Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0941/15.0BEPNF
Data do Acordão:10/28/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO VERGUEIRO
Descritores:RECURSO
CONTRA-ORDENAÇÃO
DESPACHO LIMINAR
APENSAÇÃO
Sumário:I - Nos termos do disposto no artigo 63º do RGCO, o recurso, mesmo que existam excepções de que cumpra conhecer, só pode ser objecto de rejeição liminar se estiver fora de prazo ou sem respeito pelas exigências de forma, pelo que a questão relativa às alegadas excepções deve ser apreciada em despacho a proferir nos termos do estatuído no artigo 64º do RGCO ou na sentença.
II - Ao contrário do sustentado pela decisão recorrida, o pedido de apensação de processos pode e deve ser acolhido pelo tribunal, verificados os respectivos pressupostos legais, devendo a apensação ser ordenada, mesmo oficiosamente, no despacho liminar ou em qualquer momento antes de ser designada data para julgamento ou antes da prolação do despacho a que se refere o artigo 64º do RGCO.
Nº Convencional:JSTA000P26588
Nº do Documento:SA2202010280941/15
Data de Entrada:12/20/2019
Recorrente:A.............
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Processo n.º 941/15.0BEPNF (Recurso Jurisdicional)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. RELATÓRIO

A…………, devidamente identificado nos autos, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, datada de 09-06-2015, que no presente processo de RECURSO de CONTRAORDENAÇÃO, rejeitou liminarmente o recurso, no entendimento de que uma vez que só foi apresentado um recurso para vários processos, não são respeitadas as exigências de forma, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 63.º/1 do RGCO, ex vi do artigo 3.º/ b) do RGIT.


Formulou nas respectivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem:

“ (…)

I. O Tribunal a quo violou, ou, pelo menos, fez uma errada interpretação dos arts. 3.º b), e 80.º do RGIT, 32.º, 41.º e 63,º, n.º 1 do RGIMOS, 25.º e 29.º do CPP, 9.º do CC e dos arts. 20.º e 202.º, n.º 1 da CRP, apenas se preocupando com a legalidade formal, e esquecendo por completo a justiça material, acabando por fazer um verdadeiro atropelo dos direitos, liberdades e garantias constitucionalmente protegidos do recorrente.

II. O Recorrente foi notificado de 241 processos em tudo semelhantes, todos dizendo respeito a passagens por percursos portajados alegadamente não pagas e em todos eles apresentou a mesma defesa escrita, junto do Serviço de Finanças de Lousada, pedindo, entre outras coisas, a apensação dos processos,

III. Sucede que, a AT ignorou por completo o pedido de apensação dos autos que lhe foi apresentado, optando por simplesmente notificar o Recorrente das decisões de aplicação da coima, sem sequer aceitar ou rejeitar a apensação pedida, facto que não pode ser imputado ao Recorrente.

IV. Pese embora nos autos estejam apenas em causa sete dos duzentos e quarenta e um processos, o presente recurso é apenas o primeiro de muitos que se seguirão provavelmente, sendo certo que, caso os processos não sejam apensados, estaremos perante 241 processos em tudo idênticos entre si, com o inerente risco de contradição de julgados, com o pagamento 241 taxas de justiça, o que é totalmente incomportável para o Recorrente, até porque, mesmo que se optasse, o que sempre se teria de fazer, pelo pedido de apoio judiciário junto da Segurança Social, o próprio volume de fotocópias necessárias para instruir 241 pedidos de apoio seria consideravelmente elevado, para além de que, face a tal volume, muito provavelmente a Segurança Social acabaria por indeferir alguns pedidos, pensando tratar-se de lapso ou duplicação de pedidos.

V. ln casu, a situação é tanto ou mais grave se considerarmos que nem sequer existe obstáculo à Apensação requerida quer perante a AT, quer perante o Tribunal a quo, o que aqui se reitera uma vez mais, na medida em que os processos supra identificados estão todos na mesma fase processual e que a apensação de processos tem sido sucessivamente defendida quer a nível dos Tribunais Superiores, quer a nível da própria legislação, entretanto já alterada pela Lei 50/2015.

