Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0957/16
Data do Acordão:11/23/2016
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
PRESSUPOSTOS
Sumário:I - No recurso de revista excepcional (art. 150º do CPTA), atento o carácter extraordinário do mesmo, não cabe a arguição de nulidades do acórdão recorrido (estas deverão ser arguidas em reclamação para o tribunal recorrido – nº 4 do art. 615º do CPC).
II - Atenta a natureza excepcional deste recurso (quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito), não se verificam os respectivos pressupostos se a questão não apresenta aquela relevância, tendo sido decidida de acordo com o sentido da jurisprudência dos Tribunais Superiores, ou se reconduz a questão de natureza casuística, com contornos próprios e singulares definidos pelo contexto factual e jurídico do caso concreto e das causas de pedir invocadas, nesses limites se contendo, igualmente, o interesse invocado pela recorrente.
Nº Convencional:JSTA000P21188
Nº do Documento:SA2201611230957
Data de Entrada:08/01/2016
Recorrente:A... SA
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na formação a que se refere o nº 1 do art. 150º do CPTA, da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

RELATÓRIO
1.1. A………….., S.A., com os demais sinais dos autos, vem interpor recurso de revista excepcional, nos termos do artigo 150º do CPTA, do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte em 28/01/2016, no processo que aí correu termos sob o n.º 650/07.4BEPNF.

1.2. Termina as alegações formulando as conclusões seguintes:
1º- A Jurisprudência que melhor se aplica à decisão recorrida é a que resulta do Acórdão desse colendo Tribunal proferido no processo 01152/11, de 12.12.2012 que decidiu no sentido de que “em sede de contencioso tributário/processo de impugnação, o julgamento de matéria de facto e o julgamento de direito estão cometidos ao Juiz que profere a sentença”;
2º- A sentença foi proferida em primeiro grau de decisão e julgamento pela Juíza do TAF Penafiel pelo que, deveria ter sido neste Tribunal, e pela mesma Juíza, que se deveria ter dado cumprimento ao Acórdão do TCA Norte de 14.07.2011, de ampliar a matéria de facto e decidir em conformidade;
3º- Ao ter-se subtraído ao conhecimento daquela Senhora Juíza o Acórdão do TCA Norte de 14.07.2011, incorreu-se em violação do princípio do Juiz natural e o princípio da plenitude da assistência dos Juízes;
4º- O facto da Recorrente ter recorrido da sentença violadora dos princípios do juiz natural e o princípio da plenitude da assistência dos Juízes, não invocando aí a violação destes princípios, não afeta o conhecimento desse colendo Tribunal, uma vez que compete ao Tribunal conhecer oficiosamente das nulidades que afetam a prática dos atos que a Lei não admite como são a violação do princípio do juiz natural, e o princípio da plenitude de assistência dos juízes e de que cabe agora conhecer;
5º- O Acórdão recorrido ao não estar subscrito por nenhum dos Exmos. Juízes Desembargadores que subscreveram o Acórdão, daquele mesmo tribunal de 14.07.2011, está igualmente abrangido pela Jurisprudência desse mesmo colendo Tribunal de Revista quando decidiu no sentido de que “o princípio da plenitude da assistência dos Juízes estabelecida no artigo 654º - hoje 605º do CPC, só tem aplicabilidade para a decisão sobre a matéria de facto, sendo que,
6º- Tendo o TCA Norte poderes de recurso em que lhe cabe apreciar e reexaminar a matéria de facto com vista à sua alteração, embora não julgar de facto, caberia aqueles Senhores Juízes Desembargadores apreciar e decidir o recurso que já antes lhe havia sido submetido à sua apreciação;
7º- O Acórdão recorrido incorreu igualmente em violação de caso julgado, porquanto se pronunciou e decidiu sobre matéria que havia transitado em julgado pelo Acórdão do TCA Norte de 14.07.2011, relativamente às situações dos fornecedores “B…………….., Lda” e “C……………, Lda” e “D………………”, as quais não foram postas em causa por aquele Tribunal;
8º- Foram violados, entre outros, os artigos 32º, nº 9 e 268º, nº 4 da CRP e arts. 605º e 621º do CPC.
Termina pedindo que seja julgada procedente a revista, anulando-se o acórdão recorrido do TCA Norte.

