Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 0901/11.0BEALM 0692/17 |
Data do Acordão: | 02/20/2019 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | ANA PAULA LOBO |
Descritores: | PRIMADO DO DIREITO COMUNITÁRIO |
Sumário: | I - Por imperativo constitucional as disposições do Tratado que rege a União Europeia prevalecem sobre as normas de direito ordinário nacional, nos termos definidos pelos órgãos de direito da União, desde que respeitem os princípios fundamentais do Estado de direito democrático. Nos termos do art. 8.º, n.º 4, da CRP «as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático». II - Tendo Portugal competência para legislar quanto ao imposto sobre o rendimento, por tal não ser matéria de competência exclusiva da EU, não pode incluir nessa regulamentação normas que, em concreto, sejam violadoras dos Tratados, na interpretação que deles faça, como fez, o Tribunal de Justiça da EU. III - O acto impugnado, que aplicou o referido art. 43.º, n.º 2 do CIRS, incompatível com o referido art. 56.º do Tratado que instituiu a Comunidade Europeia, enferma de vício de violação deste último normativo, o que consubstancia ilegalidade, que justifica a sua anulação (artº 135.º do Código de Procedimento Administrativo). |
Nº Convencional: | JSTA000P24251 |
Nº do Documento: | SA2201902200901/11 |
Data de Entrada: | 06/14/2017 |
Recorrente: | AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA |
Recorrido 1: | A... E B... |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | RECURSO JURISDICIONAL DECISÃO RECORRIDA – Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada . de 9 de Março de 2017 Julgou a impugnação parcialmente procedente e consequentemente determinou a anulação da tributação de 50% das mais-valias. Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: A Representante da Fazenda Pública veio interpor o presente recurso da sentença supramencionada, proferida no processo impugnação judicial instaurado por A…………… e B……………., contra o acto de liquidação de IRS com o n.º 20115004978580, no montante de 24.643,78 €, e a liquidação/compensação com o n.º 20115005104736, no montante de 1.063,24 €, referentes ao exercício de 2010 tendo, para esse efeito formulado, a final da sua alegação, as seguintes conclusões: 1. Na douta Sentença ora recorrida, o Tribunal "a quo" julgou procedente a Impugnação Judicial no concernente à questão da tributação das mais-valias em 100%, para os não residentes, em contraposição com a tributação de 50%, para os residentes e que se encontra prevista no nº 2 do art. 43º do CIRS; 2. E assim determinando a anulação das anteditas liquidações em 50%, por violação do primado do direito comunitário decorrente da incompatibilidade do art. 43º, nº 2 do CIRS, com o art. 63º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia; 3. Decisão com a qual, salvo o devido respeito, que é muito, a Fazenda Pública não concorda; 4. Desde logo, porque o imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) sujeita, em regra (com excepção das taxas liberatórias e taxas especiais), o rendimento global dos contribuintes a uma única taxa de tributação, que é uma consequência da sua característica de imposto único; 5. Na verdade, o art. 13.º, do CIRS, delimita a incidência pessoal do imposto, considerando que ficam sujeitas a IRS as pessoas singulares que residam em território português e as que, nele não residindo, aqui obtenham rendimentos; 6. Com efeito, o âmbito da sujeição do imposto, está previsto nos n.ºs 1 e 2 do Art. 15.º, do CIRS, pelo que sendo as pessoas residentes em território português, o IRS incide sobre a totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora desse território (obrigação de âmbito pessoal) e tratando-se de não residentes, o IRS incide unicamente sobre os rendimentos obtidos em território português - obrigação de âmbito real; 7. Sendo que, as taxas do IRS classificam-se em normais e progressivas (art. 68.º do CIRS) e em especiais e proporcionais - arts. 71.º e 72.º do CIRS; Daí: 8. - As taxas normais serem progressivas, aumentando na medida que aumenta a matéria colectável, pelo que funcionam por escalões e aproximam o imposto da sua finalidade redistributiva (equidade) e 9. - As taxas especiais proporcionais, dado se manterem constantes, independentemente do montante da matéria colectável; 10. A taxa especial de 25% (n.º 1 do Art. 72.º do CIRS) é aplicável às mais-valias e outros rendimentos auferidos por não residentes em território português que não sejam imputáveis a estabelecimento estável nele situado e que não sejam sujeitos a retenção na fonte às taxas liberatórias, salvo o disposto no n.º 4; 11. O acto tributário, ora impugnado, resultou da aplicação, pela AT, do disposto no n.º 2 do Art. 43.º, do CIRS, em que o saldo apurado entre as mais-valias e as menos valias respeitantes às transmissões efectuadas, por residentes, previstas na alínea a), do n.º 1 do Art. 10.º, positivo ou negativo, é apenas considerado em 50% do seu valor; 12. Respeitando o caso sub judice, a uma mais-valia realizada por um Sujeito Passivo que, ao que se apurou, não residia em Portugal, já que, os ora Impugnantes, são residentes na Bélgica. 