VI. Ao recusar o recurso interposto pelo Recorrente, o Tribunal a quo permitiria que as diversas decisões de aplicação de coima transitassem em julgado, dificultando, ou mesmo impossibilitando, o recurso à justiça por parte do Recorrente, uma vez que cada taxa de portagem não paga, mesmo que no mesmo dia ou com diferença de poucas horas, deu origem a um processo autónomo por parte da concessionária e, numa segunda fase, a um processo por parte da administração fiscal, pelo que a cada portagem não paga está associado um custo administrativo e uma coima, o que, por si só, faz, uma vez mais, "disparar" os valores a pagar.

VII. Estão, por isso, a ser gravemente violados os princípios da igualdade tributária e da proporcionalidade comtemplados e supostamente protegidos pelo direito constitucional português, já para não falar do direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, situação que já motivou centenas de queixas ao Ex.mo Provedor de Justiça.

VIII. Ainda há poucos meses atrás, em março de 2015, no âmbito do processo n.º 1072/14.6BEPNF que correu termos na Unidade Orgânica 2 do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel (cfr. doc. n.o 1 que como os demais que aqui se irão juntar se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos) se afirmava:

"A questão da legalidade da apensação não é pacífica consoante a natureza do processo de recurso de contra-ordenação. Se se entender que tem natureza de recurso poder-se-á defender que não é admissível a apensação porquanto estão em causa recursos de condenações diferentes. Mas se se entender que estamos perante um processo de impugnação judicial da decisão administrativa de aplicação da coima, já que a apresentação do recurso vale como acusação, isto é, se se considerar que não é um recurso mas um julgamento de primeira instância, então já se poderá colocar a admissibilidade da apensação, face ao disposto nos arts. 25.º e 29.º do C.P.P.

Não sendo uma questão pacífica, o recurso visa a melhoria da aplicação do direito e a promoção da uniformidade da jurisprudência, pelo que nada obsta à sua admissão."

IX. Tal decisão foi proferida e assinada pelo mesmo Ex.mo Sr. Dr. Juiz de Direito que proferiu e assinou a sentença destes autos, pelo que não pode o recorrente deixar de se questionar acerca dos factos que possam ter ocorrido entre março e junho de 2015 que levasse a que o mesmo magistrado tivesse decidido a mesma questão jurídica de forma tão diferente e verdadeiramente contraditória, em prejuízo do ora Recorrente, e apenas se preocupando com a morte estatística dos processos, em detrimento da justiça.

X. Nos termos das disposições conjugadas dos arts. 3.º, alínea b) do RGIT, 32.º e 41.º do RGIMOS e dos arts. 25.º e 29.º do CPP, deveria ter-se admitido a conexão de processos, organizando-se um único processo e admitindo-se o recurso interposto pelo Recorrente.

XI. Em alternativa, situação que apenas se admite por mera cautela de patrocínio, poderia, ainda, o Tribunal ter devolvido o processo à AT para que a mesma se pronunciasse quanto à apensação dos processos, colmatando, assim, a omissão de pronúncia da mesma quanto a esta situação, ou ainda, ao abrigo do princípio do aproveitamento dos atos, poderia ter o Tribunal ordenado a distribuição do recurso interposto pelo Recorrente para cada um dos processos, criando sete processos judiciais distintos e idênticos, eliminando, assim, a alegada incompetência para apensação dos processos e pronunciando-se a posterior; sobre essa questão,

XII. ou, pelo menos, e em última instância, apreciava apenas uma das decisões de contraordenação, quer optasse por apreciar a primeira escrita e identificada, considerando as restantes como não escritas ou convidava o Recorrente a pronunciar-­se quanto a esta questão e a escolher qual a decisão de contra-ordenação que pretendia ver apreciada.