1.3. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.4. O Ministério Público emite Parecer, nos termos seguintes:
«Recurso de revista interposto por A………….., S.A., sendo recorrida a representante da Fazenda Pública:
Apesar de não expressamente previsto no C.P.P.T., não é excluir que o legislador do E.T.A.F. tenha pretendido que fosse consagrado nesse domínio um recurso semelhante ao de revista previsto no art. 150.º do C.P.T.A..
Assim, a apreciação preliminar do recurso interposto cabe à formação prevista no n.º 6 do art. 150.º do C.P.T.A., adaptando o aí previsto à Secção do Contencioso Tributário.
Invocando a recorrente em fundamento do mesmo ter ocorrido violação de lei processual, quanto à violação do princípio do juiz natural e da plenitude da assistência dos Juízes previsto no art. 605.º do C.P.C., bem como ainda a violação de caso julgado não corresponde tal a “questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental” ou que “seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”, conforme especialmente previsto no art. 150.º n.º 1 do C.P.T.A..
Com efeito, segundo a jurisprudência do S.T.A. citada pela recorrente a respeito da aplicação subsidiária do dito art. 605.º, foi entendido que o mesmo comporta exceções em processo tributário, como é o caso dos juízes inseridos em equipa especial de juízes constituído para a reparação de atrasos nos tribunais tributários, bem como que o dito princípio se encontra atenuado, não se impondo que sejam os mesmos juízes Desembargadores que lavraram o acórdão recorrido que tivessem lavrado o novo acórdão que foi proferido pelo T.C.A. Norte.
Por outro lado, face aos termos amplos em que a matéria de facto foi mandada ampliar no dito primeiro acórdão, referindo-se não estar a mesma devidamente fixada, tendo-se de se expurgar a assente daquela que apenas aparentemente o é, e, ainda, eliminando-se factos contraditórios ou outros que dados como provados de forma deficiente, referindo-se alguns exemplificativamente, não resulta claramente necessário que se tenha de conhecer também da violação do caso julgado.
Concluindo:
A apreciação preliminar do recurso interposto cabe à formação prevista no n.º 6 do art. 150.º do C.P.T.A., adaptando o aí previsto à Secção do Contencioso Tributário.
Parece que, não sendo de admitir o recurso interposto, é de o julgar findo.»

1.5. Corridos os vistos legais, cabe decidir.

FUNDAMENTOS
2. Nos termos do disposto no nº 6 do art. 663º do CPC, aplicável por força do art. 679º do mesmo Código, remete-se para a matéria de facto constante do acórdão recorrido (fls. 344v./348v.)

3.1. Por sentença proferida no TAF do Porto foi julgada parcialmente procedente a impugnação judicial das liquidações adicionais de IVA e respectivos juros compensatórios, referentes aos exercícios de 2003, 2004 e 2005, no montante de 2.138.720,22 euros.
Dessa sentença interpuseram recurso para o TCA Norte:
— a impugnante (na parte em que decaiu), invocando nulidade da sentença, por falta de análise crítica da prova, e erro de facto (por errada valoração da prova produzida) e erro de direito [por violação do disposto na al. c) do nº 1 do art. 2º, da al. b) do art. 19º e da al. a) do nº 1 do art. 20º do CIVA, bem como do art. 78º da LGT] por não estarem verificados os pressupostos legais para que a AT procedesse às correcções técnicas que a levaram a não aceitar as deduções de IVA efectuadas pela impugnante, bem como por o Tribunal, desrespeitando o anterior acórdão do TCAN proferido nos autos em 14/7/2011, não ter ampliado a matéria de facto de forma bastante e de molde a apreciar os factos alegados pela impugnante sobre a capacidade dos subempreiteiros, os custos ou encargos suportados necessários à realização da obra e a concordância ou não dos cronogramas dos trabalhos com o cronograma financeiro, deixando, assim, de se pronunciar sobre essas questões;
— a Fazenda Pública (na parte relativa às correcções efectuadas ao IVA deduzido referente às facturas emitidas pelo fornecedor E………….., Lda.), invocando erro de julgamento de facto, por errada apreciação da matéria de facto e erro quanto às regras de repartição do ónus de prova.