13. E sendo-o, essa mais-valia, não pôde ser considerada apenas em 50% do seu valor, mas sim pela sua totalidade, interpretação que se infere da referida norma legal a contrario sensu; 14. Daí a AT entender que a norma legal não viola nem discrimina os direitos dos não residentes, por contraposição aos residentes em Portugal, ao invés do propugnado pelos ora Impugnantes, porquanto os Estados-Membros da União Europeia, em matéria de impostos directos (IRS), têm competência para legislar e exercer a sua jurisdição fiscal, de conformidade com as leis tributárias vigentes no seu ordenamento jurídico-tributário, que, no caso de Portugal, se rege pelo estatuído na alínea i), do n.º 1, do art. 165.º, da CRP - Reserva de Lei da Assembleia da República em matéria fiscal; 15. Assim sendo, salvo o devido respeito, que é muito, tais matérias não se encontram incluídas na esfera de competências da Comunidade, mas sim nas competências próprias de cada Estado-Membro, que embora tenham que respeitar o direito comunitário, têm ainda como limite principal à sua soberania fiscal, os chamados acordos de dupla tributação que mais não visam que eliminar a dupla tributação internacional e evitar a fraude e a evasão fiscais; 16. Assim, em nossa modesta opinião, a lei tributária portuguesa não é discriminatória no tratamento fiscal dado aos residentes e não residentes em Portugal; 17. Apenas delimitou que um sujeito passivo, residente, é tributado pela totalidade dos rendimentos auferidos em Portugal e fora de Portugal, enquanto um sujeito passivo, não residente, apenas é tributado pelos rendimentos obtidos em território português; 18. Tudo conforme o n.º 1, do Art. 13.º, do CIRS, conjugado com os n.ºs 1 e 2 do art. 15.º, do mesmo Código; 19. Assim, salvo o devido respeito, e ao invés do propugnado pelos Impugnantes, o disposto nos artigos 12.º, 18.º, 39.º, 43.º e 56.º do Tratado que institui a Comunidade Europeia, não foi violado pela aplicação do n.º 2, do Art. 43.º, do CIRS, ao caso sub judice, porque a limitação da incidência de imposto a 50% das mais-valias realizadas por residentes em Portugal, não origina qualquer discriminação entre os cidadãos nacionais, em razão da sua residência; 20. Isto porque não se pode tributar da mesma forma duas situações diferentes, tanto mais que idêntico regime está instituído relativamente à tributação liberatória por retenção na fonte dos não residentes por contraposição aos residentes, nas categorias B e E - Rendimentos empresariais e de capitais; 21. Ou seja, tal como decorre do n.º 6, do art. 71.º, do CIRS, a tributação liberatória impõe-se aos não residentes - Redacção dada pela Lei n.º 3-B/2010-28/04; 22. Assim sendo, o acto tributário de liquidação é legal porque de conformidade com as leis tributárias vigentes no ordenamento jurídico-tributário português; 23. Razão pela qual, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser a douta Sentença, ora recorrida, revogada e substituída por douto Acórdão que considere que o valor dessa mais-valia não pode ser considerada apenas em 50% do seu valor, mas sim pela sua totalidade, interpretação que se infere da referida norma legal, a contrario sensu; 24. Termos em que, ao decidir como decidiu, violou, a douta Sentença, o disposto no artigo 43.º n.º 2 do CIRS, a contrario sensu; Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, requer-se a V.as Ex.as, se dignem julgar PROCEDENTE o presente recurso, por provado e, em consequência, ser a douta Sentença ora recorrida, revogada e substituída por douto Acórdão que julgue improcedente a presente Impugnação, tudo com as devidas e legais consequências, assim se fazendo a costumada Pelos impugnantes foram apresentadas contra-alegações, em suporte da decisão recorrida que encerram com as seguintes conclusões: 1. Da Douta Sentença recorrida, que julgou parcialmente procedente a Impugnação supra melhor identificada, resulta a anulação de 50% da tributação em sede de mais-valias imobiliárias. 2. Estão assim em causa as liquidações número 20115004978580, no valor de € 24.643,78 (vinte e quatro mil, seiscentos e quarenta e três euros e setenta e oito cêntimos) e a liquidação/compensação número 20115005104736 no valor de € 1.063,24 (mil e sessenta e três euros e vinte e quatro cêntimos). 3. As quais tiveram origem no apuramento de rendimentos, considerando os Impugnantes como não residentes, afastando-os da aplicação do número 2 do artigo 43.º do CIRS e, bem assim, da aplicação da taxa liberatória autónoma de 25%, consignada no número 1 do artigo 72.º do mesmo CIRS. 4. Tal entendimento da Autoridade Tributária configura uma descriminação negativa, já que aos residentes apenas é exigido o pagamento de mais-valias sobre 50% das mesmas, ex vi n.º 2 do artigo 43.º do CIRE, enquanto que aos não residentes é exigida sobre a totalidade daquelas mais-valias. 5. A Douta Sentença do Tribunal a quo é no sentido de julgar parcialmente procedente a Impugnação, promovendo a anulação da tributação em 50% no que concerne às mais-valias. 6. Sobre o objecto do recurso cabe aqui aderir à fundamentação da Douta Sentença recorrida, suportada em jurisprudência desse Tribunal Superior e com referências incisivas a Acórdãos do Tribunal de Justiça da União Europeia. 