Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01438/03.7BALSB-C-A
Data do Acordão:11/05/2020
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CA
Relator:CLÁUDIO RAMOS MONTEIRO
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR ANTECIPATÓRIA
PAGAMENTO DE QUANTIA CERTA
PERICULUM IN MORA
Sumário:I - O artigo 133.º do CPTA não impede que os interessados que não se encontrem em situação de carência económica requeiram e obtenham a adoção das providências cautelares antecipatórias que se mostrem adequadas a assegurar a utilidade da sentença proferida ou a proferir na ação principal, desde que verificados os requisitos gerais estabelecidos no artigo 120.º do mesmo código.
II - O risco de vida, por si só, não constitui um critério suficiente para a verificação do periculum in mora, mas a idade avançada dos requerentes não pode deixar de ser ponderada no quadro da factualidade relevante para a integração daquele requisito.
Nº Convencional:JSTA000P26721
Nº do Documento:SAP2020110501438/03
Data de Entrada:07/08/2020
Recorrente:A............ E OUTROS
Recorrido 1:SECRETÁRIO DE ESTADO DA ADMINISTRAÇÃO LOCAL E REFORMA ADMINISTRATIVA
Votação:MAIORIA COM 3 VOT VENC
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NO PLENO DA SECÇÃO DO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO

I. Relatório

1. A………………….. E OUTROS - identificados nos autos – recorreram para o Pleno da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 25.º do ETAF, do acórdão proferido em conferência na referida Secção, em 23 de abril de 2020, que indeferiu a providência cautelar requerida contra o SECRETÁRIO DE ESTADO DA ADMINISTRAÇÃO LOCAL E REFORMA ADMINISTRATIVA (SEALRA) e o MUNICÍPIO DA BATALHA, de atribuição, a título de regulação provisória da situação jurídica discutida nos autos principais, relativa à fixação do valor da compensação devida pela inexecução de uma sentença anulatória em matéria de reversão de uma expropriação por utilidade pública, da quantia de cem mil euros.

Nas suas alegações formularam as seguintes conclusões:

« 1) A aplicação ou a interpretação da norma do art. 133.º do CPTA efetuada pela digníssima Secção não pode aceitar-se face ao nosso sistema de justiça cautelar, pois tem como resultado deixar sem tutela direitos fundamentais dos Requerentes face a um concreto e atual risco de lesão, ou seja, não acautela a utilidade da ação principal em relação aos Requerentes.

2) A colenda Secção entende que o art. 133.º do CPTA consagra uma providência tipificada que é aplicável sempre que esteja em causa uma regulação provisória de quantias, independentemente do risco de lesão que concretamente se pretenda acautelar.

3) Quanto a nós, a solução para a problemática que nos ocupa é simples: a norma, ao reportar-se, no seu n.º 1, ao respetivo âmbito objetivo de aplicação, define aí qual o risco de lesão que se pretende acautelar através da mesma, que é somente o da situação de grave carência económica (no entendimento estrito que deste conceito o Tribunal adota).

4) Ou seja, o CPTA consagra a providência cautelar especificada no art. 133.º, epigrafando-a de “Regulação provisória do pagamento de quantias”, mas, porque a epígrafe não faz a norma, a mesma não é aplicável a todos os casos em que a medida cautelar adequada a salvaguardar a utilidade da ação principal passe pelo arbitramento provisório de uma quantia.

5) Neste sentido, a norma dirige-se tão-somente aos casos em que existe o risco de lesão aí previsto textualmente, numa visão restritiva do mesmo: “uma situação de grave carência económica”, decorrente do alegado incumprimento do dever de a Administração realizar prestações pecuniárias.

6) No caso vertente, não sendo esse o risco de lesão que se pretende acautelar (sempre entendido num sentido estrito e sem prejuízo do que infra diremos a este propósito), a norma não é aplicável e a tutela cautelar tem que ser resolvida no âmbito e segundo as regras gerais (cláusula geral aberta do art. 112.º e critérios gerais do art. 120.º, ambos do CPTA).

7) Recorde-se, a este passo, que o risco de lesão concreto recai sobre a morte dos Requerentes e, assim, do dano consumado para o direito de propriedade pelo qual os mesmos lutam há 30 anos, reconhecido através do direito à reversão julgado no processo declarativo e do direito à indemnização pela impossibilidade de execução do julgado nos autos principais de execução, mas ainda não arbitrado, isto quando alguns dos Requerentes têm quase 90 (noventa) anos!

8) Os Requerentes não podem aguardar mais 4, 5, 6 ou mais anos pelo término do processo para acederem à indemnização e, assim, fruírem e disporem do bem que é seu (montante pecuniário), faculdades mínimas compreendidas no direito de propriedade – note-se que o processo, nesta fase executiva, começou em 2011 (há mais de 8 anos), e, não tendo sido proferida até ao momento qualquer decisão de mérito quanto ao valor a arbitrar, estará depois ainda sujeito a recurso para este Pleno, a recurso para o Tribunal Constitucional, a queixa para o TEDH….

9) De acordo com a esperança média de vida dos portugueses, que alegámos e comprovámos no ri. e é mesmo facto notório, neste cenário, não é provável (no mínimo) que os Requerentes, pelo menos alguns deles, estejam vivos ou tenham um mínimo de saúde física e psíquica – o que vale para todos e consubstancia também risco de lesão idóneo a exigir a tutela cautelar – para, quando houver trânsito em julgado de uma decisão de arbitramento do montante devido, poderem exercer o direito de propriedade sobre a sua parte da indemnização.

10) Existirá assim dano consumado, e não só em relação ao direito de propriedade, como também ao direito à tutela jurisdicional efetiva, na sua dimensão substantiva, pois estamos perante titulares do direito que recorreram à justiça e não conseguiram obter uma decisão que pusesse termo ao litígio em tempo útil de vida – e não foi pouco o tempo de vida que consumiram nos Tribunais.

11) Não se trata, aqui, de uma mera queixa pela demora na decisão do processo, pois equaciona-se a finitude da vida de quem recorreu à justiça e, com ela, a frustração irreparável do direito à tutela jurisdicional.

12) No sentido do entendimento que expomos, de que a norma não foi gizada para todos os casos de arbitramento provisório de quantias, não sendo aplicável ao caso vertente, pugna, segundo cremos, a própria origem da norma.

