Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0751/10.1BEALM
Data do Acordão:06/23/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOSÉ GOMES CORREIA
Descritores:RECURSO
CPPT
PRESSUPOSTOS
Sumário:I - O recurso consagrado no n.º 3 do artigo 280.º do CPPT possui natureza excepcional quer relativamente aos demais tipos de recurso previstos na legislação processual civil e processual administrativa quer quanto aos regimes consagrados nos n.ºs 1 e 2 do mesmo normativo.
II – A admissibilidade do recurso referido em I depende da verificação dos seguintes requisitos (i) identidade da questão fundamental de direito; (ii) ausência de alteração substancial da regulamentação jurídica; (iii) identidade de situações fácticas; (iv) antagonismo de soluções jurídicas entre a sentença de que se recorre e, no mínimo, quatro sentenças proferidas por qualquer outro tribunal tributário.
III - Os critérios interpretativos consagrados no artigo 9.º do Código Civil, em especial nos seus nºs 1 e 2, impõem que se conclua que o recurso previsto no n.º 3 do artigo 280.º do CPPT tem necessariamente por objecto sentenças ou acórdãos, pelo que não pode, ao abrigo dessa disposição, ser admitido recurso do despacho que decidiu a reclamação do pagamento da taxa de justiça.
Nº Convencional:JSTA000P27893
Nº do Documento:SA2202106230751/10
Data de Entrada:03/19/2021
Recorrente:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A.................
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1.– Relatório

Vem interposto recurso jurisdicional pelo Representante da Fazenda Pública, nos termos do artigo 280.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), na redacção dada pela Lei n.º 118/2019, de 17 de Setembro, visando a revogação da decisão de 26/10/2020, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, que indeferiu a reclamação do pagamento da taxa de justiça, invocando, para o efeito, o conteúdo do Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo em 30/10/2019, no processo n.º 108/17.3BEPNF.

Inconformada, nas suas alegações, formulou a recorrente Representante da Fazenda Pública, as seguintes conclusões:


“a) A interposição do presente Recurso é efectuada ao abrigo do disposto no n.º 3, do artigo 280.º, do CPPT, que admite o direito ao Recurso por Oposição de Julgados, para o STA, das decisões que, relativamente à(s) mesma(s) questão(ões) de direito, perfilhem solução oposta “relativamente ao mesmo fundamento de direito e na ausência substancial de regulamentação jurídica, com mais de três sentenças do mesmo ou de outro tribunal tributário”, independentemente da alçada.
b) Foi nos presentes autos, proferido douto Despacho, através do qual a Meritíssima Juiz, do Tribunal “a quo”, indeferiu a reclamação da taxa de justiça apresentada, pela Representação da Fazenda Pública, nos termos do disposto no artigo 14-A, do Regulamento das Custas processuais.
c) Reclamou a Fazenda Pública da taxa de justiça pedida, nos termos do artigo 15.º, n.ºs, 1 e 2, do Regulamento das Custas Processuais (doravante RCP), apresentada a coberto da Guia Cível/Penal, no valor de € 408,00, importância que aquele douto Tribunal entende ser devida pela Fazenda Pública (FP), pelo seu impulso processual - Contestação.
d) Pelo aludido Despacho, veio o Tribunal “a quo”, julgar totalmente improcedente a referida reclamação, por entender que a redução taxa de justiça requerida - prevista na al. d) do artigo 14.º-A, redução da taxa de justiça para metade nas acções, como in casu, que terminam antes da designação da data da audiência final – não é devida, não obstante não tenha havido Inquirição de testemunhas.
e) Tudo porque, no entendimento do douto Tribunal, não obstante o alegado, a acção terminou após a sentença judicial final que lhe pôs fim.
f) Estipula o n.º 3, do artigo 33.º, da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de abril, que “Da decisão proferida cabe recurso em um grau se o valor da nota exceder 50 UC.”, o que não é, manifestamente, o caso. No entanto, o n.º 3, do artigo 280.º, do CPPT, estabelece que “…é sempre admissível recurso, independentemente do valor da causa e da sucumbência, de decisões que perfilhem solução oposta relativamente ao mesmo fundamento de direito e na ausência substancial de regulamentação jurídica, com mais de três sentenças do mesmo ou de outro tribunal tributário.”.
g) Por sua vez, entende a Fazenda Pública que, no caso vertente, a decisão proferida perfilha solução oposta a outras que chegaram ao seu conhecimento, emitidas em diferentes Tribunais Administrativos e Fiscais, tais como no de Almada (TAF Almada), no de Beja (TAF Beja), no de Braga (TAF Braga), no de Coimbra, no de Leiria (TAF Leiria), no de Loulé (TAF Loulé), no Tribunal Tributário de Lisboa (TT Lisboa) e no Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela.
h) Assim sendo, e salvo o devido respeito, por se nos afigurar que do ponto de vista teleológico; ou seja, que nesta óptica interpretativa, a norma (n.º 5, do artigo 280.º, do CPPT), não obsta a que se admita o recurso quando a decisão recorrida e as decisões fundamento não sejam Sentenças. Neste sentido, vide sff, douto Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), de 03.05.2017, proferido no processo n.º 0141/17, disponível para consulta em www.dgsi.pt.
i) Mais entende, também, esta Representação da Fazenda Pública, que o agora decidido perfilha solução oposta a uma decisão proferida por Tribunal de hierarquia superior, relativamente à questão do valor da taxa de justiça devida, no caso, o Acórdão deste STA proferido no processo n.º 108/17.3BEPNF, em 30-10-2019, consultável em www.dgsi.pt.
j) Com efeito, o que seja o “mesmo fundamento de direito”, “solução oposta” e “ausência substancial de regulamentação jurídica”, referidos naquela norma, são conceitos que Jorge Lopes de Sousa analisa, no seu CPPT, anotado e comentado, volume IV, 6.ª edição 2011, Áreas Editora, pág. 422, nos comentários ao artigo 284.º.
k) Assim, na obra citada, a págs. 475, refere o credenciado autor, que “Para se poder considerar que há oposição de soluções jurídicas será de exigir que ambos os acórdãos versem sobre situações fácticas substancialmente idênticas, como vem sendo jurisprudência do STA. Não é exigível, porém, uma total identidade dos factos mas apenas que eles sejam subsumíveis às mesmas normas legais.”.
Expressando, ainda, a págs. 477, o seguinte:
De qualquer modo, para haver contradição de julgados sobre a mesma questão fundamental de direito e não mera divergência do sentido de decisões, será imprescindível que esteja em causa essencialmente a aplicação do mesmo regime jurídico, pois se em duas decisões de sentidos opostos forem aplicados regimes jurídicos distintos que justifiquem o decidido, em ambas, não haverá uma contradição (…). Essencialmente, poderá dizer-se que há alteração jurídica relevante para afastar a existência de oposição de acórdãos sempre que as eventuais modificações legislativas possam servir de base a diferentes argumentos que possam ser valorados para determinação da solução jurídica.”. l) Também o STA, em diversos Acórdãos, procedeu já à densificação dos conceitos em causa – Cfr. Acórdão de 25.10.2017, proferido no processo n.º 0426/16, ou o Acórdão já citado supra, de 03.05.2017, proferido no processo n.º 0141/17, ambos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt. Neste último aresto, pode ler-se, no seu sumário, o seguinte:
«I - O n.º 5 do art. 280.º do CPC permite o recurso de sentença proferida em processo que, ainda que de valor inferior ao da alçada dos tribunais tributários, perfilhe «solução oposta relativamente ao mesmo fundamento de direito e na ausência substancial de regulamentação jurídica, com mais de três sentenças do mesmo ou outro tribunal de igual grau ou com uma decisão de tribunal de hierarquia superior».
II - A teleologia da norma não obsta a que se admita o recurso quando a decisão recorrida e as decisões fundamento não sejam sentenças.
III - No entanto, sempre serão exigíveis mais de 3 decisões, se estas provierem do mesmo ou de outro tribunal de igual categoria.
IV - Se a decisão fundamento provier de tribunal de hierarquia superior impõe-se que verse sobre situação fáctica substancialmente idêntica à da decisão recorrida.».
m). Quanto às decisões de outros tribunais tributários, juntam-se a estas alegações de recurso, mais de três decisões em sentido contrário àquela de que agora se recorre, sendo de realçar as proferidas pelos tribunais superiores.
n) No Acórdão proferido pelo STA, no processo n.º 108/17.3BEPNF, em 30-10-2019, pode ler-se o seguinte:
«3.5. No recurso que interpõe da decisão do TAF de Penafiel que deferiu a reclamação da Fazenda Publica (FP) e, consequentemente, a dispensou do pagamento da segunda prestação da taxa de justiça, alega o Ministério Publico existir violação do disposto no n.º 5 do artigo 14.º e no n.º 7 do artigo 6.º do RCP e erro na interpretação da al. d) do artigo 14.º-A do RCP. Segundo a interpretação que o recorrente faz da aplicação dos preceitos normativos antes mencionados ao processo de impugnação judicial, como neste não existe audiência de julgamento (limita-se a fase dos articulados e a fase da sentença, com possibilidade ainda de existir uma fase de instrução), nunca poderia aplicar-se o disposto no artigo 14.º-A, al d) do RCP, razão pela qual o tribunal não poderia dispensar a FP do pagamento da segunda prestação.
3.6. Trata-se, porém, de uma interpretação do disposto nas normas que não pode ser acolhida. E que, como sublinhamos antes, a aplicação do RCP ao processo de impugnação judiciai pressupõe as adaptações necessárias para que os princípios e as regras gerais nesta matéria sejam plenamente realizados no domínio do processo tributário. Acresce que algumas das alíneas do artigo 14.º-A do RCP visam, precisamente, reduzir a taxa de justiça para metade (na solução que textualmente aí se denomina como dispensa de pagamento da segunda prestação), adaptando-a aos processos administrativo e tributário em que a tramitação é mais simplificada do que no processo civil. É o caso, precisamente, das als. c) e d) do artigo 14.º-A.
