Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0487/18
Data do Acordão:05/24/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Descritores:PROCEDIMENTO PRÉ-CONTRATUAL
PREÇO ANORMALMENTE BAIXO
Sumário:É de admitir a revista quando o valor apresentado por um concorrente foi inferior ao valor fixado no PP em, apenas, um cêntimo e esse facto determinou a exclusão da sua proposta pois uma tal decisão coloca a questão de saber se a mesma não violará o princípio da proporcionalidade.
Nº Convencional:JSTA000P23348
Nº do Documento:SA1201805240487
Data de Entrada:05/11/2018
Recorrente:B... LDA
Recorrido 1:A... LDA E MUNICÍPIO DE OLIVEIRA DE FRADES
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA FORMAÇÃO PRELIMINAR DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:

I. RELATÓRIO

A…………., L.dª intentou, no TAF de Viseu, contra o MUNICÍPIO DE OLIVEIRA DE FRADES, acção de contencioso pré-contratual, pedindo (a) a anulação da deliberação, de 29/12/2016, da respectiva Câmara que excluiu a sua proposta do concurso; (b) Cumulativamente: (i) a anulação do acto que adjudicou o objecto desse concurso à contra interessada (ii) a anulação do contrato de empreitada se o mesmo, entretanto, tiver sido celebrado; e (iii) a condenação do Réu a adjudicar-lhe o objecto daquele concurso.

Indicou como contra interessada B…………., L.dª.

O TAF julgou a acção improcedente e, em consequência, absolveu o Réu dos pedidos.

O TCA Norte, para onde a Autora apelou, concedeu provimento ao recurso.

É desse Acórdão que a contra interessada recorre (artigo 150.º/1 do CPTA).

II. MATÉRIA DE FACTO
Os factos provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III. O DIREITO
1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o STA «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto como «válvula de segurança do sistema» para funcionar em situações excepcionais em que haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos, pois, se tais requisitos se verificam in casu socorrendo-nos para isso da matéria de facto seleccionada no Acórdão recorrido.

2. O Município de Oliveira de Frades abriu um concurso público destinado à reabilitação do Edifício da respectiva Câmara tendo o seu Programa estabelecido que o preço base era 1.593.454,47 euros, que o critério de adjudicação era o do mais baixo preço, que se considerava anormalmente baixo o preço que fosse inferior em 20% àquele valor e que seriam excluídas as propostas que apresentassem esse preço sem prestarem esclarecimentos justificativos ou que os prestados não tivessem sido considerados.
O Júri no seu Relatório Final, no tocante à proposta da Autora, escreveu o seguinte:
“Analisada a proposta deste concorrente, verificou-se que a mesma não reúne as condições prévias, legais e regulamentares, uma vez que apresenta um preço anormalmente baixo, sem nota justificativa de preço tal como alude a alínea d) do n.º 1 do artigo 57º do CCP, bem como a alínea f) do n.º 1 do artigo 19º do PP – Programa de Procedimento. Conforme supra referido, definiram-se no Programa de Procedimento, os limites do intervalo onde os preços são anormalmente baixos, a partir do qual qualquer proposta com esse valor ou outro inferior, suscita dúvidas sobre a sua seriedade ou congruência e portanto é, à partida e em abstrato, uma proposta suspeita que não oferece credibilidade de que venha a ser cumprida e por isso, uma proposta a excluir. O concorrente para além do valor da sua proposta se situar abaixo do limiar referido, não apresenta dados e/ou elementos justificativos do preço anormalmente baixo que apresentou.
E com fundamento nestas razões a proposta da Autora foi excluída.
Inconformada, intentou a presente acção imputando ao acto de exclusão vícios de forma e de violação de lei e formulando os pedidos acima assinalados.