13) Como é consabido, o art. 133.º tem a sua origem e, ainda hoje, a sua redação continua daí decalcada, no art. 119.º do Projeto do Estatuto de Aposentação e das Pensões de Sobrevivência, ou seja, tem como referencial direto a atuação da Administração assistencial e social, dirigida a garantir a subsistência e a precaver a carência económicas.

14) Portanto, daqui decorre também que o art. 133.º é gizado para as situações de risco de grave carência económica (esta entendida restritivamente, como o acórdão a configura) decorrente do incumprimento da Administração realizar prestações pecuniárias do tipo assistencial (pensões por aposentação, invalidez, sobrevivência por morte de terceiros, subsídios de desemprego e outras prestações sociais, indemnizações decorrentes de responsabilidade extracontratual por dano fundado em morte, lesão corporal ou dano que ponha em causa o sustento do particular), não podendo ser arvorado em providência tipificada geral e imperativa para todos os casos de regulação provisória de quantias.

15) Nos casos em que não haja o perigo de carência económica (não esteja em causa o sustento do particular e respetivo agregado familiar), mas estejam perigados outros direitos ou interesses juridicamente tutelados, tem de valer a atipicidade e abertura característicos do nosso sistema cautelar, adotando-se a providência que for mais adequada ao caso concreto, inclusive uma regulação provisória de quantias.

16) Note-se, de encontro a tudo quanto expomos, que o prius na adoção da providência tipificada (e de qualquer providência) há-de ser o risco de lesão que em concreto se tem em mãos (o prejuízo concreto, a razão de urgência…), é o risco de lesão, de dano ou prejuízo que enforma e exige a tutela cautelar.

17) Os Venerandos Conselheiros da Secção, com todo o respeito que nos merecem, incorrem em erro de julgamento ao aplicar o art. 133.º do CPTA ao caso concreto, o qual deve aplicar-se apenas às situações de arbitramento provisório de prestações (alegadamente) devidas pela Administração quando o incumprimento do dever de prestar que se julga na ação principal possa gerar uma situação de grave carência económica (risco de lesão do sustento próprio e familiar), o que não é o caso, impondo-se a revogação da decisão, desde logo, por violação da própria norma erroneamente aplicada e dos arts. 112.º e 2.º do CPTA, 2.º, 62.º e 268.º, n.º 4 da CRP, 6.º, n.º 1 e 13.º da CEDH e 1.º do Protocolo Adicional à CEDH.

18) Aliás, recenseando o direito comparado (França, Alemanha e Itália), não encontramos uma tal previsão semelhante à do art. 133.º, com a tipificação de uma providência de caráter antecipatório do arbitramento de quantias em caso de carência económica ou exigindo especialmente a “grave carência económica” para conceder a medida antecipatória.

19) Sem nunca conceder quanto ao entendimento que vimos de alegar: admitindo-se que o artigo 133.º do CPTA tem que ser específico e imperativamente aplicado ao caso, por se pedir uma regulação provisória de quantias (que foi essa a vontade do legislador), então a mesma tem que ser interpretada em conformidade com os textos supralegais vinculativos, adotando-se uma interpretação ampla (ou extensiva ou até mesmo corretiva, se necessário for) da norma e dos conceitos jurídicos nela consignados.

20) De facto, a norma vem interpretada sob o enfoque estrito do sustento económico, do prejuízo económico puro, na senda do que, durante décadas, foi o entendimento doutrinal e jurisprudencial do periculum in mora (do prejuízo de difícil reparação), centrado no impacto económico da lesão e na possibilidade de indemnização a posteriori, tendo depois evoluído, mormente por crítica da doutrina, para o alargamento do prejuízo à dimensão humana (centrando-se o periculum na irreversibilidade da situação jurídica e impossibilidade de restituição in natura), que comparadamente é aceite por todos.

21) Ora, se a pessoa falece, como aqui receamos que suceda, falecem também as raízes do paradigma da carência económica, que é existir a pessoa para receber o montante pecuniário e, assim, é evidente que o pressuposto da carência se verifica.

22) Por outras palavras, a norma joga-se num binómio, tem um radical objetivo, que é a quantia pecuniária, e um radical subjetivo, que é a pessoa que a recebe; faltando a pessoa, falha o radical subjetivo e consuma-se a carência por não haver, por desaparecer, o titular do direito a receber.

23) Portanto, também sob este enfoque, a decisão recorrida incorre em erro de julgamento e deve ser revogada, por violação dos arts. 133.º, 112.º e 2.º do CPTA, 2.º, 62.º e 268.º, n.º 4 da CRP, 6.º, n.º 1 e 13.º da CEDH e 1.º do Protocolo Adicional à CEDH.

24) Como dissemos já à saciedade, a urgência do caso concreto reporta-se ao incumprimento do dever de prestar (de indemnizar) perigar o próprio direito de receber a indemnização e de obter justiça, perante o risco de morte dos titulares do(s) direito(s) (dano consumado).

25) E este risco de lesão que se pretende aqui acautelar não pode ficar sem tutela, quer ao abrigo do regime geral cautelar, quer adotando-se a interpretação do art. 133.º em conformidade com os textos supralegais. Assim o impedem: o art. 1.º do Protocolo Adicional à CEDH, que consagra o direito de propriedade, e os arts. 6.º, n.º 1 (que impõe a tutela efetiva de direitos) e 13.º da CEDH (impõe a efetividade do recurso para defesa dos direitos nela instituídos); a CRP, Lei Fundamental do País, que estabelece um Estado de direito democrático construído “no respeito e na garantia de efetivação dos direitos e liberdades fundamentais” (art. 2.º), consagra o direito de propriedade (art. 62.º) e a garantia da tutela jurisdicional efetiva dos direitos e interesses legalmente protegidos, incluindo a tutela cautelar adequada (art. 268.º, n.º 4);

26) E a própria lei (o CPTA), que, face ao mandato constitucional, consagra a tutela jurisdicional efetiva, incluindo a tutela cautelar (cfr. art. 2.º, n.ºs 1 e 2, al. q) e, quanto a esta, um sistema aberto de providências cautelares que permite a adoção da providência adequada ao direito ou interesse concreto a salvaguardar, especificada ou não no rol da norma legal (art. 112.º, n.ºs 1 e 2), porque não pode haver direito ou interesse sem tutela cautelar, tem que existir sempre uma medida que assegure a utilidade da decisão principal e os interesses que aí se fazem valer.

