Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 04/16.1BEPRT 0757/18 |
Data do Acordão: | 12/16/2021 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | PEDRO VERGUEIRO |
Descritores: | IMPUGNAÇÃO JUDICIAL ASSOCIAÇÃO DE MUNICÍPIOS ISENÇÃO NULIDADE DE ACÓRDÃO |
Sumário: | I - Em termos de falta de fundamentação de facto e de direito, há que ter em atenção que só se verifica tal nulidade quando ocorre falta absoluta de fundamentação, sendo que “há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto”. II - Noutra sede, diga-se que a al. c) do art. 615º do C. Proc. Civil sanciona com a nulidade a sentença em que “ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”, sendo que é “obscuro” o que não é claro, aquilo que não se entende; e é “ambíguo” o que se preste a interpretações diferentes, verificando-se que, em qualquer caso, fica o destinatário da sentença sem saber ao certo o que efectivamente se decidiu, ou quis decidir, sem olvidar que não é qualquer «obscuridade» ou «ambiguidade» que é sancionada com a nulidade do acórdão, mas apenas aquela que “torne a decisão ininteligível”. III - No caso dos autos, não existe qualquer nulidade nos termos propostos pela Requerente, em qualquer das vertentes assinaladas na medida em que a solução jurídica adoptada no Acórdão proferido nos autos, resultou da interpretação de factualidade dada como assente bem como da interpretação dos preceitos legais aplicáveis que aquela convocava, o que significa que, nesta matéria, se exteriorizam as razões de facto e de direito que fundamentam a decisão, sendo tal fundamentação suficiente para elucidar as partes e para tornar claro o facto de se ter decidido num certo sentido e não noutro, sendo claramente perceptível o raciocínio ou caminho que conduziu à decisão, pelo que inexiste a nulidade prevista na alínea b) do n.º 1 do art. 615.º do C. Proc. Civil e muito menos qualquer situação subsumível à nulidade invocada com referência à al. c) do nº 1 do mesmo preceito legal, até porque, no segundo elemento analisado, foi ponderada situação de facto que a ora Requerente nem sequer colocou em crise, não tendo o Tribunal relevado a argumentação esgrimida pela ali Recorrente para tentar retirar a virtualidade conferida àquela situação, sendo que o presente requerimento de arguição de nulidade permite apreender que a ora Requerente compreendeu, sem qualquer dificuldade, a decisão proferida nos autos, continuando, no essencial, a repetir a argumentação, primeiro, para desvalorizar a factualidade que antes nem sequer discutiu e, depois, para tentar, mais uma vez, sem sucesso, tentar demonstrar que a mesma não tem o alcance que o Tribunal lhe atribuiu. |
Nº Convencional: | JSTA000P28727 |
Nº do Documento: | SA22021121604/16 |
Data de Entrada: | 09/05/2018 |
Recorrente: | LIPOR - SERVIÇO INTERMUNICIPALIZADO DE GESTÃO DE RESÍDUOS DO GRANDE PORTO |
Recorrido 1: | AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA E OUTROS |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Processo n.º 4/16.1BEPRT (Recurso Jurisdicional - Arguição de Nulidade de Acórdão) Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: 1. RELATÓRIO
Não houve resposta.
O Ministério Público junto deste Tribunal tomou posição no sentido do indeferimento do requerido.
Com dispensa de vistos, atenta a simplicidade das questões a dirimir, vem o processo submetido à Conferência para julgamento. 2. ENQUADRAMENTO E APRECIAÇÃO DA PRETENSÃO A Requerente vem arguir a nulidade do acórdão proferido por este Tribunal, por falta e obscuridade de fundamentação, nos termos do disposto nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 615º ex vi do artigo 666º do CPC ex vi da alínea e) do artigo 2.º do CPPT.