No primeiro caso — da al. c) do referido artigo 14.º-A — prevê-se a dispensa de pagamento da segunda prestação da taxa de justiça nas ações que terminem antes de oferecida a oposição, o que sucede, por exemplo, quando a Fazenda Publica procede à revogação do ato impugnado nos termos do disposto no artigo 112.º do CPPT, como aconteceu neste caso.
Na segunda hipótese — prevista na al. d) do mesmo artigo 14.º-A -, haverá também redução da taxa de justiça para metade se a ação terminar antes da data da audiência final, isto significa, nos processos em que não existe audiência final — como é (já o dissemos) o caso do processo de impugnação judicial —, se o processo terminar antes da abertura da conclusão ao juiz — quando exista apenas a fase dos articulados e a fase da sentença — ou se terminar antes de ter início a produção da prova caso exista também uma fase de instrução (artigos 114.ºss do CPPT). Neste mesmo sentido se pronunciava já a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, na vigência do Código de Custas Judiciais (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 224-A/96, de 26 de Novembro), a propósito da aplicação do n.º 4 do artigo 27º e da al a), do n.º 1 do artigo 19.º - acórdão de 14 de Abril de 2010, no processo 849/ 09.».
o) Existe, assim, e salvo melhor opinião, em todos estes processos, identidade da situação fáctica e as mesmas questões de direito a dirimir, pelo que estão verificados os requisitos do recurso por oposição de julgados, tais como fixados no n.º 3, do artigo 280.º, do CPPT, ou seja, a existência de mais de três decisões de tribunais tributários com solução oposta à que se perfilhou no douto Despacho do qual agora se recorre.
p) Como referido supra, veio o Tribunal “a quo”: - “Assim, tendo o presente processo terminado por decisão final de mérito proferida em 17/3/2020 (cf. sentença a fls. 109 a 208 dos autos em suporte digital), não é aplicável qualquer das reduções estabelecidas nas várias alíneas do citado artigo 14.º-A do RCP.
Ora, o presente processo não terminou “antes da abertura de conclusão ao Juiz”, mas sim, após a sentença judicial final que lhe pôs fim.
Face ao exposto, indefiro a presente reclamação, devendo a taxa de justiça ser objeto de cobrança na sua totalidade.”.
q). Como antedito, o entendimento de que não é devido o pagamento da segunda prestação da taxa de justiça, nas impugnações judiciais que terminem sem que tenha sido realizada a diligência de inquirição das testemunhas arroladas pelas partes, como ocorreu neste processo, é seguido, desde há muito, por diversos tribunais administrativos e fiscais. Com efeito, sobre a questão do valor da taxa de justiça, o TAF Braga, o TAF Coimbra, o TT Lisboa e o TAF Mirandela, analisando esta mesma questão, chegaram a conclusões opostas à do Despacho aqui recorrido, pronunciando-se através de Despachos, já todos transitados em julgado, e que se passam a analisar:
- No Despacho proferido em 18-06-2019, pelo TAF Braga, no âmbito do Processo de Impugnação com o n.º 133/17.4BEBRG (Cfr. Doc. 3), pode ler-se o seguinte:
«Inexistiu audiência final – Cfr. al. B) dos factos provados -, pelo que não era devido o pagamento da segunda prestação de taxa de justiça por parte da Impugnante.».
- No Despacho proferido em 14-07-2020, pelo TAF Coimbra, no âmbito do Processo de Impugnação com o n.º 398/18.4BECBR (Cfr. Doc. 5), pode ler-se o seguinte:
«…não comportando os presentes autos audiência de julgamento, considera-se ser de aplicar o referido artigo pelo que, atendendo à posição firmada pelo Supremo Tribunal Administrativo, no Acórdão que proferiu no processo n.º 108/17.3BEPNF, em 30 de outubro de 2019…».
- No Despacho proferido em 04-04-2020, pelo TT Lisboa, no âmbito do Processo de Impugnação com o n.º 118/12.7BELRS (Cfr. Doc. 4), pode ler-se o seguinte:
«In casu, não tendo havido audiência de julgamento, a taxa de justiça devida é reduzida a metade, nos termos do artigo 14.º-A, alínea d), do RCP. Assim, a Impugnante efectuou um pagamento, a titulo de taxa de justiça, superior ao legalmente estipulado, dado que, eram devidos apenas 816,00 EUR, e não 1.632,00 EUR (valor pago pela Impugnante).».
- Por fim atente-se no que, relativamente à mesma questão, decidiu o TAF Mirandela no Despacho proferido em 14-03-2019, no processo de Impugnação n.º 5/17.2BEMDL:
«A interpretação do art.º 113.º, n.º 1 do CPPT (“Junta a posição do representante da Fazenda Pública ou decorrido o respectivo prazo, o juiz, após vista ao Ministério Público, conhecerá logo o pedido se a questão for apenas de direito ou, sendo também de facto, o processo fornecer os elementos necessários”), para efeitos da (não) dispensa do pagamento de 2ª prestação da taxa de justiça (art.º 14.º, n.º 1, al. d) do RC P), deve ser feita quando se materialize um qualquer acto de instrução efectiva probatória, ou seja, de necessidade de carrear para os autos prova nos termos vertidos no art. 114º do CPPT, diligências, quaisquer uma, ainda que a ordenar, ou a convidar, à junção de documentos, e não o do simples contraditório em termos de alegações a que alude o art. 120º do mesmo diploma, ou de vista ao MP, para parecer.»
r). Deste modo, atento o exposto, e no que diz respeito a esta questão, não pode a Fazenda Pública concordar com a conclusão do Tribunal ora recorrido, pois a aludida guia, então apresentada, sempre careceria de correção para o valor proposto, e já pago pela Fazenda Pública, na sua reclamação, ou seja de € 204,00 - duzentos e quatro euros.
s) Assim, e com todo o respeito devido pelo Tribunal “a quo”, que é muito, entende a Fazenda Pública que não pode manter-se o decidido no douto Despacho de que aqui se recorre, por não fazer a correcta interpretação e aplicação dos dispositivos legais em causa, perfilhando solução oposta “relativamente ao mesmo fundamento de direito e na ausência substancial de regulamentação jurídica”, relativamente a mais de três decisões de outros tribunais tributários.
t) Mutatis mutandis, no tocante à decisão que condena a Fazenda Pública em custas, porque não pode deixar de reconhecer-se que, sendo a decisão aqui recorrida, revogada e substituída por douto Acórdão proferido por este Tribunal, como estamos seguros que sucederá, há de concluir-se que o valor pago, de € 204,00, será entendido não só como o valor reduzido, mas também como o valor devido.
u). Assim, em face do disposto nas supra referidas normas legais, não pode deixar de reconhecer-se razão à Fazenda Pública, ficando, assim, isenta do pagamento de custas.
v) Assim, ao decidir como decidiu, a Meritíssima Juíza do Tribunal “a quo” perfilhou, no douto Despacho sub judice, solução oposta “relativamente ao mesmo fundamento de direito e na ausência substancial de regulamentação jurídica, com mais de três sentenças” (no caso, Despachos) de outros tribunais tributários.
Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, com o douto suprimento judicial, requer-se a V.as Ex.as se dignem julgar PROCEDENTE o presente recurso, por totalmente provado e, em consequência, revogado e substituído o Despacho, ora recorrido, por douto Acórdão no qual se decida pela procedência da Reclamação apresentada pela Fazenda Pública, atenta a motivação supra exposta, tudo no sentido da redução, a metade, da taxa de justiça pedida, no caso, no valor já pago de € 204,00.”