27) Em suma: o aresto recorrido não pode manter-se na ordem jurídica, por erro de julgamento, em violação dos arts. 133.º, 112.º e 2.º do CPTA, 2.º, 62.º e 268.º, n.º 4 da CRP, 6.º, n.º 1 e 13.º da CEDH e 1.º do Protocolo Adicional à CEDH, impondo-se inelutavelmente e seja por que via for a sua revogação.

28) Sob outro enfoque, um entendimento que propugne que o art. 133.º do CPTA constitui providência tipificada para todos os casos em que se peticione o arbitramento provisório de uma quantia devida pela Administração, independentemente do risco de lesão concreto a acautelar, e/ou que não é possível obter uma interpretação do mesmo de molde a abranger o caso vertente, é concretamente inconstitucional (além de ilegal e violador da CEDH), pois não permite acautelar riscos de lesão para os quais o arbitramento provisório é adequado, como no caso vertente sucede em relação ao direito de propriedade e à própria tutela judicial efetiva, deixando-se sem tutela cautelar os direitos que os Requerentes fazem valer no processo principal – um entendimento deste jaez é, pois, concretamente inconstitucional por violar os arts. 2.º, 62.º e 268.º, n.º 4 da CRP.»


2. O Recorrido SEALRA contra-alegou, concluindo o seguinte:

«1ª) É indiscutível que o pedido formulado pelos Requerentes na presente providência cautelar era o da atribuição de um determinado quantitativo a “título de regulação provisória da situação jurídica”;

2ª) É, assim, indiscutível, que está em causa a providência prevista e regulada no artº 133º do CPTA;

3ª) É, assim, também indiscutível, que essa providência só pode ser concedida se os requerentes fizerem prova da “situação de grave carência económica” (alínea a) do artº 133º do CPTA);

4ª) Também é indiscutível, como é dito no Acórdão recorrido, que os Requerentes não alegaram qualquer facto sobre uma hipotética situação de grave carência económica em que pudessem encontrar-se;

5ª) E é quanto basta para se dever julgar improcedente o recurso deduzido pelos Requerentes;

6ª) Sendo que a concessão de qualquer providência cautelar está sempre dependente do preenchimento de determinados requisitos;

7ª) O “risco de morte” dos Requerentes não é pressuposto legalmente estabelecido para a concessão de providência;

8ª) Pelo que nada há a censurar ao acórdão recorrido.»


3. O Recorrido Município da Batalha também contra-alegou, concluindo que:

«I - Através da providência cautelar requerida, os Recorrentes peticionaram tutela cautelar antecipatória, ao procurarem antecipar, a título provisório, a constituição de uma situação jurídica (parte da indemnização substitutiva da execução do douto acórdão que decretou a reversão), que se obterá, a título definitivo, com a sentença a proferir no processo principal.

II - Para ver decretada a providência cautelar pretendida, não se dispensa o preenchimento dos requisitos de periculum in mora e fumus boni iuris.

III - No que tange ao periculum in mora, a regulação provisória do pagamento de quantias em dinheiro deve radicar em situações prementes de carência, “uma situação de grave carência económica” como exigido pelo artigo 133º-1 CPTA.

IV - O artigo 133º-2 do CPTA estabelece uma particular configuração com que neste domínio específico se apresentam os dois requisitos exigidos para o deferimento da providência, dedicando ao periculum in mora as suas alíneas a) [Esteja adequadamente comprovada a situação de carência] e b) [Seja de prever que o prolongamento dessa situação possa acarretar consequências graves e dificilmente reparáveis] e à aparência de bom direito a alínea c) [Seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente].

V - In casu, não se mostra minimamente verificado o periculum in mora.

VI - De resto, os Recorrentes não alegaram no seu requerimento inicial um único facto sobre qualquer hipotética situação de grave carência económica em que pudessem estar (que não estão!) incursos e, outrossim, não alegaram qualquer facto donde decorra que o prolongamento da situação de não recebimento da indemnização lhes acarretava consequências, que teriam de ser graves e dificilmente reparáveis para merecer tutela cautelar.

VII - Como ressuma do discurso fundamentador da douta decisão sob recurso, os Requerentes não alegaram qualquer facto sobre uma hipotética situação da grave carência económica em que pudessem encontrar-se; limitaram-se a alegar factos respeitantes à morosidade da justiça e à sua idade; não tendo sido alegada e, portanto, não estando comprovada uma situação de grave carência económica, não pode dar-se por verificado o requisito do periculum in mora”.

VIII - Os Recorrentes vêm agora defender que a decisão do Tribunal a quo os deixa “sem tutela direitos fundamentais (…) face a um concreto e atual risco de lesão, ou seja, não acautela a utilidade da ação principal em relação aos Requerentes”, advogando que o artigo 133º do CPTA “tem que ser interpretad[o] a em conformidade com os textos supralegais vinculativos, adotando-se uma interpretação ampla (ou extensiva ou até corretiva, se necessário for) da norma e do conceito nele consignado”.

IX - A ausência de tutela para a sua pretensão sibi imputet, pois resulta, afinal, de não terem sequer alegado um único facto que densificasse o direito à regulação provisória pretendida: não alegaram um único facto sobre rendimentos ou despesas, muito menos sobre a insuficiência dos primeiros ou do seu património para fazer face às segundas; não alegaram um único facto alegado sobre o avolumar de prejuízos ante o prolongamento da lide, muito menos que daí decorram prejuízos sérios (graves na terminologia legal) e dificilmente ressarcíveis!

X - Não tendo logrado acolhimento para o pretendido, os Recorrentes, que defenderam a aplicação tout court do artigo 112º 2 e) e 133º do CPTA, vêm agora procurar imputar ao Tribunal a quo entendimento desconforme da norma do 133º do CPTA, procurando antes arrimo na cláusula geral aberta do artigo 112º e critérios gerais do artigo 120º do CPTA, defendendo que o risco de lesão concreta que pretendem acautelar não é uma situação de grave carência económica, mas sim a sua morte.

XI - Por maior esforço que façam para iludir a questão que submeteram a juízo, os Recorrentes não conseguem maquilhar o pedido formulado na presente providência, ou seja a regulação provisória de uma situação jurídica, antecipando a título provisório parte da indemnização a que têm direito na ação principal.