Tribunal de 1.ª instância julgou a acção totalmente improcedente, absolvendo o Réu daqueles pedidos. Para tanto, e no essencial, ponderou:
“…..
A Autora apresentou no âmbito do procedimento concursal em causa uma proposta com um preço de 1.274.763,57 €;

Ora, acontece que o Programa de Procedimento tinha previamente fixado, na al.ª i) do n.º 1 do art.º 19º, o intervalo no qual os preços propostos são considerados anormalmente baixos, ou seja, quando sejam 20% ou mais inferior ao preço base de 1.593.454,47 euros, a saber: 1.274.763,58 euros ou inferior.
Assim, o preço apresentado pela Autora é considerado um preço anormalmente baixo para este procedimento tendo presente o que estava previamente definido e fixado no Programa de Procedimento.
Mais, a Autora quando apresentou a sua proposta e o respectivo preço não podia deixar de saber que estava a apresentar um preço que iria ser considerado anormalmente baixo.
A Autora argumenta que o preço que apresentou não é anormalmente baixo … primeiro porque existe um erro de cálculo do Júri na determinação do montante correspondente a 20% do preço base e depois porque mesmo que assim não seja dado que a proposta da Autora tem um valor tão próximo das demais propostas nunca deveria ser considerada como tendo um preço anormalmente baixo; Quanto ao erro de cálculo, defende a este propósito a Autora que existe um erro da parte do Júri de Procedimento no momento da definição e cálculo do montante correspondente a 20% do preço base de 1.593.454,47 euros;

Ou seja, quer o Júri do Procedimento quer as demais empresas concorrentes não tiveram dúvidas que, perante o que estava previamente estabelecido no Programa de Procedimento, quem apresentasse um preço no montante de 1.274.763,58 € ou inferior estaria a apresentar um preço considerado anormalmente baixo.

Por outro lado, defende a autora que se verifica cometida violação do artigo 4.º do CCP e para tanto, basta atentar no preço da proposta vencedora, nos preços das quatro propostas que se lhes segue, no preço apresentado pela Autora e no preço pelo concorrente C……….. SA., para se concluir pela violação da concorrência, nesta segunda dimensão.
O limiar da anomalia foi fixado em € 1.274.763,58; o adjudicatário fixou o preço contratual em € 1.274.763,59, assim como os quatro concorrentes ordenados em 2.º, 3.º, 4.º e 5.º, lugares; a Autora apresentou um preço contratual de € 1.274.763,57 e o concorrente C……….. SA fixou-o em € 1.274.763,58.
..
Tal não corresponde também a qualquer tratamento desigualitário ou discriminatório dos operadores económicos, sendo, pelo contrário, expoente precisamente da máxima igualdade de tratamento e da transparência, requisitos essenciais à liberdade de concorrência e à limitação (auto-limitação, no caso) do poder discricionário da entidade adjudicante.

Com efeito, sempre que se verifique existirem propostas com preços anormalmente baixos, o legislador impõe, aos concorrentes, a obrigação de os justificar e, aos adjudicantes, o dever de os analisar cuidadosamente, incluindo às justificações apresentadas pelos concorrentes, na medida em que se trata de circunstâncias excepcionais (vd. As disposições conjugadas dos art.°s 57°, n° 1, al. d), 70°, n.°s 2, al.ªs e), f) e g), 71° e 132°, n° 2, todos do CCP, bem como Directiva 2014/24/UE).
Ora, a Autora foi excluída por não ter logrado justificar o preço anormalmente baixo constante da sua proposta.

Mais, alega a Autora que terá sido violado o princípio da proporcionalidade e da razoabilidade, defendendo que nunca a sua proposta deveria ser considerada como tendo um preço anormalmente baixo dado que o valor da sua proposta estava bastante próximo com o valor da generalidade das demais propostas, apenas se distanciando alguns cêntimos da proposta vencedora.
Ora, a verdade é que pese embora tenha sido por cêntimos a Autora apresentou um preço anormalmente baixo nos termos do programa de procedimento pelo que, como todas as demais empresas que apresentaram um preço anormalmente baixo, teria que ter junto com a proposta uma nota justificativa desse preço anormalmente baixo.
E se tivesse junto tal nota justificativa do preço anormalmente baixo a sua proposta já teria que ter sido analisada pelo júri do procedimento caso o mesmo viesse a aceitar os fundamentos da justificação do preço proposto.
Sendo que, o valor, ainda que, diminuto em causa não pode ser a desculpa para procurar contornar a lei.
……
E nem se diga que a Autora poderia ser, pelo menos, agora convidada a justificar o preço anormalmente baixo quando a lei é clara nesta matéria: Se o concorrente sabe ou tem obrigação de saber que a sua proposta vai ser qualificada como de preço anormalmente baixo, como aconteceu no caso vertente, tem de apresentar com ela a justificação desse preço, não permitindo a lei que tal falta seja sanada posteriormente …. .

