Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0901/11.0BEALM 0692/17
Data do Acordão:02/20/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANA PAULA LOBO
Descritores:PRIMADO DO DIREITO COMUNITÁRIO
Sumário:I - Por imperativo constitucional as disposições do Tratado que rege a União Europeia prevalecem sobre as normas de direito ordinário nacional, nos termos definidos pelos órgãos de direito da União, desde que respeitem os princípios fundamentais do Estado de direito democrático. Nos termos do art. 8.º, n.º 4, da CRP «as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático».
II - Tendo Portugal competência para legislar quanto ao imposto sobre o rendimento, por tal não ser matéria de competência exclusiva da EU, não pode incluir nessa regulamentação normas que, em concreto, sejam violadoras dos Tratados, na interpretação que deles faça, como fez, o Tribunal de Justiça da EU.
III - O acto impugnado, que aplicou o referido art. 43.º, n.º 2 do CIRS, incompatível com o referido art. 56.º do Tratado que instituiu a Comunidade Europeia, enferma de vício de violação deste último normativo, o que consubstancia ilegalidade, que justifica a sua anulação (artº 135.º do Código de Procedimento Administrativo).
Nº Convencional:JSTA000P24251
Nº do Documento:SA2201902200901/11
Data de Entrada:06/14/2017
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A... E B...
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: RECURSO JURISDICIONAL
DECISÃO RECORRIDA – Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada
. de 9 de Março de 2017

Julgou a impugnação parcialmente procedente e consequentemente determinou a anulação da tributação de 50% das mais-valias.
Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo
Tribunal Administrativo:

A Representante da Fazenda Pública veio interpor o presente recurso da sentença supramencionada, proferida no processo impugnação judicial instaurado por A…………… e B……………., contra o acto de liquidação de IRS com o n.º 20115004978580, no montante de 24.643,78 €, e a liquidação/compensação com o n.º 20115005104736, no montante de 1.063,24 €, referentes ao exercício de 2010 tendo, para esse efeito formulado, a final da sua alegação, as seguintes conclusões:

1. Na douta Sentença ora recorrida, o Tribunal "a quo" julgou procedente a Impugnação Judicial no concernente à questão da tributação das mais-valias em 100%, para os não residentes, em contraposição com a tributação de 50%, para os residentes e que se encontra prevista no nº 2 do art. 43º do CIRS;

2. E assim determinando a anulação das anteditas liquidações em 50%, por violação do primado do direito comunitário decorrente da incompatibilidade do art. 43º, nº 2 do CIRS, com o art. 63º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia;

3. Decisão com a qual, salvo o devido respeito, que é muito, a Fazenda Pública não concorda;

4. Desde logo, porque o imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) sujeita, em regra (com excepção das taxas liberatórias e taxas especiais), o rendimento global dos contribuintes a uma única taxa de tributação, que é uma consequência da sua característica de imposto único;

5. Na verdade, o art. 13.º, do CIRS, delimita a incidência pessoal do imposto, considerando que ficam sujeitas a IRS as pessoas singulares que residam em território português e as que, nele não residindo, aqui obtenham rendimentos;

6. Com efeito, o âmbito da sujeição do imposto, está previsto nos n.ºs 1 e 2 do Art. 15.º, do CIRS, pelo que sendo as pessoas residentes em território português, o IRS incide sobre a totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora desse território (obrigação de âmbito pessoal) e tratando-se de não residentes, o IRS incide unicamente sobre os rendimentos obtidos em território português - obrigação de âmbito real;

7. Sendo que, as taxas do IRS classificam-se em normais e progressivas (art. 68.º do CIRS) e em especiais e proporcionais - arts. 71.º e 72.º do CIRS;

Daí:
8. - As taxas normais serem progressivas, aumentando na medida que aumenta a matéria colectável, pelo que funcionam por escalões e aproximam o imposto da sua finalidade redistributiva (equidade) e

