmente, a de saber se a preterição da audiência prévia se degradou em formalidade não essencial, isto é, em mera irregularidade incapaz de determinar a anulação do acto impugnado. Tanto mais quanto é certo que a mesma ofende o conteúdo essencial de um direito fundamental e o impediu de poder impedir a violação dos seus direitos.

5. As questões acima enunciadas são efectivamente questões que, pela sua relevância jurídica, merecem ser reapreciadas por este Supremo.
Por outro lado, atenta a sua capacidade de replicação, podem ser também consideradas de fundamental relevância social.

DECISÃO
Termos em que os Juízes que compõem este Tribunal acordam em admitir a revista.
Sem custas.
Lisboa, 28 de Fevereiro de 2018. – Costa Reis (relator) - Madeira dos Santos – São Pedro.