Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:04/16.1BEPRT 0757/18
Data do Acordão:12/16/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO VERGUEIRO
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
ASSOCIAÇÃO DE MUNICÍPIOS
ISENÇÃO
NULIDADE DE ACÓRDÃO
Sumário:I - Em termos de falta de fundamentação de facto e de direito, há que ter em atenção que só se verifica tal nulidade quando ocorre falta absoluta de fundamentação, sendo que “há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto”.
II - Noutra sede, diga-se que a al. c) do art. 615º do C. Proc. Civil sanciona com a nulidade a sentença em que “ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”, sendo que é “obscuro” o que não é claro, aquilo que não se entende; e é “ambíguo” o que se preste a interpretações diferentes, verificando-se que, em qualquer caso, fica o destinatário da sentença sem saber ao certo o que efectivamente se decidiu, ou quis decidir, sem olvidar que não é qualquer «obscuridade» ou «ambiguidade» que é sancionada com a nulidade do acórdão, mas apenas aquela que “torne a decisão ininteligível”.
III - No caso dos autos, não existe qualquer nulidade nos termos propostos pela Requerente, em qualquer das vertentes assinaladas na medida em que a solução jurídica adoptada no Acórdão proferido nos autos, resultou da interpretação de factualidade dada como assente bem como da interpretação dos preceitos legais aplicáveis que aquela convocava, o que significa que, nesta matéria, se exteriorizam as razões de facto e de direito que fundamentam a decisão, sendo tal fundamentação suficiente para elucidar as partes e para tornar claro o facto de se ter decidido num certo sentido e não noutro, sendo claramente perceptível o raciocínio ou caminho que conduziu à decisão, pelo que inexiste a nulidade prevista na alínea b) do n.º 1 do art. 615.º do C. Proc. Civil e muito menos qualquer situação subsumível à nulidade invocada com referência à al. c) do nº 1 do mesmo preceito legal, até porque, no segundo elemento analisado, foi ponderada situação de facto que a ora Requerente nem sequer colocou em crise, não tendo o Tribunal relevado a argumentação esgrimida pela ali Recorrente para tentar retirar a virtualidade conferida àquela situação, sendo que o presente requerimento de arguição de nulidade permite apreender que a ora Requerente compreendeu, sem qualquer dificuldade, a decisão proferida nos autos, continuando, no essencial, a repetir a argumentação, primeiro, para desvalorizar a factualidade que antes nem sequer discutiu e, depois, para tentar, mais uma vez, sem sucesso, tentar demonstrar que a mesma não tem o alcance que o Tribunal lhe atribuiu.
Nº Convencional:JSTA000P28727
Nº do Documento:SA22021121604/16
Data de Entrada:09/05/2018
Recorrente:LIPOR - SERVIÇO INTERMUNICIPALIZADO DE GESTÃO DE RESÍDUOS DO GRANDE PORTO
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Processo n.º 4/16.1BEPRT (Recurso Jurisdicional - Arguição de Nulidade de Acórdão)



Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. RELATÓRIO
“Lipor - Serviço Intermunicipalizado de Gestão de Resíduos do Grande Porto”, devidamente identificado nos autos, notificada do Acórdão desta Secção do Contencioso Tributário, datado de 27-10-2021 e exarado a fls. 341 a 373 dos autos, vem arguir a nulidade do mesmo pelos fundamentos vertidos no requerimento de fls. 381-390, concluindo no sentido do reconhecimento da existência da nulidade invocada e, consequentemente, substituir-se o Acórdão de 27-10-2021 por outro que cumpra o dever de fundamentação, nos termos expostos, com todas as legais consequências.

Não houve resposta.

O Ministério Público junto deste Tribunal tomou posição no sentido do indeferimento do requerido.

Com dispensa de vistos, atenta a simplicidade das questões a dirimir, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.



2. ENQUADRAMENTO E APRECIAÇÃO DA PRETENSÃO

A Requerente vem arguir a nulidade do acórdão proferido por este Tribunal, por falta e obscuridade de fundamentação, nos termos do disposto nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 615º ex vi do artigo 666º do CPC ex vi da alínea e) do artigo 2.º do CPPT.