Por acórdão de 28/1/2016 (fls. 341/364), foi negado provimento ao recurso interposto pela impugnante A………….., S.A. e foi dado provimento ao recurso interposto pela Fazenda Pública (tendo sido revogada a sentença no segmento recorrido e julgada, consequentemente, improcedente a impugnação das liquidações emergentes das correcções efectuadas relativas às facturas emitidas pela sociedade “E……………, Lda.”).
Em síntese, no que ora releva, o acórdão do TCAN considera o seguinte:
a) Quanto ao recurso interposto pela A…………
Enunciando como questão a decidir, neste âmbito, a de saber se o tribunal recorrido errou ao concluir que a AT fez prova, como lhe competia (nos termos conjugados do nº 1 do art. 74º da LGT e nº 1 do art. 342º do CC), da existência de indícios sérios e consistentes, susceptíveis de permitirem a conclusão de que as facturas contabilizadas pela impugnante não correspondem a reais operações, para que alicerçada nesses factos índice pudesse desconsiderar tais facturas, procedendo à liquidação do IVA considerado indevidamente deduzido, o acórdão recorrido confirmou a argumentação da sentença de 1ª instância, no sentido de que a AT recolheu factos suficientemente indiciadores de que as facturas em causa não titulam operações efectivas, tendo afastado a presunção de veracidade da escrita prevista no art. 75º da LGT. Sendo que, perante o quadro indiciário que suporta a conclusão da AT de que as facturas em causa não se reportam a serviços efectivos, se impunha, então, à impugnante a prova de que adquiriu os serviços e que os mesmos lhe foram prestados pelos emitentes das facturas, prova que não logrou fazer, uma vez que não só a prova testemunhal produzida não foi susceptível de contrariar os indícios de facturação falsa recolhidos pela AT, como também não carreou para os autos qualquer prova documental que lograsse infirmar as conclusões extraídas dos factos índice apurados em sede inspectiva.
E também no que concerne à correcção de IVA relativo às aquisições de várias máquinas ao fornecedor D………….., até atendendo a que este, embora com morada na Grã-Bretanha, não se encontrava aí registado para efeitos de IVA, tendo as máquinas sido transportadas directamente da África do Sul para Moçambique, não podem essas operações ser consideradas aquisições intracomunitárias (al. a) do art. 1º e art. 3º do RITI, e nº1 do art. 1º e nº 1 do art. 6º do CIVA), estando fora do campo de sujeição deste imposto, sendo por isso indevida quer a liquidação efetuada, quer a dedução do IVA. E tendo a impugnante procedido à liquidação nas facturas que titulam tais as operações, mostra-se o imposto liquidado devido, nos termos da alínea c) do nº 1 do art. 2º, conjugado com o nº 2 do art. 26º do CIVA, encontrando-se a correção corretamente efetuada e não ocorrendo violação de legislação comunitária.
a) Quanto ao recurso interposto pela Fazenda Pública, a questão que se coloca é a de saber se o tribunal recorrido errou na apreciação da matéria de facto, e consequentemente, errou ao concluir que a AT não fez prova, como lhe competia, da existência de indícios sérios e consistentes, susceptíveis de permitir a conclusão de que as facturas contabilizadas pela impugnante não correspondem a reais operações.
E face aos indícios recolhidos pela AT não é de aceitar a análise redutora que o tribunal a quo fez da prova carreada para os autos, pois, ainda que tais indícios apreciados isoladamente não fossem susceptíveis de alicerçar a convicção da imaterialidade das operações a que se reportam as facturas desconsideradas, analisada toda a factualidade de forma conjugada e à luz das regras da experiência comum e da lógica, impõe-se a conclusão de que as facturas emitidas pela sociedade E……………, Lda, não correspondem a serviços efectivamente prestados por esta à impugnante. Perante o quadro indiciário recolhido e que suporta a conclusão da AT de que as facturas em causa não se reportam a serviços efectivos (cumprindo, assim, o ónus da prova que, neste ponto, lhe competia) assiste razão à recorrente Fazenda Pública, pois que a impugnação não poderia ter sido julgada procedente neste segmento recorrido.

