Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 02694/08.0BEPRT 0169/17 |
Data do Acordão: | 12/09/2021 |
Tribunal: | 2 SECÇAO |
Relator: | FRANCISCO ROTHES |
Descritores: | IRC ISENÇÃO ASSOCIAÇÃO DE MUNICÍPIOS |
Sumário: | I - Apesar de o art. 36.º da Lei n.º 11/2003, de 13 de Maio, equiparar, quanto ao regime fiscal, as associações de municípios e as autarquias locais, o art. 9.º do CIRC, no que respeita à isenção de imposto, distingue as autarquias locais das associações de municípios. II - A isenção prevista na alínea b) do n.º 1 do art. 9.º do Código do IRC não configura uma isenção subjectiva simples, mas uma isenção subjectiva mista, porque faz depender o tratamento mais favorável aí consagrado de uma condição objectiva, qual seja o não exercício de actividades comerciais, industriais ou agrícolas. III - Não permitindo a matéria de facto que foi dada como assente pelo tribunal de 1.ª instância aferir sobre a actividade desenvolvida pela associação de municípios, impõe-se a anulação oficiosa do julgado e o regresso dos autos à 1.ª instância para nova decisão, precedida da fixação da pertinente matéria de facto. |
Nº Convencional: | JSTA000P28689 |
Nº do Documento: | SA22021120902694/08 |
Data de Entrada: | 02/22/2017 |
Recorrente: | AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA |
Recorrido 1: | LIPOR - SERVIÇOS INTERMUNICIPALIZADOS DE GESTÃO DE RESÍDUOS DO GRANDE PORTO |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 2694/08.0BEPRT (169/17)
1. RELATÓRIO 1.1 A Fazenda Pública recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que, julgando procedente a impugnação judicial deduzida por “LIPOR – Serviço Intermunicipalizado de Gestão de Resíduos do Grande Porto”, anulou a liquidação oficiosa de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) que lhe foi efectuada, com referência ao ano de 2004, por a Administração Tributária (AT) ter considerado que não podia beneficiar da isenção prevista na alínea b) do n.º 1 do art. 9.º do Código do IRC (CIRC). 1.2 O recurso foi admitido, com subida imediata e nos próprios autos e a Recorrente apresentou a motivação do recurso, que resumiu em conclusões do seguinte teor (Porque usamos o itálico nas transcrições, os excertos que estavam em itálico no original surgirão, aqui como adiante, em tipo normal.): «A. Vem o presente recurso interposto da sentença que julgou procedente a impugnação sub judice, deduzida da liquidação de IRC de 2004, declarando que “prosseguindo a impugnante eminentemente um serviço público – o de recolha e tratamento de resíduos”, (…) “não restam dúvidas de que a impugnante sempre usufruiria de isenção à luz do artigo 9.º al. b), do CIRC”. B. Com o assim decidido, e salvo o devido respeito, não pode a Fazenda Pública conformar-se, por entender que a sentença recorrida se mostra afectada de erro sobre os pressupostos de direito, em termos que afectam irremediavelmente a validade substancial da sentença. C. Sem prescindir nem conceder da inaplicabilidade da isenção referida no art. 36.º da L. n.º 11/2003 à tributação da impugnante em sede de IRC, a Fazenda Pública defende que, tendo a L. n.º 11/2003, de 13.05, sido revogada pela L. n.º 45/2008, de 27.08, não havia sequer que ponderar a aplicação da norma remissiva constante do seu art. 36.º, porque a ressalva do n.º 6 do art. 38.º da L. n.º 45/2008 refere-se exclusiva e precisamente à manutenção em vigor da natureza de pessoa colectiva de direito público, indicada pelo n.º 2 do art. 2.º da L. n.º 11/2003, e não a todo o regime consagrado nesta lei. D. A manutenção da natureza de direito público não significa que se possa invocar para as associações de municípios de fins específicos a manutenção do benefício das isenções fiscais previstas na lei para as autarquias locais, porque este benefício decorria tão só do art. 36.º da L. n.º 11/2003 e não é inerente à natureza de pessoa colectiva de direito público. E. Ao permitir a manutenção em vigor, estritamente, da natureza de direito público para as associações de municípios de fins específicos constituídas até à entrada em vigor da L. n.º 45/2008, como é o caso da impugnante, esta lei pretendeu restringir o alcance do regime pretérito que aceitou continuasse a reger essas associações, devendo entender-se, do seu conjunto normativo, que a L. n.