Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0955/13
Data do Acordão:10/30/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:EXECUÇÃO DE JULGADO
JUROS INDEMNIZATÓRIOS
JUROS DE MORA
TAXA DE JUROS
Sumário:I - Embora a falta de restituição do montante anulado de imposto e juros compensatórios no prazo legalmente previsto para o cumprimento espontâneo pela administração implique a obrigação de pagamento de juros de mora sobre esse montante se tal for pedido pelo contribuinte, estes juros de mora não podem incidir sobre a quantia devida ao contribuinte a título de juros indemnizatórios.
II - A taxa de juro de mora aplicável aos casos em que estes são devidos pelo Estado aos particulares não é a prevista no artigo 3.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 73/99, de 16 de Março, antes a taxa de juro de juro legal supletiva a que se refere o artigo 559.º do Código Civil (subsidiariamente aplicável às obrigações tributárias ex vi do artigo 2.º da LGT), ao tempo fixada em 4% ao ano pela Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.
Nº Convencional:JSTA00068438
Nº do Documento:SA2201310300955
Data de Entrada:05/27/2013
Recorrente:A............., SA
Recorrido 1:DIRGER DOS IMPOSTOS
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TT1INST LISBOA
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL
DIR FISC - JUROS
Legislação Nacional:CCIV66 ART8 N3
LGT98 ART44 N2
DL 73/99 DE 1999/03/16 ART3 N1 ART1 N1
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0880/10 DE 2011/03/02; AC STA PROC01114/12 DE 2013/02/06; AC STAPLENO PROC0447/07 DE 2009/06/17
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA - SOBRE A RESPONSABILIDADE CIVIL DA ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA POR ACTOS ILEGAIS PAGS108-109
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório-

1 – A…………, S.A., com os sinais dos autos, recorre para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, de 10 de Fevereiro de 2010, proferida em apenso para execução de julgado ao processo de impugnação que correu termos naquele tribunal sob o n.º 64/2007, na parte em que esta julgou improcedente o pedido de juros de mora sobre os juros indemnizatórios e o pedido de juros de mora calculados à taxa de 1% ao mês, apresentando para tal as seguintes conclusões:

1.ª A sentença recorrida julgou parcialmente procedente a petição de execução de julgados quanto ao pedido de juros de mora deduzido pelo ora Recorrente, porquanto, por um lado, atendendo à natureza indemnizatória quer dos juros de mora, quer dos juros indemnizatórios, aqueles e estes não podem ser cumuláveis no mesmo período de tempo e, por outro, a taxa de juros de mora a favor do contribuinte é a que se encontra fixada nos termos do artigo 559.º do Código Civil (4%), ao invés daquela que se encontra prevista no artigo 44.º, n.º 3, da Lei Geral Tributária (LGT), a qual apenas é de aplicar a favor do Estado;

2.ª Todavia, assenta a mesma numa errónea interpretação e aplicação das normas jurídicas ao caso “sub judice”;

3.ª Contrariamente ao que resulta da sentença recorrida, os juros indemnizatórios devem integrar a base de cálculo dos juros de mora, desde logo porque, à semelhança dos juros compensatórios, integram a relação jurídica tributária nos termos do artigo 30.º da LGT, partilhando, assim, da mesma natureza e tratamento destes últimos;

4.ª Deste modo, sendo certo que os juros de mora incidem sobre os juros compensatórios, como decorre das disposições conjugadas dos artigos 100.º e 102.º da LGT, deverão os mesmos incidir, de igual modo, sobre os juros indemnizatórios;

5.ª A tal conclusão não obsta a alegada circunstância de que quer os juros indemnizatórios, quer os juros de mora têm ambos natureza indemnizatória, não podendo assim ser cumuláveis no mesmo período de tempo, uma vez que não está em causa nos autos a cumulação de uns e outros no mesmo período de tempo e, ainda que assim não fosse, estes e aqueles prosseguem objectivos de reparação distintos, como decorre de forma inequívoca do disposto nos artigos 43.º e 102.º, n.º 2 da LGT;