Desde logo, no que diz respeito à aplicação do disposto no art. 9º nº 1 al. a) do CIRC, a Requerente defende que a “fundamentação” do Tribunal é perfunctória, meramente conclusiva e manifestamente insuficiente, para não dizer mesmo inexistente, na medida em que não se compreende o que Tribunal quer dizer com “não cessação de efeitos”, referência verdadeiramente ininteligível para a Recorrente.

Depois, não é possível descortinar o iter cognoscitivo-valorativo que levou o Tribunal a concluir pelo “caráter especial ou excepcional da isenção”, na medida em que, tendo a Recorrente, nas suas alegações, sufragado que a norma em apreço não revestia carácter excepcional e não tendo o Tribunal contrariado os argumentos aduzidos nesse sentido, nem tão-pouco cuidado de expender quaisquer outros, simplesmente não é possível apreender por que razão o Tribunal chegou a conclusão diametralmente oposta.

Além disso, não é possível discernir quais as consequências jurídicas que, para o Tribunal, decorrem, então, da opção por parte de uma associação de fins específicos pela manutenção da “qualificação como pessoa colectiva de direito público” e porque é que a equiparação, para efeitos fiscais, às associações de municípios de fins múltiplos e, concomitantemente, às autarquias locais, não é uma delas, de modo que, afigura-se incompreensível para a Recorrente o fundamento da conclusão de que esta não beneficia da isenção prevista na alínea a) do nº 1 do artigo 9º do Código do IRC.

Por outro lado, em relação à situação do art. 9º nº 1 al. b) do CIRC, a Recorrente sustenta que do Acórdão, pura e simplesmente, não constam fundamentos - de facto ou de direito -, susceptíveis de sustentar a conclusão de que “[a] atividade de gestão e tratamento de resíduos hospitalares é uma atividade comercial” ou sequer que permitam apreender o iter cognoscitivo-valorativo que conduziu o Tribunal à mesma e não se poderá deixar de notar que esta ausência de fundamentação é tanto mais grave atenta a manifesta injustiça patente na decisão, sendo que a Recorrente está convicta, na verdade, de que, tivera o Tribunal cuidado de fundamentar o Acórdão em apreço - o que implicaria a realização de um juízo ponderado sobre os factos e o direito em causa - não poderia ter chegado às conclusões a que chegou.

Mais refere que não se compreende o raciocínio seguido pelo Tribunal, mas pelo resultado alcançado conclui-se ser impossível que se tenha debruçado convenientemente sobre o objecto social da Recorrida, dado que, a actividade qualificada pelo Tribunal como comercial é exercida pela Recorrente de forma verdadeiramente condicionada: quer em termos geográficos, quer no destino que atribui necessariamente às receitas daí decorrentes, que não é, nem nunca poderia ser o da sua distribuição aos associados ou o da criação de eficiências orientadas para a optimização de recursos e para o estabelecimento de relações de pura concorrência com os demais operadores de mercado, o que resulta expressamente não só dos seus estatutos (juntos aos autos), como da própria lei.

Com efeito, dos estatutos da Recorrente resulta que a Recorrente apenas poderá desenvolver a sua atividade “na área dos municípios associados” (cf. n.º 4 do artigo 2.º dos estatutos da Recorrente) e, por sua vez, resulta da lei, em concreto do artigo 6.º da Lei n.º 11/2003, que a Recorrente não pode sequer exercer uma actividade que gere lucros para os associados (os municípios que a integram), o que é o mesmo que dizer que à mesma está vedado o exercício de uma actividade regularmente empresarial, exercida em termos comuns e precisamente concorrenciais, em igualdade de circunstâncias face aos operadores ditos privados, verificando-se também que a Recorrente, “no final de cada exercício económico, aplica os resultados, quer em equipamentos para o serviço de recolha seletiva, quer em projetos ambientais e sociais, em benefício da comunidade” (cf. Gestão e Tratamento de Resíduos na Região Metropolitana do Porto - Estudo de caso, disponível em AF_LIPOR_PT.pdf).