9. - As taxas especiais proporcionais, dado se manterem constantes, independentemente do montante da matéria colectável;

10. A taxa especial de 25% (n.º 1 do Art. 72.º do CIRS) é aplicável às mais-valias e outros rendimentos auferidos por não residentes em território português que não sejam imputáveis a estabelecimento estável nele situado e que não sejam sujeitos a retenção na fonte às taxas liberatórias, salvo o disposto no n.º 4;

11. O acto tributário, ora impugnado, resultou da aplicação, pela AT, do disposto no n.º 2 do Art. 43.º, do CIRS, em que o saldo apurado entre as mais-valias e as menos valias respeitantes às transmissões efectuadas, por residentes, previstas na alínea a), do n.º 1 do Art. 10.º, positivo ou negativo, é apenas considerado em 50% do seu valor;

12. Respeitando o caso sub judice, a uma mais-valia realizada por um Sujeito Passivo que, ao que se apurou, não residia em Portugal, já que, os ora Impugnantes, são residentes na Bélgica.

13. E sendo-o, essa mais-valia, não pôde ser considerada apenas em 50% do seu valor, mas sim pela sua totalidade, interpretação que se infere da referida norma legal a contrario sensu;

14. Daí a AT entender que a norma legal não viola nem discrimina os direitos dos não residentes, por contraposição aos residentes em Portugal, ao invés do propugnado pelos ora Impugnantes, porquanto os Estados-Membros da União Europeia, em matéria de impostos directos (IRS), têm competência para legislar e exercer a sua jurisdição fiscal, de conformidade com as leis tributárias vigentes no seu ordenamento jurídico-tributário, que, no caso de Portugal, se rege pelo estatuído na alínea i), do n.º 1, do art. 165.º, da CRP - Reserva de Lei da Assembleia da República em matéria fiscal;

15. Assim sendo, salvo o devido respeito, que é muito, tais matérias não se encontram incluídas na esfera de competências da Comunidade, mas sim nas competências próprias de cada Estado-Membro, que embora tenham que respeitar o direito comunitário, têm ainda como limite principal à sua soberania fiscal, os chamados acordos de dupla tributação que mais não visam que eliminar a dupla tributação internacional e evitar a fraude e a evasão fiscais;
16. Assim, em nossa modesta opinião, a lei tributária portuguesa não é discriminatória no tratamento fiscal dado aos residentes e não residentes em Portugal;

17. Apenas delimitou que um sujeito passivo, residente, é tributado pela totalidade dos rendimentos auferidos em Portugal e fora de Portugal, enquanto um sujeito passivo, não residente, apenas é tributado pelos rendimentos obtidos em território português;

18. Tudo conforme o n.º 1, do Art. 13.º, do CIRS, conjugado com os n.ºs 1 e 2 do art. 15.º, do mesmo Código;
19. Assim, salvo o devido respeito, e ao invés do propugnado pelos Impugnantes, o disposto nos artigos 12.º, 18.º, 39.º, 43.º e 56.º do Tratado que institui a Comunidade Europeia, não foi violado pela aplicação do n.º 2, do Art. 43.º, do CIRS, ao caso sub judice, porque a limitação da incidência de imposto a 50% das mais-valias realizadas por residentes em Portugal, não origina qualquer discriminação entre os cidadãos nacionais, em razão da sua residência;

20. Isto porque não se pode tributar da mesma forma duas situações diferentes, tanto mais que idêntico regime está instituído relativamente à tributação liberatória por retenção na fonte dos não residentes por contraposição aos residentes, nas categorias B e E - Rendimentos empresariais e de capitais;

21. Ou seja, tal como decorre do n.º 6, do art. 71.º, do CIRS, a tributação liberatória impõe-se aos não residentes - Redacção dada pela Lei n.º 3-B/2010-28/04;