6.ª Efectivamente, como resulta da petição de execução de sentença apresentada pelo ora Recorrente, este requereu, por um lado, o pagamento de juros indemnizatórios contados desde a data em que ocorreram os pagamentos até à data do termo do prazo para a execução espontânea e, por outro lado, o pagamento de juros de mora contados desde o termo do prazo daquela execução (cf. artigo 29.º da p.i.), não se afigurando correcta a afirmação de que, como decorre da sentença recorrida, se pretenderia a cumulação de uns e outros no mesmo período de tempo;

7.ª Acresce que, sem prejuízo do acima exposto, é evidente que as funções desempenhadas pelos juros indemnizatórios e pelos juros de mora são manifestamente distintas, porquanto se o que se visa com o pagamento de juros indemnizatórios é ressarcir o contribuinte dos prejuízos em que o mesmo incorreu por força do pagamento indevido de uma prestação tributária, já o que se pretende com o pagamento de juros de mora é indemniza-lo pelos prejuízos sofridos em consequência do atraso na restituição de imposto já pago, donde decorre que em caso algum a identidade de funções pode ser fundamento para que os juros de mora não incidam sobre os juros indemnizatórios;

8.ª A sustentar a finalidade distinta dos juros indemnizatórios e dos juros de mora está ainda o início da contagem destes e daqueles, donde decorre que o legislador pretendeu, de forma inequívoca, que as funções de uns e outros fossem distintas e, em consequência, a inexistência de fundamento para o que vem invocado na douta sentença recorrida;

9.ª Para além disso, incorre ainda a douta sentença recorrida, com o devido respeito, nalguma incoerência, porquanto, partindo daquela premissa da identidade de funções de juros indemnizatórios e de juros de mora, adoptam-se naquela conclusões antagónicas;

10.ª Com efeito, por um lado, admite-se que os juros de mora a favor da administração tributária incidam sobre juros compensatórios; por outro lado, sustenta-se que os juros de mora a favor do contribuinte não incidem sobre juros indemnizatórios, entendimento que não pode de forma manifesta proceder, atenta a já mencionada identidade entre os juros compensatórios e os juros indemnizatórios e a diferenciação entre as funções desempenhadas pelos juros de mora e pelos juros indemnizatórios;

11.ª Por fim, não pode o ora Recorrente deixar de discordar com a indulgência da administração tributária no que se refere ao pagamento de juros de mora sobre os juros indemnizatórios, por manifesta violação das garantias consagradas nos artigos 20.º e 202.º da CRP, porquanto, prevalecendo o entendimento preconizado na douta sentença recorrida, não pode o contribuinte deixar de se questionar, caricaturalmente, entenda-se, se nas situações em que o contribuinte requer a execução de sentença para a obtenção de juros indemnizatórios e o pagamento destes ocorra com 100 anos de atraso, o valor será pago em singelo?;

12.ª Face ao exposto, é evidente que inexiste qualquer motivo que sustente que os juros de mora não incidam sobre os juros indemnizatórios, razão pela qual deve a sentença recorrida ser revogada e a execução julgada procedente quanto ao pedido de juros de mora sobre os juros indemnizatórios;

13.ª A sentença recorrida fez também errada interpretação das normas aplicáveis no que se refere à taxa aplicável aos juros de mora, na medida em que é a taxa de 1% ao mês que deve ser aplicável;

14.ª Com efeito, não obstante o legislador não ter previsto expressamente a taxa aplicável, fazendo apelo às regras gerais de interpretação previstas no artigo 9.º do Código Civil e tendo em consideração as regras aplicáveis à dicotomia juros compensatórios/juros indemnizatórios, constata-se que, se o legislador referiu juros de mora, pretendeu que estes se equiparassem aos juros de mora a favor do Estado e, em consequência, que a taxa aplicável seja a mesma em ambos os casos, qual seja, a que decorre do n.º 3 do artigo 44.º da LGT e que se consubstancia em 1% ao mês;

15.ª Para além do acima exposto, também o princípio da igualdade, previsto no artigo 13.º da CRP, impõe que a administração tributária não saia beneficiada, inexistindo qualquer motivo atendível para a diferenciação de taxas aplicáveis, como sucede quanto às taxas legais dos juros indemnizatórios e dos juros compensatórios;