XII - Ora uma tal providência só pode ser concedida se for alegado e depois provada uma situação de grave carência económica por parte dos Requerentes, alegação e prova que de todo não fizeram.

XIII - A aléa da vida ou, se se quiser, o risco de morte não é um pressuposto estabelecido na lei, nem integra qualquer dos requisitos nela previstos para o decretamento de uma providência cautelar.

XIV - De uma forma ou de outra, isto é, quer no quadro da aplicação estrita do artigo 133º do CPTA, quer no da integração e preenchimento da cláusula geral do artigo 112º e dos critérios gerais do artigo 120º do mesmo diploma, falece sempre, in casu, um dos requisitos – o periculum in mora- exigido para o decretamento da providência cautelar requerida.

XV - O aresto recorrido não incorreu em erro de julgamento, não tendo violado … qualquer dos incisos legais referidos em 27º e 28º das conclusões dos Recorrentes.

XVI - Nenhuma censura merece a douta decisão recorrida que aplicou acertada e criteriosamente as normas legais atinentes à situação em apreço.»

4. O Ministério Público pronunciou-se pelo provimento do recurso, entendendo que «não tendo o legislador restringido expressamente a tutela cautelar prevista no artº 112º nº 2 al. e) do CPTA unicamente a situações de grave carência, a situação dos interessados não abrangidos pela providência nominada do artº 133º do CPTA, deve reger-se, nos termos gerais, pela aplicação do disposto no artº 120º do mesmo código quanto às providências inominadas – reunindo os AA., no caso dos autos, todos os pressupostos legais para a concessão da requerida providência de regulação provisória de pagamento das quantias que lhes são devidas (sem necessidade de prestação de garantia, por não ter sido invocada nas oposições qualquer lesão do interesse público).»

5. Sem vistos, dada a natureza urgente do processo, nos termos da alínea c) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 36.º do CPTA.


II. Matéria de facto

6. A Secção considerou indiciariamente provados os seguintes factos relevantes para a decisão, tendo em atenção a prova documental produzida e as alegações das partes:

«1 - Os Requerentes foram expropriados, no âmbito da expropriação dos terrenos destinados à implementação da Célula B da Zona Envolvente do Mosteiro da Batalha, determinada por despacho do Ministro da Habitação e Obras Públicas datado de 18.02.1980, sendo beneficiário da expropriação o Município da Batalha (cfr. os factos constantes do acórdão exequendo proferido no processo principal).

2 – Em 1994 requereram a reversão do prédio expropriado, identificado como Parcela n.º 14, pedido que foi arquivado pela Administração e, depois de anulada essa decisão em sede de recurso contencioso n.º 39.934, que correu termos neste Tribunal, veio a ser indeferido por despacho datado de 11 de abril de 2003, da autoria do Ministro das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente.

3 – Contra esse despacho reagiram, de novo, os requerentes – Recurso n.º 1438/03 deste STA -, sendo proferido Acórdão da Secção do Contencioso Administrativo, datado de 10.09.2009, que anulou aquele despacho, declarando-se o desvio do fim determinante da expropriação da Parcela 14 e o direito dos requerentes à reversão das partes destinadas a fins privados.

4 – Julgamento este confirmado pelo Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Administrativo, de 20.01.2011.

5 – Face à invocação de causa legítima de inexecução, pela Entidade Requerida, foi promovida pelos Requerentes a execução judicial do acórdão, o que fizeram em 30.11.2011, dando origem ao ora processo principal de Execução de Julgados – atualmente Proc. n.º 1438/03.7BALSB-C (de que esta providência é apenso)

6 – Em 17.01.2013, foi proferido acórdão nos autos de Execução, que declarou existir uma causa legítima de inexecução da reversão e notificou as partes, nos termos e para os fins do disposto no n.º 1 do artigo 178.º do CPTA (anterior ao DL n.º 214-G/2015, de 2/9).

7 – O Tribunal determinou uma perícia colegial [após uma anterior inconclusiva] após ter procedido a duas audiências de tentativas de conciliação, tendo o então Relator proferido o seguinte despacho, em 18.05.2017:
“Resulta dos requerimentos apresentados pelos Exequentes e pela Câmara da Batalha (...) na sequência do acordado na última tentativa de conciliação, que se verifica a existência e acordo em certas matérias relativas ao cálculo da indemnização a atribuir aos Exequentes e de divergência noutras.
Com efeito, existe acordo não só no tocante à área dos terrenos dos Exequentes que foram objeto das alienações em causa, como no valor da receita obtida na venda dos terrenos do Sector B (lotes 5, 6, 7 e 8), o qual foi identificado como sendo de 178.041,53.
Todavia, as partes divergem no tocante à área que deve ser considerada para efeitos do cálculo indemnizatório no Sector C (lotes 4 e 5) e no valor das despesas de urbanização realizadas pela Câmara (...)”, formulando os quesitos a que os peritos deveriam responder.

8 – A perícia foi realizada sendo elaborado o Relatório Pericial, com data de 17.03.2019, nos termos constantes de fls.1244 e 1268 do processo principal, cujo teor aqui se dá por reproduzido.

9 – O Requerente A……………… tem 86 anos de idade, e a esposa B…………… tem 82 anos de idade; a Requerente C……………… tem 74 anos de idade e o marido D……………… tem 76 anos de idade; a Requerente E……………………… tem 87 anos de idade – cfr. doc. 4, fls. 17 a 19.»


III. Matéria de Direito


7. A questão de direito que se discute no presente recurso é a de saber se o artigo 133.º do CPTA é aplicável ao caso dos autos, e se, em consequência, os Requerentes, ora Recorrentes, tinham que ter feito prova de que se encontram em situação de grave carência económica para obter a antecipação, a título provisório, de parte da indemnização a que têm direito por força da inexecução de uma decisão judicial que obtiveram deste Tribunal, de reversão da expropriação por utilidade pública de terrenos que lhes pertenciam na zona envolvente do Mosteiro da Batalha.
O acórdão recorrido entendeu que sim, afirmado que, «porque pretendem que se lhes arbitre provisoriamente uma determinada quantia, a presente situação é regida pelo artigo 133.º do CPTA». Ou seja, o acórdão recorrido partiu do pressuposto de que o regime estabelecido naquele artigo se aplica a todos os casos de regulação provisória do pagamento de quantias.
Os Recorrentes questionam este entendimento, pois consideram que aquela norma «dirige-se tão-somente aos casos em que existe o risco de lesão aí previsto textualmente, numa visão restritiva do mesmo: “uma situação de grave carência económica”, decorrente do alegado incumprimento do dever de a Administração realizar prestações pecuniárias», defendendo, em contrapartida, que «nos casos em que não haja o perigo de carência económica (não esteja em causa o sustento do particular e respetivo agregado familiar), mas estejam perigados outros direitos ou interesses juridicamente tutelados, tem de valer a atipicidade e abertura característicos do nosso sistema cautelar, adotando-se a providência que for mais adequada ao caso concreto, inclusive uma regulação provisória de quantias».
Vejamos.