O TCA, concedendo provimento ao recurso, revogou a sentença recorrida e julgou procedentes os pedidos. Resumiu a respectiva fundamentação do seguinte modo:
“Em suma:
- o aqui Recorrido tinha o dever de analisar o documento em questão e de pedir esclarecimentos dado que a proposta da Recorrente se afasta apenas € 0,02 das propostas ordenadas nos primeiros cinco lugares e estas se afastam apenas € 0,01 do limiar do preço anormalmente baixo;
- a aqui Recorrente foi sancionada com a exclusão da sua proposta, porque, embora apresentado um documento que serve de justificação ao preço contratual, não o denomina como de “esclarecimentos justificativos da apresentação de um preço anormalmente baixo” o que é manifestamente desproporcionado e atenta contra o princípio da igualdade – art.º 13º da CRP;
- …
- A Jurisprudência e a Doutrina têm sido praticamente unânimes no sentido que o Princípio da Proporcionalidade da actuação administrativa exige que a decisão seja:
- adequada: a lesão de posições jurídicas dos administrados tem de revelar-se adequada, apta, à prossecução do interesse público visado;
- necessária: a lesão daquelas posições tem que se mostrar necessária ou exigível;
- proporcional (princípio da proporcionalidade em sentido estrito): a lesão sofrida pelos administrados deve ser proporcional e justa em relação ao benefício alcançado para o interesse público (proporcionalidade custo/benefício);
- quando a sentença sob censura julga provado que a Recorrente apresentou uma “nota justificativa do preço proposto” e não concluiu que o Júri deveria ter pedido esclarecimentos à proposta, não fez a melhor leitura deste princípio nem do apontado artigo 71°/3 do CPP;
- existe, portanto, uma discricionariedade que se reduziu a zero;
- se o Réu/Recorrido pode pedir esclarecimentos às propostas, essa opção é convertida em obrigação por força da proximidade entre os preços contratuais aqui em apreço.”

3. Como se acaba de ver a razão fundamental que determinou o divergente julgamento das instâncias foi o diferente entendimento que tiveram sobre o preço apresentado pela Recorrente, com o TAF a considerar que o mesmo era anormalmente baixo e que o Réu não estava obrigado a pedir esclarecimentos para essa anomalia e o TCA a decidir que violava o princípio da proporcionalidade a exclusão da proposta da Autora e que se o Réu considerava que o preço apresentado era anormalmente baixo deveria ter pedido esclarecimentos.
É seguro que o valor apresentado pela Recorrente foi inferior ao valor fixado no PP em, apenas, um cêntimo e que foi esse facto que determinou a exclusão da sua proposta. O que coloca a questão de saber se, tal como se decidiu no TCA, não violará o princípio da proporcionalidade a exclusão de uma proposta com esse fundamento. Questão que se relaciona com a margem de liberdade que dispõe o Júri na apreciação de uma proposta e se, nas circunstâncias dos autos, o Júri não estaria obrigado a pedir esclarecimentos.
Tudo razões que aconselham a admissão da revista.
Acresce que esta Formação tem afirmado que as questões referentes à exclusão das propostas relacionadas com os preços delas constantes, maxime com as que apresentem preços anormalmente baixos, versam sobre um aspecto relevante dos procedimentos de contratação pública com forte probabilidade de replicação tratando-se, portanto, de uma questão em que a solução encontrada pode servir de referência para as decisões dos tribunais e de orientação para a Administração e para os particulares no âmbito da contratação pública.
Por fim, importa realçar a relevância social da causa decorrente não só das consequências económico-financeiras para os concorrentes como pelo significativo valor da empreitada.

DECISÃO
Termos em que os Juízes que compõem este Tribunal acordam em admitir a revista.
Sem custas.
Lisboa, 24 de Maio de 2018. – Costa Reis (relator) – Madeira dos Santos – São Pedro.