Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0349/20.6BELLE
Data do Acordão:05/24/2023
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
NÃO ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P31027
Nº do Documento:SA2202305240349/20
Data de Entrada:05/08/2023
Recorrente:AA
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

AA, Autor nos autos, tendo sido notificado do Acórdão proferido e não se conformando com o mesmo, vem ao abrigo dos artigos 150.º do Código do Processo dos Tribunais Administrativos (adiante tão só CPTA) ex vi artigo 97.º, n.º 2 do CPPT (Código do Procedimento e do Processo Tributário) e alínea a) do artigo 26.º do ETAF (Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais), dela interpor recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo, secção do Contencioso Tributário.

Alegou, tendo concluído:
A - Vem o presente Recurso interposto da Douta Sentença lavrada nos autos pelo Mm.º Juiz “a quo”, pela qual julgou improcedente a ação apresentada pelo Recorrente, uma vez que “(…) O entendimento afirmado na sentença recorrida é de confirmar. Com efeito, a previsão de um meio processual específico como sucede no caso dos autos não impede o recorrente de reclamar graciosamente ou de deduzir impugnação judicial contra o acto de liquidação ainda que não tenha lançado mão do referido recurso, contudo as causas de pedir devem ser limitadas aos vícios próprios do acto de liquidação, estando vedado ao invocação de vícios que contendam com os pressupostos da avaliação indirecta e a sua quantificação, ou outras questões na exacta medida em estejam cobertas pelo instituto do caso resolvido e como tal insusceptíveis de serem impugnados.
A sentença que assim decidiu, não merece a censura que lhe vem decidida improcedendo assim as conclusões de recurso apreciadas.”
B – Colocada em sede de questão prévia e no sentido de se revelar prejudicial para o cabal desenvolvimento da presente ação, em vista a se lograr alcançar a verdade material da mesma, equaciona-se a questão dos suprimentos do contribuinte ora recorrente à sociedade A..., Unipessoal, Lda. Em abono da verdade,
C – esta última mencionada sociedade foi alvo de diversas inspeções tributárias que deram azo à aplicação de métodos indiretos pela At relativos aos anos de 2012, 2013, 2014 e 2015, no que concerne a IRC e a IVA.
D – E foi com base nestas inspeções que posteriormente a At encetou a inspeção ao contribuinte singular, tomando em linha de conta os empréstimos que este efetuou à sociedade (suprimentos), sem, no entanto, relevar os pagamentos que a sociedade efetuou ao sócio desses mesmos empréstimos.
E – Tudo, porquanto, a At considerou, com base tão só numa interpretação pessoal do programa de gestão de stocks da A..., Unipessoal, Lda., que a contabilidade desta não merecia credibilidade. No entanto,
F – as impugnações judiciais apresentadas pela ante mencionada sociedade que já foram julgadas e sentenciadas, deram razão à contribuinte, tendo sido ordenado a anulação das liquidações oficiosas em sede de IRC e IVA dos exercícios de 2012 e 2013.
G – É certo que a Fazenda Nacional interpôs recurso, como igualmente é certo que ainda faltam ser julgadas as impugnações relativas a IRC e IVA dos anos de 2014 e 2015, no entanto é inquestionável que se as mesmas mantiverem a razão do lado da A..., Unipessoal, Lda., dando por conforme a contabilidade desta, a questão dos suprimentos aflorada no RIT deixa de estar conforme com a verdade material,
H – devendo os mesmo ser analisados sob um prisma que tenha na devida conta os pagamentos efetuados pela sociedade ao sócio.
I – No entanto, esta argumentação apenas poderá ser utilizada pelo recorrente, quando as aludidas impugnações judiciais estiverem julgadas, o que não é o caso, pelo que, salvo melhor e mais douta opinião, julgamos estar perante uma questão prejudicial ao presente processo.
No demais,
J - Resulta dos excertos da decisão que ora se recorre, a remissão e concordância para as considerações do Tribunal de 1ª Instância que o levaram a concluir que o único meio de reação ao dispor do contribuinte para por em causa a decisão de avaliação indireta da matéria coletável nos termos do artigo 89.º-A da LGT, é o Recurso previsto no n.º 7 desse mesmo artigo.