3.2. A recorrente aponta ao acórdão recorrido ilegalidades por não ter apreciado (ainda que oficiosamente) a (agora) invocada violação dos princípios do juiz natural e da plenitude de assistência dos juízes (art. 605º do CPC), bem como por não ter apreciado questão atinente a uma alegada violação do caso julgado.
a) Quanto à invocada violação dos princípios do juiz natural e da plenitude de assistência dos juízes, sustenta o seguinte:
— É aplicável a jurisprudência resultante do acórdão do STA, de 12/12/2012, no proc. nº 01152/11, no sentido de que “em sede de contencioso tributário/processo de impugnação, o julgamento de matéria de facto e o julgamento de direito estão cometidos ao Juiz que profere a sentença”. E, no caso, tendo a sentença sido proferida em primeiro grau de decisão e julgamento pelo TAF de Penafiel, deveria ter sido neste Tribunal, e pela mesma Juíza, que se deveria ter dado cumprimento ao acórdão do TCA Norte de 14/07/2011, de ampliar a matéria de facto e decidir em conformidade.
— E também o acórdão ora recorrido deveria ter sido subscrito pelos mesmo Juízes Desembargadores que subscreveram aquele primeiro acórdão (de 14/07/2011), visto que, mesmo considerando que “o princípio da plenitude da assistência dos Juízes estabelecido no art. 605º do CPC só tem aplicabilidade para a decisão sobre a matéria de facto, o TCAN tem competência para apreciar e reexaminar a matéria de facto.
— Sendo que o facto de a recorrente ter recorrido da sentença, sem ter invocado aí (junto do TCAN) a violação destes princípios, não afecta o conhecimento dessa questão pelo STA, uma vez que compete ao Tribunal conhecer oficiosamente das nulidades que afectam a prática dos actos que a lei não admite.
b) Quanto à questão da alegada violação do caso julgado, sustenta que, apesar de o anterior acórdão do TCAN (de 14/7/2011) ter anulado a sentença de 1ª instância e remetido os autos ao tribunal recorrido, para ampliação de matéria de facto e decidir em conformidade, os limites dessa ampliação de matéria de facto estavam confinados ao “exame crítico das provas produzidas” pois ao tribunal “ad quem” sobravam dúvidas sobre se o impugnante tinha “logrado demonstrar se as facturas dos emitentes “E………….., Lda.” e “F……………, Lda.” correspondiam a reais transacções (ou seja, o tribunal “ad quem” não manifestara dúvidas quanto à veracidade das facturas emitidas pelos fornecedores “B………….., Lda.” e “C…………… Lda.”, daí que o Tribunal tivesse como limites a ampliação da matéria de facto e o “exame crítico das provas produzidas” para os fornecedores “E……………, Lda.” e F……………, Lda.”.
E o facto de a impugnante ter recorrido, face à nova realidade fáctica, desta posterior decisão do TAF do Porto, sempre caberá ao Tribunal de recurso conhecer oficiosamente das nulidades decorrentes da prática de actos que a lei não permite, pelo que face à nova decisão do TAF do Porto (que extravasa os limites impostos pelo anterior acórdão do TCAN) sempre o novo acórdão (ora recorrido) do TCAN deveria, relativamente a essas questões, ter considerado que tinham transitado em julgado «as decisões relativas aos fornecedores “B……………, Lda.”, “C…………...., Lda.” e “D…………….”».
c) Já quanto aos pressupostos de admissibilidade do recurso limita-se a sustentar (cfr. o segmento final do Ponto I das alegações de recurso), que «A violação da lei processual é fundamento de recurso de revista excepcional que se invoca, nos termos do art. 672º, nº 2, al. a) do CPC, como a seguir se vai demonstrar», alegando especificamente, quanto à primeira questão (cfr. segmento final do Ponto IV das alegações de recurso) que se trata de «questão que se reveste de importância fundamental, cuja apreciação é necessária para uma melhor aplicação do direito, que a ora recorrente invoca por entender que, relativamente ao recurso, colocam em causa a segurança do direito e os interesses tutelados da Impugnante», bem como, quanto à segunda questão, que se trata de matéria «de importância fundamental que, por si só, requer a intervenção desse Supremo Tribunal, por forma a definir o sentido que deve ser dado à decisão do TCA Norte de 14/07.2011, quando no seu Acórdão apreciou e limitou as questões que a Recorrente Fazenda Pública colocou à sua apreciação, ao recorrer da sentença do TAF Penafiel de 12.11.2010» (cfr. segmento final do Ponto III das alegações de recurso).
