Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01196/13
Data do Acordão:02/12/2015
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ASCENSÃO LOPES
Descritores:EXCESSO DE PRONÚNCIA
NULIDADE
Sumário:I - Segundo o disposto no art. 125º, nº 1, do CPPT, em consonância, aliás, com o disposto no art. 668º, nº 1, al. d), do CPC, é nula a sentença quando ocorra «a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer».
II - Ocorre nulidade (parcial) da sentença se o Juiz se pronunciou sobre questões não suscitadas na petição inicial de oposição que não são de conhecimento oficioso.
Nº Convencional:JSTA000P18601
Nº do Documento:SA22015021201196
Data de Entrada:07/04/2013
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: A Fazenda Pública vem interpor recurso da sentença proferida pelo TAF do Porto em 21/03/2013 que julgou procedente a oposição que A…………….. deduziu, na qualidade de revertida contra a execução fiscal nº 3182200301042580 instaurada para cobrança de dívidas de IVA, IRS e IRC dos anos de 2002 a 2005 e de coimas fiscais dos anos de 2006 a 2008 da responsabilidade originária de B………… LDA no valor total de 85.480,36Eur.
Apresentou alegações com as seguintes conclusões:
A. Com a ressalva do sempre devido respeito, não pode a Fazenda Pública conformar-se com o assim doutamente decidido, existindo nulidade da sentença, porquanto a decisão recorrida pronunciou-se expressamente sobre questão que não devia conhecer em violação do disposto nos artigos 125°, n.º 1 do CPPT e 668.°, n° 1, alínea d) do CPC.
B. Não tendo a oponente colocado a questão da falta de demonstração por parte da Administração tributária dos pressupostos necessários para a reversão nos termos em que o douto tribunal se pronunciou, é claro e inequívoco que a decisão extravasou os limites da sentença, condenando diversamente do pedido.
C. Salvo o devido respeito e salvo melhor opinião, de entre as questões de “conhecimento oficioso” de que são exemplo as previstas no artigo 175° do CPPT ou no artigo 494° do CPC, não se integra a ilegalidade da reversão, questão apontada pelo tribunal “a quo”.
D. A matéria em discussão nos presentes autos prende-se apenas com a apreciação do despacho de reversão na questão da sua [ou falta de] fundamentação, questão esta sim, reclamada e expressada, e que não foi sequer aflorada.
E. A Fazenda Pública entende, portanto, que a sentença se devia ter quedado pela apreciação da questão do vício [formal] de (falta) fundamentação do despacho de reversão e não da questão que conheceu, nem decidir, como decidiu, pela extinção da execução fiscal contra a oponente quando se está perante um vício de forma do despacho de reversão,
F. inviabilizando, desse modo, a possibilidade de o órgão da execução fiscal proferir novo acto (despacho de reversão contra a aqui oponente/recorrida) em que saneie o suposto vício de forma que determinou a sua anulação.
G. Nestes termos, deverá o tribunal ad quem declarar a nulidade da sentença por vício de “ultra petita” pois a sentença invoca, como razão de decidir, uma questão essencialmente diversa daquela que a parte colocou a juízo.
Termos em que, deve ser dado provimento ao recurso, declarando-se a nulidade da douta sentença recorrida.