16.ª E nem sequer se invoque, como fundamento para a diferenciação de taxas aplicáveis aos juros de mora, o “dever fundamental de pagar impostos”, uma vez que em caso algum no ordenamento jurídico-fiscal este é fundamento de diferenciação daquelas, como se comprova fazendo apelo à dicotomia juros compensatórios/juros indemnizatórios;

17.ª Para além disso, aquele dever é insusceptível de prevalecer sobre o princípio da igualdade, por força do disposto no artigo 18.º da CRP, razão pela qual não é fundamento para afastar a aplicação deste princípio;

18.ª Por fim, o “dever fundamental de pagar impostos” não pode relevar no caso sub judice, atenta a circunstância de os juros de mora a favor do contribuinte derivarem do incumprimento da administração tributária na execução de sentença, tendo subjacente o especial desvalor e censura do comportamento da administração tributária, procurando, pois, penalizá-la pela manutenção da situação de ilegalidade judicialmente reconhecida;

19.ª Esta função penalizadora dos juros de mora também está subjacente aos juros de mora a favor da administração tributária, razão pela qual uns e outros não poderão deixar de estar sujeitos à mesma taxa, qual seja, a taxa de 1% ao mês;

20.ª Nestes termos, resulta evidente que a sentença recorrida enferma de erro de direito, devendo ser revogada nesta parte e determinado ao Recorrente, nos termos acima expostos, o pagamento de juros de mora sobre juros indemnizatórios e calculados à taxa de 1% ao mês, os quais ascendem à data ao valor de €112.158,40.

Por todo o exposto, e o mais que o ilustrado juízo desse Tribunal suprirá, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, com a consequente revogação da sentença recorrida na parte ora recorrida e, nessa medida, ser julgado procedente o pedido do Recorrente quanto ao pedido de juros de mora nos termos acima expostos, assim se cumprindo com o DIREITO e a JUSTIÇA!

2 – Contra-alegou a recorrida, concluindo nos seguintes termos:

1 - O exequente recorre da sentença do tribunal tributário de Lisboa de 10/02/2010 proferido nos autos de execução de julgado n.º 1581/08.6BELRS, não se conformando com a mesma porquanto em seu entender assentou em errónea interpretação e aplicação das normas jurídicas ao caso.

2 – São essencialmente duas as questões suscitadas no Recurso que identificou do seguinte modo:

«i) da não inclusão dos juros indemnizatórios no cálculo dos juros de mora, ii) Da aplicação da taxa de juro de mora de 1% ao mês prevista no artigo 44.º da LGT.»

3 – A Entidade Recorrida não concorda com os fundamentos do presente Recurso Jurisdicional e considera que a sentença ora recorrida se encontra bem fundamentada na jurisprudência recente e maioritária.

4 – A sentença recorrida não padece de vício ou ilegalidade na parte recorrida e fez uma correcta interpretação das disposições legais aplicáveis, motivo pelo qual deve ser mantida.

5 – O Recorrente não tem razão nos argumentos que defende quando diz em suma que, assim como os juros de mora incidem sobre os juros compensatórios, também podem incidir sobre os juros indemnizatórios, já que ambos – compensatórios e indemnizatórios – partilham da mesma natureza devendo-lhes ser aplicado idêntico tratamento.

6 – Tal não pode suceder porque, os juros compensatórios são liquidados conjuntamente com a dívida de imposto por imposição legal (artigo 35.º n.º 8 da LGT), e nessa medida integram a própria dívida de imposto, e entram na base de cálculo dos juros de mora.

7 – Contrariamente, ao que sucede com os juros compensatórios, no caso dos juros indemnizatórios, existe uma autonomia entre o crédito relativo à restituição do tributo indevidamente pago e os juros indemnizatórios, não fazendo estes últimos, parte da base de cálculo ou incidência dos juros de mora a favor do sujeito passivo que venham a ser devidos ao abrigo do artigo 102.º n.º 2 da LGT.