Assim, como pode, assim, o Tribunal concluir estar em causa uma actividade comercial? A Recorrente pura e simplesmente não consegue aventar qualquer justificação e o Tribunal não cuida de avançar nenhuma! Acaso acredita o Tribunal que algum ente privado quereria levar a cabo a actividade exercida pela Recorrente nos termos em que ela é exercida por esta? Geograficamente limitada? Sem hipótese de distribuição de lucros? Limitada na afetação dos proveitos auferidos? 50. Poderá o Tribunal acreditar que a Recorrente exerce a sua actividade numa lógica concorrencial de mercado?

Frise-se: a Recorrente presta, a título principal, um serviço público essencial, integrado no âmbito das atribuições e competências das autarquias locais (conforme o próprio Tribunal, aliás, reconhece!) – a recolha e tratamento de resíduos sólidos urbanos; é este o seu escopo, a sua génese, a sua finalidade e a sua vocação.

Simplesmente os municípios que integram a Recorrente deslindaram um modelo que lhes permite levar a cabo este serviço público essencial, financiando-se através do exercício de outra actividade - a gestão e tratamento de resíduos hospitalares, actividade não pode ser dissociada da actividade principal na medida em que ela se destina exclusivamente a financiar aquela; se, por hipótese, a Recorrente deixasse de exercer a sua actividade principal, também a acessória necessariamente soçobraria por perder em absoluto o seu propósito, sobretudo tendo em conta que os proveitos obtidos no seu exercício não podem ser distribuídos e tributar os resultados desta actividade acessória significa desviar verbas necessárias à prossecução da finalidade primacial da Recorrente, o que, em abstracto, pode conduzir à solução absurda de a Recorrente, para prestar o serviço público que constitui a sua actividade principal, necessitar de se financiar - nomeadamente junto do Estado ou com custos para este (directamente ou através do município) - nos montantes entregues ao Estado a título de IRC!

Que dizer?

Relativamente ao núcleo essencial desta arguição, há que ter em atenção que, como é sabido, só se verifica tal nulidade quando ocorre falta absoluta de fundamentação - Ac. do S.T.A. de 06-05-2015, Proc. nº 1340/14, www.dgsi.pt -, sendo que tal como refere o Prof. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume V, página 140 “há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto.”.

Porém, como refere o Cons. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, 5ª ed., Vol. I, pág. 909, “deverão considerar-se como falta absoluta de fundamentação os casos em que ela não tenha relação perceptível com o julgado ou seja ininteligível, situações em que se está perante uma mera aparência de fundamentação.

Com efeito, a fundamentação destina-se a esclarecer as partes, primacialmente a que tiver ficado vencida, sobre os motivos da decisão, não só para ficar convencida de que não tem razão, mas também porque o conhecimento daqueles é necessário ou, pelo menos, conveniente, para poder impugnar eficazmente a decisão em recurso ou arguir nulidades, designadamente a derivada de eventual contradição entre os fundamentos e a decisão.

Por isso, quando a fundamentação não for minimamente elucidativa das razões que levaram a decidir como se decidiu deverá entender-se que se está perante uma nulidade por falta de fundamentação”.

Noutra sede, diga-se que a al. c) do art. 615º do C. Proc. Civil sanciona com a nulidade a sentença em que “ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”.

Como se sabe, é “obscuro” o que não é claro, aquilo que não se entende; e é “ambíguo” o que se preste a interpretações diferentes. Em qualquer caso, fica o destinatário da sentença sem saber ao certo o que efectivamente se decidiu, ou quis decidir.

Mas não é qualquer «obscuridade» ou «ambiguidade» que é sancionada com a nulidade do acórdão, mas apenas aquela que “torne a decisão ininteligível”.

A partir daqui, tendo presente o teor do Acórdão proferido nos autos, resulta evidente que a Requerente não tem qualquer razão no que diz respeito à invocada nulidade do Acórdão, até porque o vício em apreço, em qualquer das vertentes apontadas, apenas ocorre quando haja ausência total de fundamentos.