7. Não está aqui em causa a apreciação da taxa aplicada de 25% mas, tão-somente, à forma como é calculado o rendimento sobre o qual essa taxa incide, já que o que foi impugnado e julgado procedente pela Douta Sentença recorrida, foi a violação da Lei por incompatibilidade entre o n.º 2 do artigo 43.º do CIRS e o artigo 56.º do Tratado que institui a Comunidade Europeia. **** Questão objecto de recurso:1 – Aplicação do disposto no n.º 2 do Art. 43.º, do CIRS, a não residentes. O acto tributário, aqui em discussão, resultou da aplicação, pela Autoridade Tributária, do disposto no n.º 2 do Art. 43.º, do CIRS, em que o saldo apurado entre as mais-valias e as menos valias respeitantes às transmissões efectuadas, por residentes, previstas na alínea a), do n.º 1 do Art. 10.º, positivo ou negativo, é apenas considerado em 50% do seu valor, daí resultando que tal redução não se aplica quando estejam em causa, como aqui acontece, não residentes. Com efeito, está em causa uma mais-valia percebida por dois sujeitos passivos que não residiam em Portugal mas na Bélgica daí que em face daquele dispositivo legal a mesma não pôde ser considerada apenas em 50% do seu valor, mas sim pela sua totalidade, interpretação que se infere da referida norma legal a contrario sensu. A sentença recorrida desconsiderou a aplicação da referida norma com o entendimento de ser ela violadora do direito comunitário na medida em que tributa de forma diferente, e, menos favorável, os cidadãos comunitários não residentes no território nacional por comparação com a tributação que efectuaria aos cidadãos comunitários aqui residentes, assente exclusivamente no seu local de residência. A Autoridade Tributária considera que tal norma legal não viola nem discrimina os direitos dos não residentes, por contraposição aos residentes em Portugal, porquanto os Estados-Membros da União Europeia, em matéria de impostos directos (IRS), têm competência para legislar e exercer a sua jurisdição fiscal, de conformidade com as leis tributárias vigentes no seu ordenamento jurídico-tributário, que, no caso de Portugal, se rege pelo estatuído na alínea i), do n.º 1, do art. 165.º, da CRP - Reserva de Lei da Assembleia da República em matéria fiscal». O art. 56.º do TCE (actual 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia) proíbe todas as restrições aos movimentos de capitais, entre Estados-Membros - são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros -. O TJUE em acórdão de 11/10/2007, proferido no processo C-443/06, declarou que: “O artigo 56.° CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional, como a que está em causa no litígio no processo principal, que sujeita as mais-valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado num Estado-Membro, no caso vertente em Portugal, quando essa alienação é efectuada por um residente noutro Estado-Membro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, em relação a este mesmo tipo de operação, sobre as mais-valias realizadas por um residente do Estado onde está situado esse bem imóvel..”. Seguindo a jurisprudência do TJUE a operação de liquidação de um investimento imobiliário, como a que está em causa neste processo, constitui um movimento de capitais, à face da jurisprudência daquele Tribunal cfr. Acórdão de 16 de Março de 1999, Trummer e Mayer, C-222/97, Colect., p. I-1661, n.º 24., sendo, por isso, abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 56.º do Tratado que instituiu a Comunidade Europeia. Por imperativo constitucional as disposições do Tratado que rege a União Europeia prevalecem sobre as normas de direito ordinário nacional, nos termos definidos pelos órgãos de direito da União, desde que respeitem os princípios fundamentais do Estado de direito democrático. Nos termos do art. 8.º, n.º 4, da CRP «as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático». Tendo Portugal competência para legislar quanto ao imposto sobre o rendimento, por tal não ser matéria de competência exclusiva da EU, não pode incluir nessa regulamentação normas que, em concreto, sejam violadoras dos Tratados, na interpretação que deles faça, como fez, o Tribunal de Justiça da EU. Contrariamente ao alegado pela recorrente, em face do que se expôs apenas pode concluir-se que o acto impugnado, que aplicou o referido art. 43.º, n.º 2 do CIRS, incompatível com o referido art. 56.º do Tratado que instituiu a Comunidade Europeia, enferma de vício de violação deste último normativo, o que consubstancia ilegalidade, que justifica a sua anulação (artº 135.º do Código de Procedimento Administrativo). O Supremo Tribunal Administrativo tem vindo repetidamente a adoptar este entendimento que foi integralmente acolhido pela sentença recorrida que, não enferma, pois, dos vícios que lhe vinham apontados, impondo-se a sua confirmação. Deliberação Termos em que acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida. Custas pela recorrente. (Processado e revisto pela relatora com recurso a meios informáticos (art.º 131º nº 5 do Código de Processo Civil, ex vi artº 2º Código de Procedimento e Processo Tributário). Lisboa, 20 de Fevereiro de 2019. – Ana Paula Lobo (relatora) – Dulce Neto – Ascensão Lopes. |