8 – A sentença recorrida não padece daquilo a que o Recorrente chama de “incoerência”, pois como ficou explicado, a decisão encontra-se sustentada pela própria lei.

9 – A razão para não ser possível reconhecer o direito a juros moratórios sobre o montante de juros indemnizatórios não se deve somente à impossibilidade de cumulação de juros sobre o mesmo período de tempo, mas porque o facto gerador dos juros moratórios e indemnizatórios é o mesmo, ou seja o montante de imposto.

10 – O Recorrente olvida a proibição legal de anatocismo, donde “está totalmente vedada pela lei a possibilidade de os juros indemnizatórios serem fonte de novos juros – artigo 560.º do Código Civil (Ac. STA de 07/03/2007, proc. n.º 1220/06).

11 – No que respeita à taxa de juros de mora, também a douta sentença decidiu e bem, pela improcedência do pedido da exequente na parte que se refere ao pedido de os juros de mora serem calculados à taxa de 1% ao mês.

12 – Leia-se o excerto que, com a devida vénia, transcrevemos do Ac. do STA n.º 447/0 de 17/06/2009: «Ora, bem se vê que esta taxa de juro aplicável nas dívidas ao Estado, dada a sua natureza especial, só se aplica aos juros de mora a favor da Fazenda pública, que não do contribuinte, em virtude da predita violação da obrigação principal do dever de fundamental de pagar impostos.

Pelo que a taxa dos juros moratórios a favor do sujeito passivo só pode ser a taxa de juros legal de 4% ao ano, uma vez que não há outra prevista no ordenamento.»

13 – Podemos concluir, de tudo o supra exposto, que a sentença recorrida se encontra bem fundamentada, não violando nenhum preceito legal ou princípio constitucional, seguindo aliás a tese maioritariamente defendida pela jurisprudência.

Nestes termos e nos mais de direito que V.ªs Ex.ªs doutamente suprirão, deve ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional, mantendo a Sentença recorrida com todas as legais consequências.

3 – Tendo vista dos autos, o Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal veio dizer (fls. 175) que: «(…) a) a eventual intervenção do Ministério Público pressupõe prévia notificação (artigo 146º nº 1 CPTA); b) no caso concreto o Ministério Público não emite pronúncia sobre o mérito do recurso jurisdicional, considerando que não estão em causa direitos fundamentais dos cidadãos, interesses públicos especialmente relevantes ou algum dos bens e valores referidos no art. 9º nº 2 CPTA (art. 146º nº 1 in fine CPTA)».

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


- Fundamentação -

4 – Questões a decidir

São as de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao decidir que na base de cálculo dos juros de mora devidos pela Administração ao contribuinte não são de incluir os juros indemnizatórios por ela devidos (conclusões 1 a 12 das alegações de recurso) e ao decidir que a taxa de juros de mora aplicável é a taxa de juro legal – 4% ao ano – e não a dos juros de mora devidos pelo contribuinte à Administração fiscal (conclusões 13 a 19 das alegações).

5 – Matéria de facto

Na sentença do objecto do presente recurso foram dados como provados os seguintes factos:

1. Ao exequente, então designado B…………, S.A., foram efectuadas as seguintes liquidações oficiosas:

a. IRC/97, Liquidação nº 8310004395, de 24/03/2000, no montante de 354.354.387$00, com data limite de pagamento em 17/05/2000 e pagamento efectuado em 17/05/2000;

b. IRC/98, Liquidação nº 8310002984, de 24/02/2000, no montante de 471.884.862$00, com data limite de pagamento em 24/04/2000 e pagamento efectuado em 20/04/2000 (informação de fls. 205 do apenso instrutor e certidão de fls. 14 dos autos).