º 45/2008 pretendeu que após a sua entrada em vigor só as associações de municípios de fins múltiplos ou comunidades intermunicipais beneficiariam das isenções fiscais previstas na lei para as autarquias locais. Sem embargo, F. A Fazenda Pública entende também ser de rejeitar a afirmação que admite que a remissão do art. 36.º da L. n.º 11/2003, de 13.05, é realizada para os termos previstos na al. a) do art. 9.º, n.º 1, do CIRC, em que as associações de municípios são equiparadas a autarquias locais e como tal estão isentas de IRC, “por mais discutível que seja a opção legislativa ou a redacção da norma remissiva e da norma de isenção”. G. Se o legislador pretendesse que as associações de municípios beneficiassem da isenção que vale para as autarquias locais a que se refere a al. a) do n.º 1 do art. 9.º do CIRC não só não restava espaço para a aplicação da al. b) do mesmo preceito, havendo que considerá-la implicitamente revogada a partir da entrada em vigor da L. n.º 11/2005, como igual conclusão teria de se retirar para qualquer norma constante de qualquer diploma fiscal que previsse, em condições específicas de cada tipo fiscal, isenções para as associações de municípios. H. Revela-se mais razoável e plausível que o legislador tenha querido salvaguardar a aplicação das normas especiais que fixem tratamento especial para as essas associações, preservando o efeito útil destas – assim, a remissão genérica do art. 36.º da L. n.º 11/2003 não prejudica a aplicação de normas especiais, caso da al. b) do n.º 1 do art. 9.º do CIRC. I. No que concerne à aplicação à impugnante da isenção da al. b) do n.º 1 do art. 9.º do CIRC, razão de ser do enquadramento da associação de municípios impugnante como sujeito passivo não isento de IRC que exerce a título principal actividades de natureza comercial e industrial decorre da reconhecida realização de operações económicas por parte da impugnante com carácter empresarial, ie, buscando a melhor combinação dos factores de produção para a percepção de acréscimos patrimoniais, visando obter uma diferença positiva entre os valores do património líquido no início e no fim do período de tributação, que a impugnante destina segundo a gestão dada pela sua administração. J. Relevante, para o caso delineado nos autos, é, então, a natureza e modo de exercício da actividade pela impugnante, que gerou os valores objecto de tributação, pois que ao direito fiscal importa sobretudo a real configuração das situações de facto, a realidade económica, a realidade de facto, conforme estatui, de forma genérica, no n.º 3 do art. 11.º da LGT. K. Sendo certo que a impugnante dispõe de organização comercial e industrial em ordem ao exercício de uma actividade de produção ou troca de bens e serviços que é capaz de gerar rendimentos e, portando de acréscimo patrimonial. L. Daí que a omissão do escopo legal ou estatutário da impugnante de qualquer finalidade lucrativa efeito não assuma relevo excludente, pois que as actividades exercidas pela impugnante são reconhecidamente dirigidas à obtenção [de] sucessivos acréscimos patrimoniais, obtidos pela eficiente combinação de factores de produção, conseguindo não apenas economias de escala, mas “maior rentabilidade”, “redução de custos” e, por isso, aumento de proveitos. M. Tais acréscimos destinam-se a ser aplicados na estrutura produtiva, reduzindo as contribuições financeiras que os Municípios associados têm o dever de prestar, repartindo assim, indirectamente, os proveitos entre esses associados. N. É esse acréscimo patrimonial verificado na associação impugnante em consequência do modo como exerce a sua actividade que determina a sua tributação em IRC. O. A prossecução de finalidades típicas de um serviço público não obsta em si mesma, na perspectiva da Fazenda Pública, ao preenchimento das condições para que a associação de municípios impugnante se constitua em sujeito passivo não isento de IRC, desde que exerça as actividades atribuídas em vista daquela prossecução com natureza empresarial, nos termos do n.º 4 do art. 3.º do CIRC. P. As actividades de tratamento e valorização dos resíduos urbanos sólidos que compõem a parte do objecto da associação impugnante indicada no n.º 1 do art. 2.