22. Assim sendo, o acto tributário de liquidação é legal porque de conformidade com as leis tributárias vigentes no ordenamento jurídico-tributário português;

23. Razão pela qual, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser a douta Sentença, ora recorrida, revogada e substituída por douto Acórdão que considere que o valor dessa mais-valia não pode ser considerada apenas em 50% do seu valor, mas sim pela sua totalidade, interpretação que se infere da referida norma legal, a contrario sensu;

24. Termos em que, ao decidir como decidiu, violou, a douta Sentença, o disposto no artigo 43.º n.º 2 do CIRS, a contrario sensu;
Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, requer-se a V.as Ex.as, se dignem julgar PROCEDENTE o presente recurso, por provado e, em consequência, ser a douta Sentença ora recorrida, revogada e substituída por douto Acórdão que julgue improcedente a presente Impugnação, tudo com as devidas e legais consequências, assim se fazendo a costumada

Pelos impugnantes foram apresentadas contra-alegações, em suporte da decisão recorrida que encerram com as seguintes conclusões:
1. Da Douta Sentença recorrida, que julgou parcialmente procedente a Impugnação supra melhor identificada, resulta a anulação de 50% da tributação em sede de mais-valias imobiliárias.

2. Estão assim em causa as liquidações número 20115004978580, no valor de € 24.643,78 (vinte e quatro mil, seiscentos e quarenta e três euros e setenta e oito cêntimos) e a liquidação/compensação número 20115005104736 no valor de € 1.063,24 (mil e sessenta e três euros e vinte e quatro cêntimos).

3. As quais tiveram origem no apuramento de rendimentos, considerando os Impugnantes como não residentes, afastando-os da aplicação do número 2 do artigo 43.º do CIRS e, bem assim, da aplicação da taxa liberatória autónoma de 25%, consignada no número 1 do artigo 72.º do mesmo CIRS.

4. Tal entendimento da Autoridade Tributária configura uma descriminação negativa, já que aos residentes apenas é exigido o pagamento de mais-valias sobre 50% das mesmas, ex vi n.º 2 do artigo 43.º do CIRE, enquanto que aos não residentes é exigida sobre a totalidade daquelas mais-valias.


5. A Douta Sentença do Tribunal a quo é no sentido de julgar parcialmente procedente a Impugnação, promovendo a anulação da tributação em 50% no que concerne às mais-valias.


6. Sobre o objecto do recurso cabe aqui aderir à fundamentação da Douta Sentença recorrida, suportada em jurisprudência desse Tribunal Superior e com referências incisivas a Acórdãos do Tribunal de Justiça da União Europeia.

7. Não está aqui em causa a apreciação da taxa aplicada de 25% mas, tão-somente, à forma como é calculado o rendimento sobre o qual essa taxa incide, já que o que foi impugnado e julgado procedente pela Douta Sentença recorrida, foi a violação da Lei por incompatibilidade entre o n.º 2 do artigo 43.º do CIRS e o artigo 56.º do Tratado que institui a Comunidade Europeia.

8. Contrariamente ao alegado pela Recorrente, o disposto no n.° 2 do artigo 43.° do CIRS, que limita a incidência de imposto a 50% às mais-valias realizadas por residentes em Portugal, viola o disposto nos artigos 12.°, 18.°, 39.°, 43.° e 56.° do Tratado que institui a Comunidade Europeia, ao excluir dessa limitação as mais-valias que tenham sido realizadas por um não residente.

9. Questão que foi já apreciada pelo TJUE, no Acórdão Hollmann de 11 de Outubro de 2007, concluindo que o n.º 2 do artigo 43.º do CIRS viola o Tratado sobre o funcionamento da União Europeia, nomeadamente o seu artigo 56.º, actual artigo 63.º, por revestir carácter discriminatório para os não residentes e ser, em consequência, restritivo da liberdade de circulação de capitais.