L - Em súmula, tais considerações baseiam-se no seguinte raciocínio: 1) a decisão de avaliação da matéria tributável constituir um acto que assume a natureza de acto prejudicial ou acto destacável; 2) pois que, desde logo, define uma situação jurídica, inserindo-se nas relações inter-subjectivas e condicionando irremediavelmente a decisão final; 3) sendo um acto que encerra uma fase daquele procedimento as questões aí decididas não devem ser retomadas em momento ulterior, considerando-se caso julgado ou decidido; 4) só assim se compreendendo que o legislador tenha expressamente mencionado que desta avaliação cabe recurso, o qual tem efeitos suspensivos e é tramitado com carácter de urgência.
M - Sucede que, existe uma errónea interpretação dos normativos legais fiscais aplicáveis ao caso, em manifesta violação do princípio da legalidade e da proporcionalidade, sendo vários os argumentos que põem em causa as conclusões apresentadas pela Mm.ª Juiz ad quo e confirmadas pelo Tribunal ora recorrido.
N - Na verdade, inexiste qualquer normativo que impeça o Contribuinte de atacar uma liquidação oficiosa efetuada no seguimento do procedimento previsto no artigo 89.º-A da LGT através de Reclamação Graciosa ou Impugnação Judicial.
O - De facto, tanto a Reclamação Graciosa como a Impugnação inserem-se no chamado processo judicial tributário, que tem por função a tutela plena, efetiva e em tempo útil dos direitos e interesses legalmente protegidos em matéria tributária, conforme dispõe o artigo 96° do CPPT, surgindo, em regra, na sequência de um ato tributário com o qual o contribuinte não está de acordo, no todo ou em parte, por considerar ter ocorrido uma ilegalidade.
P - O Recorrente alegou, para além de outros fundamentos, a errónea qualificação de factos tributários, o vício de fundamentação do ato tributário bem como a violação do princípio da capacidade contributiva e da legalidade do Relatório de Inspeção Tributária (RIT) que motivou a liquidação oficiosa elaborada.
Q - Tendo em linha de conta que a Reclamação Graciosa pode ser apresentada aquando da existência de qualquer ilegalidade que ponha em causa a liquidação, é de concluir que a decisão de avaliação da matéria tributável nos termos do artigo 89.º-A da LGT, poderá ser posta em causa igualmente pelo recurso à Reclamação Graciosa, Impugnação Judicial ou até através do Pedido de Revisão de Ato Tributável previsto no artigo 78.º da LGT.
R - Por outro lado, inexiste qualquer normativo que obrigue o contribuinte a utilizar um meio de reação específico para “atacar” a aplicação das manifestações de fortuna, mormente o recurso previsto nos n.ºs 7 e 8 do artigo 89.º-A da LGT.
S - De facto, ao contrário do que sucede, por exemplo, com a aplicação dos métodos indiretos previstos no artigo 91.º da LGT, inexiste a obrigatoriedade da decisão do procedimento do artigo 89.º-A da LGT, ser impugnada única e exclusivamente pela interposição de um específico meio de Reação.
T - Deste modo, inexistindo qualquer normativo que expressamente identifique que a decisão proferida no âmbito do procedimento previsto no artigo 89.º-A, apenas pode ser impugnada através do recurso previsto nos n.ºs 7 e 8 desse normativo, inexiste qualquer inadequação do meio apresentado pelo Recorrente, mormente Reclamação Graciosa, para por em causa a decisão de avaliação da matéria coletável nos termos do artigo 89.º-A da LGT.
U - Acresce que, também a Revisão da Matéria Coletável nos termos do artigo 88.º da LGT “(…) define uma situação jurídica, inserindo-se nas relações inter-subjectivas”, sendo uma decisão prévia ao ato de liquidação, posto que, para que o argumento vertido na decisão proferida em 1ª Instância, e confirmada pelo Tribunal a quo, pudesse singrar necessário seria que o legislador tivesse criado um meio de reação idêntico para o procedimento do artigo 88.º da LGT, o que não fez!