8. O n.º 1 do artigo 133.º dispõe que:
«Quando o alegado incumprimento do dever de a Administração realizar prestações pecuniárias provoque uma situação de grave carência económica, pode o interessado requerer ao tribunal, a título de regulação provisória, e sem necessidade de prestação de garantia, a intimação da entidade competente a prestar as quantias indispensáveis a evitar a situação de carência.»
Como referem Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha a propósito deste artigo, «trata-se de uma providência cautelar antecipatória que se integra na modalidade da regulação provisória de uma situação jurídica, a que alude o artigo 112.º, n.º 2, alínea e), e que se traduz na imposição à Administração, a título provisório, do pagamento de uma quantia por conta de prestações alegadamente devidas ou a título de reparação provisória» - cfr. Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 4ª ed., pp. 1055-1056.
O regime estabelecido naquele artigo não tem, no entanto, uma pretensão de aplicação generalizada a todas as providências em que esteja em causa a regulação provisória de uma situação jurídica que envolva o pagamento de uma quantia certa, pois como decorre literalmente da sua previsão normativa, o mesmo só se aplica «quando o alegado incumprimento do dever de a Administração realizar prestações pecuniárias provoque uma situação de grave carência».
Decisivo da sua aplicação não é, pois, que as providências requeridas visem a regulação provisória do pagamento de quaisquer quantias, como sugere de forma incompleta a epígrafe do artigo, mas sim que visem a regulação provisória do pagamento de quantias que sejam necessárias para reparar provisoriamente uma situação de grave carência económica.
Dito por outras palavras, a demonstração de que o interessado se encontra numa situação de carência económica não é exigível em todas as situações de regulação provisória do pagamento de quantias certas, mas apenas naqueles casos em que os danos causados por aquela situação constituam a causa de pedir da providência. O que, contudo, não impede o interessado de pedir o pagamento de uma quantia certa com qualquer outro fundamento, submetendo-se, nesse caso, à verificação dos requisitos gerais estabelecidos no artigo 120.º do CPTA.


9. Ao teor literal do artigo 133.º acresce a teleologia do quadro normativo em que o mesmo se insere.
As providências cautelares desempenham uma função instrumental em relação ao juízo de fundo proferido na ação principal, pois visam assegurar a sua utilidade substancial, através da neutralização do spatium deliberandi constituído pela duração do processo. As providências cautelares são, por isso mesmo, um elemento essencial de garantia da efetividade da tutela jurisdicional, como aliás decorre do disposto no n.º 4 do artigo 268.º da CRP e, ainda mais expressivamente, do n.º 1 do artigo 2.º do CPTA. É isso que justifica, nomeadamente, o carácter aberto da enumeração constante do n.º 2 do artigo 112.º do CPTA, que permite, nos termos do n.º 1 do mesmo artigo, que os interessados possam «solicitar a adoção da providência ou das providências cautelares, antecipatórias ou conservatórias, que se mostram adequadas a assegurar a utilidade da sentença a proferir nesse processo», leia-se, de quaisquer providências.
Nesse contexto, não se pode interpretar o artigo 133.º do CPTA no sentido de que ele se aplica a todos os casos de regulação provisória do pagamento de quantias, recusando assim conceder tutela provisória aos direitos e interesses legalmente protegidos de todas as pessoas que não se encontrem em situação de carência económica, tanto mais que a sua ratio se filia na salvaguarda da dignidade da pessoa humana, e na garantia de um mínimo de subsistência vital, e não no direito de acesso ao direito e aos tribunais.
Muito pelo contrário, até, o regime estabelecido naquele artigo tem de ser interpretado no sentido de que ele visa ampliar, e não restringir direitos fundamentais, pelo que o seu âmbito de aplicação acresce, ou se sobrepõe, ao âmbito de aplicação do regime geral das providências cautelares que envolvam o pagamento de uma quantia certa, mas não o exclui.
Na medida em que se mostre adequado a assegurar a utilidade da sentença proferida ou a proferir na ação principal, qualquer parte legítima pode requerer e obter, a título de regulação provisória da sua situação jurídica, o pagamento antecipado de uma quantia certa, mesmo que não esteja em situação de carência económica, desde que cumpra os requisitos estabelecidos no artigo 120.º do CPTA.
Assim, e subsumindo essa conclusão ao caso dos autos, é forçoso reconhecer razão aos Recorrentes quando afirmam que o acórdão recorrido fez errada interpretação e aplicação do artigo 133.º do CPTA, ao considera-lo aplicável ao caso dos autos e ao exigir-lhes prova de que se encontram numa situação de carência económica, pelo que, nessa medida, o seu recurso deve proceder.

10. A conclusão a que se chegou impõe o conhecimento do mérito do pedido cautelar inicialmente formulado pelos Requerentes, tarefa que, no entanto, está muito facilitada pelas circunstâncias processuais muito específicas em que o mesmo foi feito.
É que, o presente processo cautelar foi intentado na pendência de um processo de execução de sentenças de anulação de atos administrativos, numa fase desse processo em que, não só o seu direito à reversão das parcelas expropriadas já foi definitivamente julgado, como já foi declarada a existência de causa legítima de inexecução desse julgamento e reconhecido, em consequência, o direito à respetiva indemnização, nos termos do artigo 178.º do CPTA. E mesmo mais, numa fase em que já existe um acordo parcial sobre a valorização das parcelas revertidas.
Não há, pois, que averiguar da existência de fumus boni iuris, pois já existe um direito certo, embora ainda ilíquido, a uma indemnização devida pelo facto da inexecução da reversão das parcelas expropriadas. O único aspeto que se poderia discutir, a esse propósito, seria o do quantum indemnizatório, mas a verdade é que, não só nenhum dos Requeridos alegou que a quantia peticionada excede o valor previsível dessa indemnização, como os elementos existentes nos autos permitem concluir, perfunctoriamente, que a mesma será de um valor superior a cem mil euros.