2. Foi apresentada reclamação graciosa, de cujo indeferimento presumido foi deduzida impugnação judicial em 20/04/2001 (informação de fls. 205 e carimbo de entrada aposto na petição inicial, a fls. 2, ambas do apenso);

3. Por sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, de 27/09/2007, a fls. 384 do apenso, foi julgada procedente a impugnação e anuladas as liquidações adicionais de imposto e juros compensatórios, na parte e montantes impugnados bem como determinado o pagamento de juros indemnizatórios a favor do impugnante;

4. A sentença transitou em julgado em 25/03/2008 (fls. 411 e ss. do apenso);

5. A exequente dirigiu à Administração fiscal pedido de execução espontânea da sentença e juros indemnizatórios em 11/03/2008 (fls. 50 e oficio do Serviço de Finanças de Lisboa – 3, de 15/04/2008, agrafado à contracapa do apenso instrutor);

6. A presente petição de execução deu entrada no tribunal em 29/09/2008, conforme carimbo aposto a fls. 2 e foi remetida via postal em 26/09/2008 (fls. 56);

7. Em execução da decisão anulatória do TAF, a Administração Fiscal reembolsou ao exequente o montante da liquidação e juros compensatórios de 1997, na importância de €66.004,15 através de cheque nº 1140732017, emitido em 25/09/2008 e de que foi dado conhecimento ao exequente por carta registada de 02/10/2008 (“print” automático fls. 81);

8. Foi também reembolsada ao exequente a importância de €322.392,41 em resultado da anulação da liquidação de IRC e juros compensatórios de 1998, através de cheque nº 2940731627, emitido em 23/09/2008 e de que lhe foi dado conhecimento por carta registada de 29/09/2008 (“print” automático fls. 82);

9. Foi paga, por meio de cheque emitido em 03/02/2009, a importância de 27.931,51 correspondente aos juros indemnizatórios do exercício de 1997, calculados sobre aquela importância de €66.004,15 e à taxa de 7% para o período de 18/05/2000 a 30/04/2003 e de 4% para o período subsequente até 25/09/2008 ((“prints” de fls. 85 e 86);

10. Foram calculados em 138.028,11 os juros indemnizatórios do exercício de 1998, ainda não pagos (“print” automático fls. 84).

6 – Apreciando.

6.1 Da não inclusão dos juros indemnizatórios na base de cálculo dos juros de mora devidos e da taxa de juros de mora aplicável

A sentença recorrida, a fls. 104 a 116 dos autos, julgou parcialmente extinta a instância por inutilidade superveniente da lide quanto aos pedidos de reembolso do imposto e juros compensatórios relativos a 1997 e 1998, bem como dos juros indemnizatórios relativos ao exercício de 1997; julgou a execução procedente quanto aos juros indemnizatórios relativos ao exercício de 1998 e quanto ao pedido de juros de mora calculados sobre o imposto e juros compensatórios, ordenando à demandada o respectivo pagamento; e julgou a execução improcedente quanto ao pedido de juros de mora sobre os juros indemnizatórios e cálculo daqueles à taxa de 1% ao mês (cfr. sentença recorrida, a fls. 115/116 dos autos).

Não se conformando com a improcedência dos pedidos de integração do montante dos juros indemnizatórios na base de cálculo dos juros de mora e bem assim quanto à taxa de juro de mora julgada aplicável (4% ao ano), vem a recorrente invocar erro de julgamento da sentença recorrida, concluindo nos termos supra reproduzidos.

Mas sem razão.

Como bem se consignou na sentença recorrida, as questões controvertidas nos presentes autos de recurso têm recebido na jurisprudência deste Supremo Tribunal resposta desfavorável às pretensões da recorrente, que tem entendido de forma dominante que os juros indemnizatórios não integram a base de cálculo dos juros de mora devidos pela Administração fiscal ao contribuinte e que a taxa de juros de mora aplicável é a taxa de juro legal, e não a taxa de juro de mora aplicável às dívidas do Estado e outras entidades públicas.

A sentença recorrida citou jurisprudência do Pleno e da Secção na qual tal entendimento é sufragado, tendo inclusive transcrito o que a propósito se consignou no Acórdão de 2/07/2008 (sentença recorrida, a fls. 110 115 dos autos).