º dos seus Estatutos podem ter sido estabelecidas em função da satisfação de fins ou interesses da colectividade, podem manifestar a prossecução de um serviço público, Q. mas o modo empresarial através do qual é exercida, em conjunto com as demais, e o resultado lucrativo que, em repetidos exercícios económicos é conseguido, reintegrado em toda a estrutura produtiva, preenche a estatuição da lei fiscal de sujeição e não isenção, e deve determinar a tributação daquela entidade em sede de IRC. R. Posto que a impugnante exerce a sua actividade de modo empresarial, buscando acréscimos patrimoniais entre o início e o fim de cada exercício económico, tem de concluir-se que os seus custos ou gastos, tal como os seus proveitos ou ganhos, fazem parte do apuramento do resultado líquido desse exercício. S. Em face do exposto, a associação aqui impugnante exercendo sua actividade de modo empresarial em vista do contínuo incremento do seu património, aliviando a carga financeira que impende sobre os seus membros, e evidenciando capacidade contributiva, é sujeito passivo não isento de IRC. T. Como tal, a situação da impugnante subsume-se à al. b) do n.º 1 do art. 9.º do CIRC, dado que, no ano fiscal a que respeita a liquidação impugnada, se demonstrou exercer a título principal actividade comercial, industrial ou agrícola com carácter empresarial e escopo lucrativo. U. Adicionalmente, e sem reserva dos fundamentos do presente recurso até aqui expostos, a Fazenda Pública não se conforma com a condenação em custas proferida na sentença recorrida na vertente em que, de modo implícito, e ao abrigo do n.º 7 do art. 6.º do RCP, considera não haver fundamento bastante para dispensar a Fazenda Pública do pagamento do remanescente da taxa de justiça correspondente ao valor da causa superior a € 275.000,00. V. Entende a Fazenda Pública, com respeito por diversa opinião, que se encontram preenchidas todas as condições previstas no art. 6.º do RCP, n.ºs 1 e 7, para a dispensa do pagamento do remanescente, pois a causa não se mostra de decisão especialmente complexa, não houve incidentes, nem má conduta processual das partes. W. Como tal, a Fazenda Pública pugna, com o maior respeito, que a decisão recorrida deve ser alterada quanto às custas, por erro de julgamento, e substituída por outra que dispense a Fazenda do pagamento do remanescente da taxa de justiça na parte devida pelo valor da causa superior a € 275.000,00, nos termos do n.º 7 do art. 6.º do RCP. Termos em que, e nos melhores de direito aplicáveis, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida, com o que se fará inteira JUSTIÇA». 1.3 A Impugnante apresentou contra-alegações, que rematou com conclusões do seguinte teor: «A. Inconformada com a decisão a Fazenda Pública interpôs o presente recurso, a cujas alegações se apresenta agora resposta. B. Entende a recorrida que a decisão de que vem interposto o presente recurso não merece censura, não lhe sendo imputável qualquer erro de julgamento de direito, por a mesma se encontrar em conformidade com as exigências de fundamentação impostas pelo artigo 123.º do CPPT e pelos n.ºs 2 e 3 do artigo 659.º do CPC, ou, bem assim, qualquer nulidade das previstas no artigo 125.º do CPPT e no artigo 668.º do CPC. C. Pelo contrário, a recorrente limitou-se a uma vez mais reiterar aquele que é o seu posicionamento originário – impugnado – face às questões jurídicas suscitadas. D. A Fazenda Pública limitou-se, enfim, a repetir nesta sede, os mesmos dogmas ou preconceitos que já tinha tomado públicos no relatório que fundamenta o acto tributário impugnado, basicamente assentes em falsos pressupostos, num incompreensível desconhecimento da matéria de facto e numa profunda ignorância do alcance das funções e do serviço públicos. E. A respeito da questão central dos presentes autos, a de saber se a LIPOR exerce ou não, a título principal, uma actividade comercial e industrial, o Tribunal a quo não hesita em responder negativamente. E fá-lo com a consciência de que, como consta dos estatutos da Impugnante publicados em Diário da República e não colocado em causa pela AT, o objecto imediato da LIPOR é a reciclagem, valorização, tratamento e aproveitamento final dos resíduos sólidos entregues pelos municípios associados e por outras entidades que a associação venha a admitir, bem como a gestão, manutenção e desenvolvimento das infra-estruturas necessárias para o efeito; assim sendo, a actividade exercida pela LIPOR tratamento e aproveitamento de outros resíduos não perigosos reveste natureza eminentemente dum serviço público – vulgarmente designado de recolha e tratamento de lixo urbano – pois, a circunstância de tal actividade poder ser exercida por privados (o que não é o caso), não retira esse carácter de serviço público (pelo menos, no sentido de utilidade pública). F. Ora, assim não pensa a recorrente, que coloca a noção de “actividade exercida a título principal” no centro das soluções que propõe: todo o Direito a que a recorrente recorre – uma vez estabelecida a sua posição de não aplicação à LIPOR da isenção de IRC – para apurar o lucro tributável e as tributações autónomas da empresa tem esse conceito como pressuposto. G. A tese prosseguida pela recorrente merece, no entanto, alguns esclarecimentos: pela actividade comercial ou industrial (ou, ainda, agrícola) que consubstancia o objecto de uma sociedade comercial entende-se, nos termos do n.