10. Neste Acórdão, é apreciado não só o caracter discriminatório da norma do n.º 2 do artigo 43.º do CIRE, como também a justificação dada pelo Estado Português para operar tal discriminação, concluindo que, no caso vertido, não opera a aplicação do artigo 58.º do Tratado que institui a Comunidade Europeia, que justificaria essa discriminação.

11. Do mesmo Acórdão, resulta que do referido artigo 56.º CE, se opõe à discriminação que a Autoridade Tributária pretende levar de vencida, não concebendo a aplicação das mais-valias imobiliárias por 50% para os residentes e de 100% para os não residentes, numa clara violação ao princípio desse artigo 56.º.

12. O Estado Português, através da Lei 3-B/2010 de 28-04, instituiu um regime opcional, ex vi n.os 7 e 8 do artigo 72.º do CIRE, com vista à equiparação dos não residentes aos residentes, permitindo àqueles a opção de englobamento dos rendimentos obtidos por mais-valias imobiliárias e, assim, serem tributados em condições similares às dos residentes.

13. Tratando-se de um regime opcional e mantendo-se o regime geral discriminatório, a sua apreciação foi objecto do Acórdão Gielan de 18-03-2010 do TJUE, que veio a manter as anteriores conclusões referidas no Acórdão Hollmann.

14. E no caso sub judice foi a Autoridade Tributária que determinou a forma de tributação, através da correcção da liquidação, não validando os elementos declarados pelos Impugnantes na sua declaração anual de IRS, não dando hipótese do exercício desta opção aos Impugnantes.

15. Mesmo assim, tal regime opcional não vem sanar a discriminação entre as normas do n.º 2 do artigo 43.º do CIRS e o artigo 56.º do Tratado sobre o funcionamento da União Europeia, já que a norma anterior se manteve como geral, apenas sendo criada uma outra opcional.

16. Na verdade, já este STA se pronunciou em situação similar à presente - acórdão de 03-02-2016, Proc. 01172/14 – negando provimento a um recurso e decidindo no sentido de que tributação em sede de mais valias imobiliárias apuradas por um não residente, devem ser consideradas apenas em 50%, evitando assim a situação discriminatória que a Fazenda Pública pretende ver aqui reconhecida.

17. Concluindo que a aplicação do nº 2 do artigo 43 do CIRS, que discrimina negativamente a tributação dos não residentes face aos residentes, é incompatível com o direito comunitário, porque limita os movimentos de capitais que o artigo 56 do Tratado CE consagra.

18. Assim, por tudo o que se deixa exposto, deverá a sentença recorrida manter-se in totum, não merecendo qualquer censura.
Nestes termos e nos mais de Direito, e sem esquecer o Douto suprimento de V. Ex.as, deverá ser mantida a decisão do Tribunal a quo e a consequente anulação da tributação de 50% das mais-valias.

Foi emitido parecer pelo Magistrado do Ministério Público no sentido da improcedência do recurso.

Mostram-se provados, os seguintes factos com relevo para a decisão do presente recurso:
A. Em 12/10/2009 foi emitida pelos ora impugnantes procuração a favor de C………… "a quem concedem poderes para os representar plenamente junto da administração fiscal sem restrições, podendo praticar, requerer e assinar tudo o que se mostre necessário para esse fim." (cfr. fls. 50 do processo administrativo em apenso).

B. Em 12/10/2009 foram entregues documentos em nome dos ora impugnantes para efeitos de alteração dos dados nos registos da administração tributária, constando dos mesmos a indicação de "não residentes" e país de residência "Bélgica" (cfr. teor de fls. 30 e 31 do apenso).

C. Em 14/12/2010 foi outorgada a escritura de compra e venda constando como primeiro outorgante C……….. na qualidade de procurador de B………….. e marido A…………. residentes em Bruxelas, tendo por objecto a fracção autónoma designada pela letra "F" do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua ………., nºs …., ….., ….. e …. da freguesia de ……, concelho de Oeiras, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Oeiras sob o nº 561 e inscrito na matriz sob o artigo 766, sendo o preço de € 230.000,00 (cfr. teor de fls.18/19 do apenso).