Não houve contra-alegações.

Neste Supremo Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, notificado nos termos do art. 146.º, n.º 1, do CPTA, pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso, com a seguinte fundamentação:

“1. Objecto do recurso.
O presente recurso vem interposto da decisão do TAF de Almada, que indeferiu a reclamação apresentada pela Fazenda Pública, na sequência da sua notificação, após prolação de sentença que pôs termo ao processo, para efetuar o pagamento da taxa de justiça no valor de € 408,00 euros.
A Recorrente assenta o seu recurso ao abrigo do disposto no nº3 do artigo 280º do CPPT, na redação introduzida pela Lei nº 118/2019, alegando que a decisão recorrida perfilhou solução oposta à tomada em mais de três decisões do mesmo ou de outros tribunais tributários, que documentou nos autos.
Considera a Recorrente, invocando em seu abono a jurisprudência firmada no acórdão do STA de 30/10/2019, proferido no processo nº 108/17.3BEPNF, que não tendo havido lugar à produção de prova testemunhal, não há lugar ao pagamento da segunda prestação da taxa de justiça devida, atento o disposto na alínea d) do artigo 14ºA do Regulamento das Custas Processuais.
E termina pedindo a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por decisão que julgue verificada a dispensa de pagamento da 2ª prestação da taxa de justiça.
2. Conforme se alcança dos autos, na sequência da prolação da sentença por parte do tribunal “a quo”, a Fazenda Pública foi notificada para efetuar o pagamento da taxa de justiça devida no processo, no valor de € 408,00 euros. Perante tal notificação a Fazenda Pública apresentou reclamação dirigida ao juiz, na qual contestou o valor da taxa de justiça assinalada, invocando que era devida apenas metade (€ 204,00), por no caso concreto não ser devido o pagamento da 2ª prestação da taxa de justiça, por não ter havido lugar a sessão de julgamento, nos termos da alínea d) do artigo 14º-A do RCP. E em abono de tal entendimento, invocou a jurisprudência firmada no acórdão deste tribunal de 30/10/2019, proferido no processo nº 108/17.3BEPNF.
O tribunal “a quo” assim não o entendeu, por considerar que «o presente processo não terminou “antes da abertura da conclusão ao juiz”, mas sim, após a sentença judicial final que lhe pôs fim.
É desta decisão que vem apresentado o presente recurso, com os fundamentos supra enunciados.
3. Ora, salvo melhor opinião, afigura-se-nos que não assiste razão à Recorrente. E desde logo porque a Recorrente, salvo o devido respeito, não faz uma correta leitura do acórdão deste tribunal de 30/10/2019, proferido no processo nº 108/17.3BEPNF.
Dispõe o nº2 do artigo 529º do CPC, para o qual remete o nº1 do artigo 13º do Regulamento das Custas Processuais («A taxa de justiça é paga nos termos fixados no Código de Processo Civil, aplicando -se as respectivas normas, subsidiariamente, aos processos criminais e contra-ordenacionais, administrativos e fiscais».), que a taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual de cada interveniente e é fixado em função do valor e complexidade da causa. Nos casos em que a taxa é calculada nos termos da Tabela I-A e C, o legislador veio prever no nº2 do artigo 13º do RCP o seu pagamento em duas prestações (Com a aprovação do RCP o legislador optou pela aplicação de uma taxa única (em vez das anteriores taxa inicial e taxa subsequente), mas acabou por adotar um sistema equiparado ao introduzir o pagamento da taxa em duas prestações.), sendo a primeira paga até ao momento da prática do acto processual a ela sujeito e a segunda no prazo de 10 dias a contar da notificação para a audiência final (nº1 e 2 do artigo 14º do RCP). Mais estabeleceu o legislador que nos casos em que não haja lugar a audiência final, caso não haja lugar à sua dispensa nos termos do artigo 14º-A, esta é incluída na conta de custas final – nº5 do mesmo preceito legal.
Ora, como se sabe, no processo tributário, designadamente no processo de impugnação judicial, não há lugar a audiência final, pois este processo não apresenta a mesma estrutura de fases de audiência prévia e audiência final previstas no processo civil (títulos II e III do Livro III do CPC). Aliás, só no decurso da fase de instrução é que para efeitos de produção de prova, designadamente prova testemunhal, a lei impõe que a mesma seja realizada em “audiência contraditória”, mas ainda assim pode ser realizada sem a presença das partes (nº4 do artigo 118º do CPPT).
Não estando prevista a “audiência final” no processo tributário, importa analisar se ao abrigo do artigo 14º-A do RCP está ou não prevista a “dispensa do pagamento da segunda prestação”, que no fundo consubstancia uma redução da taxa (como ocorria no Código das Custas Judiciais), designadamente ao abrigo da alínea d) do referido normativo legal.
Ora, na alínea j) do artigo 14º-A do RCP o legislador prevê um caso específico do processo tributário, nos termos do qual não há lugar ao pagamento da segunda prestação «no que respeita à taxa paga pelo impugnante, em caso de desistência no prazo legal após a revogação parcial do acto tributário impugnado».
Tal não é o caso dos autos. Como decorre dos autos, após a fase dos articulados foi determinada a produção de prova testemunhal, em cuja audiência a parte prescindiu da mesma, tendo de seguida sido produzidas alegações escritas e, após vista ao MºPº, proferida sentença.
A Recorrente invoca o disposto na alínea d) do art. 14º-A, do RCP, alegando que como foi dispensada a produção de prova testemunhal, tal situação é subsumível no referido normativo. E em abono da sua tese invoca o entendimento vertido no acórdão deste tribunal proferido no processo nº 108/17.3BEPNF.
Não acompanhamos tal tese, que a nosso ver e salvo o devido respeito, não tem qualquer apoio na letra da lei.
Desde logo, porque como se deixou supra referenciado, por o processo de impugnação judicial não prever qualquer “audiência final”, motivo pelo qual as razões que o legislador teve em consideração na referida alínea para a redução da taxa não podem estar presentes neste processo. Daí que nos mereçam sérias reservas e não acompanhemos igualmente as considerações feitas no acórdão de 30/10/2019 no sentido da redução da taxa ao abrigo da referida alínea d) (com a dispensa do pagamento da 2ª prestação), «se o processo terminar antes da abertura da conclusão ao juiz – quando exista a fase dos articulados e a fase da sentença – ou se terminar antes de ter início a produção da prova – caso existam também uma fase de instrução (artigos 114º ss do CPPT)»