º 4 do artigo 3.º do Código do IRC, uma actividade que consista na realização de operações económicas. Depois, de acordo com a Doutrina unânime, por actividade económica entende-se uma actividade que em regra gera lucros distribuíveis pelos sócios (cfr., por todos, JORGE MANUEL COUTINHO DE ABREU, Curso de Direito Comercial, Vol. II – Das Sociedades –, págs. 8 e seguintes). De resto, é o que se recolhe da lei: segundo o artigo 980.º do Código Civil, o “[c]ontrato de sociedade é aquele em que duas ou mais pessoas se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício em comum de certa actividade económica, que não seja de mera fruição, a fim de repartirem os lucros resultantes dessa actividade”. H. Sublinhe-se, neste momento, que, nem nas associações do regime geral (cfr. o artigo 157.º do Código Civil), nem nas associações municipais, o lucro pode ser repartido pelos associados. I. Ora, a noção de “actividade exercida a título principal” tem de ser interpretada por remissão para os conceitos de fim associativo ou ainda, subsidiariamente, de objecto social, e atendendo, mais concretamente, ao entendimento que possamos fazer do que é que são fins ou objectos principais e acessórios. J. Neste ponto, a sentença recorrida é exímia: subjacente ao sentido da decisão do Tribunal está, pois, a caracterização de um determinado fim de uma associação ou objecto de uma sociedade como “principal” dever-se-á fazer por apelo ao critério que melhor conjugue, por um lado, a teleologia – isto é, o propósito, quanto a essa matéria, de quem constituiu a associação ou a sociedade – com, por outro lado, a formalidade – ou seja, a percepção que a comunidade jurídica pode ter de qual é esse objecto a partir dos documentos públicos que garantem a transparência e a segurança do tráfego jurídico. Assim sendo, melhor meio não há para averiguar qual o objecto principal de uma associação ou sociedade do que indagá-lo a nível estatutário. K. E esta tese é, de resto, bem apoiada na Doutrina societária, que vem definindo o objecto da sociedade como a actividade económica de não mera fruição que o sócio ou os sócios se propõem exercer através da sociedade ou propõem que a sociedade exerça (cfr., de novo por todos, JORGE MANUEL COUTINHO DE ABREU, Ob. Cit., págs. 8 e seguintes). Pelo que, então, o objecto principal dessa sociedade (ou o fim principal de uma associação) há-de sempre ser aquele que os sócios (ou os associados) fizeram, em primeira linha, constar expressamente do acto constituinte ou negócio jurídico por excelência expressivo da sua vontade – isto é, os estatutos. L. Ora, de acordo com o n.º 2 do artigo 2.º da Lei 11/2003, as associações de municípios de fins específicos (como a LIPOR) são pessoas colectivas de direito público criadas para a realização de interesses específicos comuns aos municípios que as integram, isto é, interesses exclusivamente de serviço público, não lucrativo ou empresarial. Aliás, do artigo 5.º do mesmo diploma extrai-se a confirmação de que as mesmas não podem exercer (pelo menos a título principal) uma actividade que gere lucros para os associados (os municípios que as integram). As atribuições aí elencadas, enquadradas até pela referência do corpo do n.º 1 a “fins públicos”, nada têm a ver com um qualquer carácter empresarial, constituindo simplesmente atribuições dos próprios municípios, agora levadas a cabo de forma delegada pelas associações. M. É o que acontece no caso concreto, como bem preconiza a sentença de que se recorre: é ao Estado e, mais especificamente, aos municípios – como todos reconhecem – que compete promover e garantir a realização dos serviços básicos de recolha e tratamento dos lixos: não é este um compromisso ou responsabilidade do Estado – dos municípios nos resultados da actividade, mas um verdadeiro “dever que visa garantir sua existência”, o que, aplicado ao caso e à questão sub judice, transforma a actuação de uma