XIII. Qualquer uma destas soluções permitiria alcançar a justiça material, uma vez que a apensação de processos já tinha sido requerida junto da AT e, mais que um requerimento processual, era uma verdadeira questão impeditiva da aplicação da coima, pelo que acabaria sempre por ser apreciada, ainda que apenas estivesse em causa a apreciação de um único recurso de uma única decisão de aplicação de coima, e por isso mesmo não se justifica imediata aplicação da solução mais gravosa de indeferimento liminar do recurso.

XIV. A função constitucional dos Juízes é administrar a Justiça em nome do Povo (cfr. n.º 1 do art.º 202º da Constituição da República Portuguesa), e, nesse sentido, os mesmos, dentro dos limites da lei e obedecendo às regras previstas nos três números do art.º 9.º do Código Civil, dando particular ênfase ao n.º 3 que faz apelo às "soluções mais acertadas", têm o dever e a obrigação de tudo fazer para dirimir/eliminar os conflitos que são submetidos ao seu julgamento, nomeadamente interpretando os normativos que consagram os direitos das partes e a validade dos seus atas sempre no sentido do alargamento desses direitos e nunca da sua restrição.

XV. Sendo também isso que se estipula no n.º 4 do art.º 20º da Constituição da República Portuguesa, do qual resulta que o acesso dos cidadãos e demais entidades que interagem no comércio jurídico ao Direito deve ser sempre facilitado e não dificultado ou restringido, como infelizmente sucedeu nos autos.

Nestes termos e nos melhores de direito aplicáveis deve ser dado provimento ao presente recurso devendo, em consequência, o despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que admita o Recurso, ordenando-se a sua retificação, ou, pelo menos, por outro que convide a parte a aperfeiçoar o seu recurso, fazendo-se, assim, a mais inteira

JUSTIÇA.”

O Recorrido Ministério Público apresentou resposta, nas quais enuncia as seguintes conclusões:

“(…)

1ª - A argumentação do/a R. baseia-se no errado pressuposto, erigido em conclusão, de que a questão objecto da douta Decisão recorrida é a mesma que tem vindo a ser, aliás de forma unânime, decidida pelo STA - cfr. Acórdãos de 04 e 11.03, 08, 22 e 29.04 e 17.06.2015, nos Recursos n.ºs 01396/14-30, 01557/14, 074/15, 075/15, 073/15,0124/15 e 0137/15, disponíveis em www.dgsi.pt.

2ª - Do mero confronto da Decisão sub judice com os Acórdãos do STA citados resulta claro que a questão objecto de apreciação naquela e nestes é substancialmente diversa.

3ª - A Jurisprudência em causa pressupõe a existência de várias/os impugnações/recursos, apresentadas/interpostos simultânea/sucessivamente, pelo/a mesmo/a arguido/a/recorrente, relativamente a outras tantas decisões administrativas de aplicação de sanções o que in casu patentemente não acontece pois que foi interposto/apresentada um/a único/a recurso/impugnação (nos termos do/a R., o primeiro de muitos que se seguirão).

4ª - A alusão à Lei 50/2015, - presumindo-se que pretendia o/a R., referir a Lei 51/2015, de 08 de Junho - parece-nos, além de desapropriada, face às alterações pela mesma efectuadas à Lei 25/2006, de 30 de Junho, que não respeitam à apensação de processos; até descabida, porquanto, à data, quer da prolação da Decisão recorrida, quer mesmo da interposição do presente recurso, a actual versão da Lei em questão sequer se mostrava ainda em vigor; afigurando-se assim, o seguidamente alegado pelo/a R., no mínimo, infundamentado.

5ª - É por demais evidente que na douta Decisão recorrida e no citado despacho judicial (parcialmente transcrito e junto), proferido pelo Mmo/a Juiz a quo, no âmbito do identificado processo, não se trata da mesma questão jurídica.

6ª - Repudia-se, veementemente, a asserção, absolutamente infundada, além de maliciosa, intolerável e mesmo injuriosa, "apenas se preocupando com a morte estatística dos processos, em detrimento da justiça" e a respectiva consequente imputação ao/à Mmo/a Juiz a quo.

7ª - Interposto um único recurso, não cabe cuidar de eventual conexão/apensação de processos (de recurso), por inexistência de outros recursos/processos eventualmente em conexão, a apensar.