Ora, no caso, foram apontados bons e pertinentes argumentos para afastar a pretensão da ora Requerente.

Na verdade, e quanto ao disposto no art. 9º nº 1 al. a) do CIRC, não seja de ser curioso que a ora Requerente mostrou mais interesse por esta matéria em sede de arguição de nulidade do Acórdão do que em matéria de alegações de recurso, em que negligenciou tal elemento, mas que o Tribunal não deixou de enfrentar, ponderando que:

No que diz respeito ao primeiro elemento posto em destaque pela Recorrente, e de forma breve, dado que, o presente recurso centra-se essencialmente na consideração do art. 9º nº 1 al. b) do CIRC, quanto à natureza da Recorrente, de acordo com os Estatutos (alterados) da Impugnante, publicados no Diário da República n.º 130-2001, III Série, de 5 de Junho de 2001, a LIPOR é uma pessoa colectiva de direito público e foi constituída como Associação de Municípios pelos Municípios de Espinho, Gondomar, Maia, Matosinhos, Porto, Póvoa de Varzim, Valongo e Vila do Conde (cfr. alínea A) do probatório).
Ora, como já se viu, o artigo 9º do CIRC prevê isenções de IRC de que beneficiam o Estado e as autarquias locais, benefício que é afastado no caso das entidades públicas com natureza empresarial (al. a)) ou das associações e federações de municípios que exerçam actividades de natureza comercial, industrial e agrícola, sendo que embora o CIRC preveja uma isenção subjectiva para o Estado e autarquias locais (que se compreende), assim como para a associações de municípios, essa isenção é arredada nos casos das empresas públicas (noção que abrange as empresas municipais), pela sua própria natureza (empresarial), e nos casos das associações municipais, em função da actividade que desenvolvam de forma predominante.
Neste domínio, a Lei nº 11/2003, de 13-05, que estabeleceu o regime de criação das comunidades intermunicipais, previa no nº2 do seu artigo 1º a existência de dois tipos de comunidades: comunidades intermunicipais de fins gerais e associações de municípios de fins específicos. Mais se consagrava no artigo 2º da mesma lei que a associação de municípios de fins específicos é uma pessoa colectiva de direito público criada para a realização de interesses específicos comuns aos municípios que a integram. Sendo que nos termos do artigo 5º da mesma lei, as associações eram criadas para a prossecução de determinados fins públicos no âmbito das atribuições concedidas às autarquias locais, designadamente na área do ambiente. E nos termos do artigo 6º, os recursos financeiros das associações assim criadas compreendem, entre outros, o produto da venda de bens e serviços (alínea g) do nº 3).
Dispunha ainda o artigo 36º da citada Lei nº 11/2003, que “As comunidades e as associações beneficiam das isenções fiscais previstas na lei para as autarquias locais”.
A referida lei foi revogada pela Lei nº 45/2008, de 27 de Agosto, que na parte que agora interessa veio consagrar em preceito com a mesma numeração a mesma isenção fiscal, mas agora restrita às associações de municípios de fins múltiplos (CIM) - art. 2º, nº1 e 2.
Por sua vez esta lei foi revogada pela Lei nº 75/2013, de 12 de Setembro, que deixou de consagrar qualquer isenção fiscal, tendo apenas previsto transitoriamente, no artigo 3º, nº2, a manutenção daquele regime até 31/12/2013:
“2 - Os artigos 23.º a 30.º da Lei n.º 45/2008, de 27 de agosto, e os artigos 23.º a 28.º da Lei n.º 46/2008, de 27 de agosto, alterada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, mantêm-se em vigor até 31 de dezembro de 2013”.