Foram apresentadas contra alegações (fls. 168/170) com as seguintes conclusões:
1) Por aplicação das disposições conjugadas dos arts 22°, n.º 4, 23°, n.º 4 e 70° da LGT, é possível constatar que com vista à fundamentação da decisão de reversão da execução contra o obrigado subsidiário, deverá a entidade decisora: i) de forma objectiva, e fundamentada demonstrar na própria decisão a qualidade de administrador de facto do oponente, invocando factos que demonstrassem o exercício efectivo do cargo; ii) apurar o grau de insuficiência do património da devedora originária, para satisfação da dívida tributária; iii) determinar de forma exacta o montante pelo qual o revertido será responsabilizado em sede de reversão.
2) A fundamentação da decisão que determinou a reversão contra a Alegante, cinge-se ao seguinte (ponto 6 da matéria de facto dada como provada):
“Inexistência ou insuficiência de bens penhoráveis do devedor principal e responsáveis solidários, sem prejuízo do beneficio da emissão.
Dos gerentes, directores ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de gerência ou gerência em pessoas colectivas e entidades fiscalmente equiparadas, por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período do exercício do cargo.
Dos responsáveis subsidiários que exerçam funções de gestão, pelas coimas aplicadas a infracções praticadas, no período de exercício do cargo.”
3) Ao contrário de quanto inculca a decisão a que, não resulta de nenhum excerto da fundamentação do acto de reversão da execução fiscal que a Alegante, no período a que se reportam as dívidas em execução, ou no período em que correu o prazo para pagamento voluntário, exerceu de facto funções de gerente da sociedade devedora originária.
4) Em momento algum a AF, enuncia, e elenca todo um conjunto de factos, que pela sua configuração, demonstrem de forma cabal que a Alegante no prazo legal de pagamento das dívidas em execução, de facto, representava perante terceiros, que dava orientações a entidades subordinadas, ou que se assumia direitos e obrigações em nome da devedora originária.
5) A fundamentação da decisão tem de ser contemporânea, no sentido de que, deve ser efectuada no momento em que a mesma é comunicada ao sujeito passivo administrado, não podendo a A.F. em momento posterior, no sentido de colmatar um lapso ou erro de procedimento, vir fundamentar uma decisão que já produziu efeitos na esfera de actuação do sujeito passivo, e com base na qual, exerceu a sua defesa.
6) Uma fundamentação, realizada à posteriormente à comunicação da decisão ao sujeito administrado, não satisfaz os requisitos do dever geral de fundamentação, como é evidente, uma vez que o destinatário do acto não fica a saber que factos concretos determinaram a reversão.
7) As razões que o Tribunal a quo alegou na sua decisão para justificar a procedência da oposição a execução, correspondem à apreciação dos factos que constituem a causa de pedir.
8) Da causa de pedir que fundamenta o pedido de extinção da execução fiscal instaurada contra a aqui recorrente por reversão, não resulta que a recorrente em momento algum tenha invocado como fundamento do pedido outros factos que não o vício de fundamentação do despacho de reversão quanto à gerência de facto.
9) Não decorre da sentença a quo, que a mesma aprecie outros factos que não o vício da fundamentação do despacho de reversão quanto à gerência de facto, por referencia ao disposto nos arts. 22°, n.º 4 e 24°, n.º 1 da LGT (única questão suscitada e que foi apreciada).


A Mª Juíza pronunciou-se sobre a arguida nulidade da sentença sustentando a fls. 175 a 177 dos autos que não ocorre nem excesso nem omissão de pronúncia da sentença por:
“Com efeito como desde logo nela foi referido (pag. 1) foram invocados como fundamento da presente Oposição a falta de fundamentação do despacho de reversão e a sua ilegitimidade para a execução fiscal, por falta de verificação dos pressupostos para a reversão, tendo a Oponente concluído a sua Petição Inicial pugnando pela extinção da execução contra si, fundamentos que decorrem dos termos expostos na Petição Inicial, sendo certo que o juiz só pode servir-se dos factos articulados pelas partes, já no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito não está sujeito às alegações feitas a esse respeito pelas partes (cfr. Artº 664º do CPC)”

O Ministério Público neste STA emitiu parecer do seguinte teor:

A recorrente acima identificada vem sindicar a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, exarada a fls. 101/104, em 10 de Setembro de 2010.
A sentença recorrida julgou procedente oposição judicial deduzida contra execução fiscal instaurada para cobrança coerciva de dívida relativa a IVA, IRS e IRC de 2002 a 2005 e Coimas Fiscais de 2006 a 2008, no entendimento de que a recorrida é parte ilegítima, por não ter sido por culpa sua que o património da devedora originária se tomou insuficiente para pagar a obrigação exequenda.
A recorrente termina as suas alegações com as conclusões de fls. 149/150, que, como é sabido, delimitam o objecto do recurso, nos termos do estatuído nos artigos 684.°/3 e 685.°-A/1 do CPC, e que aqui se dão por inteiramente reproduzidas.
A recorrida contra-alegou, tendo concluído nos termos de fls. 168/170, que aqui, também, se dão por inteiramente reproduzidos para todos os efeitos legais.
A nosso o ver o recurso merece provimento.
A questão controvertida consiste em saber se a sentença recorrida sofre do vício formal de excesso de pronúncia.
A recorrente imputa à sentença recorrida vício formal de excesso de pronúncia e consequente nulidade, uma vez que, em seu entender, o que estava em causa era a falta de fundamentação formal do despacho de reversão e não a ilegitimidade da recorrida, por não ter sido por culpa sua que o património devedora originária se tomou insuficiente para pagar a dívida exequenda.
O Tribunal não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir o conhecimento oficioso de outras (artigo 660.°/2 do CPC).
O que o citado artigo proíbe é que se conheça de questões não suscitadas.
Para se estar perante uma questão é necessário que haja a formulação do pedido de decisão relativo a matéria de facto ou de direito sobre uma concreta situação de facto ou de direito sobre que existem divergências, formuladas com base em alegadas razões de facto e de direito (acórdão do STA, de 29 de Abril de 2008, recurso nº 18150, AP-DR, de 2001.11.30, página 1.311).
Ora, a nosso ver, e se bem conseguimos interpretar a PI, a recorrida, como fundamento de oposição, apenas invoca a falta de fundamentação do despacho de reversão, como deflui dos artigos 64.° e 65.° da PI.
De facto, no entender da recorrida, o despacho de reversão não está devidamente fundamentado, uma vez que não invoca factos que demonstrem a gerência de facto, não contém, de forma justificada, o grau de insuficiência do património da devedora originária, nem o montante exacto pelo qual a recorrida é responsabilizada por via da reversão (ver artigo 64.º da PI).
A situação de direito sobre a qual existem divergências ou a questão a decidir, é, pois, saber se o despacho de reversão sofre de falta de fundamentação, por, alegadamente, não constarem do mesmo os elementos atrás referidos.
Ora, como resulta da decisão sindicada, o Tribunal recorrido pronunciou-se não sobre a vício formal de falta de fundamentação invocado pela recorrida, mas sim sobre a sua pretensa ilegitimidade, por não ter sido por culpa sua que o património da devedora se trocou insuficiente para pagar a dívida exequenda.
Da leitura da PI resulta que a recorrida, como fundamento da oposição, nunca invocou a sua ilegitimidade por ausência de culpa quanto à insuficiência patrimonial da devedora originária.
Portanto, o Tribunal recorrido pronunciou-se sobre questão que não lhe foi colocada pelas partes, incorrendo, assim, em excesso de pronúncia, com consequente nulidade da sentença.
Termos em que deve dar-se provimento ao recurso e anular-se a sentença recorrida, por excesso de pronúncia, baixando os autos à 1.ª instância para conhecimento do mérito da oposição (falta de fundamentação do despacho de reversão), dado inexistirem outros fundamentos do recurso de que se deva conhecer — artigo 731.° do CPC.

2- Fundamentação:
Matéria de facto dada como provada (fls. 111/114)
1. O Processo de Execução Fiscal n° 3182200301042580 e aps., foi instaurado no Serviço de Finanças do Porto 2 contra a executada originária B………….., LDA., NIPC …………., para cobrança por dívidas provenientes de IVA, IRS e IRC dos anos de 2002 a 2005 e de coimas fiscais dos anos de 2006 a 2008 da devedora originária B………….., LDA., NIPC ………., no valor total de 85.480,36 € (cfr. fls.. 2-5, fls.. 86-89 dos autos).
2. Pelo Chefe do Serviço de Finanças do Porto 2 foi proferido o despacho de 20/04/2009 (de fls. 36 dos autos) a determinar a audição da aqui Oponente A…………., para efeitos de reversão da execução, no qual é vertido o seguinte a respeito dos fundamentos da reversão:



3. A aqui Oponente foi notificada para exercer o seu direito de audiência prévia no âmbito da reversão através do ofício de notificação datado de 20/04/2009 (de fls. 40 dos autos), com o seguinte teor:




4. Acompanhou aquele ofício a listagem junta a fls. 37-39 dos autos, na qual são identificados os processos executivos, a proveniência da dívida, o número da certidão de dívida que subjaz a cada processo executivo, o respectivo documento de origem, tributo e período de tributação e correspondente valor (cfr. fls. 37-40 dos autos).
5. A aqui Oponente pronunciou-se em sede de audiência prévia (através do requerimento de fls. 42 ss. dos autos, cujo teor integral se dá aqui por reproduzido), ali defendendo não haver culpa da sua parte no não cumprimento das dívidas tributárias, pugnando não se verificarem os pressupostos legais para a reversão (cfr. fls. 41-43 dos autos).
6. Na sequência da Informação de 21/07/2009 (de fls. 85 dos autos) foi proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças do Porto 2 o despacho da mesma data (21/07/2009) (de fls. 86 dos autos) pelo qual foi determinada a reversão do processo de execução fiscal contra a aqui Oponente A…………., com o seguinte teor:




7. A referida Informação de 21/07/2009 (de fls. 85 dos autos), que conduziu ao despacho de reversão, tem o seguinte teor:
Concretizada a audição prévia, nos termos do art.º 60.º da LGT do responsável subsidiário do devedor originário B…………. LDª – nipc …………….., com sede na Rua ………., ………. – 4150-……….. Porto.
A…………, nif ………….., sócia gerente da executada desde 2002 (data da constituição da sociedade).
Veio esta no exercício do direito de audição prévia. Requerer o arquivamento do processo executivo por falta de verificação dos pressupostos legais, alegando o seguinte:
- O incumprimento das dívidas não resulta da culpa Imputável à exponente mas de factos que não lhe podem ser imputados;
- A exponente não obteve aproveitamento económico com a falta de entrega dos tributos nem determinou as dificuldades financeiras da sociedade.
- Inexistindo culpa pelo não pagamento das dívidas bem como na diminuição do património da executada pressupostos da reversão nos termos do art.º 24.º da LGT.
Nos presentes autos apurou-se o seguinte:
- A executada cessou a sua actividade para efeitos de IVA em 2007/09/12 nos termos da alínea a) do nº1 do art.º 33º do CIVA;
- A declaração periódica de IVA referente ao 4º trimestre de 2002, datada de 2003/02/10 foi apresentada pelo TOC nº ………. C……………., nif ………….., e encontrando-se assinada pelo responsável subsidiária (gerente) da executada o que prova a sua qualidade de gerente de facto;
- A declaração periódica de IVA referente ao 2º semestre de 2003, datada de 2003/06/14 foi também apresentada pelo contabilista anteriormente identificado;
- No exercício do direito de audição prévia não foram apresentados quaisquer novos elementos que permitam alterar a decisão de reversão contra os respectivos responsáveis acima identificados.
É o que cumpre informar.
Serviço de Finanças de Porto 2, 2009-07-21.

‘8. A aqui Oponente foi citada para a Execução Fiscal em 23/07/2009, data em que se mostra por ela assinado o respectivo aviso de recepção (cfr. fls. 90-91 dos autos), através de ofício de citação (de fio. 90 dos autos) que verte o seguinte:



9. A Petição Inicial da presente Oposição foi apresentada no Serviço de Finanças do Porto 2, em 22/09/2009 (cfr-. fls. 7).
10. A sociedade devedora originária B……………, LDA., NIPC ……….. foi declarada insolvente por sentença proferida em 18/03/2009 no Processo n° 835/08.TYVNG, do 3° Juízo do Tribunal de Comércio de Vila Nova de Gaia (cfr. fls. 67-75 dos autos).
11. Nos termos em que se mostra registado na Conservatória do Registo Comercial (cfr. certidão junta a fls. 78 ss, dos autos) a aqui Oponente A…………….., foi designada gerente da sociedade devedora originária B………………, LDA., por deliberação de 27/11/2002, sendo a forma de obrigar a assinatura da gerente, sócia única (cfr. certidão junta a fls. 78 ss. dos autos).
12. A sociedade devedora originária B…………….., LDA., iniciou a sua actividade para efeitos de IVA em 04/12/ 2002 e cessou-a em 12/09/2007 (cfr. fls. 84 dos autos).
13. A declaração periódica de IVA referente ao 4° trimestre de 2002, datada de 10/02/2003, foi apresentada pelo TOC n° ………. e encontra-se assinada pela aqui Oponente (cfr. fls. 82-83 dos autos).
14. A sociedade devedora originária B……………., LDA. declarou no Anexo J - Modelo 10, referentes aos anos de 2002, 2003, 2004 e 2005, o pagamento de rendimentos da Categoria A à aqui Oponente A………………. (cfr. fls. 92 dos autos).
15. A aqui Oponente A……………… apresenta descontos para a Segurança Social («remunerações de carácter permanente») desde Dezembro de 2002 a Julho de 2006 como «membro de órgão estatutário» da sociedade B……………………, LDA. (cfr. fls. 93 dos autos).
3 – DO DIREITO
A meritíssima Juíza do TAF do Porto julgou procedente a oposição. Estavam em causa dívidas de IVA, IRC e IRS e ainda de Coimas.
Considerou que “ (…)Nada resultando provado quanto à culpa da aqui oponente pela insuficiência patrimonial da devedora originária. Pelo que falha, neste aspecto, um pressuposto necessário da reversão, pelo que não pode deixar de proceder com tal fundamento, a presente oposição no que respeita à reversão operada contra a Oponente pelas dívidas de impostos ( IVA, IRC e IRS) da sociedade devedora originária (…)
Mais considerou quanto à dívida por coimas que “Incumbia assim à Administração Fiscal não só comprovar que a aqui oponente havia exercido de facto as funções de gerente da sociedade devedora originária nos períodos de referência previstos nas alíneas a) e b) do nº 8º do RGIT, o que não fez, mas também alegar e demonstrar que as coimas fiscais em causa foram aplicadas a infracções por factos praticados no exercício do seu cargo ou tendo-o sido por factos anteriores que foi por culpa sua que o património da sociedade ou pessoa colectiva se tornou insuficiente para o seu pagamento (alínea a) do nº 1 do artigo 8º do RGIT) ou que a decisão definitiva que as aplicou foi “notificada durante o período de exercício do seu cargo e lhes seja imputável a falta de pagamento” (alínea b) do nº 1 do artigo 8º do RGIT.) E, nada disso foi também feito. Não se mostrando comprovados os pressupostos, necessários, para a responsabilidade da aqui Oponente pelas dívidas de coimas fiscais da sociedade devedora originária, não pode deixar de proceder com tal fundamento, a presente oposição. Procedendo em consequência, também, neste aspecto, o invocado fundamento da ilegitimidade da revertida”.
DECIDINDO NESTE STA:
Perante o teor das conclusões da alegação de recurso, a questão que se coloca à apreciação deste Tribunal é a de saber se a sentença recorrida padece de nulidade por, em violação do disposto nos art°s 125°, n° 1 do CPPT, e 668°, n° 1 alínea d), do CPC (à data em vigor), se ter pronunciado expressamente sobre questão que não devia conhecer e se, em consequência a sentença deve ser declarada nula.
Vejamos:
A decisão recorrida olvidou o conhecimento da questão essencial que lhe foi colocada, a saber: se estava devidamente fundamentado o despacho que ordenou a reversão da execução contra a ora oponente e acabou por considerar que era procedente a oposição por esta ser parte ilegítima quanto à responsabilidade pelo pagamento das coimas e por nada ter ficado provado quanto à eventual culpa da oponente pela insuficiência patrimonial da devedora originária para satisfação das suas obrigações fiscais no caso os impostos supra referidos.
Quid Juris?
Ocorreu excesso de pronúncia?
Nos termos do artigo 125.º nº 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer.
Dispunha, por outro lado, o artº 668º, nº 1, al. d) do Código de Processo Civil (hoje 615º nº 1 al. d) do novo CPC) que é nula a sentença quando o juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Finalmente, nos termos do então art. 660º, nº 2, do CPC (preceito com correspondência no actual artº 608º do novo CPC) impendia sobre o juiz a obrigação de conhecer de todas as questões que sejam suscitadas pelas partes bem como daquelas que sejam do conhecimento oficioso.
Como referem José Lebre de Freitas, João Redinha, Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, VolI. , pag. 670 o juiz deve conhecer «de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente lhe cabe conhecer (…) Não podendo o juiz conhecer de causas de pedir não invocadas, nem de excepções na exclusiva disponibilidade das partes (art. 660-2), é nula a sentença em que o faça».