8ª - Questão diversa, que o/a R contudo confunde, é a da "apensação de processos (de contraordenação que) já tinha sido requerida junto da AT (sic conclusão XIII.).

9ª - Como resulta do disposto no n.º 4 do art. 52.º da LGT, o tribunal não pode praticar actos que são da competência da AT.

10ª - O/A R não reagiu, nos termos legais, à ora apontada omissão de pronúncia da AT, quanto à apensação dos processos.

11ª - Pese embora invocando o princípio do aproveitamento dos atos, o que verdadeiramente propugna o/a R, a final, em alternativa, é que o Tribunal se substituísse ao/à arguido/a/recorrente, praticando os actos que este/a poderia ter praticado, mas que não o fez, optando por outro/s, o que, além de inadmissível por inexistência de fundamento legal e, nessa medida, ilegal, nunca caberia no citado princípio, mal se compreendendo por isso o respectivo apelo.

12ª - Considera-se integrada e reproduzida a argumentação constante da douta Decisão recorrida, com a qual se concorda.

13ª - Entende o MP, talqualmente entendeu o/a Mmo/a Juiz a quo, que "o recurso interposto por não ser legalmente admissível, por não respeitar as exigências de forma" (sic) devia, como foi, ser rejeitado.

14ª - A Decisão recorrida não viola o disposto nos preceitos legais citados pelo/a R., nem em quaisquer outros aplicáveis e não enferma do alegado vício de errada interpretação e aplicação daqueles; antes mostra-se válida e legal e conforme àqueles e ao Direito e à Jurisprudência, mormente à supra referenciada.

NESTES TERMOS

e nos demais que V. EXCIAS doutamente suprirão, deve a douta Decisão recorrida ser confirmada/mantida, negando-se provimento ao interposto recurso.

Assim decidindo farão os/as Venerandos/as Desembargadores/as

JUSTIÇA.”

O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso.

Cumpre decidir.




2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que a matéria apontada nos autos resume-se, em suma, em indagar da bondade da decisão recorrida quando rejeitou liminarmente o recurso, no entendimento de que uma vez que só foi apresentado um recurso para vários processos, não são respeitadas as exigências de forma, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 63.º/1 do RGCO, ex vi do artigo 3.º/ b) do RGIT.




3. FUNDAMENTOS

3.1. DE FACTO

Neste domínio, diga-se que a decisão recorrida aponta, além do mais, o seguinte:

“…

O juiz rejeitará, por meio de despacho, o recurso feito fora de prazo ou sem respeito pelas exigências de forma (art. 63.º, n.º 1, do Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social (RGIMOS)).
No caso dos autos, o recorrente foi notificado de diversas decisões de aplicação de coimas aplicadas em processos de contraordenação autónomos não apensados entre si.
O recurso da decisão administrativa de aplicação da coima tinha de ser apresentado em cada um desses processos.
Porém, o recorrente só apresentou um único recurso de contraordenação dirigido para todos os processos constantes do requerimento de recurso e pede a sua apensação.
Aqui temos de distinguir o processo de contraordenação, que corre na autoridade administrativa, do recurso de contraordenação, que corre em Tribunal.
O recurso da decisão de aplicação da coima não é válido porque foi apresentado para mais do que um processo não apensados entre si.
Por outro lado, o recorrente não tem razão no pedido de apensação dos processos de contraordenação.
O recorrente ou requeria a apensação dos processos de contraordenação à autoridade administrativa onde os mesmos foram instaurados e recorria ou conformava-se com a decisão proferida, ou, em alternativa, instaurava autonomamente recursos de contraordenações dessas decisões e requeria depois ao Tribunal a apensação dos processos de recurso de contraordenação.
O que o recorrente não pode é requerer ao Tribunal, no recurso da decisão administrativa de aplicação da coima, a apensação dos processos de contraordenação, porque a apensação destes processos é da competência da autoridade administrativa e não da autoridade judiciária.
O Tribunal só tem competência para determinar a apensação de processos judiciais, isto é, só tem competência para determinar a apensação dos recursos de contraordenação das decisões administrativas de aplicação das coimas nos processos de contraordenação.
No caso em apreço, só há um recurso duma decisão administrativa de aplicação de coimas, só que nem se sabe de qual delas é porque o recurso está dirigido para mais do que um processo.
Logo, o recurso de contraordenação apresentado pelo recorrente não respeita a forma legal - porque apresenta um recurso dirigido para mais do que um processo - pelo que não sendo válido, não pode ser aceite por este Tribunal para nenhum dos processos nele identificado.
Não sendo aceite o recurso, fica prejudicado o julgamento do pedido de apensação, por não ter sido admitido o recurso.
Sem prejuízo, o Tribunal também está impossibilitado de apreciar e decidir o pedido de apensação dos processos pro dois motivos.
Por um lado, porque só havendo um recurso de contraordenação, não há que apreciar a apensação de qualquer outro recurso.
Por outro lado, porque como vimos, o Tribunal não é competente para apreciar e julgar o pedido de apensação dos processos de contraordenação na fase administrativa.
Logo, só havendo um recurso de contraordenação, que não é válido, porque está dirigido para mais do que um processo, o recurso não pode ser admitido por não respeitar a forma legal, pelo que fica prejudicado o julgamento do pedido de apensação dos recursos (art. 63.º, n.º 1, do RGIMOS).
Decisão.
Pelo exposto, rejeita-se o recurso interposto por não ser legalmente admissível, por não respeitar as exigências de forma (arts. 3.º, alínea b), do RGIT e 63.º, n.º 1, do RGIMOS).
Condena-se o recorrente nas custas do recurso, fixando-se a taxa de justiça em 1 UC (arts. 66.º, do RGIT, 4.º, n.º 6, do Decreto-Lei n.º (DL) 324/2003, de 27 de Dezembro, 92.º, 93.º, n.º 3, do DL n.º 433/82, de 27 de Outubro e 8.º, n.ºs 7 a 10, e Tabela III do Regulamento das Custas Processuais (RCP)).
Deposite e notifique.”


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3.2. DE DIREITO

Assente a factualidade apurada cumpre, então, entrar na análise da realidade em equação nos autos, sendo que a este Tribunal está cometida a tarefa de indagar da bondade da decisão recorrida quando rejeitou liminarmente o recurso, no entendimento de que uma vez que só foi apresentado um recurso para vários processos, não são respeitadas as exigências de forma, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 63.º/1 do RGCO, ex vi do artigo 3.º/ b) do RGIT.

Nas suas alegações, a Recorrente refere que foi notificado de 241 processos em tudo semelhantes, todos dizendo respeito a passagens por percursos portajados alegadamente não pagas e em todos eles apresentou a mesma defesa escrita, junto do Serviço de Finanças de Lousada, pedindo, entre outras coisas, a apensação dos processos, sendo que a AT ignorou por completo o pedido de apensação dos autos que lhe foi apresentado, optando por simplesmente notificar o Recorrente das decisões de aplicação da coima, sem sequer aceitar ou rejeitar a apensação pedida, facto que não pode ser imputado ao Recorrente e pese embora nos autos estejam apenas em causa sete dos duzentos e quarenta e um processos, o presente recurso é apenas o primeiro de muitos que se seguirão provavelmente, sendo certo que, caso os processos não sejam apensados, estaremos perante 241 processos em tudo idênticos entre si, com o inerente risco de contradição de julgados, com o pagamento 241 taxas de justiça, o que é totalmente incomportável para o Recorrente, até porque, mesmo que se optasse, o que sempre se teria de fazer, pelo pedido de apoio judiciário junto da Segurança Social, o próprio volume de fotocópias necessárias para instruir 241 pedidos de apoio seria consideravelmente elevado, para além de que, face a tal volume, muito provavelmente a Segurança Social acabaria por indeferir alguns pedidos, pensando tratar-se de lapso ou duplicação de pedidos.