Na verdade e salvo o devido respeito pelo entendimento sufragado no referido aresto, não se percebe porque motivo «a aplicação do RCP ao processo de impugnação judicial pressupõe as adaptações necessárias para que os princípios e as regras gerais nesta matéria sejam plenamente realizados no domínio do processo tributário», como ali se afirmou. Como resulta do artigo 2º do RCP, o Regulamento aplica-se aos processos que correm termos nos tribunais judiciais, nos tribunais administrativos e fiscais e no balcão nacional de injunções. Ou seja, na elaboração das suas normas, o legislador já teve em consideração as especificidades dos processos das diversas jurisdições. E se não previu determinadas especificidades que porventura se justificariam na jurisdição administrativa e fiscal tal deve-se a um propósito de simplificação do regulamento das custas, que aliás norteia o legislador desde a aprovação deste Regulamento, como resulta do seu preâmbulo. Afigura-se-nos, assim, que as considerações efetuadas no citado aresto só se justificariam se o RCP fosse de aplicação subsidiária ao processo tributário, o que como é evidente não é o caso.
Por outro lado a tese da Recorrente também não procede porque a situação subjacente ao citado aresto não é similar à dos autos. Na verdade, na situação analisada no acórdão de 30/10/2019 (proc. 0108/17.3BEPNF), o processo terminou com a extinção da instância por inutilidade da lide, na sequência da revogação do ato impugnado pela Administração Tributária, após a fase dos articulados, situação que o STA subsumiu na previsão das alíneas c) e d) do artigo 14º-A do RCP.
Ali se deixou consignado que: «tendo o processo em causa terminado por inutilidade superveniente da lide, antes da designação da data da audiência de inquirição das testemunhas, em consequência da revogação do acto impugnado pela Fazenda Pública nos termos previstos no artigo 112.º do CPPT, devem considerar-se preenchidos os pressupostos das alíneas c) e d) do artigo 14.º-A do RCP, que determinam não haver lugar ao pagamento da segunda prestação da taxa de justiça».
Ou seja, no entendimento do referido aresto, a ação terminou “antes de oferecida a oposição” e nessa medida subsumível na alínea c) do artigo 14º-A do RCP (Ainda que nos suscite igualmente sérias reservas este entendimento vertido no aresto, por erro nos pressupostos de facto, uma vez que de acordo com a matéria de facto assente naqueles autos «a instância foi julgada extinta antes de ter sido marcada a data para a realização da diligência de inquirição das testemunhas arroladas pela impugnante», o que revela que a Fazenda Pública requereu a extinção da instância por inutilidade da lide após a fase de articulados e oferecimento da contestação (como aliás resulta do processo). Tendo a AT deduzido oposição à pretensão da Autora da ação, tal facto afastaria a aplicabilidade da alínea c) do artigo 14º-A.).
Todavia, no caso concreto dos autos, como referimos supra, após a fase dos articulados foi determinada a produção de prova testemunhal, em cuja audiência contraditória a parte prescindiu da mesma, tendo de seguida sido produzidas alegações escritas e, após vista ao MºPº, proferida sentença.
Ora, mesmo na perspetiva vertida no acórdão de 30/10/2019, a redução da taxa só ocorrerá “se o processo terminar antes da abertura da conclusão ao juiz” ou “antes de ter início a produção de prova”, o que manifestamente não ocorreu no caso concreto. Embora tenhamos alguma dificuldade em delimitar e diferenciar as situações referidas no aresto citado (não vislumbramos nenhuma situação em que o processo termine sem a intervenção do juiz), aparentemente teve-se em consideração aquelas situações em que o juiz decide conhecer de imediato do pedido ao abrigo do disposto no artigo 113º, nº1, do CPPT (Embora seja certo que mesmos nestes casos – que são a maioria - se tem entendido que se for junto o processo administrativo há sempre lugar a notificação para alegações escritas (cfr. neste sentido ac. do Pleno de 08/05/2013, proc. 01230/12, e ac. da seção de 22/11/2017, proc. 01063/17). Ora, são raras as situações em que não seja junto qualquer processo administrativo pela Fazenda Pública, pois o mesmo contém, em regra, a fundamentação do ato impugnado.), caso em que haverá lugar a redução da taxa se se verificar causa de extinção da instância em momento anterior à apresentação do processo ao juiz para sentença; E aquelas situações em que o juiz determina a produção de prova, nos termos do artigo 114º do CPPT, mas a mesma não venha a realizar-se, por entretanto ocorrer qualquer causa (designadamente desistência da instância ou inutilidade da lide) que obste ao prosseguimento do processo e sirva de fundamento à extinção da instância.
Ora, no caso dos autos nenhuma dessas situações ocorreu. Após a fase dos articulados, nos quais foram arroladas testemunhas pela impugnante, foi determinado pela Mma. Juiza “a quo” a produção de prova, tendo sido designado dia para inquirição de testemunhas (despacho de 03/06/2013). Posteriormente foi apresentado requerimento a prescindir do seu depoimento (por alegadamente não estarem disponíveis na data designada), mas por diversas vicissitudes a audiência para inquirição de testemunhas acabou mesmo por ser aberta, sem contudo se ter feito a produção de prova (acta de 26/09/2013). E só depois foram as partes notificadas para alegações escritas, seguindo-se a vista ao MºPº e prolação da sentença.
Ou seja, estamos perante uma tramitação normal e completa do processo de impugnação judicial, com a realização de todas as fases e atos processuais deste processo previstos no CPPT e em que foi posto termo ao mesmo com a prolação de sentença que conheceu do fundo da causa.
Seguramente que neste caso não há qualquer fundamento subsumível nas diversas alíneas do artigo 14º-A do RCP, que aliás são taxativas, e caso o legislador assim o entendesse, atendendo à tramitação simplificada do processo tributário, sempre teria previsto uma alínea específica como o fez para as ações de processo civil simplificado. Todavia, em relação ao processo tributário o legislador apenas consagrou a situação prevista na alínea j) desse mesmo preceito legal.
Por outro lado é por demais evidente – e a experiencia nos tribunais tributários, desde a reforma de 2003, é por si reveladora – que a produção de prova testemunhal no processo tributário não constitui factor de complexidade ou sequer de morosidade do processo tributário de modo a justificar, de per si, qualquer diferenciação ao nível da taxa de justiça a suportar pelas partes.
Assim sendo, entendemos que para além das situações subsumíveis na alínea j) do artigo 14º-A, apenas as situações similares em que há lugar à revogação integral do ato impugnado por parte da ATA no prazo previsto no nº1 do artigo 111º do CPPT, que constitua fundamento da inutilidade superveniente da lide, e a FP não apresente contestação, são subsumíveis na alínea c) do mesmo preceito legal, e constituem fundamento legal para a redução da taxa.
Mas ainda que assim não se considere, nunca a “não produção de prova testemunhal “– ou falta de inquirição de testemunhas - pode ser equiparada à “não realização de audiência final” prevista na alínea d) do artigo 14º-A do RCP.
Em face do exposto, afigura-se-nos que a decisão recorrida não padece do vício de ilegalidade que lhe é assado pela Recorrente, motivo pelo qual se impõe a sua confirmação, julgando-se improcedente o recurso.