V - Ou seja, se o fundamento reside no facto de a decisão de avaliação da matéria coletável constituir um ato que assume a natureza prejudicial porque “(…) define uma situação jurídica, inserindo-se nas relações inter-subjectivas” e é prévio à respetiva liquidação, também quanto ao regime previsto no artigo 88.º da LGT, deveria ter sido criado um meio de reação idêntico àquele previsto no n.º 7 do artigo 89.º-A da LGT, o que não aconteceu!
X - Não se vislumbra por que motivo deverá ser feita uma distinção entre os dois procedimentos, os quais assumem várias semelhanças nos procedimentos adotados, uma vez que dizem respeito à avaliação da matéria colectável e são prévios à Liquidação.
Z - Assim, se ambos os procedimentos definem uma situação jurídica, inserem-se nas relações inter-subjectivas e são prévios à respetiva liquidação, nada impedia o Recorrente de por em causa a respetiva decisão através dos vários meios de reação que se encontram ao seu dispor, mormente, recurso previsto no artigo 89.º-A , n.º 7 da LGT, a Reclamação Graciosa e/ou Impugnação Judicial.
AA - Padece igualmente de erro de julgamento de direito a decisão ora recorrida, mormente no que respeita à tese de que existe caso julgado relativamente à questão da aplicação das manifestações de fortuna, pois que, in casu, o Recorrente não interpôs recurso nos termos do mencionado artigo, pelo que não houve uma tomada de posição judicial dos argumentos do Recorrente.
AB - Decorre da doutrina e jurisprudência maioritária, que para lançar mão de uma interpretação extensiva torna-se impreterível que, inexistam dúvidas que a letra da lei não reflete o seu espírito, isto é, que o legislador disse menos do que queria.
AC - Analisando o disposto no artigo 89.º-A, resulta claro que o legislador quis permitir que os Contribuintes pudessem lançar mão de um meio de reação mais célere para ver a sua situação jurídica fiscal resolvida, não se podendo, contudo, concluir que o legislador quis cercear as garantias de defesa dos contribuintes nas situações de aplicação daquele regime, limitando a possibilidade de reação à apresentação do recurso previsto no n.º 7 e 8 do artigo 89.º-A.
AD - Não resulta (e bem) do texto da lei, que a intenção do Legislador tenha sido limitar os meios de reação dos contribuintes, o que se compreende, pois tal intenção seria desproporcionada e injustificadamente, sendo errado interpretar o efeito suspensivo do recurso mencionado no n.º 7 do artigo 89.º-A da LGT, como fundamento para que este meio de reação, seja o único conferido ao Contribuinte para por em causa a decisão de aplicação do regime previsto no artigo 89.º-A.
AE - O legislador quis conferir, além dos meios de reação garantidos a todos os Administrados contribuintes, um meio de reação mais célere e benéfico, para as situações previstas no artigo 89.º-A, por se tratar de um procedimento específico, permitindo que estes vejam a sua situação resolvida com uma maior rapidez.
AF - É ilegal o entendimento que a decisão de avaliação da matéria coletável através da aplicação dos métodos indiretos do artigo 89.º-A da LGT só pode ser impugnada através do recurso previsto no artigo 7.º do mesmo artigo, em detrimento da lei.
AG - Não é isto que resulta da letra da lei, nem foi este o pensamento do legislador, aquando da criação da norma analisada, sendo de todo em todo desproporcionado e injustificado, limitar as garantias de defesa dos contribuintes nos procedimentos previstos no artigo 89.º-A da LGT, quando, segundo cremos, a intenção do legislador é precisamente beneficiar os contribuintes.
AH - Deste modo, o entendimento dos tribunais recorridos, além de violar as regras de interpretação das normas, viola também os princípios da legalidade e da proporcionalidade constitucionalmente consagrados, em manifesto e injustificado benefício da Administração Fiscal.
AI - Sem prejuízo, acresce que, que configuração hodierna do princípio da legalidade, impõe à At que esta não só respeite e aplique a lei formal, mas igualmente tenha em conta a realidade material do caso concreto.