In casu, a situação é tanto ou mais grave se considerarmos que nem sequer existe obstáculo à Apensação requerida quer perante a AT, quer perante o Tribunal a quo, o que aqui se reitera uma vez mais, na medida em que os processos supra identificados estão todos na mesma fase processual e que a apensação de processos tem sido sucessivamente defendida quer a nível dos Tribunais Superiores, quer a nível da própria legislação, entretanto já alterada pela Lei 50/2015 e ao recusar o recurso interposto pelo Recorrente, o Tribunal a quo permitiria que as diversas decisões de aplicação de coima transitassem em julgado, dificultando, ou mesmo impossibilitando, o recurso à justiça por parte do Recorrente, uma vez que cada taxa de portagem não paga, mesmo que no mesmo dia ou com diferença de poucas horas, deu origem a um processo autónomo por parte da concessionária e, numa segunda fase, a um processo por parte da administração fiscal, pelo que a cada portagem não paga está associado um custo administrativo e uma coima, o que, por si só, faz, uma vez mais, "disparar" os valores a pagar, o que significa que estão a ser gravemente violados os princípios da igualdade tributária e da proporcionalidade contemplados e supostamente protegidos pelo direito constitucional português, já para não falar do direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva, situação que já motivou centenas de queixas ao Ex.mo Provedor de Justiça.

Em alternativa, situação que apenas se admite por mera cautela de patrocínio, poderia, ainda, o Tribunal ter devolvido o processo à AT para que a mesma se pronunciasse quanto à apensação dos processos, colmatando, assim, a omissão de pronúncia da mesma quanto a esta situação, ou ainda, ao abrigo do princípio do aproveitamento dos atos, poderia ter o Tribunal ordenado a distribuição do recurso interposto pelo Recorrente para cada um dos processos, criando sete processos judiciais distintos e idênticos, eliminando, assim, a alegada incompetência para apensação dos processos e pronunciando-se a posterior; sobre essa questão, ou, pelo menos, e em última instância, apreciava apenas uma das decisões de contraordenação, quer optasse por apreciar a primeira escrita e identificada, considerando as restantes como não escritas ou convidava o Recorrente a pronunciar­se quanto a esta questão e a escolher qual a decisão de contra-ordenação que pretendia ver apreciada, na medida em que qualquer uma destas soluções permitiria alcançar a justiça material, uma vez que a apensação de processos já tinha sido requerida junto da AT e, mais que um requerimento processual, era uma verdadeira questão impeditiva da aplicação da coima, pelo que acabaria sempre por ser apreciada, ainda que apenas estivesse em causa a apreciação de um único recurso de uma única decisão de aplicação de coima, e por isso mesmo não se justifica imediata aplicação da solução mais gravosa de indeferimento liminar do recurso.

Será assim?

Para delimitar a questão, o Recorrente refere que foi notificado de 241 processos em tudo semelhantes, todos dizendo respeito a passagens por percursos portajados alegadamente não pagas e em todos eles apresentou a mesma defesa escrita, junto do Serviço de Finanças de Lousada, pedindo, entre outras coisas, a apensação dos processos, sendo que a AT ignorou por completo o pedido de apensação dos autos que lhe foi apresentado, optando por simplesmente notificar o Recorrente das decisões de aplicação da coima, sem sequer aceitar ou rejeitar a apensação pedida, facto que não pode ser imputado ao Recorrente e pese embora nos autos estejam apenas em causa sete dos duzentos e quarenta e um processos, o presente recurso é apenas o primeiro de muitos que se seguirão provavelmente, sendo certo que, caso os processos não sejam apensados, estaremos perante 241 processos em tudo idênticos entre si, com o inerente risco de contradição de julgados, com o pagamento 241 taxas de justiça, o que é totalmente incomportável para o Recorrente, até porque, mesmo que se optasse, o que sempre se teria de fazer, pelo pedido de apoio judiciário junto da Segurança Social, o próprio volume de fotocópias necessárias para instruir 241 pedidos de apoio seria consideravelmente elevado, para além de que, face a tal volume, muito provavelmente a Segurança Social acabaria por indeferir alguns pedidos, pensando tratar-se de lapso ou duplicação de pedidos.

