Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0212/13
Data do Acordão:02/05/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Descritores:REFORMA DE ACÓRDÃO
Sumário:A possibilidade de reforma de uma decisão judicial, ao abrigo do n.º 2 do art. 616º do CPC, tem carácter de excepção, destinando-se unicamente a eliminar lapsos manifestos, erros evidentes, ostensivos, palmares, juridicamente insustentáveis e incontroversos, pelo que não há lugar a reforma de acórdão se o mesmo não padece de manifesto lapso nem na determinação da norma aplicável nem na qualificação jurídica dos factos.
Nº Convencional:JSTA000P17012
Nº do Documento:SA2201402050212
Data de Entrada:02/14/2013
Recorrente:A....
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

Por acórdão proferido em 2 de Outubro de 2013, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo que integram a formação referida no nº 5 do art. 150º do CPTA decidiram não admitir o recurso de revista excepcional interposto por A………. do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, na consideração que não se verificavam os requisitos que o art. 150º do CPTA exige para a interposição desse recurso excepcional.

Notificadas que foram as partes desse acórdão, veio o Recorrente pedir a sua reforma, ao abrigo do disposto nos artigos 616º, nº 2, alíneas a) e b), e 669º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, esgrimindo com a seguinte argumentação:

«Existe um pressuposto de facto comprovado documentalmente nos autos e que não foi tido em conta, talvez por mero lapso, na admissão e apreciação do recurso interposto:

Efetivamente, consta dos autos um requerimento do recorrente de 04/10/2006 em que este alega a nulidade da citação (Junta-se cópia do mesmo para mais fácil identificação - doc. nº 1).

Acontece, porém, que o TCAS, por omissão, deu apenas como provado que: “M) Em 04/10/2006 foi requerida pelo oponente a passagem de certidão o que foi cumprido em 19/10/2006”.

Ora, o recorrente elaborou o seu recurso no pressuposto óbvio de todo o conteúdo desse requerimento de 04/10/2006 em que o recorrente invocou a nulidade da citação.

Efetivamente, conforme consta dos autos, o referido requerimento do recorrente entrado em 04/10/2006, não se limita a pedir a passagem de certidão. Nesse requerimento o oponente invoca a nulidade da citação.

Pelo que, oficiosamente, deve ser dado como provado mais o seguinte fato que deve ser aditado aos fatos considerados provados e que constam do acórdão proferido pelo TCAS: L) a) “Em 04 de Outubro de 2006, o oponente, através de requerimento dirigido ao Chefe de Finanças do Concelho do Sabugal, invocou a nulidade da citação e para que a mesma fosse suprida, solicitou a passagem de uma certidão que contivesse vários documentos e elementos”.
Consequentemente, deve o recurso interposto ser admitido e apreciado.

Notificada a Recorrida para se pronunciar sobre o requerido, nada disse.

Com dispensa de vistos legais, dada a simplicidade da questão, cumpre decidir em conferência, tendo em conta que a reforma da sentença contemplada no art.º 616º do actual CPC é aplicável aos acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal Administrativo por força do preceituado no art.º 666º, aplicável ex vi do art.º 685.º, ambos do actual CPC [aplicável ao contencioso tributário por força do art.º 2.º, alínea e), do CPPT].

Segundo a norma contida no nº 2 do art. 616º do CPC aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho [a que correspondia idêntica norma contida no art. 669º do anterior CPC), não cabendo recurso da decisão, é lícito a qualquer das partes requerer a reforma da sentença quando, por manifesto lapso do juiz: «Tenha ocorrido erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos» [alínea a)] ou «Constem do processo documentos ou outro meio de prova plena que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida» [alínea b)].
Tal possibilidade de reforma de sentenças/acórdãos, porque constitui uma excepção legal ao princípio do esgotamento do poder jurisdicional do juiz, é circunscrita às situações tipificadas na norma, tendo em vista o suprimento de erro de julgamento mediante a reparação da decisão pelo próprio juiz decisor nos casos em que, por manifesto lapso de determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica, a sentença tenha sido proferida com violação de lei expressa ou quando constem dos autos elementos documentais ou meios de prova plena que, só por si e inequivocamente, impliquem decisão em sentido diverso.
Deste modo, e como vem sendo reiteradamente salientado pela jurisprudência - que a Fazenda Pública não deveria ignorar - a possibilidade de reforma de uma decisão judicial ao abrigo do nº 2 do art. 669º do CPC (e do idêntico nº 2 do art. 616º do actual CPC) tem carácter de excepção, destinando-se unicamente a eliminar lapsos manifestos, erros evidentes, ostensivos, palmares, juridicamente insustentáveis e incontroversos - vide, entre outros, os seguintes acórdãos do STA: de 24/03/2010, no proc. nº 0511/06; de 26/09/2012, no proc. nº 211/12; de 21/11/2012, no proc. nº 155/11; de 19/12/2012, no proc. nº 740/12; de 13/03/2013, no proc. nº 822/12; e de 3/07/2012, no proc. nº 629/13.
Ora, no acórdão em questão inexiste lapso manifesto ou erro juridicamente insustentável na determinação das normas aplicadas, como inexiste desconsideração de documentos e/ou meios de prova plena que pudessem implicar decisão em sentido diverso.
É que, como se deixou explicitado no aludido acórdão, «ainda que a questão colocada neste recurso se reconduza, no fundo, à questão da tempestividade da dedução de oposição, o certo é que a Recorrente invoca para o efeito um facto que, sendo essencial para a tese que sustenta, não consta do probatório do acórdão recorrido e não foi equacionado no acórdão recorrido, e que se traduz na afirmação de que o Oponente arguira a nulidade da sua citação junto do Serviço de Finanças e que esse Serviço deferiu o pedido e supriu a nulidade, facto que este Tribunal não pode, em sede de revista, indagar e fixar face ao disposto no nº 4 do art. 150º do CPTA, segundo o qual o STA apenas aprecia matéria de direito, não podendo ser objecto de revista o erro na apreciação da provas e na fixação dos factos materiais da causa.».
Isto é, não houve qualquer lapso ou esquecimento, no acórdão em questão, da factualidade que foi invocada no recurso de revista e que o ora Requerente diz ter sido ignorada. O que se decidiu é que o Supremo Tribunal não pode, em sede de revista, alterar a materialidade fáctica julgada como provada no acórdão recorrido ou aditar factualidade que, embora pertinente, tenha sido desconsiderada nesse acórdão, pois face ao disposto no art. 150º do CPT, o Supremo Tribunal Administrativo apenas aprecia matéria de direito, não podendo, assim, ser objecto de revista o erro na fixação dos factos materiais da causa.
Por conseguinte, tendo em conta que o pedido de reforma não pode servir para invocar a discordância com o julgado, especialmente com a factualidade definitivamente fixada pelo TCAS no acórdão recorrido, não pode proceder a pretensão de reforma.

Nos termos e com os fundamentos expostos, acorda-se em desatender o pedido de reforma do acórdão.

Custas pelo Requerente, com taxa de justiça de 1 UC.
Lisboa, 5 de Fevereiro de 2014. – Dulce Neto (relatora) – Valente Torrão – Casimiro Gonçalves.