Neste ponto, tal como refere o Ex.mo Magistrado do Ministério Público, conforme a Recorrente reconhece, na descrita Lei n.º 45/2008, passou a distinguir-se entre associações de municípios de fins múltiplos denominadas comunidades intermunicipais – artigos 2.º e seguintes – e associações de fins específicos – artigos 34.º e seguintes -, e só quanto às primeiras vindo a ser prevista a aplicação de isenções fiscais - artigo 30.º, de modo que, integrando a “Lipor” as associações deste segundo tipo, crê-se não ser possível aplicar a isenção prevista nas ditas Leis, quer com fundamento na não cessação de efeitos quer com fundamento no caráter especial ou excepcional da isenção quer na ligação existente quanto às autarquias locais, dado que, para que tal fosse possível, segundo o previsto no n.º 3 do art. 7.º do C. Civil, teria de resultar a intenção inequívoca do legislador e para tal não basta que as associações anteriormente constituídas tenham mantido a sua qualificação como pessoa colectiva de direito público.
Além disso, as autarquias locais estão sujeitas às categorias previstas no art. 236º nº 1 da C.R.P. e apenas quanto às mesmas é de aplicar, sem mais, a isenção prevista na dita al. a) do art. 9.º do CIRC, o que significa que a decisão recorrida andou bem no que diz respeito à não aplicação da al. a) do art. 9.º do CIRC. …”.
Com este pano de fundo, é manifesto que a invocada nulidade não pode ser atendida na medida em que foi ponderada a realidade em apreço, foi considerado o quadro legal a considerar neste âmbito, procedendo-se depois à análise da questão apontada nos autos, o que significa que, nesta matéria, se exteriorizam as razões de facto e de direito que fundamentam a decisão, sendo tal fundamentação suficiente para elucidar as partes e para tornar claro o facto de se ter decidido num certo sentido e não noutro, sendo claramente perceptível o raciocínio ou caminho que conduziu à decisão, pelo que inexiste a nulidade prevista na alínea b) do n.º 1 do art. 615.º do C. Proc. Civil e muito menos qualquer situação subsumível à nulidade invocada com referência à al. c) do nº 1 do mesmo preceito legal.
O mesmo se passa em relação ao outro elemento analisado nos autos com referência à aplicação do art. 9º nº 1 al. b) do CIRC, onde ficou consignado que:
“No que diz respeito à matéria nuclear em apreciação nos autos, temos que acompanhar o exposto no Ac. deste Supremo Tribunal de 10-03-2021, Proc. nº 03161/16.3BEPRT, www.dgsi.pt, quando aponta que “… apenas a isenção contida na alínea b) do n.º 1 do artigo 9.º do Código do IRC pode aqui ser equacionada - aliás, em bom rigor, só ela o era, mesmo nos termos da legislação anterior, uma vez que a equiparação que o artigo 36.º da Lei n.º 11/2003, de 13 de Maio fazia entre associações de municípios e autarquias locais apenas tinha razão de ser nos casos de impostos em que não existisse qualquer referência expressa àquelas; o que não era, notoriamente, o caso do IRC, que distinguia umas e outras entidades.
Assim, e como vimos, a isenção contida na alínea b) do n.º 1 do artigo 9.º do Código do IRC não é uma isenção subjectiva simples, mas antes mista (com elemento objectivos, portanto): nem todas as associações de municípios se encontram isentas, mas tão só aquelas “que não exerçam actividades comerciais, industriais ou agrícolas”. …”.