Assim sendo, temos que o Recorrente apresentou um recurso contra sete (7) decisões de aplicação de coimas, cujos processos de contraordenação identifica, sendo que nos termos do disposto no artigo 63.º do RGCO, o recurso, mesmo que existam excepções de que cumpra conhecer só pode ser objecto de rejeição liminar se estiver fora de prazo ou sem respeito pelas exigências de forma, pelo que a questão relativa às alegadas excepções deve ser apreciada em despacho a proferir nos termos do estatuído no artigo 64º do RGCO ou na sentença.

Pois bem, a decisão recorrida rejeitou o recurso ao abrigo de despacho liminar, pelo facto de ter sido apresentado um único recurso para vários processos.

No entanto, tal elemento não constitui desrespeito pelas exigências de forma, porquanto, as exigências a que se refere o artigo 63º do RGCO são as indicadas no artigo 59º nº 3 do mesmo RGCO, a saber, recurso apresentado sob a forma escrita, contendo alegações e conclusões.

Nesta sequência resulta claro que a sanção de rejeição imediata do recurso por falta de conclusões, sem conceder ao recorrente a oportunidade de sanar essa falha, não se concilia com o princípio constitucional da proporcionalidade, corolário do princípio do Estado de Direito Democrático, com afloramento nos artigos 18º nº 2 e 166º nº 2 da CRP.

Por outro lado, na esteira do Ac. deste Tribunal de 20-03-2019, Proc. nº 01895/17.4BEBRG 0323/18, www.dgsi.pt, cabe notar que, ao contrário do sustentado pela decisão recorrida, o pedido de apensação de processos pode e deve ser acolhido pelo tribunal, verificados os respectivos pressupostos legais (artigos 24º, 25º e 29º do CPP ex vi dos artigos 41º do RGCO e 3º al. b) do RGIT), devendo a apensação ser ordenada, mesmo oficiosamente, no despacho liminar ou em qualquer momento antes de ser designada data para julgamento ou antes da prolação do despacho a que se refere o artigo 64.º do RGCO (Neste sentido vai a jurisprudência reiterada do STA, entre outros, acórdãos de 17/06/2015-P. 0137/15, de 28/10/2015-P. 069/15 e de 15/11/2017-P. 01026/17, disponíveis no sítio da Internet www.dgsi.pt).

Portanto, o tribunal recorrido em vez de rejeitar liminarmente o recurso deveria ter apreciado e decidido a requerida apensação dos processos de contra-ordenação, ou ordená-la oficiosamente, seguindo-se os ulteriores termos processuais.

Diga-se ainda que, não obsta à apensação, até oficiosamente, o facto de o Recorrente já ter requerido a apensação à AT, sem que esta tivesse emitido pronúncia sobre tal pretensão, pois o Tribunal tem plena competência para o efeito, além de que a apensação dos processos encontra razões justificativas na economia e simplicidade processuais, boa administração da justiça e prestígio das decisões judiciais, (prevenindo o risco de decisões contraditórias, na apreciação), na apreciação e de condutas substancialmente semelhantes.

Em conclusão, a apresentação de um único recurso para vários processos de contraordenação não constitui desrespeito pelas exigências de forma, nos termos e para os efeitos do estatuído no artigo 63º do RGCO, sendo certo que se impunha ao tribunal recorrido a apreciação, mesmo oficiosa, da requerida apensação de processos, o que determinada a procedência do presente recurso, a revogação do despacho recorrido e a baixa dos autos à 1ª Instância para o seu regular prosseguimento.



4. DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em conceder provimento ao recurso, revogar o despacho recorrido e determinar a baixa dos autos ao tribunal de 1ª instância para prosseguimento da sua tramitação ulterior se a isso nada mais obstar.

Sem custas.

Notifique-se. D.N..




Lisboa, 28 de Outubro de 2020. - Pedro Vergueiro (relator) - Aragão Seia - Nuno Bastos.