11. Assim, a questão decisiva é a de saber se o «risco de vida» alegado pelos Requerentes é suficiente para integrar o requisito do periculum in mora estabelecido no n.º 1 do artigo 120.º do CPTA.
Que a morte de qualquer dos Requerentes na pendência do processo constitui um facto consumado que determina, para eles, a inutilidade da sentença proferida na ação principal, é inquestionável, conclusão que não é prejudicada pelo reconhecimento dos direitos sucessórios dos seus herdeiros, pois aquele utilidade tem de ser aferida em função do interesse do titular do direito tutelado na ação principal, e não de terceiros que nele venham a suceder.
A questão que se coloca, então, é de saber se, sendo aquele dano de morte apenas eventual, sujeito a uma álea sobre a qual este Tribunal não pode, nem deve especular, ele é suficiente para justificar o fundado receio exigido pelo n.º 1 do artigo 120.º.
Os Requerentes alegam que existe um receio sério da consumação da sua vida no decurso do processo, não apenas porque já possuem uma idade avançada, acima da esperança média de vida dos portugueses, mas, sobretudo, porque o mesmo já dura há demasiado tempo, não se vislumbrando a curto prazo o seu termo.
Alegam, concretamente, que «os Requerentes foram expropriados há 40 (quarenta) anos, iniciaram a sua luta há 24 (vinte e quatro) anos, com o pedido de reversão, e hoje, décadas volvidas, e não obstante terem obtido o reconhecimento do direito à reversão em 2011 e o reconhecimento do direito à indemnização pela impossibilidade legítima de executar a reversão em 2013, não receberam, ainda, um cêntimo pela reconhecidamente ilegítima espoliação do terreno de que foram alvo.»
Não se pode negar que o argumento impressiona.
É inquestionável que, no caso dos autos, a idade avançada dos Requerentes aumenta a probabilidade de consumação do dano de morte no decurso da ação, mas não é sobretudo por essa razão que o argumento impressiona. O risco de vida, por si só, não constitui um critério suficiente para a verificação do periculum in mora, dado que, em maior ou menor medida, esse risco existe em relação a qualquer interessado na concessão de uma providência cautelar.
O que impressiona, neste caso, é a conjugação desse risco com a duração previsível do processo até que os Requerentes recebam uma indemnização pelo sacrifício do seu direito à reversão das parcelas que lhe foram expropriadas há 40 anos, direito esse que já foi definitivamente reconhecido por este Tribunal em 2013.
Na verdade, mais do que especular sobre a probabilidade de consumação do dano de morte dos Requerentes a curto prazo, o que contribui para fundar o receio de constituição de uma situação de facto consumado é a verificação de que não é previsível que o presente processo esteja concluído em tempo útil para eles, i.e., em tempo que lhes permita receber e fruir da compensação que vier a ser liquidada.
É certo que, em teoria, o processo já se encontra na sua fase terminal, mas o seu historial, e a conduta processual das partes não dão garantias mínimas de que o mesmo venha a estar concluído proximamente, como evidencia o facto de, passados sete anos sobre a data do reconhecimento do direito a uma indemnização pela inexecução da decisão de reversão, as partes não terem ainda conseguido chegar a acordo, e lançarem mão de todos os incidentes e expedientes processuais ao seu dispor para prolongar o litígio.
Aliás, mesmo que o processo venha a estar concluído brevemente, e que a indemnização devida aos Requerentes se torne certa e líquida, não é sequer evidente que ela será efetivamente paga em tempo útil. A alegação feita pelo Requerido SEALRA nos presentes autos, de que não é parte legitima neste processo cautelar porque não é responsável pelo pagamento da indemnização – mas sim o Município da Batalha, que beneficiou da expropriação e deu causa à reversão – revela um risco sério de que, mesmo após a conclusão do presente processo, os Requeridos resistam até ao limite do possível ao pagamento da indemnização devida e litiguem entre si sobre a partilha das respetivas responsabilidades, prejudicando assim a imediata satisfação do direito dos Requerentes.
Em face do histórico do processo, e dos indícios de que a sua evolução manterá o mesmo padrão de litigiosidade, conclui-se que é provável que o mesmo se prolongue para lá do tempo de vida útil dos Requerentes, pelo que existe um fundado receio de consumação de uma situação de facto irreversível, dando-se, em consequência, por verificado o requisito do periculum in mora estabelecido no n.º 1 do artigo 120.º do CPTA.

12. Ao exposto acresce que inexistem quaisquer interesses públicos cuja lesão seja superior ao dano que poderia resultar do indeferimento da providência requerida.
Desde logo, porque, como salientou a Digna Magistrada do Ministério Público, esses interesses não foram alegados pelos Requeridos.
Por outro lado, porque sendo já judicialmente certo o direito dos Requerentes a uma indemnização pela inexecução da sentença que reconheceu o seu direito à reversão dos bens expropriados, a antecipação parcial do seu pagamento em nada pode prejudicar os Requeridos.
Não se pode, aliás, deixar de reconhecer que, sendo a contemporaneidade do pagamento da indemnização um elemento central do conceito de justa indemnização na expropriação por utilidade pública, o direito de reversão não pode deixar de ser marcado pela ideia de imediatividade, e que – se não for prévio - o pagamento da indemnização pelo incumprimento do dever de reverter os bens a favor dos expropriados deve ser feito o mais cedo possível. E no caso dos autos, manifestamente, esse pagamento tarda.


IV. Decisão

Em face do exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, reunidos em Pleno, em:
a) Conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar o acórdão recorrido;

b) Deferir a providência requerida, condenando os Requeridos Secretário de Estado da Administração Local e Reforma Administrativa e o Município da Batalha a pagarem aos Requerentes a quantia de 100.000,00 € (cem mil euros), a título de reparação provisória pela inexecução do direito que lhe foi reconhecido na ação principal à reversão dos bens que lhes foram expropriados.