Vejamos, pois, se, no caso, se verificam os pressupostos de admissão da revista excepcional (nº 1 do art. 150º do CPTA).

3.3. Nos nºs. 1 e 5 deste art. 150º do CPTA dispõe-se o seguinte:
«1 - Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
(…)
5 - A decisão quanto à questão de saber se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do nº 1 compete ao Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser objecto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da Secção de Contencioso Administrativo».

3.4. Interpretando este nº 1, o STA tem vindo a acentuar (e disso dão conta os recorrentes) a excepcionalidade deste recurso (cfr., por exemplo o ac. de 29/6/2011, rec. nº 0569/11) no sentido de que o mesmo «quer pela sua estrutura, quer pelos requisitos que condicionam a sua admissibilidade quer, ainda e principalmente, pela nota de excepcionalidade expressamente estabelecida na lei, não deve ser entendido como um recurso generalizado de revista mas como um recurso que apenas poderá ser admitido num número limitado de casos previstos naquele preceito interpretado a uma luz fortemente restritiva», reconduzindo-se como o próprio legislador sublinha na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nº 92/VII e 93/VIII, a uma “válvula de segurança do sistema” a utilizar apenas e só nos estritos pressupostos que definiu: quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para a melhor aplicação do direito.
Na mesma linha de orientação Mário Aroso de Almeida pondera que «não se pretende generalizar o recurso de revista, com o óbvio inconveniente de dar causa a uma acrescida morosidade na resolução final dos litígios», cabendo ao STA «dosear a sua intervenção, por forma a permitir que esta via funcione como uma válvula de segurança do sistema». (() Cfr. O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, 2ª ed., p. 323 e Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2005, p. 150 e ss..)
E no preenchimento dos conceitos indeterminados acolhidos no normativo em causa (relevância jurídica ou social de importância fundamental da questão suscitada e a clara necessidade da admissão do recurso para uma melhor aplicação do direito (() Sobre esta matéria, cfr. Miguel Ângelo Oliveira Crespo, O Recurso de Revista no Contencioso Administrativo, Almedina, 2007, pp. 248 a 296.), também a jurisprudência deste STA vem sublinhando que «…constitui questão jurídica de importância fundamental aquela – que tanto pode incidir sobre direito substantivo como adjectivo – que apresente especial complexidade, seja porque a sua solução envolva a aplicação e concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, seja porque o seu tratamento tenha suscitado dúvidas sérias, ao nível da jurisprudência, ou da doutrina.
E, tem-se considerado de relevância social fundamental questão que apresente contornos indiciadores de que a solução pode corresponder a um paradigma ou contribuir para a elaboração de um padrão de apreciação de casos similares, ou que tenha particular repercussão na comunidade.
A admissão para uma melhor aplicação do direito justifica-se quando questões relevantes sejam tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória, com recurso a interpretações insólitas, ou por aplicação de critérios que aparentem erro ostensivo, de tal modo que seja manifesto que a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa é reclamada para dissipar dúvidas acerca da determinação, interpretação ou aplicação do quadro legal que regula certa situação.» (ac. do STA - Secção do Contencioso Administrativo - de 9/10/2014, proc. nº 01013/14).
Ou seja,
- (i) só se verifica a dita relevância jurídica ou social quando a questão a apreciar for de complexidade superior ao comum em razão da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de enquadramento normativo especialmente complexo, ou da necessidade de compatibilizar diferentes regimes potencialmente aplicáveis, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio.
- e (ii) só ocorre clara necessidade da admissão deste recurso para a melhor aplicação do direito quando se verifique capacidade de expansão da controvérsia de modo a ultrapassar os limites da situação singular, designadamente quando o caso concreto revele seguramente a possibilidade de ser visto como um tipo, contendo uma questão bem caracterizada, passível de se repetir em casos futuros e cuja decisão nas instâncias seja ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, ou suscite fundadas dúvidas, nomeadamente por se verificar divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais, gerando incerteza e instabilidade na resolução dos litígios.
