Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0341/17.8BECBR
Data do Acordão:09/09/2019
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P24844
Nº do Documento:SA1201909090341/17
Data de Entrada:07/04/2019
Recorrente:A..... E OUTROS, HERDEIROS DE B........
Recorrido 1:CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES, I.P.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:

I. RELATÓRIO

B……... intentou, no TAF de Coimbra, contra Caixa Geral de Aposentações (CGA), acção administrativa especial pedindo a declaração de nulidade do Despacho da Ré, de 9/3/2017, e a condenação desta a conceder-lhe uma pensão de sobrevivência.
Após a sua morte foram habilitados como seus herdeiros os seus filhos …….., ………., ………, ……… e ……...

O TAF julgou a acção procedente e, em consequência, condenou a Ré a pagar à Autora uma pensão de sobrevivência enquanto ascendente a cargo da sua filha B……… subscritora da CGA.

E o TCA Norte, para onde a CGA apelou, concedeu provimento ao recurso.

É desse Acórdão que a herança aberta por óbito da Autora, representada pela cabeça-de-casal, A……., vem recorrer (artigo 150.º/1 do CPTA).

II. MATÉRIA DE FACTO
Os factos provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III. O DIREITO
1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o STA «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto como «válvula de segurança do sistema» para funcionar em situações excepcionais em que haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos, pois, se tais requisitos se verificam in casu socorrendo-nos da matéria de facto seleccionada no Acórdão recorrido.

2. Em 14/9/2016 faleceu B………, filha da Autora, no estado de solteira e sem descendentes, vivendo, ao tempo do seu decesso, em comunhão de mesa e habitação com sua mãe, na casa de que era proprietária, apesar de manter apartamento em Vieira de Leiria onde leccionava e aí permanecer durante a semana no tempo lectivo, auferindo o vencimento correspondente.
A Autora auferia uma pensão de reforma de 263 € e nos últimos dois anos de vida daquela filha frequentou e beneficiou dos serviços de apoio de um “centro de dia” para idosos onde pagava mensalmente 275 €. Foi aquela quem cuidou da Autora na velhice e na doença, comprando os medicamentos necessários e abastecendo a casa dos bens de consumo necessários à sua sobrevivência. Por essa razão, após a morte dessa filha, a Autora solicitou à Ré que lhe concedesse uma pensão de sobrevivência, requerimento que esta indeferiu.
Inconformada, intentou esta acção.

O TAF julgou essa acção procedente com a seguinte fundamentação:
“…
Se é certo que os pressupostos legais da atribuição da pensão de sobrevivência, que coincidem na exigência de que o beneficiário ascendente vivesse “a cargo” do falecido – expressão utilizada quer no artigo 14º do DL nº 322/90 de 18/10, quer no artigo 44º nº 1 do Estatuto das Pensões de Sobrevivência – também o é que, na abordagem deste conceito, existe uma significativa diferença.
Assim, enquanto o Estatuto das Pensões de Sobrevivência, no nº 2 do citado artigo 44º, concretiza absolutamente o que normativamente se haverá de entender, para os efeitos desse artigo, por ascendente a cargo, deixando dito que assim será “quando os seus rendimentos individuais ou, se forem casados, metade dos rendimentos do casal, incluindo retribuições, rendas, pensões e equivalentes, mas excluindo a pensão a que se habilitam nos termos do presente diploma, não ultrapassem metade da remuneração correspondente ao índice 100 da escala salarial do regime geral de remunerações da função pública ou da remuneração mínima do mesmo regime, se for superior”, o artigo 14º fica-se pela menção daquele conceito aberto, não o densificando por modo algum.
Assim, para os casos em que se aplica o “Regime Geral” esse pressuposto legal do direito à pensão de sobrevivência do ascendente reside no que, em objectiva interpretação da norma legal que é o citado artigo 14º, se deva entender por pessoa a cargo de outra.
Assim, e posto que os pressupostos de atribuição da pensão são os do regime geral, há que apreciar se no caso concreto sub judice, isto é, face aos factos provados, a Autora estava a cargo da filha.
........
No juízo do Tribunal, para o Legislador do DL 322/90, ascendente a cargo de uma descendente é aquele cujos rendimentos são insuficientes, nas concretas circunstâncias, para aquele prover ao “trem de vida”, posto que razoável, a que está habituado, quando tal insuficiência é suprida pelo beneficiário com os seus rendimentos.
Ora, provou-se que a Autora nos últimos dois anos, pelo menos, de vida da filha beneficiou do apoio de um centro de dia, para o que eram pagos 275 € mensais, que a sua reforma era de 263 €, que a filha era a proprietária da habitação, que era a filha quem cuidava da mãe na velhice e na doença (naturalmente, salvos os serviços prestados pelo “centro de dia”), comprando os medicamentos e abastecendo a casa dos bens de consumo necessários à sobrevivência da mãe.
Assim, pode concluir-se que a pensão de reforma da Autora era insuficiente para o seu sustento e que era a falecida quem, ao menos principalmente, supria a insuficiência.
.....
Enfim, para efeitos do artigo 14º do DL nº 322/90, aplicável ao caso da Autora, ex vi artigo 6º nºs 1 e 3 da Lei nº 60/2005 de 29/12, a Autora vivia a cargo da filha B……., que era subscritora da Ré desde 1981 e faleceu depois de 31/12/2005, pelo que lhe assiste o direito a auferir, da Ré, uma pensão de sobrevivência de ascendente calculada nos termos daquele nº 1.”