AJ - A At tem o dever de não aplicar norma jurídica que seja formalmente admitida mas cujo resultado se revele desproporcionalmente injusto para o contribuinte, sendo-lhe imposto, no cumprimento dos princípios da boa-fé e imparcialidade e do fim público, o reconhecimento oficioso dos direitos dos Administrados, e, em consequência, reposição da verdade material.
AL - O dever de agir da At em respeito e harmonia com o princípio da legalidade, não se traduz numa mera subordinação formal às normas que especificamente preveem esta referida atuação, abrangendo, ainda, o dever da At ter em conta, os reflexos práticos que decorrem dessa indicada atividade administrativa que leva ou pretenda levar, a cabo.
AM - A At deverá abster-se de concretizar os comandos legais quando, em face das particularidades do caso, não se verifiquem as razões de interesse público que justificam a sua atuação ou quando se produza um resultado manifestamente injusto, devendo em qualquer caso limitar-se, na restrição dos direitos individuais, ao estritamente necessários para assegurar os fins que visa, não tratar discriminadamente os administrados, nem frustrar as expectativas que a sua atuação nestes tenha gerado.
AN - Não é motivo suficiente ou sequer justificável, que a At se defenda com base numa pressuposta “inadequação do presente meio”, para se recusar a decidir a Reclamação Graciosa apresentada pelo Recorrente, ou sequer invocar que o prazo para a respetiva reação esteja ultrapassado.
AO - Nada impede e antes se impõe, que a At reponha, de modo próprio e voluntário a verdade material do in casu, emendando os eventuais erros por si cometidos no procedimento encetado, apreciando de facto e de direito a Reclamação Graciosa apresentada pelo Recorrente. AP – Há um reconhecimento no âmbito do direito tributário, do dever de revogar de actos ilegais, pelo que sobre a At impende o dever legal de decidir os pedidos que os Administrados lhe façam, e que digam respeito ao domínio das suas atribuições.
AQ - Face a tudo o que se vem aduzindo, resulta claro que, mesmo considerando por mero exercício especulativo que o meio de reação é inadequado (o que não se concede), sempre a At teria o dever de rever o ato por si praticado, face à existência de ilegalidades levantadas pelo Recorrente.
AR - Assim, novamente a Autoridade Tributaria, ao rejeitar a Reclamação Graciosa supra mencionada, preteriu uma formalidade essencial a que se encontrava obrigada em manifesta violação das disposições legais em vigor.
AS - Em consequência, também por este motivo a decisão de rejeição liminar da Reclamação Graciosa apresentada pelo Recorrente se revela ilegal, pelo que sempre o Tribunal ad quo deveria ordenar a sua anulação com os devidos e legais efeitos.
AT - Conclui-se que a decisão que ora se recorre padece de diversos vícios, pelo que deverá ser substituída por outra que declare a ação apresentada pelo Recorrente procedente e que reconheça o direito do Recorrente em reclamar da decisão de avaliação indireta prevista no artigo 89.º-A da LGT, através da Reclamação Graciosa, ordenando-se, assim, a anulação da decisão de indeferimento liminar da Reclamação Graciosa apresentada pelo Recorrente, proferida pelo órgão decisório da Autoridade Fiscal, devendo este aceitá-la e sobre ela se pronunciar acerca do mérito, seguindo-se os ulteriores e demais termos legais.
Nestes termos e nos mais de Direito e com o sempre Mui Douto suprimento de V. Exas., deve o presente Recurso ser julgado procedente por provado, revogando-se o Douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, e, em consequência:
- Declarar a ação administrativa apresentada pelo Recorrente procedente, por provada;
- Reconhecer o direito do Recorrente em reclamar da decisão de avaliação indireta prevista no artigo 89.º-A da LGT, através da Reclamação Graciosa;
- Ordenar a anulação da decisão de indeferimento liminar da Reclamação Graciosa apresentada pelo Recorrente, proferida pelo órgão decisório da Autoridade Fiscal, devendo este aceitá-la e sobre ela se pronunciar acerca do mérito, seguindo-se os ulteriores e demais termos legais.