E se, no que à questão da não incidência de juros de mora sobre juros indemnizatórios tal jurisprudência embora dominante, não era unânime, de então para cá foi sendo reforçado o entendimento maioritário nesse sentido, sendo que, dos juízes actualmente em funções na Secção, é precisamente a Relatora a única a manifestar reservas a tal entendimento (cfr. as declarações de voto apostas no Acórdão do Pleno da Secção de 17 de Junho de 2009, rec. n.º 447/07 e no acórdão da Secção de 6 de Fevereiro de 2013, rec. n.º 1114/12).

A não incidência de juros de mora sobre juros compensatórios constitui, pois, jurisprudência consolidada da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo – inclusivamente adoptada pelo Pleno da Secção – o que leva a que, não obstante as reservas já referidas e que ficaram consignadas no lugar próprio, se entenda dar prevalência ao dever de contribuir para uma interpretação e aplicação uniformes do direito (artigo 8.º n.º 3 do Código Civil), razão pela qual no presente recurso não se divergirá do entendimento largamente maioritário que vem sendo assumido por este Supremo Tribunal quanto à questão, assim se decidindo - pelos fundamentos constantes do Acórdão deste Supremo Tribunal de 2 de Março de 2011, rec. n.º 880/10, para cuja fundamentação se remete –, que os juros indemnizatórios não integram a base de cálculo dos juros de mora devidos ao contribuinte, nesta parte negando provimento ao recurso e confirmando a sentença recorrida.

E igualmente merece confirmação a sentença recorrida no que se refere à decisão de improcedência do pedido quanto à taxa de juros de mora peticionada, inaplicável aos casos em que os juros de mora são devidos ao contribuinte, antes, como decidido, se lhes aplica a taxa de juro legal.

De facto, constitui jurisprudência unânime deste Supremo Tribunal – na qual nos revemos – que a taxa de juro prevista no n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 73/99, de 16 de Março apenas é aplicável, conforme decorre expressa e inequivocamente do n.º 1 do artigo 1.º do mesmo diploma, às dívidas ao Estado e a outras pessoas colectivas públicas que não tenham forma, natureza ou denominação de empresa pública, (…), provenientes de: a) Contribuições, impostos, taxas e outros rendimentos quando pagos depois do prazo de pagamento voluntário; b) Alcance, desvios de dinheiros ou outros valores; c) Quantias autorizadas e despendidas fora das disposições legais; d) Custas contadas em processos de qualquer natureza, incluindo os de qualquer tribunais ou de serviços da Administração Pública, quando não pagas nos prazos estabelecidos para o seu pagamento, não se subsumindo o caso dos autos a qualquer destas situações, nem pela natureza da entidade devedora dos juros, nem pela da quantia sobre a qual devem estes ser calculados.

É certo que, como alegado, da inaplicabilidade da taxa de juro prevista no artigo 3.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 73/99, de 16 de Março aos juros de mora devidos pelo Estado aos particulares e a aplicabilidade nestes casos da taxa de juro supletiva prevista para as obrigações civis, substancialmente mais baixa, resulta uma diversidade de tratamento das situações em que o Estado é credor e aquela em que é devedor de juros de mora, favorecendo-o sensivelmente nas situações em que é credor de juros desta natureza.

Esta diversidade de tratamento não é, porém, injustificada, antes encontra fundamento material bastante, razão pela qual não se afigura violadora do princípio da igualdade, no interesse público que está subjacente à cobrança dos créditos do Estado e outros entes públicos, que justifica que se preveja um regime especialmente oneroso em matéria de sanções pela mora, sendo este regime mais favorável de algum modo contrabalançado pelo facto de os juros de mora a favor da Fazenda Nacional terem como limite, salvo no caso de pagamento em prestações, o período de três anos (artigo 44.º, n.º 2 da LGT), enquanto para os juros de mora a favor do contribuinte não vigora esse limite, tendo ele direito à totalidade da indemnização por mora (cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, Sobre a Responsabilidade Civil da Administração Tributária por Actos Ilegais, Lisboa, Áreas Editora, 2010, pp. 108/109).

Pelo exposto, há-de concluir-se que o recurso não merece provimento, sendo de confirmar a sentença recorrida.


- Decisão -

7 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 30 de Outubro de 2013. - Isabel Marques da Silva (relatora) - Pedro Delgado - Valente Torrão.