associação com aquela natureza numa decorrência daquela responsabilidade de execução, não focalizada num interesse de cariz lucrativo, e já não numa responsabilidade de execução privada (embora de interesse público) de carácter empresarial. N. Por outro lado, qualquer outro critério (de cariz material) para qualificação como principal de um determinado fim associativo ou objecto social seria imprestável. O. Referimo-nos a um critério relativo, por exemplo, à contribuição das receitas respectivas para a globalidade dos resultados da associação ou da empresa ou aos níveis de afectação a esse fim dos recursos da entidade em causa – segundo o qual apenas poderíamos concluir que uma actividade não-lucrativa é a actividade exercida a título principal se as receitas e/ou os níveis de afectação de recursos superassem as receitas e os níveis de afectação às restantes. Um tal critério seria imprestável, desde logo, em abstracto, porque, de novo, não podemos esquecer a natureza das associações de municípios. P. É que, como também se defende na decisão recorrida, uma associação deste tipo dedica-se, exclusiva ou principalmente, à realização, fora da lógica concorrencial, dos serviços de interesse público (não-lucrativos) típicos da actividade municipal (tendo essencialmente como contrapartida financeira o produto das contribuições, transferências, dotações, subsídios ou comparticipações municipais, estatais e comunitárias), para o que necessita, muitas vezes, de recorrer ao exercício de outras actividades, a estas acessórias, como meio de financiamento da actividade principal – é o que acontece no caso concreto! –. Q. Nestes termos, o Tribunal a quo compreendeu (bem) que uma qualquer actividade complementar da associação, a que estejam subjacentes prestações de serviços com escopo lucrativo e uma actuação no mercado, facilmente represente a fatia maioritária dos rendimentos da associação por muito acessória que seja a intencionalidade dos associados na sua prossecução e residuais os meios a ela afectos. Mas o mesmo critério seria imprestável igualmente em concreto. R. Tendo em conta que a actividade acessória da LIPOR se resume à recolha e tratamento de resíduos, bem se percebe também, como já dissemos, que os respectivos (e eventuais) lucros só sejam possíveis porque a LIPOR aproveita todo um know-how e uma estrutura montada para a sua actividade principal de serviço público, assim logrando objectivos de economia de escala que de outra forma nunca conseguiria. S. Ademais, como bem compreendeu o Tribunal a quo, os proveitos resultantes daquela actividade acessória são sempre aplicados no desenvolvimento das condições em que é levada a cabo a actividade principal, muitas vezes até por imposições de Directivas comunitárias e regulamentos do sector. T. É, pois, partindo do princípio de que a LIPOR não exerce uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola a título principal que devemos interpretar a sua situação tributária. U. No fundo, temos que, a título principal, cabe à LIPOR a assunção directa de responsabilidades que relevam imediatamente da prossecução das atribuições dos municípios nela integrados (recolha e tratamento de resíduos) – é esta a destinação do essencial da sua actividade –, assumindo a impugnante a condição de um operador dedicado, isto é, de uma entidade cuja actuação de serviço público e, nessa medida, desinteressada e altruísta, visa em derradeira instância alimentar ou satisfazer as necessidades daqueles municípios no sector específico da gestão de resíduos. V. Sobre o conceito de exercício, a título principal ou meramente acessório, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, deve atender-se ainda ao teor do Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo, em 29.11.2000, no âmbito do processo n.º 025580, de acordo com o qual “I- Podem beneficiar da isenção de IRC prevista na alínea a) do n.º 1 do art. 9.