Pelo que deve ser em conformidade revogada a douta decisão recorrida nesses segmentos e substituída por outra decisão que decida como pedido nos termos deste recurso.

Foram produzidas contra-alegações pela Autoridade Tributária e Aduaneira no sentido da não admissibilidade do recurso.

Cumpre decidir da admissibilidade do recurso.

Há, então, que apreciar se o recurso dos autos é admissível face aos pressupostos de admissibilidade contidos naquele art. 150º do CPTA, ao abrigo do qual foi interposto, em cujos nºs. 1 e 5 se estabelece:
«1 - Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
(…)
6 - A decisão quanto à questão de saber se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do nº 1 compete ao Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser objecto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da Secção de Contencioso Administrativo».
Interpretando este nº 1, o STA tem vindo a acentuar (e disso, aliás, dão conta os recorrentes) a excepcionalidade deste recurso (cfr., por exemplo o ac. de 29/6/2011, rec. nº 0569/11) no sentido de que o mesmo «quer pela sua estrutura, quer pelos requisitos que condicionam a sua admissibilidade quer, ainda e principalmente, pela nota de excepcionalidade expressamente estabelecida na lei, não deve ser entendido como um recurso generalizado de revista mas como um recurso que apenas poderá ser admitido num número limitado de casos previstos naquele preceito interpretado a uma luz fortemente restritiva», reconduzindo-se como o próprio legislador sublinha na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nº 92/VII e 93/VIII, a uma “válvula de segurança do sistema” a utilizar apenas e só nos estritos pressupostos que definiu: quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para a melhor aplicação do direito.
Na mesma linha de orientação Mário Aroso de Almeida pondera que «não se pretende generalizar o recurso de revista, com o óbvio inconveniente de dar causa a uma acrescida morosidade na resolução final dos litígios», cabendo ao STA «dosear a sua intervenção, por forma a permitir que esta via funcione como uma válvula de segurança do sistema». (Cfr. O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, 2ª ed., p. 323 e Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2005, p. 150 e ss..)
E no preenchimento dos conceitos indeterminados acolhidos no normativo em causa (relevância jurídica ou social de importância fundamental da questão suscitada e a clara necessidade da admissão do recurso para uma melhor aplicação do direito (Sobre esta matéria, cfr. Miguel Ângelo Oliveira Crespo, O Recurso de Revista no Contencioso Administrativo, Almedina, 2007, pp. 248 a 296.), também a jurisprudência deste STA vem sublinhando que «…constitui questão jurídica de importância fundamental aquela – que tanto pode incidir sobre direito substantivo como adjectivo – que apresente especial complexidade, seja porque a sua solução envolva a aplicação e concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, seja porque o seu tratamento tenha suscitado dúvidas sérias, ao nível da jurisprudência, ou da doutrina.
E, tem-se considerado de relevância social fundamental questão que apresente contornos indiciadores de que a solução pode corresponder a um paradigma ou contribuir para a elaboração de um padrão de apreciação de casos similares, ou que tenha particular repercussão na comunidade.
A admissão para uma melhor aplicação do direito justifica-se quando questões relevantes sejam tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória, com recurso a interpretações insólitas, ou por aplicação de critérios que aparentem erro ostensivo, de tal modo que seja manifesto que a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa é reclamada para dissipar dúvidas acerca da determinação, interpretação ou aplicação do quadro legal que regula certa situação.» (ac. do STA - Secção do Contencioso Administrativo - de 9/10/2014, proc. nº 01013/14).
Ou seja,
- (i) só se verifica a dita relevância jurídica ou social quando a questão a apreciar for de complexidade superior ao comum em razão da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de enquadramento normativo especialmente complexo, ou da necessidade de compatibilizar diferentes regimes potencialmente aplicáveis, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio.