Neste âmbito, a decisão recorrida ponderou que:

“…

Logo, a isenção de IRC das associações de municípios está condicionada ao caráter não comercial, industrial ou agrícola de quaisquer atividades por elas desenvolvidas, independentemente de serem desenvolvidas a título principal ou a título acessório.

Com efeito, ao contrário do que sustenta a Impugnante, não se encontram excluídas tão-só as associações de municípios que exerçam, a título principal, atividades comerciais, pois que nada consta da lei quanto à intensidade, à frequência ou à prevalência de tais atividades, por confronto com as demais atividades, igualmente exercidas pela associação de municípios, que não revistam natureza comercial, industrial ou agrícola.
Como é sabido, o elemento gramatical é o ponto de partida na interpretação da lei e elemento inarredável da mesma (cfr. artigo 9.º do Código Civil).
O preceito legal em causa refere o exercício de atividades comerciais, industriais ou agrícolas, sem distinguir se se trata de uma atividade exercida a título principal ou a título acessório.

Ora, se o legislador tivesse querido excluir do âmbito de aplicação da isenção apenas as associações de municípios que se dedicassem principalmente a atividades comerciais, industriais ou agrícolas, e não também aqueloutras que o fizessem acessoriamente, certamente o teria dito, tal como fez para as pessoas coletivas de mera utilidade pública, cuja isenção pressupõe a prossecução, em caráter exclusivo ou predominante, de fins científicos ou culturais, de caridade, assistência, beneficência, solidariedade social ou defesa do meio ambiente (cfr. artigo 10.º, n.º 1, alínea c), do Código do IRC), tendo distinguido, neste caso, a intensidade ou a primazia da prossecução destes fins, face aos demais fins que estas entidades possam eventualmente prosseguir.
Ademais, parece-nos que a ratio legis que subjaz à norma aponta no sentido de que as associações de municípios deverão usufruir da isenção de IRC, na medida em que exerçam, exclusivamente, atividades subordinadas à prossecução do interesse público e que escapem à lógica empresarial, porquanto de outro modo estaria a beneficiar-se indevidamente entidades que, não obstante o desiderato que presidiu à sua criação, optaram por atuar no mercado nas mesmas condições que empresas sujeitas a IRC, exercendo atividades relevantes em sede de IRC (cfr. artigo 3.º, n.º 1, alíneas a) e b), do Código de IRC) que não se pautam pela prossecução do interesse público, pelo que não se justifica um tratamento diferenciado e, diga-se, mais favorável.
Assim, da alínea b) dimana, implicitamente, que basta o exercício de tais atividades, mesmo que não sejam exercidas a título principal, para que a associação de municípios não permaneça abrangida pela isenção de IRC.
Deste modo, a Impugnante não pode concluir, sem apoio na letra da lei ou em qualquer outro elemento interpretativo, que só o exercício, a título principal, de atividades comerciais, industriais ou agrícolas obsta à aplicação da isenção constante da alínea b).
Revertendo ao caso em análise, resultou provado que a Impugnante exerce, a título principal, a atividade de “reciclagem, valorização, tratamento e aproveitamento final dos resíduos sólidos entregues pelos municípios associados” (cfr. alínea B) do probatório).
Ademais, a Impugnante dedica-se, ainda, ao tratamento de resíduos hospitalares, mediante a celebração de prestações de serviços (cfr. alínea B) e L) do probatório).
No que tange à atividade (principal) da Impugnante – que envolve os resíduos sólidos dos municípios associados –, a mesma não possui cunho empresarial (nem industrial ou agrícola).
De acordo com o preceituado no artigo 1.º, n.º 2, alíneas f) e g), da Lei n.º 23/96, de 26 de julho - Lei dos serviços públicos essenciais – o serviço de gestão de resíduos sólidos urbanos constitui um serviço público essencial, integrado no âmbito das atribuições e competências das autarquias locais e cujas receitas são da titularidade dos municípios, nos termos dos artigos 14.º, alínea e), e 21.º, n.º 3, alínea c), da Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro (vide o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 26.10.2017, prolatado no processo n.º 283/12).
Daí que, constituindo um serviço público essencial, não esteja em causa a realização de operações económicas de caráter empresarial, na aceção do n.º 4 do artigo 3.º.
Quanto à atividade (acessória), a conclusão a que se chega não é a mesma.
E é aqui que a pretensão da Impugnante soçobra.
Com efeito, enquanto que a atividade principal da Impugnante não consubstancia, a nosso ver, uma atividade empresarial nos termos e para os efeitos do artigo 4.º, n.º 3 do Código do IRC, o mesmo não se poderá dizer das prestações de serviços no domínio da gestão de resíduos hospitalares.
A atividade de gestão e tratamento de resíduos hospitalares é uma atividade comercial.
Aliás, a própria Impugnante o admite frontalmente na sua petição inicial.
Simplesmente defende que o exercício desta atividade acessória surge como meio de financiamento da atividade principal e que inexiste qualquer distribuição de lucros.
Menciona, também, que, como não exerce, a título principal, uma atividade comercial, industrial ou agrícola, é ilegal a sua tributação em sede de IRC a título de exercício principal de tais atividades.
No entanto, a não distribuição de eventuais lucros obtidos e o facto de os proveitos resultantes da atividade acessória serem investidos na sua atividade principal não possuem qualquer relevância para efeitos da aludida alínea b), que se foca no exercício de atividades de determinado cariz e não no destino a dar ao resultado dessas atividades. …”.