D. Em 27/07/2011 foi efectuada a liquidação nº 2011 5004960719 de IRS do ano de 2010 de que resultou o montante a pagar de € 223,94 (cfr. fls. 8 do processo administrativo em apenso).

E. Em 27/07/2011 foi efectuada a liquidação nº 2011 5004978580 de IRS do ano de 2010 de que resultou o montante a pagar de € 24.643,78 (cfr. fls. 9 do processo administrativo em apenso).

F. Em 01/08/2011 foi apresentada uma declaração de rendimentos de IRS de 2010 de substituição, em nome dos ora impugnantes e na qual constam como não residentes, tendo sido apresentado o anexo G com o seguinte teor de fls. fls. 33 do apenso).

G. Em 01/09/2011 foi emitida uma declaração na qual consta que A………… exerce funções no Parlamento Europeu em Bruxelas desde 25/11/2010 (cfr. fls. 31 dos autos e fls. 15 do apenso).

H. Em 01/09/2011 foi emitida uma declaração na qual consta que B………… exerce funções no Parlamento Europeu em Bruxelas desde 01/09/2009 (cfr. fls. 32 dos autos e fls. 16 do apenso).

I. Em 14/09/2011 foi apresentado em nome de A…………. e B………….. reclamação graciosa contra as liquidações nºs 5114899617, 5114960719 e 5534978580 referentes ao ano de 2010 e dado origem ao processo de reclamação graciosa nº 3530201104003217 (cfr. fls. 1 do processo de reclamação graciosa em apenso).

J. Na petição de reclamação graciosa foi mencionado o seguinte:
"… residentes em Square ………., nº …., ….., 1000 Bruxelas, Bélgica, tendo como seu representante fiscal o senhor C………… …" e "1) Em 19 de Fevereiro de 2003, conforme cópia de escritura de compra e venda que se junta, os Reclamantes adquiriram por € 105.000 um apartamento em Algés;
2) Em Outubro de 2009 os Reclamantes foram contratados para trabalhar no Parlamento Europeu em Bruxelas, junta-se cópia de comprovativo dos contratos de trabalho de ambos os Reclamantes;
3) Nessa data e perspectivando-se a contratação por mais de 183 dias ambos os Reclamantes nomearam como seu representante fiscal o Senhor C…………., contribuinte fiscal ……….;
4) Tal verificou-se uma vez que ambos os reclamantes têm contrato de trabalho até 2014;
5) Uma vez que passariam a residir na Bélgica os Reclamantes puseram o seu apartamento à venda para nos termos do Artigo 10º nº 5, alínea a), reinvestir as eventuais mais-valias em imóvel situado em território de outro Estado membro da União Europeia ou do espaço económico europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal. No caso presente na Bélgica.
6) O objectivo da venda do apartamento aonde tinham habitação própria e permanente foi sempre a aquisição de nova habitação própria e permanente;
7) Em 14 de Dezembro de 2010 os reclamantes, através de escritura de compra e venda com intervenção de mediador imobiliário, junta-se cópia dos documentos comprovativos, venderam o seu apartamento por € 230.000.
8) Feita a declaração de IRS de 2010, os reclamantes declararam a compra e a venda e declararam a sua vontade de reinvestir as mais-valias em nova habitação própria e permanente.
9) O pedido de reinvestimento das mais-valias não foi aceite.
10) Não foi aceite porque o artigo 10º nº 5 refere que são excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar;
11) Uma vez que os Reclamantes tinham nomeado representante fiscal e começado a residir na Bélgica tal não foi aceite pelo sistema." (cfr. fls. 5 do apenso).