Decisão que o TCAN revogou, julgando a acção improcedente, com o seguinte discurso fundamentador:

A recorrente esgrime que no preenchimento do conceito indeterminado deve ser observado que, tal como definido no referido Despacho 7/SESS/91, de 24 de Janeiro de 1991, “…consideram-se a cargo do beneficiário os ascendentes,...., com rendimentos não superiores ao valor da pensão social ou ao dobro deste valor, se forem casados, desde que convivessem com o beneficiário em comunhão de mesa e habitação.”.
......
A esta luz, tratando de não fazer uma interpretação isolada, antes uma que não perca em vista a unidade do sistema jurídico, entende-se que o critério enunciado pela Administração dá resposta correcta à dita “valoração objectiva e racional de acordo com as concepções dominantes”.
Autorizando que a fasquia de referência para que remete - valor da pensão social (DL nº 460/80, de 13/10) - figure como condição de rendimentos de que depende o direito à pensão de sobrevivência por parte dos ascendentes do falecido, tendo ínsita uma ideia objectivada de insuficiência de recursos.
Tal valor encontra múltipla expressão dentro do quadro legislativo em que se insere a norma em causa, seja, p. ex., a propósito da pensão de viuvez a cônjuge ou pessoa que vivia em união de facto com o pensionista de pensão social falecido, seja na atribuição da pensão de orfandade, no complemento por dependência, nos casos da protecção especial por invalidez, na bonificação do abono de família para crianças e jovens com deficiência, ou no seguro social voluntário.
Também tem correspondência de mesma medida em lugares paralelos em que o legislador pretendeu, em modo similar, assinalar essa insuficiência.
Foi assim que no Regime jurídico de protecção social da eventualidade de desemprego dos trabalhadores por conta de outrem (DL n.º 220/2006, de 03/11), se definiu que “Consideram-se na dependência económica do beneficiário os descendentes ou equiparados, os ascendentes ou equiparados e os afins que não aufiram rendimentos mensais superiores ao valor da pensão social ou ao dobro deste valor se forem casados”.
É assim também que na Lei n.º 98/2009, de 4/09 (Regulamenta o Regime de Reparação de Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais), se considera pessoa “a cargo” do sinistrado o “Ascendente com rendimentos individuais de valor mensal inferior ao valor da pensão social ou que conjuntamente com os do seu cônjuge ou de pessoa que com ele viva em união de facto não exceda o dobro deste valor” (art.º 49º, nº 1, d), da cit. lei).
Pelo que se nos afigura dever tomar por boa a referência do valor da pensão social, ademais critério que confere objectividade e é virtuoso na igualdade que tem em efeito.
À luz do qual, no provimento do recurso e dos concretos dados de facto, a acção terá de improceder.”

3. Como se acaba de ver a única questão que suscita nesta revista é a de saber o que, para efeitos de atribuição de pensão de sobrevivência, se deve entender por pessoa que viva a “cargo do falecido”.
Nessa indagação as instâncias entenderam-se ao qualificarem o referido conceito como sendo um conceito indeterminado mas divergiram ao identificarem os seus elementos integrativos. Daí que o TAF tenha considerado que as condições em que a Autora vivia permitiam que se concluísse que mesma vivia “a cargo” da sua falecida filha e, por isso, julgou a acção procedente e o TCA, partindo da mesma realidade, tivesse chegado a conclusão oposta e tivesse julgado a acção improcedente. Sendo que ambas as decisões se fundaram em discursos jurídicos plausíveis.
É certo que o Acórdão recorrido recorreu a outras disposições legais para densificar o seu conceito de “a cargo do falecido” e que essa metodologia torna mais consistente a sua conclusão mas também o é que esta questão não só é juridicamente relevante como a possibilidade da sua replicação é grande. Acresce que este Supremo nunca foi chamado a analisar esta questão e essa pronúncia é de toda a utilidade não só para a CGA como para a generalidade da comunidade jurídica.
DECISÃO.

Termos em que os Juízes que compõem este Tribunal acordam em admitir a revista.
Sem custas.

Porto, 9 de Setembro de 2019. – Costa Reis (relator) – Madeira dos Santos – São Pedro.