Desde logo, no que diz respeito à aplicação do disposto no art. 9º nº 1 al. a) do CIRC, a Requerente defende que a “fundamentação” do Tribunal é perfunctória, meramente conclusiva e manifestamente insuficiente, para não dizer mesmo inexistente, na medida em que não se compreende o que Tribunal quer dizer com “não cessação de efeitos”, referência verdadeiramente ininteligível para a Recorrente. Depois, não é possível descortinar o iter cognoscitivo-valorativo que levou o Tribunal a concluir pelo “caráter especial ou excepcional da isenção”, na medida em que, tendo a Recorrente, nas suas alegações, sufragado que a norma em apreço não revestia carácter excepcional e não tendo o Tribunal contrariado os argumentos aduzidos nesse sentido, nem tão-pouco cuidado de expender quaisquer outros, simplesmente não é possível apreender por que razão o Tribunal chegou a conclusão diametralmente oposta. Além disso, não é possível discernir quais as consequências jurídicas que, para o Tribunal, decorrem, então, da opção por parte de uma associação de fins específicos pela manutenção da “qualificação como pessoa colectiva de direito público” e porque é que a equiparação, para efeitos fiscais, às associações de municípios de fins múltiplos e, concomitantemente, às autarquias locais, não é uma delas, de modo que, afigura-se incompreensível para a Recorrente o fundamento da conclusão de que esta não beneficia da isenção prevista na alínea a) do nº 1 do artigo 9º do Código do IRC. Por outro lado, em relação à situação do art. 9º nº 1 al. b) do CIRC, a Recorrente sustenta que do Acórdão, pura e simplesmente, não constam fundamentos - de facto ou de direito -, susceptíveis de sustentar a conclusão de que “[a] atividade de gestão e tratamento de resíduos hospitalares é uma atividade comercial” ou sequer que permitam apreender o iter cognoscitivo-valorativo que conduziu o Tribunal à mesma e não se poderá deixar de notar que esta ausência de fundamentação é tanto mais grave atenta a manifesta injustiça patente na decisão, sendo que a Recorrente está convicta, na verdade, de que, tivera o Tribunal cuidado de fundamentar o Acórdão em apreço - o que implicaria a realização de um juízo ponderado sobre os factos e o direito em causa - não poderia ter chegado às conclusões a que chegou. Mais refere que não se compreende o raciocínio seguido pelo Tribunal, mas pelo resultado alcançado conclui-se ser impossível que se tenha debruçado convenientemente sobre o objecto social da Recorrida, dado que, a actividade qualificada pelo Tribunal como comercial é exercida pela Recorrente de forma verdadeiramente condicionada: quer em termos geográficos, quer no destino que atribui necessariamente às receitas daí decorrentes, que não é, nem nunca poderia ser o da sua distribuição aos associados ou o da criação de eficiências orientadas para a optimização de recursos e para o estabelecimento de relações de pura concorrência com os demais operadores de mercado, o que resulta expressamente não só dos seus estatutos (juntos aos autos), como da própria lei. Com efeito, dos estatutos da Recorrente resulta que a Recorrente apenas poderá desenvolver a sua atividade “na área dos municípios associados” (cf. n.º 4 do artigo 2.º dos estatutos da Recorrente) e, por sua vez, resulta da lei, em concreto do artigo 6.º da Lei n.º 11/2003, que a Recorrente não pode sequer exercer uma actividade que gere lucros para os associados (os municípios que a integram), o que é o mesmo que dizer que à mesma está vedado o exercício de uma actividade regularmente empresarial, exercida em termos comuns e precisamente concorrenciais, em igualdade de circunstâncias face aos operadores ditos privados, verificando-se também que a Recorrente, “no final de cada exercício económico, aplica os resultados, quer em equipamentos para o serviço de recolha seletiva, quer em projetos ambientais e sociais, em benefício da comunidade” (cf. Gestão e Tratamento de Resíduos na Região Metropolitana do Porto - Estudo de caso, disponível em AF_LIPOR_PT.pdf). Assim, como pode, assim, o Tribunal concluir estar em causa uma actividade comercial? A Recorrente pura e simplesmente não consegue aventar qualquer justificação e o Tribunal não cuida de avançar nenhuma! Acaso acredita o Tribunal que algum ente privado quereria levar a cabo a actividade exercida pela Recorrente nos termos em que ela é exercida por esta? Geograficamente limitada? Sem hipótese de distribuição de lucros? Limitada na afetação dos proveitos auferidos? 