*

Os autos vêm à conferência satisfeitos os vistos legais.

*

2. FUNDAMENTAÇÃO:

2.1. A decisão recorrida tem o seguinte teor:

“I – RELATÓRIO:
A Fazenda Pública, com os demais sinais dos autos, notificada para pagamento da taxa de justiça veio apresentar reclamação da mesma.
Alega para o efeito que apenas tem o dever de pagar metade da taxa de justiça, ou seja o valor de EUR 204,00, atendendo ao disposto na alínea d) do artigo 14.º-A do Regulamento e Custas Processuais (RCP).
Alega para fundamentar a sua pretensão que deve ser dispensado do pagamento da segunda prestação da taxa de justiça, porque a ação terminou antes da designação da data da audiência final, situação que entende se verificar quanto ao presente processo de impugnação, onde foi julgada dispensável a produção de prova testemunhal, nos termos do disposto no artigo 114.º do CPPT.
Para fundamentar o alegado invoca ainda, o conteúdo do Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo proferido em 30/10/2019, no processo n.º 108/17.3, disponível para consulta em www.dgsi.pt.
O digno Magistrado do Ministério Público nos termos do artigo 31.º n.º 4 do RCP, emitiu o parecer constante de fls. 234 dos autos em suporte digital, no sentido da improcedência da presente reclamação.
Cumpre decidir,
Importa, assim apreciar se o procedimento de Impugnação judicial que decorreu nos presentes autos, se enquadra na invocada alínea d) do artigo 14.º-A do Regulamento de Custas Processuais.
Desde já se adianta que não assiste qualquer razão à reclamante.
Dispõe o artigo 14.º-A do Regulamento das Custas Processuais:
«Não há lugar ao pagamento da segunda prestação da taxa de justiça nos seguintes casos:
a) (Revogada);
b) Acções que não comportem citação do réu, oposição ou audiência de julgamento;
c) Acções que terminem antes de oferecida a oposição ou em que, devido à sua falta, seja proferida sentença, ainda que precedida de alegações;
d) Acções que terminem antes da designação da data da audiência final;
e) Acções administrativas especiais em que não haja lugar a audiência pública;
f) Acções administrativas especiais em massa suspensas, salvo se o autor requerer a continuação do seu próprio processo;
g) Processos de jurisdição de menores;
h) Processos de jurisdição voluntária, em matéria de direito da família;
i) Processos emergentes de acidente de trabalho ou de doença profissional terminados na fase contenciosa por decisão condenatória imediata ao exame médico;
j) Processos tributários, no que respeita à taxa paga pelo impugnante, em caso de desistência no prazo legal após a revogação parcial do acto tributário impugnado.»
Ora, considerando e seguindo de perto o douto Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo invocado pela reclamante, importa esclarecer:
Na al. c) do referido artigo 14.º-A – prevê-se a dispensa de pagamento da segunda prestação da taxa de justiça nas ações que terminem antes de oferecida a oposição, o que sucede, por exemplo, quando a Fazenda Pública procede à revogação do ato impugnado nos termos do disposto no artigo 112.º do CPPT.
Na segunda hipótese – prevista na al. d) do mesmo artigo 14.º-A –, haverá também redução da taxa de justiça para metade se a ação terminar antes da data da audiência final, isto significa, nos processos em que não existe audiência final – como é o caso do processo de impugnação judicial –, se o processo terminar antes da abertura da conclusão ao juiz quando exista apenas a fase dos articulados e a fase da sentença ou se terminar antes de ter início a produção da prova – caso exista também uma fase de instrução (artigos 114.ºss do CPPT).
Assim, tendo o presente processo terminado por decisão final de mérito proferida em 17/3/2020 (cf. sentença a fls. 109 a 208 dos autos em suporte digital), não é aplicável qualquer das reduções estabelecidas nas várias alíneas do citado artigo 14.º-A do RCP.
Ora, o presente processo não terminou “antes da abertura de conclusão ao Juiz”, mas sim, após a sentença judicial final que lhe pôs fim.
Face ao exposto, indefiro a presente reclamação, devendo a taxa de justiça ser objeto de cobrança na sua totalidade.
O presente pedido de reforma face aos fundamentos invocados constitui um incidente anómalo nos termos do artigo 7.º, n.º 4 do RCP.
Custas do presente incidente pelo reclamante que se fixam em 1 UC nos termos do artigo 7.º e da tabela II anexa ao RCP.
Registe e Notifique.


*

2.2.- Motivação de Direito

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA.
No caso, em face dos termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso pela recorrente, a questão que cumpre decidir subsume-se a saber se, a decisão vertida no despacho, o qual indeferiu a reclamação apresentada pela Fazenda Pública, padece de erro de julgamento por ter perfilhado solução oposta à tomada em mais de três decisões do mesmo ou outros tribunais tributários, que documentou nos autos, por ter considerado ser devida taxa de justiça, quando não houve lugar a produção de prova testemunhal, pelo que não haveria lugar ao pagamento da segunda prestação da taxa de justiça, atento o disposto na alínea d) do artigo 14.º-A do Regulamento das Custas Processuais.
Vejamos.
Esta conferência, por razões de uniformidade e de boa aplicação do direito, adopta a solução ditada no Acórdão deste STA de 28-10-2020, no processo nº279/18.1BEMDL, publicado em www.dgsi.pt em que foi relatora a Exmº Conselheira Anabela Russo e intervieram o relator e o 1º adjunto desta formação, Sr. Conselheiro Aníbal Ferraz, como 1º e 2º adjunto, respectivamente, reiterada em muitos outros Acórdãos posteriores deste STA, dos quais se indicam os 18/11/2020, Recurso nº 547/15.0BEMDL, de 16/12/2020, Recurso nº 264/16.8BEMDL e de 07/04/2021, Recurso nº 258/12.2BEMDL, todos publicados e disponíveis em www.dgsi.pt, e cujo discurso fundamentador, com a devida vénia, de modo adaptativo, passamos a transcrever:
“(…)

2. OBJECTO DO RECURSO

2.1. Como é sabido, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é o teor das conclusões com que a Recorrente finaliza as suas alegações que determina o âmbito de intervenção do tribunal de recurso [artigo 635.º do Código de Processo Civil (CPC)].