Não se trata, portanto, de uma relevância teórica medida pelo exercício intelectual, mais ou menos complexo, que seja possível praticar sobre as normas discutidas, mas de uma relevância prática que deve ter como ponto obrigatório de referência, o interesse objectivo, isto é, a utilidade jurídica da revista e esta, em termos de capacidade de expansão da controvérsia de modo a ultrapassar os limites da situação singular (a «melhor aplicação do direito» deva resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros, em termos de garantia de uniformização do direito: «o que em primeira linha está em causa no recurso excepcional de revista não é a solução concreta do caso subjacente, não é a eliminação da nulidade ou do erro de julgamento em que porventura caíram as instâncias, de modo a que o direito ou interesse do recorrente obtenha adequada tutela jurisdicional. Para isso existem os demais recursos, ditos ordinários. Aqui, estamos no campo de um recurso excepcional, que só mediatamente serve para melhor tutelar os referidos direitos e interesses») - cfr. o ac. desta Secção do STA, de 16/6/2010, rec. nº 296/10, bem como, entre muitos outros, os acs. de 30/5/2007, rec. nº 0357/07; de 20/5/09, rec. nº 295/09, de 29/6/2011, rec. nº 0568/11, de 7/3/2012, rec. nº 1108/11, de 14/3/12, rec. nº 1110/11, de 21/3/12, rec. nº 84/12, e de 26/4/12, recs. nºs. 1140/11, 237/12 e 284/12.
E igualmente se vem entendendo que cabe ao recorrente alegar e intentar demonstrar a verificação dos ditos requisitos legais de admissibilidade da revista, alegação e demonstração a levar necessariamente ao requerimento inicial ou de interposição – cfr. arts. 627º, nº 2, 635º, nºs. 1 e 2, e 639º, nºs. 1 e 2 do novo CPC (() Correspondentes aos arts. 676º, nº 2, 684º, nºs. 1 e 2, e 685º-A, nºs. 1 e 2, do anterior CPC.) - neste sentido, entre outros, os acórdãos do STA de 2/3/2006, 27/4/2006 e 30/4/2013, proferidos, respectivamente, nos processos nºs. 183/06, 333/06 e 0309/13.

3.5. Ora, no caso, tal como sublinha o MP, é a própria jurisprudência do STA citada pela recorrente a respeito da aplicação subsidiária do dito art. 605º do CPC (art. 654º do anterior CPC), que afirma que tal aplicação comporta excepções em processo tributário, como é o caso dos juízes inseridos em equipa especial de juízes constituída para a recuperação de atrasos nos tribunais tributários, bem como que o dito princípio se encontra atenuado, não se impondo que sejam os mesmos juízes Desembargadores que lavraram o acórdão recorrido que tivessem lavrado o novo acórdão que foi proferido pelo TCA Norte.
Na verdade, no apontado acórdão do Pleno do STA, de 12/12/2012, proc. nº 01152/11, além de se exarar que o princípio da plenitude da assistência dos juízes, estabelecido no art. 654º do CPC (redacção à data), só tem aplicabilidade para a decisão sobre a matéria de facto, também se acentua que em sede de contencioso tributário/processo de impugnação, o julgamento da matéria de facto e o julgamento de direito estão cometidos ao juiz que profere a sentença, não existindo a dicotomia que se verifica em processo civil, entre a fase de audiência de julgamento, onde são produzidas as provas para a determinação dos factos e a da prolação da decisão, onde é feito o enquadramento jurídico dos factos determinados ao caso e afirmada a consequente decisão e que, além disso, o princípio da plenitude da assistência dos juízes não é absoluto e também o princípio da imediação sofre limitações, sendo que tais limitações continuam a justificar-se (sobretudo quando se tem de ponderar, também, os inconvenientes de um “desaforamento” generalizado de processos ou a sua remessa para prolação de sentença a Magistrados entretanto destacados para equipas extraordinárias de recuperação de processos como as criadas pela Lei nº 59/2011 de 28/11), justificando-se as referidas limitações consubstanciadas, na prática, em dever ser o juiz a quem o processo está distribuído a elaborar a sentença no momento em que a mesma tem de ser proferida.
Além de que, no caso concreto, sempre acresceriam eventuais dificuldades quanto à aplicação no tempo do regime do novo CPC, pois que as inquirições de testemunhas ocorreram em Abril e Junho de 2008 (fls. 232 e ss.) e a sentença foi proferida em 30/4/2014 (fls. 259/272).