K. Os ora impugnantes mencionam ainda na petição de reclamação graciosa o seguinte:
"(…) 17) De facto, nos termos do Artigo 43.º n.º 2, o saldo das mais-valias respeitantes às transmissões efectuadas por residentes é apenas considerado em 50% do seu valor. Ora, não sendo os Reclamantes residentes o saldo é considerado a 100%.
18) Por outro lado a taxa aplicável é a do artigo 72.º n.º 1, ou seja, as mais-valias e outros rendimentos auferidos por não residentes em território português que não sejam imputáveis a estabelecimento estável nele situado e que não sejam sujeitos a retenção na fonte às taxas liberatórias são tributados à taxa autónoma de 25%.
19) Os reclamantes são por estas normas, que obstam à livre circulação dos trabalhadores, gravemente prejudicados, apenas por ter aceite o desafio de trabalhar noutro estado membro e aí fixar residência com a sua família.
20) Em suma, a lei é cega e não prevê as especificidades do caso concreto não abrangendo as situações que pretendia abranger.
21) Os reclamantes pedem ao Serviço de Finanças de Setúbal 2 que as especificidades da sua situação sejam atendidas e que as liquidações identificadas sejam corrigidas permitindo o reinvestimento das mais-valias, nos termos do Artigo 10.º n.º 5 alínea a), noutro país da União Europeia, no caso concreto, na Bélgica, aonde passaram por motivos profissionais a ter habitação própria e permanente." (cfr. teor de fls. 6 do apenso).

L. Em 26/09/2011 foi elaborada informação pela Divisão de Justiça Tributária na qual é proposto o indeferimento da reclamação graciosa e considerada como projecto de decisão por despacho de 28/09/2011 (cfr. teor de fls. 35/40 do apenso cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

M. Em 12/10/2011 foi exercido por escrito pelos ora impugnantes o direito de audição prévia sobre o projecto de decisão mencionado na alínea anterior como consta de fls. 42/46 do apenso.

N. Em 17/10/2011 foi exarado despacho pelo Chefe de Divisão, por delegação de competências, com o seguinte teor "Concordo. Considerando a informação dada pelos Serviços, e tendo sido exercido o direito de audição pelo contribuinte, da qual não resultaram elementos novos ao processo, mantem-se a decisão de indeferimento" (cfr. fls. 71/74 do apenso).

O. Em 24/10/2011 foi emitido o ofício nº 12895 dirigido a C…………, na qualidade de representante fiscal dos ora impugnantes, para efeitos de notificação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, tendo sido enviado através de carta registada com aviso de recepção e este sido assinado em 08/11/2011 (cfr. fls. 77/78 do apenso).

P. Em 02/11/2011 foi efectuada a compensação nº 2011 00007030560 de que resultou o montante a pagar de € 1.063,24 como consta do documento de fls. 21 dos autos.

Q. Em 21/11/2011 deu entrada neste tribunal a petição de impugnação judicial de fls. 1/19.

R. Em 2009 o ora impugnante foi para Bruxelas com contrato de trabalho a termo, mantendo a casa de Algés (cfr. depoimentos das testemunhas).

S. Os impugnantes vinham a Portugal, nas férias, nos feriados e com alguma frequência e ficavam sempre na casa de Algés (cfr. depoimentos das testemunhas).

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Questão objecto de recurso:
1 – Aplicação do disposto no n.º 2 do Art. 43.º, do CIRS, a não residentes.