Não sofre dúvida que, a oponente se insurgiu contra a reversão, essencialmente, por falta de fundamentação formal do despacho de reversão, ainda que as questões da gerência de facto e grau de insuficiência patrimonial da devedora originária (abordadas nos articulados 44 a 60 da petição inicial) possam também enquadrar-se nos pressupostos da legalidade do despacho de reversão. Mas o certo é que a oponente não suscitou a questão da sua ilegitimidade, por não ter sido por culpa sua que o património devedora originária se tomou insuficiente para pagar a dívida exequenda ou não lhe ser, à data, (anterior à lei nº 3-B/2010 de 18 de Abril que alterou o artº 148º do CPPT) imputável a responsabilidade pelas coimas aplicadas à empresa originária devedora.
Ora é exacto que o tribunal não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir o conhecimento oficioso de outras (artigo 660.°/2 do CPC).
A questão da falta de fundamentação do despacho de reversão na vertente expressa na petição de impugnação e resumida no articulado 64º que passamos a citar em parte, não obteve abordagem: “(…) com vista à fundamentação da decisão que ordenou a reversão da execução contra o sujeito passivo obrigado solidariamente, deveria a AF:
I) de forma objectiva e fundamentada ter demonstrado a qualidade de gerente de facto da aqui oponente, invocando factos que demonstrassem o exercício efectivo do cargo;
II) deveria de forma justificada ter apurado o grau de insuficiência do património da sociedade “B……………, LDA”, para satisfação da dívida tributária;
III) e em consequência determinar de forma exacta o montante pelo qual a ora oponente seria responsabilizada por via da reversão da execução fiscal.
Esta(s) questão(ões) não foi (ram) suficientemente apreciada(s) (e dizemos suficientemente, porque em relação à necessidade de ser invocada a gerência de facto houve efectiva pronúncia por parte da decisão recorrida) e no reverso as apontadas questões sobre as quais tomou conhecimento a sentença recorrida e que foram nucleares para a decisão de procedência da oposição não só não foram suscitadas na oposição como não são de conhecimento oficioso.
E, não o tendo sido, era vedado ao tribunal delas conhecer.
Já no tocante às dívidas provenientes de coimas, verifica-se que a procedência da oposição resultou da apreciação e decisão de duas questões que constituem, por si só, fundamento autónomo de procedência: por um lado, por se ter julgado que a AF não comprovou que o oponente tivesse exercido de facto as funções de gerente da sociedade devedora (questão que fora invocada) e, por outro, por se ter julgado que a AF não alegou nem demonstrou que foi por culpa do oponente que o património da sociedade se tornou insuficiente.
Com efeito, na sentença decidiu-se, quanto às dívidas de coimas, que «Incumbia assim à Administração Fiscal não só comprovar que a aqui oponente havia exercido de facto as funções de gerente da sociedade devedora originária nos períodos de referência previstos nas alíneas a) e b) do nº 8º do RGIT, o que não fez…».
Ora, afigura-se-nos que não houve excesso de pronúncia por, exactamente, ter sido invocado o vício decorrente da não comprovação pela AT de que a oponente tivesse exercido de facto as funções de gerente da sociedade devedora. É certo que a sentença ainda conheceu da culpa da oponente na verificação da insuficiência do património da sociedade como resulta do extracto da sentença supra citado, mas tal entende-se processualmente irrelevante, porquanto sempre terá de proceder a oposição pelo primeiro fundamento, que não foi atacado neste recurso.
E se é inquestionável que a questão colocada no recurso é apenas a da nulidade da sentença por excesso de pronúncia, e visto que relativamente às dívidas de coimas a sentença fundou a sua pronúncia decisória em duas razões autónomas, correspondentes a questões jurídicas distintas, uma das quais expressamente invocada na petição inicial, então entendemos que a respectiva pronúncia decisória terá de permanecer intocada, já que por força do disposto no art. 635º nº 4 do actual CPC (a que correspondia o art. 684º nº 4 do anterior CPC) os efeitos jurídicos do julgado, na parte não recorrida - e onde se enquadra a decisão de procedência da oposição relativamente às dívidas de coimas por ilegitimidade do oponente - não podem ser prejudicados pela decisão deste recurso, isto é, pela decisão de anulação da sentença por excesso de pronúncia, sendo de anulá-la apenas na parte tocante ao conhecimento e decisão da questão da culpa que determinou a procedência da oposição quanto às dívidas de impostos.
Do exposto decorre, a nulidade da sentença recorrida nos termos apontados.
Verificada a apontada nulidade e tendo ficado por decidir a única questão suscitada pelo recorrente, saber se o despacho que ordenou a reversão para efectivar a responsabilidade subsidiária por dívidas de impostos (destaque nosso) se encontra devidamente fundamentado, devem os autos baixar ao Tribunal “a quo” para que emita a omitida pronúncia.


4- Decisão -
Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em conceder provimento ao recurso, anulando a sentença recorrida por excesso de pronúncia, nos termos sobreditos, e em ordenar a baixa dos autos ao tribunal recorrido para conhecer das questões colocadas relativas à dívida de imposto.

Sem custas.

Lisboa, 12 de Fevereiro de 2015. - Ascensão Lopes (relator) - Dulce Neto - Isabel Marques da Silva.