Custas pelos Requeridos. Notifique-se

O relator consigna e atesta que, nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 1 de maio, tem voto de conformidade com o presente Acórdão dos Senhores Juízes Conselheiros José Augusto Veloso, Maria Benedita Urbano, Ana Paula Portela, Adriano Cunha e Cristina Gallego dos Santos, estando os restantes juízes que integram a presente formação vencidos ou parcialmente vencidos nos termos das declarações de voto juntas.

Lisboa, 5 de novembro de 2020

DECLARAÇÃO DE VOTO
Vencida. Independentemente de saber se o princípio da plenitude da protecção cautelar admite que possa ser dado provimento a um pedido de pagamento antecipado de uma quantia quando exista certeza quanto ao direito a esse pagamento e apenas incerteza relativamente ao seu quantum, como resulta da presente factualidade, não considero que a idade dos requerentes possa preencher o requisito do periculum in mora. Poderia discutir-se, no âmbito da anterior redacção do artigo 120.º do CPTA, se a evidência do direito (e, com isso, da procedência da pretensão formulada no processo principal) seria suficiente para deferir o pedido, mas essa “solução” foi abandonada pelo legislador, que condiciona hoje o deferimento de todas as providências cautelares à verificação deste requisito. Ora, o “perigo de constituição de uma situação de facto consumado” refere-se ao risco de impossibilidade de exercício do direito ou de constituição de situação de facto irreversível, que, no caso, é o direito ao recebimento do valor que vier a ser fixado para o bem revertido e cujo exercício não está ameaçado pelo decurso do tempo, nem corre o risco de se tornar inexequível no momento em que vier a ser proferida a decisão no processo principal, seja pelos requerentes, seja pelos seus sucessores. O risco da vida é comum a todos os requerentes de providências cautelares, seja por condições de idade, doença, exercício de profissão ou qualquer outra condição que possa estatisticamente contribuir para uma diferente quantificação do mesmo, não servindo, por essa razão, como fundamento para o preenchimento do requisito do n.º 1 do artigo 120.º do CPTA.
Suzana Tavares da Silva

Vencido, não acompanhando a fundamentação/motivação aduzida sobre o ponto 11. da presente decisão relativa à análise do requisito do periculum in mora, dado considerar que o mesmo in casu não se mostra preenchido.

1. Acompanhando a conclusão de que nas situações de regulação provisória de situação jurídica, nomeadamente mediante o pagamento de quantia certa tal como previsto na al. e) do n.º 2 do art. 112.º do CPTA e não abarcada pela previsão do art. 133.º do mesmo Código, o interessado não está impedido de, em sede cautelar, o peticionar, submetendo-se, nesse caso, à verificação dos requisitos gerais estabelecidos no art. 120.º do referido Código, não secundo, todavia, o entendimento que obteve vencimento de verificação do requisito de decretação em referência, porquanto presentes o quadro situacional/circunstancial alegado e apurado tal requisito não resulta demonstrado.

2. O requisito do periculum in mora mostrar-se-á preenchido sempre que exista fundado receio de que, quando o processo principal termine e sobre ele venha a ser proferida uma decisão, essa decisão já não venha a tempo de dar resposta adequada ou cabal às situações jurídicas e pretensão objeto de litígio, seja porque a evolução das circunstâncias durante a pendência do processo tornou a decisão totalmente inútil mercê da constituição de uma situação de facto consumado, seja porque tal evolução gerou ou conduziu à produção de prejuízos ou danos dificilmente reparáveis.

3. O «fundado receio» terá de estar apoiado em factos que permitam afirmar, com objetividade e distanciamento, a seriedade e atualidade da ameaça e a necessidade de serem adotadas medidas tendentes a evitar o prejuízo, não nos podendo bastar, assim, com simples dúvidas, conjeturas sobre possibilidades eventuais ou receios meramente subjetivos ou precipitados assentes numa apreciação ligeira da realidade.

4. Nessa medida, na apreciação do requisito do periculum in mora importa observar e exigir um maior rigor na articulação e demonstração dos factos integradores do mesmo visto que a qualificação legal do receio como «fundado» visa restringir as medidas cautelares, evitando a concessão indiscriminada de proteção meramente cautelar com o risco inerente de obtenção de efeitos que só podem ser obtidos com a segurança e ponderação garantidas pelas ações principais.

5. Impõe-se ao requerente da providência o ónus de alegar a matéria de facto integradora dos requisitos legais de que depende a concessão da providência requerida, não podendo o tribunal substituir-se ao mesmo.

6. O mesmo terá de tornar credível a sua posição através do encadeamento lógico e verosímil de razões convincentes e objetivas nas quais sustenta a verificação dos requisitos da providência já que, da conjugação dos arts. 112.º, 114.º, n.º 3, als. f) e g), 118.º e 120.º todos do CPTA, não se mostra consagrada uma presunção juris tantum da existência dos aludidos requisitos.

7. Ora o receio de criação de uma situação de facto consumado não pode assentar em realidade meramente hipotética e dependente de factos futuros e incertos [cfr., entre outros, Acs. deste Supremo Tribunal de 05.08.2009 - Proc. n.º 0557/09, e de 02.12.2014 - Proc. n.º 01164/14].

8. Daí que não se me afigura de aceitar que a simples decorrência de uma álea como a que é inerente e envolve o genérico e abstrato «risco de vida», conatural e basilar à condição humana, no caso extraído tão-só da idade avançada dos Requerentes e do consequente aumento da probabilidade de consumação do decesso no decurso de uma tardia obtenção da decisão da ação, possam conduzir à sustentação de que no caso ocorre periculum in mora.

9. Tal risco, visto e considerado num plano meramente abstrato, ainda, que aliado à consideração de ocorrência de retardamento na emissão e obtenção de uma decisão final que permita por termo ao conflito, sem que o mesmo se mostre acompanhado de uma específica alegação e consequente demonstração de realidade factual concretizadora de inequívoca e real probabilidade de existência do mesmo e do perigo da sua efetiva materialização, apresenta-se-me como manifestamente insuficiente para lograr operar o preenchimento do requisito de decretação da providência sub specie.