Acresce que se a recorrente pretende imputar ao recorrido acórdão do TCAN a invocada nulidade por omissão de conhecimento (ainda que oficiosamente) de tal questão, deveria tê-lo feito por via de reclamação junto desse tribunal (nº 4 do art. 615º do CPC), sendo que também este recurso de revista excepcional previsto no art. 150º do CPTA, atenta sua natureza e o seu carácter extraordinário, não pode ser utilizado para arguir nulidades do acórdão (cfr. neste sentido, entre muitos outros, os acórdãos do STA, de 13/4/2010, no proc. nº 257/11, de 26/5/2010, no proc. nº 097/10, de 12/1/2012, no proc. nº 0899/11, de 26/04/2012, no proc. nº 237/12, de 8/1/2014, no proc. nº 01522/13, de 23/04/2014, no proc. nº 01938/13, de 29/4/2015, no proc. nº 01363/14 e de 15/07/2016, no proc. nº 383/16).
Não se verificam, portanto, nesta parte, os requisitos de admissibilidade do recurso excepcional de revista.

3.6. Por outro lado, quanto à questão sobrante, da alegada violação do caso julgado, tendo o inicial acórdão do TCAN anulado a sentença então em recurso, não se vê que possa acolher-se, sem mais, a argumentação da recorrente em termos dicotómicos quanto à factualidade atinente a uns ou outros fornecedores.
Ainda assim, a admitir-se tal apreciação, uma vez que no acórdão em causa se refere «... ampliada que seja a matéria de facto nos termos indicados ...» sempre será de concluir que a questão se reconduz, no caso, a questão de natureza casuística, com os contornos próprios e singulares definidos pelo contexto factual e jurídico do caso concreto e das causas de pedir invocadas, e que, de todo o modo (por abarcar, ainda, a problemática do erro na fixação de factos materiais da causa e dos efeitos do caso julgado formal invocado), sempre a respectiva apreciação em sede de recurso de revista excepcional colidiria agora com o disposto no nº 4 do art. 150º do CPTA.
Além de que, face aos termos amplos em que a matéria de facto foi mandada ampliar no inicial acórdão de 14/7/2011 [«... que o tribunal de 1ª instância amplie a matéria de facto, fixando os factos alegados pelas partes que foram provados com relevância para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito ...»), com fundamento em que (i) a factualidade assente não estava devidamente fixada (pois que o tribunal se limitara a transcrever os depoimentos das testemunhas, abstraindo-se dos factos alegados pelas partes e sem qualquer juízo crítico, o que conduziu a que fossem dados como provados factos contraditórios entre si, outros de forma deficiente, havendo apenas uma aparência de fixação da matéria de facto na sentença) e em que (ii) a factualidade julgada provada, depois de ser expurgada daquela que aparentemente o é, se mostrava insuficiente para que o TCAN apreciasse o recurso] não se nos afigura que estejamos perante questão de relevância jurídica fundamental ou de relevância social fundamental: com efeito, não se vislumbra interesse comunitário significativo nas pretendidas apreciação e resolução, acrescendo que o próprio interesse invocado pela recorrente também não ultrapassa os limites do caso concreto.
E porque, relativamente à apreciação pelo acórdão recorrido, também não se vislumbra qualquer erro grosseiro ou decisão descabidamente ilógica, ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, que imponha a admissão da revista como claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, também nesta vertente e com aquela finalidade fica afastada a necessidade de intervenção do STA.

DECISÃO
Nestes termos, acorda-se em não admitir o presente recurso, por se considerar que não estão preenchidos, relativamente a qualquer das questões invocadas, os pressupostos a que se refere o nº 1 do artigo 150º do CPTA.
Custas pela recorrente, com dispensa do remanescente da taxa de justiça devida pelo presente recurso excepcional de revista, ao abrigo do disposto no nº 7 do art. 6º do Regulamento das Custas Processuais, pois que a apreciação preliminar sumária dos pressupostos da sua admissibilidade se reveste de complexidade inferior à comum e a conduta processual das partes a tal não obsta.
Lisboa, 23 de Novembro de 2016. – Casimiro Gonçalves (relator) – Isabel Marques da Silva – Dulce Neto.