- e (ii) só ocorre clara necessidade da admissão deste recurso para a melhor aplicação do direito quando se verifique capacidade de expansão da controvérsia de modo a ultrapassar os limites da situação singular, designadamente quando o caso concreto revele seguramente a possibilidade de ser visto como um tipo, contendo uma questão bem caracterizada, passível de se repetir em casos futuros e cuja decisão nas instâncias seja ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, ou suscite fundadas dúvidas, nomeadamente por se verificar divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais, gerando incerteza e instabilidade na resolução dos litígios.
Não se trata, portanto, de uma relevância teórica medida pelo exercício intelectual, mais ou menos complexo, que seja possível praticar sobre as normas discutidas, mas de uma relevância prática que deve ter como ponto obrigatório de referência, o interesse objectivo, isto é, a utilidade jurídica da revista e esta, em termos de capacidade de expansão da controvérsia de modo a ultrapassar os limites da situação singular (a «melhor aplicação do direito» deva resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros, em termos de garantia de uniformização do direito: «o que em primeira linha está em causa no recurso excepcional de revista não é a solução concreta do caso subjacente, não é a eliminação da nulidade ou do erro de julgamento em que porventura caíram as instâncias, de modo a que o direito ou interesse do recorrente obtenha adequada tutela jurisdicional. Para isso existem os demais recursos, ditos ordinários. Aqui, estamos no campo de um recurso excepcional, que só mediatamente serve para melhor tutelar os referidos direitos e interesses») - cfr. o ac. desta Secção do STA, de 16/6/2010, rec. nº 296/10, bem como, entre muitos outros, os acs. de 30/5/2007, rec. nº 0357/07; de 20/5/09, rec. nº 295/09, de 29/6/2011, rec. nº 0568/11, de 7/3/2012, rec. nº 1108/11, de 14/3/12, rec. nº 1110/11, de 21/3/12, rec. nº 84/12, e de 26/4/12, recs. nºs. 1140/11, 237/12 e 284/12.
E igualmente se vem entendendo que cabe ao recorrente alegar e intentar demonstrar a verificação dos ditos requisitos legais de admissibilidade da revista, alegação e demonstração a levar necessariamente ao requerimento inicial ou de interposição – cfr. arts. 627º, nº 2, 635º, nºs. 1 e 2, e 639º, nºs. 1 e 2 do novo CPC (Correspondentes aos arts. 676º, nº 2, 684º, nºs. 1 e 2, e 685º-A, nºs. 1 e 2, do anterior CPC.) - neste sentido, entre outros, os acórdãos do STA de 2/3/2006, 27/4/2006 e 30/4/2013, proferidos, respectivamente, nos processos nºs. 183/06, 333/06 e 0309/13.

Vejamos, então.
No essencial pretende o recorrente que este Supremo tribunal se pronuncie sobre a questão de saber se assiste ao recorrente o direito em reclamar da decisão de avaliação indireta prevista no artigo 89.º-A da LGT, através da Reclamação Graciosa.
Trata-se de questão já suficientemente debatida e tratada quer na jurisprudência dos tribunais superiores, quer na doutrina, sempre em sentido contrário ao propugnado pelo recorrente.
Na verdade, a jurisprudência em que se fundaram as decisões das instâncias é sempre no mesmo sentido, contrário à pretensão do recorrente, pelo que, a questão não assume aqui características de novidade ou de necessidade de reapreciação, trata-se de questão resolvida pelo legislador, não se aventando em sede de recurso qualquer argumento novo que imponha a sua reapreciação.
Assim, apenas se pode concluir que, não sendo manifesta a necessidade de reapreciação da referida questão, quer por não se mostrar ostensivamente incorrectamente decidida ou assumir contornos diferentes que justifiquem a sua reponderação, não pode o presente recurso ser admitido.

Portanto, o recurso não pode ser admitido uma vez que não se mostram preenchidos os pressupostos legalmente previstos para o efeito.

Termos em que, face ao exposto, acorda-se em não admitir o presente recurso de revista, por não se mostrarem preenchidos os respectivos pressupostos legais.
Custas do incidente pelo recorrente, com taxa de justiça máxima.
D.n.

Lisboa, 24 de Maio de 2023. – Aragão Seia (relator) – Isabel Marques da Silva – Francisco Rothes.