10. Daí que, de harmonia com o exposto e sem necessidade de outros desenvolvimentos, teria, com esta motivação, mantido o juízo de improcedência da pretensão cautelar.
Carlos Luís Medeiros de Carvalho


VOTO DE VENCIDO

O acórdão acredita que é admissível obter os efeitos próprios de um qualquer meio cautelar típico à margem das suas normas e dos seus requisitos – mediante apelo aos pressupostos gerais dos procedimentos cautelares. E filia essa sua inusitada crença nas ideias generalíssimas da tutela judicial efetiva e do «direito ao acesso ao direito e aos tribunais».
Se assim fosse, os meios cautelares tipificados seriam extravagâncias prescindíveis, visto que a tutela do género reconduzir-se-ia, em «ultima ratio», ao regime do procedimento cautelar comum.
Mas o acórdão capta mal as relações entre os meios cautelares típicos e os atípicos. Sempre se atribuiu às providências cautelares não especificadas a marca da subsidiariedade; e o art. 362º, n.º 3, do CPC diz que essas providências não especificadas não são aplicáveis «quando se pretenda acautelar o risco de lesão especialmente prevenido por alguma das providências tipificadas».
«In casu», trata-se de saber se o «pagamento de quantias», previsto no art. 133º do CPTA, pode ser pedido num meio cautelar comum. Repare-se que o art. 133º do CPTA consagra, sem dúvida, um procedimento cautelar especial. Trata-se de um meio típico ao serviço de uma pretensão extraordinária: obter-se da Administração um pagamento antes de se deter o título jurídico que o justificaria. Aliás, o CPC também prevê adiantamentos de quantias nos seus arts. 384º e 388º, os quais são justificados por uma carência económica indutora de obrigações alimentares ou quase alimentares. Ora, todas essas hipóteses são excepcionais, pois instam a prestações cujo dever ainda está por reconhecer. Justifica-se, portanto, que a satisfação de pedidos dessa índole suponha a reunião de requisitos exigentes – cuja falta logo impeça a tutela cautelar.
E o acórdão não atenta devidamente no art. 362º, n.º 3, do CPC. A impossibilidade de se recorrer a um meio cautelar comum para ladear a falta de algum dos requisitos do meio especial funda-se em duas razões imediatas: por um lado, prevenir o que seria uma genuína fraude à lei, já que se obteria o resultado sem o requisito indispensável «ex lege»; por outro lado, respeitar as formas processuais, cuja previsão define as vias que os litigantes hão-de seguir, «ne varietur».
Relativamente a este último ponto, constata-se que a pretensão dos requerentes coincide, por inteiro, com a providência facultada pelo art. 133º do CPTA. E, como a forma do processo se afere só pelo pedido, é à luz desse meio cautelar especial e típico que tal pretensão tem de ser avaliada – sob pena de nulidade por erro na forma do processo. Ora, a circunstância de os requerentes carecerem dos requisitos exigíveis acarreta o indeferimento da providência formalmente adequada ao pedido – como a Secção acertadamente decidiu – sendo falaz a ideia de que se pode saltar dela, «ad libitum», para outra providência qualquer.
Ou seja: embora o art. 362º, n.º 3, do CPC fale em «risco de lesão» – como se apenas se referisse à «causa petendi» do pedido cautelar – não pode duvidar-se que a proibição inserta na norma visa a tentativa de, pelo meio não especificado, se obter um efeito jurídico idêntico ao da providência típica e não autorizada. Pois, se assim não fosse, subverter-se-iam as regras sobre a forma do processo, somente determinável pelo efeito pretendido.
E isto nada tem a ver com o acesso ao direito e aos tribunais. Não me alongarei sobre o abuso destes florilégios jurídicos, habitualmente inaptos para suportarem raciocínios constringentes. Somente direi o seguinte: a existência deste processo constitui a prova viva de que os requerentes acederam ao direito e aos tribunais; esse direito de acesso não envolve qualquer garantia de vitória; e, por fim, seria abstruso supor que tal direito de acesso implica sempre a possibilidade de utilização de procedimentos cautelares, afeiçoados às ambições e conveniências unilaterais dos requerentes, já que uma grande parte dos dissídios judiciais, pelas suas particulares características, não consente tutelas dessa natureza.
O anteriormente dito aplica-se, «mutatis mutandis», ao argumento do acórdão acerca da tutela jurisdicional efectiva. Não se percebe – nem o acórdão explica – como se faz o trânsito lógico desde o dito princípio até à imposição de pagamentos «ex ante». Afinal, essa tutela tem o seu modo e o seu tempo, não esclarecendo o acórdão porque deveria implicar antecipações.
Portanto, o aresto recorrido é absolutamente exacto e mereceria ser confirmado.
O presente acórdão, ao invés, claudica nos argumentos e nas conclusões – designadamente no segmento onde julga em substituição.
Admitamos que a pretensão dos requerentes era transferível para um procedimento cautelar comum. Se assim fosse, teria de ser indeferido por falta de «fumus boni juris». É que os requerentes ainda não dispõem de um título jurídico que qualifique as partes como credores e devedores recíprocos (da quantia a pagar provisoriamente). Portanto, eles não são, para já, titulares do direito de crédito que justificaria esse pagamento, pois tal direito está «in fieri» e só deveras surgirá com uma pronúncia judicial condenatória. Ora, a certeza de que o direito de crédito entretanto não existe afasta logo o requisito da aparência do direito, indispensável para o deferimento da pretensão cautelar.
Dir-se-á que a mesma falta do direito perpassa pelo art. 133º do CPTA. Mas isso simplesmente mostra a excepcionalidade deste preceito – e do meio cautelar típico que ele instituiu. De modo que a possibilidade legal de se regular provisoriamente o pagamento de quantias pela Administração somente consta desse art. 133º – e não alhures.
Por outro lado, o acórdão também se precipita ao tomar a idade avançada dos requerentes como fundamento único do «periculum in mora». Fá-lo, decerto, «bona mente»; mas introduz um precedente grave, amanhã transferível, porventura «in crescendo», para outras classes de cidadãos. E introduz ainda, no universo dos autores ou requerentes, diferenciações propiciadoras de insegurança jurídica e destituídas de base legal ou constitucional.
Por fim, discordo da «levitas» usada pelo acórdão ao fixar o «quantum» a pagar. Se ainda não chegou o momento dos requeridos se pronunciarem sobre ele (art. 178º, n.º 1, do CPTA), surpreende que, do seu silêncio, aparentemente se extraiam efeitos cominatórios ou declarativos.
Jorge Artur Madeira dos Santos