50. Poderá o Tribunal acreditar que a Recorrente exerce a sua actividade numa lógica concorrencial de mercado? Frise-se: a Recorrente presta, a título principal, um serviço público essencial, integrado no âmbito das atribuições e competências das autarquias locais (conforme o próprio Tribunal, aliás, reconhece!) – a recolha e tratamento de resíduos sólidos urbanos; é este o seu escopo, a sua génese, a sua finalidade e a sua vocação. Simplesmente os municípios que integram a Recorrente deslindaram um modelo que lhes permite levar a cabo este serviço público essencial, financiando-se através do exercício de outra actividade - a gestão e tratamento de resíduos hospitalares, actividade não pode ser dissociada da actividade principal na medida em que ela se destina exclusivamente a financiar aquela; se, por hipótese, a Recorrente deixasse de exercer a sua actividade principal, também a acessória necessariamente soçobraria por perder em absoluto o seu propósito, sobretudo tendo em conta que os proveitos obtidos no seu exercício não podem ser distribuídos e tributar os resultados desta actividade acessória significa desviar verbas necessárias à prossecução da finalidade primacial da Recorrente, o que, em abstracto, pode conduzir à solução absurda de a Recorrente, para prestar o serviço público que constitui a sua actividade principal, necessitar de se financiar - nomeadamente junto do Estado ou com custos para este (directamente ou através do município) - nos montantes entregues ao Estado a título de IRC!
Que dizer? Relativamente ao núcleo essencial desta arguição, há que ter em atenção que, como é sabido, só se verifica tal nulidade quando ocorre falta absoluta de fundamentação - Ac. do S.T.A. de 06-05-2015, Proc. nº 1340/14, www.dgsi.pt -, sendo que tal como refere o Prof. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume V, página 140 “há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto.”. Porém, como refere o Cons. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, 5ª ed., Vol. I, pág. 909, “deverão considerar-se como falta absoluta de fundamentação os casos em que ela não tenha relação perceptível com o julgado ou seja ininteligível, situações em que se está perante uma mera aparência de fundamentação. Com efeito, a fundamentação destina-se a esclarecer as partes, primacialmente a que tiver ficado vencida, sobre os motivos da decisão, não só para ficar convencida de que não tem razão, mas também porque o conhecimento daqueles é necessário ou, pelo menos, conveniente, para poder impugnar eficazmente a decisão em recurso ou arguir nulidades, designadamente a derivada de eventual contradição entre os fundamentos e a decisão. Por isso, quando a fundamentação não for minimamente elucidativa das razões que levaram a decidir como se decidiu deverá entender-se que se está perante uma nulidade por falta de fundamentação”. Noutra sede, diga-se que a al. c) do art. 615º do C. Proc. Civil sanciona com a nulidade a sentença em que “ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”. Como se sabe, é “obscuro” o que não é claro, aquilo que não se entende; e é “ambíguo” o que se preste a interpretações diferentes. Em qualquer caso, fica o destinatário da sentença sem saber ao certo o que efectivamente se decidiu, ou quis decidir. Mas não é qualquer «obscuridade» ou «ambiguidade» que é sancionada com a nulidade do acórdão, mas apenas aquela que “torne a decisão ininteligível”. A partir daqui, tendo presente o teor do Acórdão proferido nos autos, resulta evidente que a Requerente não tem qualquer razão no que diz respeito à invocada nulidade do Acórdão, até porque o vício em apreço, em qualquer das vertentes apontadas, apenas ocorre quando haja ausência total de fundamentos. Ora, no caso, foram apontados bons e pertinentes argumentos para afastar a pretensão da ora Requerente. Na verdade, e quanto ao disposto no art. 9º nº 1 al. a) do CIRC, não seja de ser curioso que a ora Requerente mostrou mais interesse por esta matéria em sede de arguição de nulidade do Acórdão do que em matéria de alegações de recurso, em que negligenciou tal elemento, mas que o Tribunal não deixou de enfrentar, ponderando que: “No que diz respeito ao primeiro elemento posto em destaque pela Recorrente, e de forma breve, dado que, o presente recurso centra-se essencialmente na consideração do art. 9º nº 1 al. b) do CIRC, quanto à natureza da Recorrente, de acordo com os Estatutos (alterados) da Impugnante, publicados no Diário da República n.