Nesta sequência, pese embora não tenham sido levados ao probatório elementos mais desenvolvidos sobre os contornos da actividade efectivamente desenvolvida pela Recorrente para além da recolha, tratamento e valorização dos resíduos sólidos entregues pelos diversos municípios que a integram, o Tribunal “a quo” deu como assente que a Impugnante efectua prestações de serviços relativas à recolha e tratamento de resíduos hospitalares, ou seja, deu como existente essa outra actividade secundária de aproveitamento dos resíduos, o que é confirmado pela Recorrente nas suas alegações, ao admitir que “a LIPOR aufere proveitos resultantes da venda de produtos e prestação de serviços, nomeadamente aos municípios seus associados e outras entidades públicas,…” e que “Os proveitos resultantes das suas atividades acessórias só são possíveis porque a LIPOR aproveita todo o know-how e estrutura montada para a sua atividade principal de serviço público, assim logrando objetivos de economia de escala que de outra forma nunca conseguiria…”.

Pois bem, é irrelevante que a dita actividade desenvolvida possa ser considerada acessória da actividade principal desenvolvida a favor de municípios, pois que, pelo menos, para efeitos do disposto no C.I.R.C., a mesma foi autonomizada, conforme resulta da previsão “todas as actividades que consistam na realização de operações económicas de carácter empresarial, incluindo as prestações de serviços”, constante também do art. 3º nº 4 do CIRC, sendo que tal encontra-se directamente ligado à regra de incidência, a qual, de acordo com o art. 3º nº 1 do CIRC é diversa, consoante seja exercida uma actividade com a dita natureza, “a título principal”, ou não - assim, aquela regra aplica-se sobre o “lucro”, ou o “rendimento global, corresponde à soma algébrica dos rendimentos das diversas categoriais consideradas para efeitos de IRS e, bem assim, dos incrementos patrimoniais obtidos a título gratuito”, conforme melhor consta expresso nas suas alíneas a) e b).”

Pois bem, também aqui, não existe qualquer nulidade nos termos propostos pela Requerente, na medida em que a solução jurídica adoptada no Acórdão proferido nos autos, resultou da interpretação de factualidade dada como assente bem como da interpretação dos preceitos legais aplicáveis que aquela convocava, tendo até como pano de fundo situação de facto que a ora Requerente nem sequer colocou em crise, não tendo o Tribunal relevado a argumentação esgrimida pela ali Recorrente para tentar retirar a virtualidade conferida àquela situação, sendo que o presente requerimento de arguição de nulidade permite apreender que a ora Requerente compreendeu, sem qualquer dificuldade, a decisão proferida nos autos, continuando, no essencial, a repetir a argumentação, primeiro, para desvalorizar a factualidade que antes nem sequer discutiu e, depois, para tentar, mais uma vez, sem sucesso, tentar demonstrar que a mesma não tem o alcance que o Tribunal lhe atribuiu.
Pelo exposto, e sem necessidade de outras considerações, e manifesto que não enferma o Acórdão em crise de vício que importe a sua nulidade nas vertentes assinaladas e que legitime, nessa sequência, a presente arguição de nulidade “sub judice” formulada pela ora Requerente que, assim, terá de ser desatendida.


3. DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em indeferir a presente arguição de nulidade com referência ao Acórdão proferido nos autos.

Custas pela Requerente, fixando-se a taxa de justiça em 3 Uc.

Notifique-se. D.N..




Lisboa, 16 de Dezembro de 2021. - Pedro Nuno Pinto Vergueiro (Relator) - Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos.