Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01104/17.6BESNT 0797/18
Data do Acordão:09/21/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P23633
Nº do Documento:SA12018092101104/17
Data de Entrada:09/03/2018
Recorrente:MUNICÍPIO DE SINTRA
Recorrido 1:......... - ASSOCIAÇÃO ................
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA FORMAÇÃO PRELIMINAR DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:

I. RELATÓRIO

………….. – Associação ………………….. intentou, no TAF de Sintra, contra o MUNICÍPIO DE SINTRA (doravante MS), processo cautelar pedindo que fosse decretada a suspensão de eficácia do acto constante no Edital n.º 226/2017, de 2/08/2017 e das normas do Regulamento para Transportes de Índole e Fruição Turística no Município de Sintra, publicado no Diário da República, 2.ª Série, de 13/07/2017, designadamente, os artigos 3.º, 4.º, 5.º, 25.º, 33.º, 34.º e 39.º, assim como os artigos 1.º, 3.º e 5.º do respectivo Anexo

O TAF deferiu a requerida providência, suspendendo a eficácia dos identificados artigos do citado Edital e do mencionado Regulamento e seu Anexo.
O MS apelou para o TCA Sul que, por Acórdão de 14-06-2018, negou provimento ao recurso.

É desse Acórdão que o MS recorre (artigo 150.º/1 do CPTA).

II. MATÉRIA DE FACTO
Os factos provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III. O DIREITO
1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o STA «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto como «válvula de segurança do sistema» para funcionar em situações excepcionais em que haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos, pois, se tais requisitos se verificam in casu socorrendo-nos para isso da matéria de facto seleccionada no Acórdão recorrido.

2. O TAF deferiu o pedido cautelar formulado pela Requerente suspendendo os instrumentos camarários acima referenciados.
Fê-lo por considerar verificados os requisitos do fumus boni iuris e do periculum in mora previstos no artigo 120º/1 do CPTA e por entender não ser de concluir, na ponderação de interesses a que alude o nº 2 do mesmo preceito, que os danos que resultariam da concessão da providência fossem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa.
Decisão que o Acórdão recorrido manteve pelas razões que se condensam:
“Em causa nos autos está o Regulamento para Transportes de Índole e Fruição Turística no Município …. em especial os seus artigos 3.º, 4.º, 5.º, 25.º, 33.º, 34.º e 39.º, bem como os artigos 1.º, 3.º e 5.º do respetivo Anexo, cuja suspensão de eficácia é pretendida.
3.2.5 Resulta efetivamente que na origem deste Regulamento, está a necessidade de disciplinar a circulação, estacionamento e paragem de veículos afetos à atividade de animação turística,

Na verdade aquele Regulamento faz depender a circulação de veículos afetos à atividade de animação turística à atribuição de uma «licença» … cujo número é limitado em resultado da contingentação de licenças ou de viaturas, a qual se encontra estabelecida num número máximo de 100 viaturas …. Sendo que, concomitantemente, como bem evidenciou a sentença recorrida, não se estabelece qualquer critério de atribuição de tais licenças dentro do contingente definido.
….
3.2.11 E feita a confrontação entre o que é exigido no Regulamento municipal para efeito da atribuição da identificada «licença», aqui em causa, e o regime legal de acesso e de exercício da atividade das empresas de animação turística, constante do DL. nº 108/2009, tem efetivamente que reconhecer-se, mesmo em termos perfuntórios, próprios da sede cautelar, que o procedimento previsto no Regulamento para Transportes de Índole e Fruição Turística no Município de Sintra, ao submeter a um processo de «licenciamento», nos termos em que o faz, designadamente com as exigências estabelecidas no seu artigo 4º, supra percorrido, o desenvolvimento das atividades de animação turística no Município de Sintra sempre que nas mesmas sejam utilizados veículos para transporte de passageiros «não pesados», contende com o regime legal que rege a atividade da animação turística constante do DL. nº 108/2009, invadindo um âmbito de regulação legal ocupado por este, como foi invocado pela requerente.
O que, consubstancia, também, a invocada violação do artigo 11º nº 6 do DL. 108/2009, ….
3.2.12 Foi, pois, correto, o entendimento feito nesse sentido pela sentença recorrida. Devendo ter-se por verificado o requisito do fumus boni iuris.

3.3 Do apontado erro de julgamento quanto ao requisito do periculum in mora.
3.3.1 Analisando o requisito do periculum in mora, a sentença recorrida deu-o por preenchido em face da circunstância de resultar provado nos autos “…que, atualmente, circulam em Sintra mais do que 100 veículos de animação turística e que o número limitado de licenças excluirá de Sintra operadores que aí se encontram a atuar, sendo que tais operadores, se excluídos, ficarão com a sua operação e investimento comprometidos, podendo perder os investimentos já realizados e ficando prejudicados pela perda de lucros do seu negócio e pela perda de clientela [alíneas m) a r) dos factos provados].”. E que assim sendo “…impõe-se concluir que, se não for decretada a providência cautelar requerida, os associados da requerente, que esta representa e cujos interesses defende, sofrerão prejuízos de difícil reparação, na medida em que se mostra difícil proceder à reintegração da sua situação no plano dos factos caso a ação principal venha a ser julgada procedente, atenta a dificuldade na quantificação dos prejuízos resultantes da provável perda de lucros do negócio e pela perda de clientela.”
3.3.2 Defende o recorrente a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, ao considerar verificado o requisito do periculum in mora, por ter assentado a sua decisão em factos meramente eventuais, cuja verificação é meramente possível, para além de depender das opções de gestão que venham a ser tomadas pelos operadores que exercem a atividade de operação turística, nem constituindo a execução dos atos suspendendos condição necessária e suficiente para os efeitos eventuais que são elencados na sentença – (vide conclusões 5ª a 7ª das alegações de recurso).
3.3.3 Antecipe-se desde já que deve ser mantido o juízo de verificação do requisito do periculum in mora, não colhendo o recurso também nesta parte.
….
3.3.6 E se assim é, não só as empresas que desenvolvem a atividade de animação turística com recurso aos identificados veículos de transporte verão já condicionado o seu exercício ao cumprimento daquelas exigências, às quais se haverão de submeter (e cumprir) através do procedimento de licenciamento, a que devem dar início no prazo fixado, sendo a concessão da «licença» …. condição necessária; como é fundada a conclusão de que, face ao número limitado de «licenças» passíveis de ser atribuídas ao abrigo do Regulamento, considerando o contingente máximo de veículos que nele foi fixado, e ao número de veículos de animação turística que atualmente circulam …. serão excluídos, por efeito de aplicação das regras constantes no Regulamento, operadores que agora se encontram a atuar.
3.3.7 O que basta para ter-se por verificado, no caso, o requisito do periculum in mora já que não será possível, ou pelo menos não será plena, a reconstituição da situação atual hipotética conforme com a legalidade na decorrência da declaração da ilegalidade das normas quando venha a ser decidida na ação principal.
3.3.8 Não merecendo, pois, acolhimento, também neste aspeto, o recurso, devendo ter-se por verificado o requisito do fumus boni iuris.

3.4 Do apontado erro de julgamento quanto à ponderação dos danos para os interesses em presença
….
3.3.5 Percebe-se que os órgãos competentes reconhecem a importância da atividade turística. Mas são simultaneamente sensíveis, e pretendem não descurar, os demais interesses públicos em presença, que lhes incumbe também salvaguardar. Nomeadamente o direito à segurança, ao repouso, à saúde e aos bem-estar dos que circulam e habitam no Centro Histórico de Sintra. (conforme alegou – vide designadamente artigos 82º e 83º da sua oposição)
….
3.3.6 Assim, e para tanto, os órgãos municipais competentes poderão adotar as medidas adequadas à prossecução dos interesses públicos em causa, designadamente para a adequada regulação da circulação do trânsito e das pessoas, e proteção da segurança, nada impedindo, por exemplo, que sejam estabelecidas as ruas ou vias onde determinadas categorias de viaturas possam ou não circular, ou cuja circulação esteja proibida ou condicionada em determinados dias da semana ou dentro de determinado período horário ou que sejam determinados os locais para estacionamento e tomada ou largada de passageiros.
3.3.7 A exigência de proporcionalidade que a ponderação prevista no nº 2 do artigo 120º do CPTA reivindica, não se mostra, assim, perigada na situação concreta. Não se justificando a recusa da providência.”

3. Como se acaba de ver está em causa saber se o Acórdão recorrido fez correcto julgamento quando, sufragando a decisão do TAF, considerou que ocorria o fumus boni iuris e o periculum in mora e que, na ponderação de interesses, não se justificava dar prevalência ao interesse público.
A jurisprudência desta Formação tem adoptado um critério restritivo no tocante à admissão de revistas em matéria de providências cautelares por entender que se está perante a regulação provisória de uma situação, destinada a vigorar apenas durante a pendência do processo principal, e que, sendo assim, a admissão de um recurso excepcional não era conforme com a precariedade da definição jurídica daquela situação.
Entendimento que é de manter sem embargo de se reconhecer que essa jurisprudência tem de ser afeiçoada ao caso concreto e ter em conta as razões em cada caso e isto porque, por um lado, o art.º 150.º do CPTA não inviabiliza a possibilidade da revista ser admitida nas providências cautelares e, por outro, por a intensidade das razões invocadas poder justificar a admissão da revista. – vd. por todos o Acórdão de 4/11/2009 (rec. 961/09).
Ora, no caso, não está em causa uma situação que justifique quebrar-se aquele entendimento.
Desde logo, porque as instâncias decidiram convergentemente e fizeram-no com uma fundamentação jurídica semelhante e convincente, razão pela qual se não justiça a sua admissão para uma melhor aplicação do direito.
Depois, porque tudo indica que o Acórdão sob censura ajuizou correctamente e que as questões suscitadas não se revestem, pela sua relevância jurídica ou social, de importância fundamental.

DECISÃO
Termos em que os Juízes que compõem este Tribunal acordam em não admitir a revista.
Custas pelo Recorrente.

Porto, 21 de Setembro de 2018. – Costa Reis (relator) – Madeira dos Santos – São Pedro.