O acto tributário, aqui em discussão, resultou da aplicação, pela Autoridade Tributária, do disposto no n.º 2 do Art. 43.º, do CIRS, em que o saldo apurado entre as mais-valias e as menos valias respeitantes às transmissões efectuadas, por residentes, previstas na alínea a), do n.º 1 do Art. 10.º, positivo ou negativo, é apenas considerado em 50% do seu valor, daí resultando que tal redução não se aplica quando estejam em causa, como aqui acontece, não residentes. Com efeito, está em causa uma mais-valia percebida por dois sujeitos passivos que não residiam em Portugal mas na Bélgica daí que em face daquele dispositivo legal a mesma não pôde ser considerada apenas em 50% do seu valor, mas sim pela sua totalidade, interpretação que se infere da referida norma legal a contrario sensu.
A sentença recorrida desconsiderou a aplicação da referida norma com o entendimento de ser ela violadora do direito comunitário na medida em que tributa de forma diferente, e, menos favorável, os cidadãos comunitários não residentes no território nacional por comparação com a tributação que efectuaria aos cidadãos comunitários aqui residentes, assente exclusivamente no seu local de residência.
A Autoridade Tributária considera que tal norma legal não viola nem discrimina os direitos dos não residentes, por contraposição aos residentes em Portugal, porquanto os Estados-Membros da União Europeia, em matéria de impostos directos (IRS), têm competência para legislar e exercer a sua jurisdição fiscal, de conformidade com as leis tributárias vigentes no seu ordenamento jurídico-tributário, que, no caso de Portugal, se rege pelo estatuído na alínea i), do n.º 1, do art. 165.º, da CRP - Reserva de Lei da Assembleia da República em matéria fiscal».
O art. 56.º do TCE (actual 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia) proíbe todas as restrições aos movimentos de capitais, entre Estados-Membros - são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros -.
O TJUE em acórdão de 11/10/2007, proferido no processo C-443/06, declarou que: “O artigo 56.° CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional, como a que está em causa no litígio no processo principal, que sujeita as mais-valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado num Estado-Membro, no caso vertente em Portugal, quando essa alienação é efectuada por um residente noutro Estado-Membro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, em relação a este mesmo tipo de operação, sobre as mais-valias realizadas por um residente do Estado onde está situado esse bem imóvel..”.
Seguindo a jurisprudência do TJUE a operação de liquidação de um investimento imobiliário, como a que está em causa neste processo, constitui um movimento de capitais, à face da jurisprudência daquele Tribunal cfr. Acórdão de 16 de Março de 1999, Trummer e Mayer, C-222/97, Colect., p. I-1661, n.º 24., sendo, por isso, abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 56.º do Tratado que instituiu a Comunidade Europeia.
Por imperativo constitucional as disposições do Tratado que rege a União Europeia prevalecem sobre as normas de direito ordinário nacional, nos termos definidos pelos órgãos de direito da União, desde que respeitem os princípios fundamentais do Estado de direito democrático. Nos termos do art. 8.º, n.º 4, da CRP «as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático».
Tendo Portugal competência para legislar quanto ao imposto sobre o rendimento, por tal não ser matéria de competência exclusiva da EU, não pode incluir nessa regulamentação normas que, em concreto, sejam violadoras dos Tratados, na interpretação que deles faça, como fez, o Tribunal de Justiça da EU.
Contrariamente ao alegado pela recorrente, em face do que se expôs apenas pode concluir-se que o acto impugnado, que aplicou o referido art. 43.º, n.º 2 do CIRS, incompatível com o referido art. 56.º do Tratado que instituiu a Comunidade Europeia, enferma de vício de violação deste último normativo, o que consubstancia ilegalidade, que justifica a sua anulação (artº 135.º do Código de Procedimento Administrativo).
O Supremo Tribunal Administrativo tem vindo repetidamente a adoptar este entendimento que foi integralmente acolhido pela sentença recorrida que, não enferma, pois, dos vícios que lhe vinham apontados, impondo-se a sua confirmação.

Deliberação

Termos em que acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pela recorrente.

(Processado e revisto pela relatora com recurso a meios informáticos (art.º 131º nº 5 do Código de Processo Civil, ex vi artº 2º Código de Procedimento e Processo Tributário).

Lisboa, 20 de Fevereiro de 2019. – Ana Paula Lobo (relatora) – Dulce Neto – Ascensão Lopes.