º do CIRC, as pessoas colectivas de utilidade pública que tenham fins predominantemente científicos. II- Podem beneficiar desta isenção pessoas colectivas de utilidade pública que tenham por fins primaciais actividades científicas de qualquer natureza, incluindo de divulgação científica, não se restringindo a isenção às que tenham actividades práticas de investigação científica”. Para concluir desta forma, esclarece aquele Tribunal, com interesse essencial para o presente caso, que “O que é relevante para que se conclua que as pessoas colectivas de utilidade pública visam predominantemente fins científicos, para efeitos da norma em apreço, é que as actividades de natureza comercial ou industrial a que respeita a isenção de IRC, sejam meramente acessórias dos fins científicos, designadamente que os proventos obtidos no seu exercício se destinem a ser utilizados na satisfação desses fins científicos” (o sublinhado é nosso). W. Nestes termos, a AT só pode tributar a LIPOR com base no seu (alegado) lucro tributável se esta prosseguir uma actividade económica a título principal (e não a qual quer outro título – acessório, marginal, residual, isolado), algo que, como vimos, não se verifica. X. As liquidações são, portanto, também por força deste desajustamento entre a natureza da actividade da Impugnante e o Direito aplicado, ilegais. Termos em que deve o presente recurso ser julgado improcedente, por não provado, com todas as consequências legais, designadamente a manutenção, nesta parte, da sentença recorrida». 1.4 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral-Adjunto emitiu parecer do seguinte teor: «[…] 2. No seu recurso a Recorrente suscita a apreciação de duas questões: a) Saber se a sentença incorreu em erro de julgamento na apreciação que fez sobre a questão da sujeição a tributação em sede de IRC da associação intermunicipal “LIPOR - Serviço Intermunicipalizado de Gestão de Resíduos do Grande Porto”, designadamente por se ter considerado beneficiar esta das isenções previstas nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 9.º do CIRC; b) Saber se a sentença incorreu em erro de julgamento ao não dispensar a Fazenda Pública do pagamento da taxa de justiça remanescente, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais. 2.1 Para se decidir pela procedência da acção considerou o tribunal “a quo” que a impugnante sendo uma “associação de municípios é uma entidade equiparada a autarquia local e como tal beneficia da isenção de IRC prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 9.º do CIRC. E por outro lado, a actividade que a impugnante exerce – tratamento e eliminação de outros resíduos não perigosos – reveste natureza eminentemente dum serviço público, pelo que usufrui igualmente da isenção prevista na alínea b) do artigo 9.º do CIRC. 2.2 A primeira questão que se coloca é a de saber se na actividade desenvolvida pela impugnante de “reciclagem, valorização, tratamento e aproveitamento final dos resíduos sólidos”, bem como a “gestão, manutenção e desenvolvimento das infra-estruturas necessárias”, aquela beneficia ou não da isenção de IRC ao abrigo do disposto no artigo 9.º do CIRC, designadamente à luz do disposto nas alíneas a) e b) do seu número 1. Artigo 2.º 1- São sujeitos passivos do IRC:Sujeitos passivos a) As sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, as cooperativas, as empresas públicas e as demais pessoas colectivas de direito público ou privado, com sede ou direcção efectiva em território português; Artigo 3.º 1- O IRC incide sobre:Base do imposto a) O lucro das sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, das cooperativas e das empresas públicas e o das demais pessoas colectivas ou entidades referidas nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo anterior que exerçam, a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola. CAPÍTULO II 1- Estão isentos de IRC:Isenções Artigo 9.º Estado, Regiões Autónomas, autarquias locais, suas associações de direito público e federações e instituições de segurança social a) O Estado, as Regiões Autónomas e as autarquias locais, bem como qualquer dos seus serviços, estabelecimentos e organismos, ainda que personalizados, compreendidos os institutos públicos, com excepção das entidades públicas com natureza empresarial; b) As associações e federações de municípios e as associações de freguesias que não exerçam actividades comerciais, industriais ou agrícolas; Decorre igualmente do n.º 4 do artigo 3.º do CIRC, que «Para efeitos do disposto neste Código, são consideradas de natureza comercial, industrial ou agrícola todas as actividades que consistam na realização de operações económicas de carácter empresarial, incluindo as prestações de serviços». 1.5 Colheram-se os vistos dos Juízes Conselheiros adjuntos. 