º 130-2001, III Série, de 5 de Junho de 2001, a LIPOR é uma pessoa colectiva de direito público e foi constituída como Associação de Municípios pelos Municípios de Espinho, Gondomar, Maia, Matosinhos, Porto, Póvoa de Varzim, Valongo e Vila do Conde (cfr. alínea A) do probatório). Neste âmbito, a decisão recorrida ponderou que: “… Logo, a isenção de IRC das associações de municípios está condicionada ao caráter não comercial, industrial ou agrícola de quaisquer atividades por elas desenvolvidas, independentemente de serem desenvolvidas a título principal ou a título acessório. Com efeito, ao contrário do que sustenta a Impugnante, não se encontram excluídas tão-só as associações de municípios que exerçam, a título principal, atividades comerciais, pois que nada consta da lei quanto à intensidade, à frequência ou à prevalência de tais atividades, por confronto com as demais atividades, igualmente exercidas pela associação de municípios, que não revistam natureza comercial, industrial ou agrícola. Ora, se o legislador tivesse querido excluir do âmbito de aplicação da isenção apenas as associações de municípios que se dedicassem principalmente a atividades comerciais, industriais ou agrícolas, e não também aqueloutras que o fizessem acessoriamente, certamente o teria dito, tal como fez para as pessoas coletivas de mera utilidade pública, cuja isenção pressupõe a prossecução, em caráter exclusivo ou predominante, de fins científicos ou culturais, de caridade, assistência, beneficência, solidariedade social ou defesa do meio ambiente (cfr. artigo 10.º, n.º 1, alínea c), do Código do IRC), tendo distinguido, neste caso, a intensidade ou a primazia da prossecução destes fins, face aos demais fins que estas entidades possam eventualmente prosseguir. Pois bem, é irrelevante que a dita actividade desenvolvida possa ser considerada acessória da actividade principal desenvolvida a favor de municípios, pois que, pelo menos, para efeitos do disposto no C.I.R.C., a mesma foi autonomizada, conforme resulta da previsão “todas as actividades que consistam na realização de operações económicas de carácter empresarial, incluindo as prestações de serviços”, constante também do art. 3º nº 4 do CIRC, sendo que tal encontra-se directamente ligado à regra de incidência, a qual, de acordo com o art. 3º nº 1 do CIRC é diversa, consoante seja exercida uma actividade com a dita natureza, “a título principal”, ou não - assim, aquela regra aplica-se sobre o “lucro”, ou o “rendimento global, corresponde à soma algébrica dos rendimentos das diversas categoriais consideradas para efeitos de IRS e, bem assim, dos incrementos patrimoniais obtidos a título gratuito”, conforme melhor consta expresso nas suas alíneas a) e b).” Pois bem, também aqui, não existe qualquer nulidade nos termos propostos pela Requerente, na medida em que a solução jurídica adoptada no Acórdão proferido nos autos, resultou da interpretação de factualidade dada como assente bem como da interpretação dos preceitos legais aplicáveis que aquela convocava, tendo até como pano de fundo situação de facto que a ora Requerente nem sequer colocou em crise, não tendo o Tribunal relevado a argumentação esgrimida pela ali Recorrente para tentar retirar a virtualidade conferida àquela situação, sendo que o presente requerimento de arguição de nulidade permite apreender que a ora Requerente compreendeu, sem qualquer dificuldade, a decisão proferida nos autos, continuando, no essencial, a repetir a argumentação, primeiro, para desvalorizar a factualidade que antes nem sequer discutiu e, depois, para tentar, mais uma vez, sem sucesso, tentar demonstrar que a mesma não tem o alcance que o Tribunal lhe atribuiu. 3. DECISÃO Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em indeferir a presente arguição de nulidade com referência ao Acórdão proferido nos autos. Custas pela Requerente, fixando-se a taxa de justiça em 3 Uc. Notifique-se. D.N.. Lisboa, 16 de Dezembro de 2021. - Pedro Nuno Pinto Vergueiro (Relator) - Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos. |