Essa delimitação do objecto do recurso jurisdicional, na sua vertente negativa, permite concluir se o recurso abrange tudo o que na sentença foi desfavorável ao Recorrente ou, se este, expressa ou tacitamente, se conformou com parte das decisões de mérito proferidas quanto a questões por si suscitadas (artigos 635.º, n.º 3 e 4 do CPC), situação em que não podem ser reapreciadas pelo Tribunal ad quem. Na sua vertente positiva, a delimitação do objecto do recurso, especialmente nas situações de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo como é o caso, constitui ainda o suporte necessário à fixação da sua própria competência, nos termos em que esta surge definida pelos artigos 26.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) e 280.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

(…)

A primeira [questão] é a de saber se estão verificados no caso concreto os pressupostos de admissibilidade do recurso consagrados no artigo 280.º, n.º 3 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

(…)

Sendo assim, comecemos por transcrever a norma em que a Recorrente fundou este recurso -artigo 280.º n.º 3 do CPPT:

«Para além dos casos previstos na lei processual civil e administrativa, é sempre admissível recurso, independentemente do valor da causa e da sucumbência, de decisões que perfilhem solução oposta relativamente ao mesmo fundamento de direito e na ausência substancial de regulamentação jurídica, com mais de três sentenças do mesmo ou de outro tribunal tributário.»

A simples leitura deste preceito permite que se extraiam de imediato dois tipos de conclusões.

Por um lado, que se conclua que estamos perante uma regulamentação excepcional, quer porque o legislador destacou que o meio de reacção neste normativo acrescia aos demais recursos “previstos na lei processual civil e administrativa”, quer porque o legislador, antes mesmo de enunciar os pressupostos de que dependia a admissibilidade desse recurso, vincou claramente que a sua admissão não dependia “do valor da causa e da sucumbência”. Foi, de resto, com este carácter de excepcionalidade que a doutrina e a jurisprudência desde sempre o conformaram.

Por outro, que se identifique o objectivo do legislador processual fiscal com a consagração deste recurso excepcional como sendo o de regular de forma especial a sindicância do julgamento de direito de determinadas decisões judiciais, ou seja, das decisões que, sem que ocorra uma alteração do quadro jurídico vigente, vêm a perfilhar uma solução de direito oposta à vertida em mais de três sentenças proferidas pelo mesmo ou outro tribunal tributário.

A opção legislativa pela consagração deste recurso, que se afasta de forma impressiva dos critérios ou pressupostos de admissibilidade estabelecidos para os recursos jurisdicionais ordinários e que apresenta também acentuadas particularidades (formais e substantivas) relativamente aos pressupostos exigíveis para a admissão de recurso de uniformização de jurisprudência (cfr. artigo 284.º do CPPT), tem, no entanto, de comum com o último recurso referido constituir uma via de concretização do princípio constitucional de igualdade de tratamento imanente ao princípio da justiça constitucionalmente consagrado em situações concretas que o legislador entendeu serem dignas de especial necessidade de protecção.

Sendo há muito reconhecido que os critérios de admissibilidade do recurso consagrado no n.º 3 do artigo 280.º do CPPT são idênticos aos requisitos globais para o conhecimento dos recursos interpostos com fundamento em oposição de acórdãos que antes da entrada em vigor da Lei n.º 118/19, de 17-9, estavam consagrados no artigo 284.º, n.º 1 do CPPT, (Neste sentido, vide, na doutrina, Jorge Lopes de Sousa, “Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado”, Áreas Editora, 6.ª edição, IV volume, anotação 11 c) ao artigo 280.º, pág. 422, e anotação 5 ao artigo 284.º, pág. 466; na jurisprudência, por todos, acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 29-5-2019, processo n.º 17/16.3BEAVR, integralmente disponível em www.dgsi.pt.) há que concluir (por da revogação do regime de recurso previsto naquele último artigo e das alterações de redacção introduzidas pela citada Lei n.º 118/19 ao artigo 280.º do CPPT não apontam noutro sentido) (Era a seguinte a redacção deste preceito antes da última reforma processual fiscal que a lei identificada concretizou: “A existência de alçadas não prejudica o direito ao recurso para o Supremo Tribunal Administrativo de decisões que perfilhem solução oposta relativamente ao mesmo fundamento de direito e na ausência substancial de regulamentação jurídica, com mais de três sentenças do mesmo ou outro tribunal de igual grau ou com uma decisão de tribunal de hierarquia superior.”) que a admissibilidade do recurso interposto à luz do n.º 3 do artigo 280.º do CPPT depende da verificação dos seguintes requisitos (i) identidade da questão fundamental de direito; (ii) ausência de alteração substancial da regulamentação jurídica; (iii) identidade de situações fácticas; (iv) antagonismo de soluções jurídicas entre a sentença de que se recorre e, no mínimo, quatro sentenças proferidas por qualquer outro tribunal tributário.

Ora, não é discutível que a questão de direito suscitada em todas as “decisões” invocadas pela Recorrente é a mesma –…- nem que há distinção de relevo entre as situações fácticas nelas contempladas e que a solução oposta foi proferida em idêntico quadro de regulamentação jurídica. Porém também é inquestionável que as “decisões” convocadas (em número capaz de justificar o pressuposto exigido) não assumem a qualidade de sentenças.

Efectivamente, constituindo todas as “decisões” invocadas (cujas cópias constam dos autos) despachos relativos a incidentes de reclamação de conta, não parece ser discutível que não possuem formalmente a natureza de sentenças.

É verdade que esses despachos constituem decisões de incidentes e, nessa medida, conhecem do mérito da questão aí colocada.

Porém, salvo o devido respeito, não foi para este tipo de decisões (despachos), que o legislador previu o recurso excepcional do artigo 280.º, n.º 3 do CPPT.

Que assim é, resulta desde logo, a nosso ver, da letra deste preceito que expressamente estabelece que a oposição de decisões se revela em sentenças, impedindo que o âmbito de aplicação do preceito se estenda a despachos de incidentes, por, em conformidade com o n.º 2 do artigo 9.º do Código Civil (CC), não haver correspondência destes com a letra do citado n.º 3 do artigo 280.º do CPPT.

Acresce que, na unidade do sistema jurídico e nas circunstâncias em que este preceito com a nova redacção se manteve no ordenamento jurídico-processual tributário, não é possível ter outro entendimento.