1.6 Cumpre apreciar e decidir. * * * 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1 DE FACTO A sentença recorrida efectuou o julgamento de facto nos seguintes termos: «Factos Provados: 1. A impugnante foi constituída pelos Municípios de Espinho, Gondomar, Maia, Matosinhos, Porto, Póvoa do Varzim, Vila do Conde e Valongo, através de escritura pública, a 12 de Novembro de 1982 como associação de municípios, tendo sido publicado o seu estatuto no Diário da República a 10 de Dezembro de 1982, Tendo aquele sido alterado a 26 de Março de 2001 (DR III série n.º 284 de 10.12.1982 e n.º 130 de 5.6.2001). 2. É o seguinte o objecto da impugnante (cfr. art. 2.º, dos estatutos referidos em 1.): 3. A Direcção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas emitiu a Informação n.º 1399/2006, relativa ao enquadramento fiscal da impugnante e defendendo a sua tributação em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas – documento n.º 5 da Petição Inicial, junto a fls. 137 e seguintes dos autos, numeração referente ao processo físico; 4. Em sede de Inspecção Tributária, a Impugnante, bem como a actividade por si desenvolvida, foi caracterizada do seguinte modo: “(…) Lipor foi constituída como uma associação de municípios através de escritura datada de 12.11.1982 (...). De acordo com a Lei 11/2003 de 13.05 (que estabelece o regime de criação, o quadro de atribuições e competências das comunidades intermunicipais de direito público e o funcionamento dos seus órgãos), a Lipor é uma associação de municípios de fins específicos, sendo uma pessoa colectiva de direito público, criada para a realização de fins específicos comuns aos municípios que a integram. (...) Dos estatutos da Lipor consta como objecto imediato a reciclagem, valorização, tratamento e aproveitamento final dos resíduos sólidos entregues pelos municípios associados, e por outras entidades que a associação venha a admitir bem como a gestão, manutenção e desenvolvimento das infra-estruturas necessárias para o efeito, (...) a Lipor pode ainda, por si ou associada a terceiros, dedicar-se ao tratamento de outros resíduos sólidos, ao tratamento de resíduos industriais ou hospitalares e à exploração de actividades de natureza energética conexas com o seu objecto” – cf. relatório de inspecção tributária constante de fls. 87 e seguintes dos autos, para o qual se remete e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais; 5. Em 29.10.2008, pelo Serviço de Finanças de Gondomar 2, foi emitida a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, relativa ao exercício de 2004, determinando o imposto a pagar no montante de € 1.487.568,64 – cf. doc. n.º 1 da Petição Inicial, junto a fls. 77 dos autos, numeração do processo físico). 6. Em 11.12.2008 deu entrada neste Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto a Petição Inicial referente à presente Impugnação Judicial – cf. fls. 2 e seguintes dos autos, numeração referente ao processo físico. Factos Não Provados: Inexistem factos não provados com relevância para a decisão a proferir. Motivação: A convicção do tribunal baseou-se nos documentos juntos aos autos conforme se deixou indicado ao longo dos factos provados. * 2.2 DE DIREITO 2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR 2.2.1.1 Na sequência de uma informação (Com cópia de fls. 137 a 145. ) da Direcção de Serviços de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (DSIRC) sobre o enquadramento fiscal da ora Recorrida, que foi constituída como uma associação de municípios, a AT, após diversos considerandos em torno da actividade exercida e da legislação aplicável, concluiu que «uma vez que a LIPOR exerce, a título principal, actividades de natureza comercial e industrial, tal como estas são definidas no n.º 4 do art. 3.º do CIRC, consistindo a sua fonte de rendimentos na realização de operações económicas no âmbito das atribuições dos municípios, não está isenta, nos termos da alínea b) do n.º 1 do art. 9.º do CIRC». 2.2.1.2 A ora Recorrida insurgiu-se contra essa liquidação mediante impugnação judicial, na qual sustentou que está isenta de IRC ao abrigo das disposições conjugadas do art. 36.º da Lei n.º 11/2003, de 13 de Maio, e do art. 9.º, n.º 1, alínea a), do CIRC, considerando que as associações de municípios – como o é a Recorrente –, que são pessoas colectivas de direito público, beneficiam das isenções fiscais que a lei concede às autarquias locais, não lhes sendo aplicável o disposto na alínea b) deste último preceito, que deve ter-se por tacitamente revogado pelo referido art. 36.º do Lei n.º 11/2003. Ou seja, sustentou a ora Recorrida o entendimento de que a alínea b) do n.º 1 do art. 9.º do CIRC não se pode aplicar à sua situação e que «o regime que se deve aplicar à situação ora em análise é o do artigo 36.º da Lei n.º 11/2003, de 13 de Maio, o qual estabelece que as associações de municípios beneficiam das isenções fiscais previstas na lei para as autarquias locais, entre as quais se conta a isenção de IRC, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 9.º do respectivo Código». 2.2.1.3 O Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto julgou a impugnação judicial procedente. Considerou, em síntese, que a Impugnante é uma associação de municípios e, por isso, «equiparada a autarquia local» por força do disposto no art. 36.º da Lei n.º 11/2003, de 13 de Maio, o que, a seu ver, significa que beneficia da isenção de IRC prevista na alínea a) do n.º 1 do art. 9.º do CIRC. Mais considerou que, «se se entender que a remissão da Lei n.º 11/2003, de 13 de Maio é realizada para os termos previstos na alínea b)» do mesmo art. 9.º, n.º 1, do CIRC, sempre deverá considerar-se que a Impugnante beneficia da isenção, uma vez que «não se pode concluir que a impugnante exerce uma actividade comercial, industrial ou agrícola». Na verdade, como resulta dos estatutos da Impugnante, a sua actividade, «vulgarmente designada de recolha e tratamento de lixo urbano», «reveste natureza eminentemente dum serviço público», natureza que não lhe é retirada pela «circunstância de tal actividade poder ser exercida por privados». Assim, porque a Impugnante, com a sua actividade, prossegue «eminentemente um serviço público», «não decorrendo dos factos considerados provados que não afecte todos os rendimentos que obtém à satisfação desse serviço público, não restam dúvidas de que a impugnante sempre usufruiria de isenção à luz do artigo 9.º, [n.º 1,] al. b) do CIRC». 2.2.1.4 A Fazenda Pública discorda da sentença. A seu ver, esta incorreu em erro de julgamento na medida em que entendeu que a Impugnante beneficiava da isenção de IRC prevista no n.º 1 do art. 9.º do CIRC, quer ao abrigo da alínea a) quer ao abrigo da alínea b) do preceito. Por outro lado, considera que a sentença também incorreu em erro de julgamento ao não a ter dispensado do pagamento do remanescente da taxa de justiça, uma vez que se mostram reunidos os pressupostos para o efeito, nos termos dos n.ºs 1 e 7 do art. 6.º do Regulamento das Custas Processuais (RCP). 2.2.2 DA ISENÇÃO DE IRS 2.2.2.1 ISENÇÃO AO ABRIGO DA ALÍNEA A) DO N.º 1 DO ART. 9.º DO CIRC Como deixámos já dito, a ora Recorrida é uma associação de municípios; mais concretamente, é uma associação de municípios de fins específicos, na classificação bipartida consagrada no art. 2.º da Lei n.º 11/2003, de 13 de Maio (ELI: http://data.dre.pt/eli/lei/11/2003/05/13/p/dre/pt/html.), de acordo com o disposto nos seus n.ºs 1, alínea b) e 4. 2.2.2.2 ISENÇÃO AO ABRIGO DA ALÍNEA B) DO N.º 1 DO ART. 9.º DO CIRC A sentença considerou também que a ora Recorrida beneficiava da isenção de IRC ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do art. 9.º do CIRC. Na verdade, ao invés de enquadrar a situação numa ou noutra das duas alíneas do n.º 1 do art. 9.º do CIRC, a sentença optou por considerar que «independentemente da situação retratada recair sobre a alínea a) ou b), a mesma encontra-se sempre abrangida pela isenção». 2.2.3 DA DISPENSA DO REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA Sustenta também a Recorrente que a sentença fez errado julgamento quando não dispensou o pagamento do remanescente da taxa de justiça. 2.2.4 CONCLUSÕES Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões: * * * 3. DECISÃO Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo, em conferência, acordam em conceder provimento ao recurso, anular a decisão recorrida e ordenar que os autos regressem à 1.ª instância, a fim de aí ser proferida nova sentença, após a fixação da matéria de facto pertinente. Custas pela Recorrida, dispensando-se o pagamento do remanescente da taxa de justiça, atento o facto de existir já jurisprudência sobre a matéria, circunstância que pode integrar o conceito legal de menor complexidade da causa, e uma vez que o comportamento processual das partes a tal não obsta (cf. art. 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, aplicável ex vi do art. 281.º do CPPT, e art. 6.º, n.º 7 do RCP). * Lisboa, 9 de Dezembro de 2021.- Francisco António Pedrosa de Areal Rothes (relator) – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia – Gustavo André Simões Lopes Courinha. |