Desde logo, porque o legislador fiscal não ignorava que, por força do artigo 26.º-A, n.º 3 do RCP, só há recurso da decisão/despacho que decide a reclamação da nota justificativa em um grau se o valor da nota justificativa for superior a 50 UC. Note-se que não nos referimos ao valor da causa ou de sucumbência, pois como deixámos dito antes, o legislador excluiu-os de pressupostos de admissibilidade do recurso em causa, antes nos reportamos ao valor da nota justificativa.

No mínimo seria estranho que o legislador que, para efeito de recurso ordinário, não atribui relevo jurídico a uma decisão de reclamação da nota justificativa quando esta não excede o valor de 50 UC, viesse a reconhecer a essa decisão valor jurídico suficiente para constituir objecto de recurso excepcional para o Supremo Tribunal Administrativo ao abrigo do artigo 280.º, n.º 3 do CPPT.

Acresce ainda que não podemos olvidar que o regime consagrado no Regulamento foi revisitado pelo legislador no mesmo ano em que surgiu a reformulação do artigo 280.º do CPPT (conforme resulta do artigo 5.º da Lei n.º 27/19, de 28-3, que procedeu à décima terceira alteração do RCP), não tendo sido a norma que ora se analisa (artigo 26.º-A), objecto de qualquer alteração.

Portanto, a nosso ver, a unidade do sistema jurídico também impõe o entendimento de que este tipo de despacho não cabe no artigo 280.º n.º 3 do CPPT.

Diga-se por fim, que a última reforma processual tributária, na parte respeitante aos recursos jurisdicionais, foi determinada por um objectivo de apreciação das competências da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, com o firme propósito de libertar este Tribunal dos recursos relativos a questões consideradas de menor importância, em termos idênticos aos anteriormente reconhecidos ao Supremo Tribunal de Justiça e à Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo (cfr., respectivamente, artigos 678.º do CPC e 151º do CPTA). (Cfr. Despacho da Ministra da Justiça de 13-10-2016 (cuja publicação em Diário da República não logramos encontrar) e a “Exposição de Motivos” que acompanhou a Proposta de Lei n.º 168/XIII, disponível para consulta em https://www.icjp.pt/sites/default/files/cursos/documentacao/proposta_de_lei_n.o_168-xiii_-_cppt_cpta_et_al.pdf)

E embora seja certo que com esse objectivo se visava a criação de condições adequadas ao exercício da primordial função que deve estar reservada àquela Secção – de orientação e uniformização da jurisprudência tributária - e que o recurso previsto no n.º 3 do artigo 280.º do CPPT teve em vista precisamente a uniformização de decisões, é evidente que também se tem de reconhecer que o legislador considerou que apenas as decisões contidas em sentenças (citado n.º 3 do artigo 280.º) ou em acórdãos (conforme artigo 284.º também do CPPT) revestiam dignidade suficiente para assumir a qualidade de “questão carecida de uniformização de decisões”.

Em suma, o legislador não considerou que a existência de meros despachos de incidentes, que decidam em sentido oposto questão de mérito incidental assumam relevância bastante para poderem ser objecto do recurso previsto no n.º 3 do artigo 280.º, n.º 3 do CPPT.

Entender o contrário seria, aliás, admitir que o legislador simultaneamente legislou em sentidos opostos, ou seja, enquanto, nas situações de recurso per saltum, restringia significativamente as competências da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo a decisões de mérito da causa (n.º 1, do artigo 280.º do CPPT), contrariamente, permitia que fossem susceptíveis de recurso jurisdicional quaisquer despachos proferidos pelos tribunais fiscais em sentido oposto, bastando para tanto mais de três despachos em sentido oposto, qualquer que fosse a sua natureza ou valor, desta forma vulgarizando um recurso que o legislador manifestamente quis que fosse excepcional (cfr. n.º 3, in fine, do artigo 9.º do CC)

Note-se que a redacção do n.º 3 do artigo 280.º do CPPT foi modificada de forma a harmonizá-la com o regime geral dos recursos e com as alterações introduzidas pela Lei n.º 118/19, designadamente com a introdução no processo fiscal do critério da sucumbência (artigo xxx do CPPT) e com a restrição da admissibilidade do recurso per saltum no contencioso tributário às situações em que a decisão proferida conhece do mérito da causa (artigo 280.º, n.º 1 do CPPT), passando ainda a impor que, nas situações em que ocorra oposição com decisões de tribunais superiores, incluindo do Supremo Tribunal Administrativo, essa oposição se tenha de verificar relativamente a mais de três decisões. («iii) Recurso per saltum: restringiu-se a aplicabilidade do recurso per saltum no contencioso tributário, previsto no n.º 1 do artigo 280.º, através da exclusão do seu âmbito das questões processuais, nomeadamente a ineptidão da petição inicial, o erro na forma de processo, entre outros, assumindo o STA como um verdadeiro tribunal de cúpula da jurisdição administrativa, limitando o recurso para a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, para além do já admitido requisito da fundamentação exclusivamente em matéria de direito, às situações em que a decisão proferida for de mérito» - cfr. “Exposição de Motivos” que acompanhou a Proposta de Lei n.º 168/XIII, integralmente disponível em https://www.icjp.pt/sites/default/files/cursos/documentacao/proposta_de_lei_n.o_168-xiii_-_cppt_cpta_et_al.pdf)

Ou seja, as circunstâncias em que este tipo de recurso foi mantido na ordem jurídica não permitem que seja outra a interpretação a dar à norma contida no n.º 3 do artigo 280.º do CPPT.

Não é, pois, de admitir o recurso jurisdicional interposto ao abrigo do preceituado no n.º 3 do artigo 280.º do CPPT, por falta de verificação dos seus pressupostos.”

E a solução não pode deixar de ser essa no caso posto já que, como bem explicita a recorrente na conclusão q., as decisões invocadas como estando em oposição com a ora recorrida, afinal, são meros despachos sobre a questão que aqui se debate.


*

3. DECISÃO

Em face de tudo quanto ficou exposto, acordam os Juízes que integram a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em conferência, não admitir o recurso interposto pela Fazenda Pública.

Custas pela Recorrente.

*

Lisboa, 23 de Junho de 2021

José Gomes Correia (relator) que consigna e atesta que, nos termos do disposto no art.º 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de Março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 01 de Maio, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Srs. Conselheiros integrantes da Formação de Julgamento Aníbal Augusto Ruivo Ferraz e Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro.