Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0522/10.5BELRA
Data do Acordão:02/17/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANÍBAL FERRAZ
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P27201
Nº do Documento:SA2202102170522/10
Data de Entrada:10/21/2020
Recorrente:A.........................., LDA
Recorrido 1:INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL (ISS, IP)
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), com sede em Lisboa;
# I.

Entreposto A……………………………, S.A., …, recorre da sentença, proferida, em 31 de março de 2020, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Leiria, que julgou improcedente, impugnação judicial apresentada na sequência da determinação de dívida de contribuições, para com a Segurança Social, na importância de € 53.635,70.

Alegou e concluiu: «

I. O presente recurso é interposto contra a Sentença proferida nos presentes autos de Impugnação Judicial e que julgou improcedente a pretensão da, ora, Recorrente, relativamente à ilegalidade das liquidações de contribuições para a Segurança Social, relativas a despesas de transporte e a gratificações pagas aos seus trabalhadores, no valor global de € 53.635,70.

II. Na Petição Inicial, a Recorrente pugnou pela anulação das liquidações em apreço, com os seguintes fundamentos:

a) Prescrição parcial da dívida tributária, em relação ao período compreendido entre 1/2004 a 8/2004: e

b) Ilegalidade da liquidação por erro nos pressupostos de facto e de direito no que concerne à qualificação das despesas de transporte e às ‘gratificações’ como remunerações para efeitos de Contribuições perante a Segurança Social.

III. A Sentença recorrida preconiza uma errónea qualificação jurídica das prestações pagas pela Recorrente a colaboradores e a título de despesas de transporte, bem como a título de bónus/gratificações, na medida em que considerou que tais prestações consubstanciam remunerações sujeitas a contribuições para a Segurança social.

IV. De igual modo, no que concerne à prescrição parcial da dívida tributária relativa ao período compreendido entre Janeiro de 2004 e Agosto de 2004, no montante de € 7.090,18, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria entendeu, indevidamente e tanto quanto é possível compreender, que não dispunha de todos os elementos para conhecer tal vício em sede de Impugnação Judicial.

Da nulidade da Sentença

V. Relativamente à prescrição, considerou a Sentença recorrida que, tratando-se a prescrição de vício que só pode conhecer-se, em impugnação judicial, incidentalmente, como eventual causa de inutilidade superveniente da lide, se o processo disponibilizar, sem necessidade de averiguação, todos os elementos factuais necessários, esta circunstância não ocorreria nos presentes autos.

VI. Verifica-se, porém, que a Sentença recorrida não especificou, minimamente, quais os concretos “elementos factuais necessários” ao conhecimento da prescrição que, no seu entender, não seriam disponibilizados pelo presente processo.

VII. É, por isso, absolutamente impossível conhecer qual a fundamentação da Sentença relativamente a este segmento decisório e, designadamente, confirmar a conclusão alcançada.

VIII. Isto quando é certo que se afigura que o Tribunal a quo dispunha de todos os “elementos factuais necessários” ao conhecimento da prescrição, designadamente:

a. A data em que foram pagos o subsídio de transporte e as 'gratificações’;

b. A data em que o Recorrente foi notificado para exercício do direito de audição prévia; e

c. Todos os demais actos que foram praticados pela Segurança Social no âmbito deste processo (constantes do Processo Administrativo junto aos autos)

IX. A Sentença recorrida é, assim, nula, nos termos do número 1 do artigo 125.° do CPPT, por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, devendo, em consequência, ser anulada.

Dos erros de julgamento

X. Sem prescindir do exposto, o regime de prescrição das contribuições e cotizações para a Segurança Social em vigor no ano de 2004 encontrava-se previsto no artigo 49.° da Lei n.° 32/2002, de 20 de Dezembro, de acordo com o qual “A obrigação do pagamento das cotizações e das contribuições prescreve no prazo de cinco anos a contar da data em que aquela obrigação deveria ter sido cumprida”.

XI. Do mesmo passo, à data, a obrigação de pagamento das cotizações e das contribuições para a Segurança Social deveria ser efectuada até ao dia 15 do mês seguinte àquele a que dissessem respeito.

XII. Sendo que resultava do número 4 do artigo 49.° do referido Decreto-Lei que a "prescrição interrompe-se por qualquer diligência administrativa, realizada com conhecimento do responsável pelo pagamento, conducente à liquidação ou à cobrança da dívida".

XIII. Ora, em causa, estão contribuições, mensais, referentes aos anos económicos de 2004 a 2009.

XIV. Conforme decorre das alíneas L) e M) dos factos provados identificados na Sentença recorrida, a Segurança Social notificou o Recorrente para exercer o Direito de Audição relativamente à sua intenção de proceder à liquidação oficiosa de contribuições, por ofício de 30 de Setembro de 2009,

XV. O qual foi recebido pelo Recorrente a 6 de Outubro de 2009.

XVI. Assim, os prazos de prescrição, que tiveram início nos dias 15 dos meses seguintes àquele a que as contribuições diriam respeito, interromperam-se, apenas, com a notificação da Recorrente para o exercício do direito de Audição Prévia relativamente ao Projecto de Decisão da Segurança Social de liquidar oficiosamente as contribuições ora sindicadas, ou seja, no dia 6 de Outubro de 2009.

XVII. Em face dos factos e do regime de prescrição acima expostos, e tendo em consideração os mapas de apuramento de remunerações anexos ao Relatório Final de Inspecção, constata-se que, à data em que foram liquidadas oficiosamente, se encontravam, já, prescritas as contribuições referentes aos períodos de 2004/01, 2004/02, 2004/03, 2004/04, 2004/05, 2004/06, 2004/07 e 2004/08.

XVIII. Verificando-se, assim, que o Tribunal dispunha de todos os “elementos factuais necessários” ao conhecimento da prescrição e não tendo conhecido da prescrição das contribuições acima referidas, a Sentença recorrida é violadora, entre outros, do artigo 49.° da Lei n.° 32/2002, de 20 de Dezembro, incorrendo em evidente erro de julgamento, ao não reconhecer a prescrição das contribuições relativas ao período compreendido entre Janeiro de 2004 e Agosto de 2004 e, devendo, em consequência, ser anulada e substituída por outra Decisão que reconheça a predita prescrição e a consequente anulação das liquidações impugnadas.

XIX. No que se refere ao montante atribuído pelo Recorrente aos seus colaboradores a título de despesas de transporte, considerou a Sentença recorrida que, uma vez que o mesmo visava, apenas, suportar o encargo pela deslocação entre a residência dos trabalhadores do Recorrente e as instalações deste, e vice-versa, não cabe no conceito de “despesa ao serviço da entidade patronal”, encontrando-se, por isso, excluída do âmbito de aplicação da norma consagrada no citado artigo 3.°, alínea a), do Decreto Regulamentar n.° 12/83, de 12 de Fevereiro.

XX. Sucede que as quantias, assim, pagas aos trabalhadores encontravam-se definidas à priori, e indexadas ao valor do Passe Social disponibilizado pela Rodoviária do Tejo, S.A., deduzidas de uma percentagem de 10%, imputada ao uso a título pessoal.

XXI. Mais ainda: a quantia paga individualmente a cada um dos seus trabalhadores era apurada pelo Recorrente com base no custo do passe social, também, individualmente apurado para cada um dos trabalhadores, em função do respectivo domicílio e apenas em função do número de dias efectivamente trabalhado.

XXII. Ora, a própria lei previa, à data a que se reportam os factos em apreço (tal como, hoje, continua a prever) a possibilidade de as despesas de transportes dos trabalhadores poderem ser compensadas pela respectiva entidade empregadora, mesmo quando aqueles se deslocam em viatura própria.

XXIII. Com efeito, à data dos factos, a questão encontrava-se expressamente prevista no Decreto Regulamentar n.° 12/83, de 12 de Fevereiro, que regulava a base de incidência das contribuições para a segurança social, resultando, então, cristalinamente, do disposto na alínea a) do artigo 3.° deste Decreto Regulamentar n.° 12/83, de 12 de Fevereiro, que "não se consideram remunerações (...) as despesas de transporte’’.

XXIV. Aqui, o legislador não fazia qualquer distinção sobre o tipo de despesas de transporte que se consideravam excluídas da base de incidência das contribuições para a Segurança Social, por não serem consideradas remuneração.

XXV. Assim sendo, não só o pagamento das quantias em causa não constituía contrapartida do trabalho prestado pelos trabalhadores do Recorrente, como, pelo contrário, tinha uma função eminentemente social e que visava suprir uma carência na rede de transportes públicos na Zona Industrial de Santarém, que, aliás, ainda hoje se sente.

XXVI. Acresce que, se o legislador tivesse querido excluir as deslocações entre o domicílio dos trabalhadores e as instalações dos empregadores do conceito de despesas de deslocação que não integram o conceito de retribuição para efeitos de determinação da base de incidência das contribuições para a Segurança Social ao abrigo do Decreto Regulamentar n.° 12/83, de 12 de Fevereiro, não deixaria de o afirmar expressamente. Em concreto, porém, o legislador não o fez.

XXVII. E onde o legislador não distingue, não cabe ao intérprete distinguir.

XXVIII. Refira-se, finalmente, que tal interpretação da exclusão constante da referida alínea a) do artigo 3.° deste Decreto Regulamentar n.° 12/83, de 12 de Fevereiro, encontra, também, suporte no elemento histórico, já que o Código Contributivo, actualmente em vigor, veio, na alínea t) do n.° 2 do seu artigo 46.°, delimitar as despesas de transporte que integram a base de incidência contributiva às "despesas de transporte, pecuniárias ou não, suportadas pela entidade empregadora para custear as deslocações em benefício dos trabalhadores, na medida em que estas não se traduzam na utilização de meio de transporte disponibilizado pela entidade empregadora ou em que excedam o valor de passe social ou, na inexistência deste, o que resultaria da utilização de transportes coletivos, desde que quer a disponibilização daquele quer a atribuição destas tenha caráter geral”.

XXIX. Ou seja, do exposto resulta que, por um lado, no âmbito da vigência do Decreto Regulamentar n.° 12/83, de 12 de Fevereiro, o legislador não distinguia, nem limitava, as despesas de transporte pagas pelos empregadores aos seus trabalhadores e, por outro lado, que, mesmo actualmente, o legislador apenas limita a exclusão da base de incidência contributiva às despesas de transporte que excedam o valor de passe social ou, na inexistência deste, o que resultaria da utilização de transportes coletivos.

XXX. E, no caso, as despesas de transporte pagas pelo Recorrente aos seus trabalhadores correspondiam a 90% do valor do passe social apurado para cada trabalhador e de acordo com a sua morada de residência.

XXXI. E, se é certo que o Código Contributivo não tem efeitos retroactivos, é inegável que não pode deixar de ter, pelo menos para este efeito, carácter interpretativo, uma vez que manifestamente alargou a base de incidência contributiva a uma prestação remuneratória que até então não era abrangida.

XXXII. A Sentença, recorrida oblitera, porém, esta exclusão de incidência, por omissão, no anterior regime e actualmente prevista pelo Código Contributivo, materializando uma deficiente enunciação e/ou interpretação dos institutos jurídicos aplicados ao caso concreto.

XXXIII. Destarte, conclui-se que os montantes pagos pelo Recorrente aos seus colaboradores a título de despesas de transporte enquadram-se na alínea a) do número 3 do Decreto Regulamentar nº 12/83, de 12 de Fevereiro, estando, assim, excluídos da base de incidência de contribuições para a Segurança Social, sendo a Sentença recorrida intoleravelmente violadora deste preceito legal e não podendo, por isso, manter-se.

XXXIV. Relativamente às prestações pagas pelo Recorrente a título de gratificações, considerou a Sentença recorrida que no caso dos autos, em face da atribuição de gratificações pela Impugnante ao longo de seis anos, em todos eles, pelo menos durante dois meses, e a partir de meados de 2007, em todos os meses, impõe-se concluir que a natureza da sua atribuição não é, pois, meramente ocasional ou esporádica, tendo outrossim, um caráter ou cadência regular - que a mesma não logrou infirmar - donde resulta a natureza retributiva das aludidas gratificações.”

XXXV. Verifica-se, porém, que tal entendimento não tem, qualquer, aderência à realidade fáctica-jurídica em causa nos presentes autos.

XXXVI. Com efeito, desde logo, o Tribunal a quo deu, simultaneamente, como provado que, no período de 2004 a 2009, as gratificações atribuídas pelo Recorrente eram autorizadas, de forma casuística, pelo Conselho de Administração, bem como que só no ano de 2010 foi introduzido pelo Recorrente um sistema de “remuneração variável”, com conhecimento prévio dos trabalhadores.

XXXVII. Por outro lado, não se provou que a atribuição destas ‘gratificações’ estivesse subordinada a qualquer tipo de critérios objectivos pré-determinados.

XXXVIII. Ora, nos termos da alínea d) do artigo 2.° do Decreto Regulamentar n.° 12/83, de 12 de Fevereiro, apenas se consideram “(...) remunerações as prestações a que, nos termos do contrato de trabalho, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito pela prestação do trabalho e pela cessação do contrato, designadamente (...) Os prémios de rendimento, de produtividade, de assiduidade, de cobrança, de condução, de assinatura de contratos, de economia e outros de natureza análoga”.

XXXIX. Relativamente à definição do conceito de retribuição, é (e era) entendido que esta é constituída por um conjunto de valores (pecuniários ou não) que a entidade empregadora está obrigada a pagar, regular e periodicamente, ao trabalhador em razão da actividade por ele desenvolvida ou da força de trabalho por ele disponibilizada.

XL. Ora, no caso em apreço, verifica-se, desde logo, que as ‘gratificações’ pagas pelo Recorrente não preenchem nenhum dos requisitos de que dependeria a possibilidade de sua qualificação como ‘retribuição’.

XLI. Pelo contrário, tais ‘gratificações’ constituíam uma liberalidade, de natureza extraordinária, dependente da exclusiva e unilateral vontade da entidade patronal.

XLII. Por outro lado, o único critério a que a Sentença recorrida atendeu parece ter sido o critério da, putativa, regularidade dos prémios, obliterando, em absoluto, o facto de inexistirem critérios objectivos subjacentes a tais gratificações, nem qualquer obrigatoriedade de pagamento.

XLIII. Mais ainda, a própria Sentença recorrida reconheceu que existe variabilidade no número e na identificação dos trabalhadores beneficiários, conclusão, esta, que é incompatível com o critério de regularidade que propugna.

XLIV. Isto porque, não assume carácter regular um prémio de produtividade que é atribuído casuisticamente (ou fortuitamente, na expressão usada pela Sentença recorrida), que ocorre sem constância no tempo, sem periodicidade ou continuidade e cujo valor é, também ele, variável e incerto, como se verifica ser o caso.

XLV. Isto porque, em cada ano, a Administração do Recorrente tinha a liberdade de não deliberar a atribuição de prémios e de alterar os critérios de atribuição e o seu montante, conforme, aliás, sucedeu.

XLVI. Por isso mesmo a Sentença recorrida deu como provado que estas gratificações não foram atribuídas todos os anos, não foram sempre atribuídas às mesmas pessoas, nem foram sempre atribuídas pelo mesmo valor.

XLVII. Não é, por isso, possível identificar a 'regularidade' que a Sentença recorrida propugna.

XLVIII. E, mais ainda, se é certo que a Sentença recorrida deu por provado o texto contido no Relatório Final elaborado pela Segurança Social (cfr. alínea O) dos factos provados), o mesmo não pode dizer-se quanto aos factos nele contidos e especialmente quanto à, putativa, existência de critérios objectivos de que dependia a atribuição destas ‘gratificações’.

XLIX. Conclui-se, assim, que não ficou minimamente provado o carácter de regularidade destes pagamentos efectuados pelo Recorrente, sendo, neste âmbito, a Sentença recorrida violadora, além do mais, da alínea d) do artigo 2.° do Decreto Regulamentar n.° 12/83, de 12 de Fevereiro, pelo que deverá ser revogada e substituída por outra Decisão que julgue procedente as alegações do Recorrente, quanto a esta questão, e determine a anulação das correspondentes liquidações.

Nestes termos e nos melhores de Direito, deverá o presente recurso merecer integral provimento e, em consequência, ser revogada a Sentença recorrida e ser proferido Acórdão que reconheça a prescrição das contribuições referentes aos períodos de 2004/01, 2004/02, 2004/03, 2004/04, 2004/05, 2004/06, 2004/07 e 2004/08 e que determine a anulação das contribuições não prescritas com base na sua ilegalidade. »


*

O recorrido Instituto da Segurança Social I.P. (IPSS, IP) formalizou contra-alegações, onde concluiu: «

1 - Para além do ora Recorrido oferecer o mérito da douta sentença proferida que, de forma tão sábia e proficiente, julgou improcedente a presente ação de impugnação, dando aqui por reproduzida toda a matéria, a esse propósito vertida em sede de decisão, já que, face a tão clarividente fundamentação da mesma, nada mais poderá acrescentar, por inócuo, limitar-nos-emos apenas a reforçar tudo quanto já por nós oportunamente exposto e sufragado pela M.ma Juíza na douta sentença recorrida, na medida em que, nada de novo, ao cabo e ao resto, não obstante a argumentação expendida, é trazido pela Recorrente na fundamentação do presente recurso ao anteriormente expendido.

2 - Começaremos, desde já, por referir, no que se refere à alegada prescrição (parcial), damos por reproduzido o douto, entendimento constante na douta sentença proferida, sendo certo que, tal como alegado em sede de contestação, nos termos do artigo 49.° da Lei 32/2002, de 20 de Dezembro e art.° 60.° da Lei n.° 4/2007 de 16 de Janeiro, as dívidas por contribuições à Segurança Social prescrevem no prazo de 5 anos sendo que a referida prescrição se interrompe nos termos do artigo 49°, n.° 4 da Lei n.° 32/2002, através de qualquer diligência administrativa, realizada com conhecimento do responsável pelo pagamento, conducente à liquidação ou cobrança da dívida. (Sublinhado nosso).

3 - Ora, o processo de fiscalização era do conhecimento da Impugnante, pelo menos desde 1.2.12.2008 (cfr. fls. 4 e 229 do PROAVE) - data em que foi informada do entendimento do ora Recorrido de que os valores liquidados a título de "Subsídios de Transporte” e de “Gratificação”, omitidos no valor global incluso nas declarações de remunerações, seriam passíveis de inclusão na base de incidência para a segurança social, tendo-lhe sido solicitado que disponibilizasse a necessária documentação, ou seja, ainda antes de decorrido o prazo de cinco anos legalmente definido, incidindo aquele procedimento sobre apuramento de dívidas contraídas desde 2004.

4 - Assim, e considerando que a lei aplicável às contribuições para a segurança social era, à data, a Lei de Bases, a qual é clara no sentido de indicar que o prazo prescricional se interrompe por "qualquer diligência administrativa", não tem qualquer fundamento a alegação da ora Recorrente de que só as notificações para o exercício de audiência prévia interrompem este prazo.

5 - Razão pela qual não se vislumbra qualquer fundamento que possa excecionar a exigibilidade da dívida relativa ao ano de 2004.

6 - Atenta toda a matéria de facto dada como provada, com relevância para a decisão da causa, e que por razões de economia processual, se nos for permitido, nos dispensamos de reproduzir, e que consta nas alíneas A) a BB) da douta sentença proferida, dúvidas não existem que, não restaria à Mma Juíza do Tribunal a quo, depois de definir o quadro legal aplicável na situação em apreço e perscrutada a jurisprudência a esse propósito vertida, sobre, quais as prestações que estão excluídas, ou não, do conceito de remuneração, concluir da forma como o fez, isto é, tal como propugnado pelo ora Recorrido, deverem ser as quantias auferidas pelos trabalhadores da ora Recorrente, no período em causa, como "subsídio de transporte" e “gratificações”, consideradas como retribuição e assim constituir base de incidência contributiva para a segurança social.

7 - Efetivamente, tal como referido na douta sentença, no que se refere ao subsídio de transporte, e seguindo orientação jurisprudencial cuja fundamentação acolheu e reproduziu, passando a citar, “(...) seja no âmbito das ajudas de custo, seja no âmbito das demais despesas caracterizadas, que incluem as “despesas de transporte” ora em causa, é pressuposto que o trabalhador tenha incorrido nessas despesas "ao serviço da entidade patronal" sendo que, ficam excluídas do âmbito deste conceito as despesas ocasionadas pela deslocação para o local de trabalho.

Atento o sobredito, resulta que o "subsídio de transporte" em causa, pago pela Impugnante aos seus trabalhadores visava, apenas, suportar o encargo pela deslocação entre a residência dos trabalhadores da Impugnante e as instalações da mesma, e vice-versa, circunstância, que, conforme vimos, não cabendo no conceito de "despesa ao serviço da entidade patronal", encontra-se excluída do âmbito de aplicação da norma consagrada no citado artigo 3º, alínea a), do Decreto Regulamentar n° 12/83, de 12 de fevereiro.

8 - De facto, ao contrário do alegado pela Recorrente e, no que se refere ao subsídio de transporte, resulta abundantemente do PROAVE, junto aos autos, e da matéria fática dada por provada, que o mesmo mais não é do que uma forma de remuneração já que se trata de um valor pago mensalmente, incluindo a trabalhadores que se deslocam em viatura própria.

9 - Não existem documentos que suportem tal despesa, nos termos da lei geral, constituindo-se, assim, o mesmo como um suplemento remuneratório, pago indiscriminadamente, a todos os trabalhadores, sendo, deste modo, passível de descontos, para a Segurança Social.

10 - De facto, é à própria Recorrente que assume, e tal como ficou provado, que não tem qualquer documento comprovativo das despesas efetuadas, sendo essa ausência justificada com a alegação de que "o controlo da efectiva utilização dos transportes, públicos afigura-se demasiadamente oneroso para a Impugnante" e que tal procedimento “consubstanciaria uma carga administrativa desproporcionada"

11 - Ora, se analisarmos as.declarações prestadas pelos trabalhadores, e também confirmadas pelos depoimentos das testemunhas em sede de julgamento, tal como ficou provado, constata-se que estes são unânimes em referir que a forma como se deslocavam/deslocam da sua residência para o local de trabalho “sempre foi em viatura própria”, que o valor recebido como subsídio de transporte é um valor certo, no entanto, a quantia varia consoante a distância entre a residência de cada trabalhador e as instalações, da empresa e correspondente local de trabalho.

12 - Provando-se, pois, que a ora Impugnante, pagou despesas de transporte aos seus trabalhadores, sem que os mesmos tivessem nelas incorrido e sem qualquer documento comprovativo que justificasse o seu pagamento, pelo que, a conclusão a extrair dos autos não poderia ser outra senão, a de que tais despesas, mais não são do que complemento remuneratório e, como tal, base de incidência contributiva para a Segurança Social,

13 - Constatando-se também, da análise dos elementos contabilísticos, solicitados e disponibilizados pela Recorrente, nomeadamente, dos balancetes dos anos de 2004 a 2009, bem como da listagem de remunerações detalhadas, que o processamento do subsídio de transporte é feita nos 12 meses, ainda que os montantes sejam variáveis.

14 - Não havendo registo relativo à reposição, de valores, - podendo tal situação, eventualmente suceder, uma vez que tais valores são pagos mesmo quando os trabalhadores estão de férias - tal não ocorre, sendo certo que, os pagamentos efetuados têm em conta os 12 meses do ano.

15 - Donde resulta claro, no que respeita ao “Subsídio de Transporte”, que este, no caso "sub judice", não visa a compensação de quaisquer despesas em que os trabalhadores tivessem incorrido ao serviço da empresa, não existe qualquer deslocação do local de trabalho ao serviço da entidade empregadora pelo que, consequentemente, não existe qualquer reembolso de despesas de transporte, alegadamente, suportadas pelo trabalhador:

16 -Não se enquadra, tal abono, no âmbito do artigo 260º do Código do Trabalho, doravante CT, mais não sendo, por isso, do que um complemento de vencimento e, como tal, sujeito à incidência de taxa social única, nos termos do artigo 2.° do Decreto Regulamentar n.° 12/83, de 12 de fevereiro, aplicável à data aos factos.

17 - No que diz respeito à rubrica “gratificações", conforme alegado pelo Recorrente e também acolhido pela douta sentença, seguindo aliás, orientação jurisprudencial cuja fundamentação acolheu e reproduziu, passando, a citar,"(…) o critério norteador para aferir da integração das gratificações em causa no conceito de remuneração consiste na regularidade da respetiva atribuição. Sendo que irreleva, nessa medida, conforme expende o aresto transcrito, que os prémios de produtividade apenas sejam pagos quando, atingidos os objetivos, que inexista expectativa no seu recebimento de per se, ou, ainda, que os montantes atribuídos não sejam constantes"

18 - Concluindo de seguida e conforme alegado pelo Recorrido, passando a citar "(...) existe carácter de regularidade neste abono, pago aos funcionários, em pelo menos dois anos consecutivos, independentemente da variabilidade do seu montante, pelo que existe carácter retributivo, estando estas sujeitas à incidência de taxa social única.

Efetivamente, da prova recolhida, e carreada para os autos, resulta claramente que as gratificações em causa são atribuídas aos trabalhadores da Recorrente desde que atinjam determinados objetivos (vide auto de declarações de fls. 343 a fls. 348 do PROAVE), pelo que é legítima a conclusão extraída pelos serviços do Impugnado de que, desde que os trabalhadores em causa atinjam os objetivos fixados, sabem e podem, legitimamente, esperar que as referidas gratificações lhes sejam pagas.

Deste modo, o cumprimento, de determinada condição assente em critérios objetivos para efeitos da atribuição de prémio, não se caracteriza como uma prestação de atribuição aleatória, subjetiva, arbitrária ou esporádica. De facto, ao serem atingidos os objetivos contratados, a, Impugnante encontra-se vinculada ao seu pagamento, nas condições acordadas.

Quer isto dizer que, por estarem previamente definidos os objetivos, os trabalhadores sabem, de antemão, que se os atingirem terão direito à percentagem correspondente, pelo menos ao valor mínimo da gratificação, ou seja, criam a expectativa do seu recebimento”

19 - Considere-se, igualmente, o disposto no CT aplicável à data dos factos, uma vez que decorre do n.° 2 do seu-artigo 249.° que "até prova em contrário presume-se constituir retribuição toda e qualquer prestação, do empregador ao trabalhador".

20 - O facto é que a Recorrente não conseguiu ilidir a presunção, legal citada, já que não apresentou prova que contrariasse a posição defendida pelo ora Recorrido.

21 - Na verdade, a ora Recorrente veio apenas alegar que as gratificações, por não terem carácter regular, não fazem parte da retribuição dos trabalhadores e, consequentemente, não estão sujeitas, à incidência da TSU, para tanto alegando em síntese, que no ano de 2003 não foram atribuídas quaisquer gratificações, que nos anos de 2004 a 2009 os colaboradores a quem aquelas foram atribuídas variaram sempre de ano para ano, sendo que, tratou-se de uma atribuição casuística, "incerta" e sem carácter de direito adquirido, sem que, para sustentar a sua pretensão, tivesse apresentado qualquer meio de prova capaz de, minimamente, pôr em causa as conclusões e a decisão do Impugnado que, aliás, também não foram postas em causa pela prova produzida em audiência de julgamento, estribadas que estavam no conceito de regularidade da sua atribuição no âmbito, da lei e da doutrina jus-laboral.

22 - E competia à Impugnante, segundo as regras do ónus da prova, demonstrar e comprovar cabalmente o que alega.

23 - Veja-se, nesse sentido, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no proc. n.º 01724/02 de 29/01/2003, onde se diz: “Na ausência de normas expressas ou analogicamente aplicáveis sobre a repartição do ónus da prova (...), tendo, em conta os critérios de razoabilidade subjacentes às regras do ónus da prova contidas nos arts. 342° a 344º do Código Civil (...) e tendo em mente o dever de fundamentação legalmente imposto à Administração para os actos que afectem direitos ou interesses legalmente protegidos (arts. 268º, n.° 3, da C.R.P. e 124.° do C.P.A.) será de impor-lhe o ónus de provar os pressupostos de facto em que ela basear, as suas decisões que afectem os administrados, enquanto ao recorrente caberá o ónus da prova, dos pressupostos em que assenta a sua pretensão".

24 - Com efeito, atentando no conceito de retribuição contido no referido n.° 1 do artigo 249.° do CT, verifica-se que só se considera retribuição aquilo a que, nos termos, do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho.

25 - O n.° 2 do referido artigo inclui na contrapartida do trabalho a retribuição base e todas as prestações regulares e periódicas, feitas direta ou indiretamente, em dinheiro ou em espécie.

26 - Também o n.° 3 do mesmo artigo estabelece que, até prova em contrário, presume-se que constitui retribuição toda e qualquer prestação do empregador ao trabalhador.

27 - Outros suplementos, designadamente, os que são atribuídos face a condições específicas em que o trabalho é prestado, integrarão esse conceito se as respetivas prestações tiverem natureza regular e periódica.

28 - O conceito de retribuição decompõe-se, pois, nos seguintes elementos essenciais: a natureza de prestação, patrimonial; o caráter de regularidade e periodicidade; a correspetividade entre a obrigação da entidade empregadora e a prestação de trabalho pelo trabalhador (embora nem sempre se exija a prestação efetiva do trabalho, evidenciando-se com frequência a disponibilidade do trabalhador).

29 - Também a jurisprudência tem evidenciado que as prestações, complementares integram o conceito, de retribuição quando, tendo carácter regular e periódico, criam no espírito do trabalhador a convicção de que constituem, complemento normal do salário.

30 - O conceito de retribuição abrange todos os benefícios concedidos pelo empregador que se destinem a integrar o orçamento normal do trabalhador, conferindo-lhe a expectativa do seu recebimento, dada a sua regularidade e continuidade, periódica. - Cfr; Ac. RL de 04.11.92, in CJ 1992, V. 184.

31 - Assim, resulta da prova colhida, sobretudo documental, mas também testemunhal, conforme se pode verificar no PROAVE, que se está perante abonos pagos aos trabalhadores, em pelo menos 2 anos consecutivos, variando apenas o montante, bem como os meses em que são pagos, pelo que não se podem qualificar tais abonos como “gratificações acidentais ou fortuitas";

32 - Efetivamente, tal como é referido pela douta sentença recorrida "Conforme se aludiu supra irreleva a (in)existência de expectativa na atribuição da gratificação em causa, assim como, o número ou a variabilidade dos trabalhadores que auferiram a mesma, relevando, tão só, aferir do caráter regular ou esporádico da sua atribuição num determinado período de tempo.

No caso sujeito está em causa o período temporal que medeia entre o ano de 2004 e o ano de 2009, inclusive. Ora, compulsados os mapas de apuramento a que se alude em J) do probatório extrai-se que as gratificações em causa foram atribuídas em todos os anos (2004, 2005, 2006, 2007, 2008 e 2009) e cada um desses anos, durante dois ou mais meses, sendo que, a partir de abril de 2007 até abril de 2009, tal atribuição foi mensal.

33 - Acresce que, resulta dos n.° 2 e 3 do artigo 261.° do CT, aplicável à data dos factos, que a exclusão do conceito de retribuição não se aplica "às gratificações que sejam devidas por força, do contrato ou das normas que o regem, ainda que a sua atribuição esteja condicionada aos bons serviços do trabalhador, nem àquelas que, pela sua importância e carácter regular e permanente, devam, segundo os usos, considerar-se como elemento integrante da retribuição daquele (…) independentemente da variabilidade do seu montante".

34 -De igual modo, e sobre a matéria de incidência de contribuições, o Decreto Regulamentar n.° 12/83, de 12 de fevereiro, alterado pelo Decreto Regulamentar nº 53/83, de 22 de junho, enumera várias prestações que, para o efeito, são consideradas remunerações passíveis de contribuição para a segurança social, designadamente, a remuneração base, que compreende a prestação pecuniária e prestações em géneros, alimentação ou habitação, os prémios de rendimento, de produtividade, de assiduidade, de cobrança, de condução, de economia e outros de natureza análoga, que tenham carácter de regularidade e os subsídios por penosidade, perigo ou outras, condições especiais de prestação de trabalho.

35 - De tudo isto resulta que, contrariamente ao alegado, os serviços de fiscalização da Recorrente, fizeram o correto enquadramento de toda a situação de facto, tendo em consideração o conceito legal de retribuição.

36 - Invoca a Impugnante um diploma legal de carácter regulamentar, o Decreto Regulamentar n.° 12/83, de 12 de fevereiro que, nesta matéria, importa, em obediência ao princípio da legalidade e à hierarquia das fontes de direito, conformar com o preceituado no CT, designadamente com os artigos 249.°, n.° 2 e 3, 260.°, n.° 1 e 261º n.° 2., que estabelecem que:

Na contrapartida do trabalho inclui-se a retribuição base e todas as prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie" (artigo 249.°, n.° 2, Código do Trabalho), presumindo-se constituir retribuição “toda e qualquer prestação do empregador ao trabalhador",.. “até prova em contrário” (nº 3) e... - o negrito é o nosso.

37- Segundo o artigo 260.°, n.° 1 do CT (“ajudas de custo e outros abonos") “Não se consideram retribuição as importâncias recebidas a título de ajudas de custo, abonos de viagem, despesas de transporte, abonos, de instalação e outras equivalentes, devidas ao trabalhador por deslocações, novas instalações ou despesas feitas em serviço do empregador, salvo quando, sendo tais deslocações ou despesas frequentes, essas importâncias, na parte que exceda os respectivos montantes normais, tenham sido previstas no contrato ou se devam considerar pelos usos como elemento integrante da retribuição do trabalhador” - …

38 -. De acordo com o artigo 261º n.° 2.("gratificações”), estabelece-se que “o disposto no número anterior não se aplica às gratificações que sejam devidas por força do contrato ou das normas que o regem, ainda que a sua atribuição, esteja condicionada aos bons serviços do trabalhador, nem àquelas que, pela sua importância e carácter regular e permanente, devam, segundo os usos, considerar-se como elemento integrante da retribuição daquele" - o negrito é o nosso.

39 - Ora, sendo, que, “até prova em contrário, presume-se constituir retribuição toda e qualquer prestação do empregador ao trabalhador" - cfr. o artigo 249.°,. n.° 3 do CT - o negrito é o nosso.

40 - Ao eximir-se de apresentar documentos que atestassem que as despesas apuradas foram realizadas no contexto, que alega, a Impugnante não conseguiu formar, nesse sentido, a convicção da Administração em sede do processo de fiscalização,

41 - Nem tão pouco, logrou a Impugnante conseguir formar a pretendida convicção em sede contenciosa, pois trata-se de matéria que não se considera suscetível de comprovar por prova testemunhal visto tal prova depender, não do senso comum de trabalhadores, e dirigentes, mas de adequada documentação.

42 - É que os factos apurados pela fiscalização firmam-se, nomeadamente, na análise dos contratos de trabalho e recibos de vencimento dos trabalhadores da Impugnante identificados nos mapas, de apuramentos, anexos como documentos de fls. 557 a fls. 580 do PROAVE.

43 - Da análise desses documentos, foram detetados valores pagos a título de subsídios de transporte e de gratificações relativos ao período de 01.2004 a 04.2009, envolvendo os trabalhadores, não se constatando a existência, de documentos que preencham os requisitos, necessários à classificação atribuída pela Recorrente aos valores pagos no âmbito destes abonos, já que, dos recibos de vencimento resulta, que, de forma regular e cumulativa, constam abonos pagos a título de subsídio de transporte.

44 - Uma vez que, nos termos do artigo 249.°, n.° 3, do CT se presume constituir retribuição toda e qualquer prestação do empregador ao trabalhador, não pode deixar de se considerar retribuição quaisquer despesas suportadas, pela Impugnante, contabilizadas e referentes a pagamentos aos trabalhadores, pois não se encontram devidamente justificadas documentalmente na respetiva contabilidade.

45 - Mesmo que tais valores se encontrassem adequadamente documentados, sempre, cumpriria qualificar tais despesas como retribuição, dado o seu carácter regular e periódico, nos termos do artigo 260° e 261.° do Código de Trabalho, devendo, como tal, fazer parte, da base de incidência contributiva prevista no Decreto-Lei n.° 199/99, de 8 de julho, e, como tal, tinha a Impugnante o dever de as incluir na folha de remunerações exigida pelos artigos 12.° a 17.° do Decreto-Lei n.° 8- B/2002, de 15 janeiro;

46 - Não o tendo feito, procedeu o Impugnado em conformidade com o artigo 33.° Decreto-Lei n.° 8-B/2002, de 15 janeiro, constituindo legitimamente a Recorrente devedora do montante de € 53,635,70.

47 - Donde, se conclui pela improcedência da argumentação expendida, não padecendo por um lado, a douta sentença recorrida de qualquer vício que a inquine de nulidade ou sequer de anulabilidade e por outro, considerando a prova recolhida no decurso da ação inspetiva conduzida pelos serviços do Recorrido, doutamente valorada pelo tribunal, o enquadramento legal da questão controvertida, e a subsunção crítica da factualidade assente ao direito aplicável, efetuada pela Mma Juíza a quo, haverá que concluir que as verbas incluídas nos mapas de apuramento de remunerações, no período em causa, devem constituir base de incidência de contribuições para a segurança social.

48 - Pelo que, não padece o ato impugnado de quaisquer dos vícios que lhe são assacados ou qualquer outro que o inquine de nulidade ou sequer de anulabilidade, sendo o mesmo absolutamente válido e legal, devendo ser mantido "qua tale”.

Termos em que, e com o sempre douto suprimento de V. Exas, não deverá o presente recurso obter provimento, mantendo-se assim a douta Sentença recorrida, com as devidas consequências legais.

V. Exas. Venerandos Conselheiros, farão assim a costumada, JUSTIÇA! »


*

O Exmo. Procurador-geral-adjunto emitiu parecer, suscitando, em exclusivo e a título de questão prévia, a incompetência, em razão da hierarquia, da Secção de Contencioso Tributário, do STA.

Notificadas as partes do conteúdo deste parecer, a recorrente (rte) veio requerer que se considere o STA competente para a apreciação deste recurso e subsidiariamente, se assim não for entendido, a remessa para o tribunal competente.


*

Cumpridas as formalidades legais, compete apreciar e decidir a coligida exceção.

*******

# II.


Na sentença recorrida, mostra-se exarado: «

III.1. FACTOS PROVADOS COM RELEVO PARA A DECISÃO DA CAUSA:

A) Os Serviços de Fiscalização de Lisboa e Vale do Tejo (LVT) - Setor de Santarém, do ISS, IP, instauraram processo de averiguação (PROAVE) contra a Impugnante, ao qual corresponde o n.º 200803033091 - conforme documento a folhas 1 a 7 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;

B) O ISS, IP dirigiu à Impugnante, no âmbito do processo a que se alude em A), "notificação" datada de 02.09.2008, da qual consta conforme segue:

« (…)

Nos termos e para efeitos do disposto no art.º 44° dos Estatutos do Instituto de Segurança Social, I.P„ aprovado pelo Dec. Lei nº 316-A/2000, de 7 de Dezembro e do Decreto Regulamentar n.º 22/2001, de 26 de Dezembro, fica V.a Ex.a notificado(a) para o que abaixo se assinala com X.

X Comparecer o próprio ou o seu representante legal, nestes Serviços de Fiscalização na morada abaixo indicada, no dia 05/09/2008 pelas 10H00 horas, a fim de prestar declarações e/ou exibir a seguinte documentação:

(…)

X Recibos de vencimento dos trabalhadores referentes aos meses de Setembro/2007 e Maio/2008;

X Mapas resumo de processamento de vencimentos dos meses de Março e Setembro/2007 e Janeiro a Julho/2008;

X Balancete geral analítico em 30SET2007, 31DEZ2007, 31JAN2008 e 31MAI2008.

X Prova do comunicação, à Segurança Social, da admissão dos trabalhadores (Dec.-Lei 124/84 de 18/04, com as alterações introduzidas peto Dec-Lei 330/98, de 2/11 e Dec-Lei 14/2007 de 19/01) com início de contrato de trabalho a partir de Janeiro/2008,

(...)» - conforme documento a folhas 17 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;

C) No âmbito do processo a que se alude em A) foi elaborado documento denominado "juntada", do qual consta conforme segue:

«(…)

Aos dez dias do mês de Setembro do ano de dois mil e oito, os signatários B…………….. e C………………, Inspectores-Adjuntos Especialista, dos Serviços de Fiscalização de Beneficiários e Contribuintes de LVT, Sector de Santarém, no âmbito do processo n,° 200803033091, receberam pessoalmente nestes serviços de fiscalização, entregues por mão própria pela D. D………….., responsável pelo escritório da empresa A………………., Lda, contribuinte NISS ………………, a documentação solicitada na Notificação entregue a 02SET2008, e que se apensam ao processo, respectivamente numerados, conforme se passa a descrever:

- Recibos de Quitação dos meses de Setembro/2007 e Maio/2008;

- Listagens de Processamento de Vencimentos, referentes aos meses de Setembro/2007 e Janeiro e Julho/2008;

- Balancetes Geral Analíticos de 30/09/2009, 30/12/2007 e 31/012008;

- Comprovativos de Comunicação de Admissão de Trabalhadores.

(...)» - conforme documentos a folhas 18 e seguintes do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;

D) No âmbito do processo a que se alude em A) foi elaborado documento denominado "auto de diligências", datado de 11.03.2009, do qual consta conforme segue:

«(…)

Aos onze dias do mês de Março do ano de dois mil e nove os signatários B……………………. e C………………., Inspectores-Adjuntos Especialistas, do Núcleo de Fiscalização de Beneficiários e Contribuintes do Serviço de Fiscalização de LVT. - Sector de Santarém, no âmbito do processo da averiguações n.º 200803033091, receberam chamada telefónica proveniente do Dr. E……………., que nos confiou que após consulta a diversos juristas e auditores, e serem estes igualmente de opinião de que os valores pagos aos trabalhadores da empresa A…………… Lda., a título de Subsídio de Transporte e Gratificação, não são passíveis de base de incidência para a segurança social, pelo que declarou declinar efectuar qualquer regularização contributiva relativamente aos valores daquelas rubricas.

Face ao declinar do Dr. E……………., para efetivação da regularização contributiva dos valores liquidados aos trabalhadores relativamente às rubricas descritas, foi notificada a empresa para apresentação descriminada dos Mapas resumo/listagem de processamento dos valores pagos aos seus trabalhadores no período compreendido entre Janeiro/2004 e Fevereiro/2009, relativamente a Subsídio de Transporte e Gratificação, bem como os Balancetes Gerais Analíticos de 31 de Dezembro dos anos de 2004, 2005, 2006, 2007 e 2008.

A cópia da referida Notificação, a que foi atribuído o registo nº 013963 de 12-03-2009, se apensa ao processo.

Nada mais havendo a relatar, damos o presente auto por encerrado e depois de lido e achado conforme, vai ser assinado pelos signatários.

(...)» - conforme documento a folhas 231 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;

E) O ISS, IP dirigiu à Impugnante ofício datado de 12.03.2009, sob o assunto "Regularização da situação contributiva", do qual consta conforme segue:

«(…)

Nos termos e para efeitos do disposto no art° 20° da Estrutura Orgânica do Instituto da Segurança Social, I.P., aprovada pelo Dec. Lei n.° 214/2007, de 29 de Maio e do Decreto Regulamentar n.° 22/2001, de 26 de Dezembro, fica V.a Ex.a notificado(a) para o que abaixo se assinala com X

X Comparecer o próprio ou o seu representante legal, neste Departamento de Fiscalização na morada abaixo indicada, até dia 2009/03/27, a fim de entregar a seguinte documentação;

(…)

X Mapas resumo/listagem de processamento de Subsídios de Transporte e Gratificação liquidados a todos os trabalhadores no período compreendido entre Janeiro/2004 e Fevereiro/2009.

X Balancetes gerais analíticos referentes a 31 de Dezembro dos anos de 2004, 2005, 2006, 2007 e 2008.

(...)» - conforme documento a folhas 232 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;

F) A Impugnante apresentou, no âmbito do processo a que se alude em A), requerimento datado de 26.03.2009, do qual consta conforme segue:

«(…)

A……………………………………… Lda. (doravante abreviadamente designada por A…………….), com o NISS ……………. e NIF ………………, vem, na sequência da notificação recebida no passado dia 13 de Março de 2009, apresentar nos Serviços de Fiscalização LVT - Sector de Santarém, do Instituto da Segurança Social I.P. a documentação solicitada e prestar os esclarecimentos que a este respeito entende convenientes para clarificação dos assuntos em análise.

Assim, apresenta os seguintes documentos:

•Mapa resumo de processamento de Subsídio de Transporte e Gratificação liquidados a todos os trabalhadores no período compreendido entre Janeiro/2004 e Fevereiro/2009).

•Balancetes gerais analíticos referentes a 31 de Dezembro dos anos de 2004, 2005, 2006, 2007 e 2008).

(…)» - conforme documento a folhas 233 a 328 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;

G) No âmbito do processo a que se alude em A) foram prestadas declarações por F…………….., G…………………. e H……………….., na qualidade de testemunhas - conforme documentos a folhas 343 a 352 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;

H) No âmbito do processo a que se alude em A) foi elaborado documento denominado “juntada”, do qual consta conforme segue:

«(…)

Aos vinte e cinco dias do mês de Maio do ano de dois mil e nove, os signatários B…………… e C……………………, Inspetores-Adjuntos Especialistas Principais, dos Serviços de Fiscalização de Beneficiários e Contribuintes de LVT, Sector de Santarém, no âmbito do processo n.º 200803033091, receberam pessoalmente nestes serviços de fiscalização, entregues por mão própria, por funcionário da empresa A…………………., Lda„ contribuinte NISS ……………, a documentação solicitada em Notificação que lhe foi remetida a 03ABR2009 e constante a documento numerado a fls. n.º 330, que constitui oficio da empresa, listagem dos trabalhadores que no período compreendido entre Janeiro de 2004 e Abril de 2009, auferiram verbas designadas de "Subsídio de Transporte" e igualmente listagem dos trabalhadores que auferiram no período compreendido entre Janeiro de 2004 a Abril de 2009, verbas designadas como “Gratificação” que apensamos ao processo.

(...)» - conforme documentos a folhas 357 a 439 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;

I) O ISS, IP emitiu em nome da Impugnante, mapas de "apuramento de remunerações (sub. Transp.)" relativos aos anos de 2004 a 2009 - conforme documentos a folhas 448 e seguintes do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;

J) O ISS, IP emitiu em nome da Impugnante, mapas de "apuramento de remunerações (gratificações)" relativos aos anos de 2004 a 2009 - conforme documentos a folhas 463 a 471 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;

K) No âmbito do processo a que se alude em A) foi elaborado "Projecto Relatório", datado de 28.09.2009 - conforme documento a folhas 472 a 487 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;

L) No âmbito do processo a que se alude em A) foi elaborado documento denominado "Auto de Diligências", do qual consta conforme segue:

«(…)

Aos trinta dias do mês de Setembro do ano de dois mil e nove, os signatários I…………….. - Inspectora e J…………………. - Inspector Adjunto Especialista Principal, do Núcleo de Fiscalização de Beneficiários e Contribuintes do Serviço de Fiscalização de L.V.T, - Sector de Santarém, no âmbito do processo de averiguações n.° 200803033091, enviaram oficio de audiência prévia ao contribuinte NISS ……………. A………………….., Lda„ a que foi atribuído o registo 46917, anexando os respectivos mapas de remunerações (25 folhas) e projecto relatório.

Nada mais havendo a relatar, damos o presente auto por encerrado e depois de lido e achado conforme, vai ser assinado pelos signatários.

(...)» - conforme documento a folhas 489 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;

M) O ISS, IP remeteu à Impugnante, no âmbito do processo a que se alude em A), ofício datado de 30.09.2009, do qual consta conforme segue:

« (…)

Na sequência da acção de fiscalização realizada no âmbito do PROAVE (Processo de Averiguações) nº 200303033091 instaurado à Entidade Empregadora identificada em assunto, apurou-se a existência remunerações não declaradas à Segurança Social, referentes ao período compreendido entre 01/2004 e 04/2009, a que correspondem omissões nas contribuições devidas, no valor de 58.779,05 € (cinquenta e oito mil, setecentos e setenta e nove cêntimos), conforme mapa(s) de apuramento elaborado(s) por este serviço, que se dão como integralmente reproduzido(s), para todos os efeitos legais.

As citadas omissões resultam de não terem sido declaradas como base de incidência de contribuições as remunerações pagas, a trabalhadores dessa Entidade Empregadora, nos termos dos fundamentos de facto e de direito expressos no projecto de relatório que junto se anexa e se considera igualmente reproduzido, para todos os efeitos legais, que revestem o carácter de verdadeiras remunerações e que, de acordo com o art. 1o e 2º do DR n.º 12/83, de 12 de Fevereiro, são passíveis de descontos para a Segurança Social.

Pelo exposto, fica V. Exa. notificado, nos termos dos artigos 100° e 101º do Código de Procedimento Administrativo - aprovado pelo DL nº 442/91, de 15 de Novembro e republicado pelo Decreto - Lei nº 6/96, de 31 de Janeiro, para se pronunciar querendo, no prazo de 15 dias úteis a contar da data do registo do presente ofício, respeitada a dilação de 3 dias de correio, sobre o projecto de decisão relativo ao apuramento de contribuições em dívida.

Em cumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 101.º do CP A, já atrás identificado, informa-se que durante o aludido período de 15 dias o processo se encontra disponível para consulta, neste serviço, durante as horas normais de expediente (9.00h-12.00h, 14.00h-16.30h).

Fica igualmente notificado de que a falta de resposta, findo o prazo concedido, determina a conversão do projecto de decisão em decisão final, em face da qual será essa entidade considerada definitivamente em divida de contribuições, para com a Segurança Social, na importância de 58.779,05 (cinquenta e oito mil setecentos e setenta e nove euros e cinco cêntimos), resultante das declarações de remunerações elaboradas e registadas oficiosamente com os elementos em falta, nos termos das disposições conjugadas da alínea c) do nº 2 do artigo 10º da Portaria n.º 638/2007, de 30 de Maio e do artigo 33.° do DL, nº 8- B/2002, de 15 de Janeiro.

(...)» - conforme documento a folhas 490 a 492 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;

N) Em 23.10.2009 foi recebido nos serviços do ISS, IP, requerimento em nome da Impugnante com vista a exercer "o Direito de Audição Prévia sobre o projecto de decisão" - conforme documento a folhas 494 a 580 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;

O) No âmbito do processo a que se alude em A) foi elaborado "Relatório Final", datado de 14.12.2009, do qual consta conforme segue:

« (…)

2) Também no que respeita ao alegado pela respondente quanto à atribuição do subsídio de transporte, entendemos que não lhe assiste razão, conforme adiante se explicará:

Na verdade, resulta dos autos que o subsídio de transporte mais não é do que uma forma de remuneração uma vez que o mesmo assume um valor pago mensalmente, incluindo a trabalhadores que se deslocam em viatura própria, não existem documentos que suportem tal despesa nos termos da lei geral, constitui um suplemento remuneratório, já que é pago, indiscriminadamente a todos os trabalhadores, sendo e não passível de descontos para a Segurança Social.

De facto, se atentarmos na resposta apresentada verificamos que é a própria Respondente quem assume, vide artº 20° e 21°, que não tem qualquer documento comprovativo das despesas efectuadas, sendo este subsídio pago, com base na confiança que deposita nos seus colaboradores”.

No entanto, e considerando o estatuído no art° 31° do Decreto-Lei nº 106/98, de 24 de Abril, "as despesas efectuadas com transportes são reembolsadas pelo montante despendido, mediante a apresentação dos documentos comprovativos.”

Ora, se analisarmos as declarações prestadas pelos trabalhadores de fls. 343 a fls. 348, constatamos que todos são unânimes a referir que a forma como se deslocavam/deslocam da sua residência para o local de trabalho, "sempre foi em viatura própria".

E todos também adiantam que “(...) Quanto ao valor atribuído como subsídio de transporte, é um valor certo, mas de quantia tanto maior, quanto igualmente for maior a distância entre a residência do trabalhador e as instalações da empresa e correspondente local de trabalho".

Deste modo fica provado que a ora respondente pagou despesas de transporte aos seus trabalhadores sem que os mesmos tivessem nelas incorrido e sem qualquer documento comprovativo que justificasse o seu pagamento, pelo que a conclusão a extrair dos autos não pode ser outra senão a de que tais despesas mais não são do que complemento remuneratório e, como tal, sujeitas a base de incidência para a Segurança Social.

Mais se prova e, contrariamente ao alegado, que as despesas em causa são efectivamente abonadas durante os doze meses no ano, uma vez que, da análise aos elementos contabilísticos, solicitados e disponibilizados pelo contribuinte, nomeadamente balancetes dos anos de 2004 a 2008, bem como a listagem de remunerações detalhadas, verifica-se o processamento de subsídio de transporte nos doze meses, se bem que os montantes sejam variáveis, não havendo registo relativo à reposição de valores.

Deste modo, ao ser assumido pelo próprio contribuinte o tipo de compensação que pretende fazer ao atribuir o subsídio de transporte aos trabalhadores ao seu serviço, e confrontando tal assumpção com os normativos legais anteriormente citados, fica claro no que respeita ao “Subsídio de Transporte" que este, no caso sub judice, não visa a compensação de despesas incorridas pelos trabalhadores ao serviço da empresa, não se enquadrando tal abono no âmbito do art° 260º do CT, mais não sendo do que um complemento de vencimento e por isso sujeito à incidência de taxa social única, nos termos do art.° 2º do Decreto Regulamentar n.° 12/83 de 12 de Fevereiro.

Ademais do nº 1 do artº 1º do Decreto-Lei nº 106/98, de 24 de abril, resulta que os trabalhadores têm direito ao abono de ajudas de custo e transporte: “quando deslocados do seu domicílio necessário por motivo de serviço” (O sublinhado é nosso).

Mas o artº 2º deste normativo concretiza o que se entende por domicílio necessário, como sendo: “a) a localidade onde o funcionário aceitou o lugar ou cargo, se aí ficar a prestar serviço; b) a localidade onde exerce funções, se for colocado em localidade diversa da referida na alínea anterior; e c) a localidade onde se situa o centro da sua actividade funcional, quando não haja local certo para o exercício de funções” (cfr. art. 2º do DL 106/98, de 24/04) (O sublinhado é nosso)

No mesmo sentido estatui o artº 83º do Código Civil, onde se pode ler: “1. A pessoa que exerce uma profissão tem, quanto às relações a que esta se refere, domicílio profissional no lugar onde a profissão é exercida.

2. Se exercer a profissão em lugares diversos, cada um deles constitui domicílio para as relações que lhes correspondem; (O sublinhado é nosso)

Na situação em apreço não existe qualquer deslocação do local de trabalho ao serviço da entidade empregadora, logo não existe qualquer reembolso das despesas alegadamente suportadas pelo trabalhador. Com efeito, atento o significado de reembolso: restituir o dinheiro que outrem desembolsou (in Dicionário da Língua Portuguesa, 7.ª edição, Porto Editora), aferiu-se da não existência de qualquer suporte, nem prova, que contextualize os pagamentos efectuados pelo contribuinte neste quadro.

Ora, se os trabalhadores não se deslocam ao serviço do contribuinte mas apenas da sua residência para o local de trabalho e, mesmo nesta deslocação utilizam viatura própria, conforme declararam, não há verdadeiras deslocações em serviço, não há despesas a reembolsar, logo não tem qualquer fundamento o alegado pelo contribuinte ao defender que se “tratam de reembolsos das despesas de transporte público em função do respectivo domicílio para o local de trabalho".

De igual modo não faz qualquer sentido vir agora a Respondente invocar o Código Contributivo, nem o regime nele instituído uma vez que, como é sabido, este só entra em vigor em Janeiro de 2010, não tendo carácter retroactivo.

a) No que diz respeito à rubrica “gratificações”, tal como é nosso entendimento e descrito no projecto de relatório dado a conhecer ao contribuinte, existe carácter de regularidade neste abono pago aos funcionários em pelo menos dois anos consecutivos, independentemente, da variabilidade do seu montante, pelo que existe carácter retributivo, estando estas sujeitas à incidência de taxa social única.

Efectivamente, da prova colhida nos autos resulta claramente que as gratificações em causa são atribuídas aos trabalhadores da Respondente desde que atinjam determinados objectivos (vide auto de declarações de fls. 343 a fls. 348), pelo que é legítima a conclusão extraída pelos serviços de que desde que os trabalhadores em causa atinjam os objectivos fixados, sabem e podem, legitimamente, considerar que as referidas gratificações lhes serão pagas.

Deste modo o cumprimento de determinada condição assente em critérios objectivos para efeitos de atribuição de prémio, não o caracteriza como uma prestação de atribuição aleatória, subjectiva, arbitrária ou esporádica. De facto, ao serem atingidos os objectivos contratualizados, o contribuinte encontra-se vinculado ao seu pagamento nas condições acordadas.

Na verdade, se atentarmos nos testemunhos dos trabalhadores verificamos que relativamente às gratificações “são definidas e controladas pela empresa, mediante informação diária do nº de horas já realizadas e consequente percentagem obtida relativamente aos objectivos definidos, tendo em conta o plafond mínimo de valores para atribuição de gratificação’'.

Quer isto dizer que ao estarem definidos os objectivos os trabalhadores sabem que, se os atingirem, terão direito à percentagem correspondente, pelo menos ao valor mínimo da gratificação. Ou seja, criam a expectativa do seu recebimento.

(...)» - conforme documentos a folhas 581 a 519 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;

P) Sobre o relatório a que se alude em O) foi exarado despacho da Diretora de Núcleo, do ISS, IP, do qual consta conforme segue:

«Concordo. Proceda-se em conformidade.» - conforme documentos a folhas 581 a 619 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;

Q) O ISS, IP dirigiu à Impugnante, no âmbito do processo a que se alude em A), ofício datado de 17.12.2009, do qual consta conforme segue:

«(...)

Na sequência da análise das alegações apresentadas, através da resposta datada de 2009/10/23, no âmbito do direito de audiência prévia, realizada no contexto do PROAVE (Processo de Averiguações) n.° 200803033091, instaurado à Entidade Empregadora identificada em assunto, fica V. Exa notificado do teor da decisão da Directora do Núcleo de Fiscalização de Beneficiários e Contribuintes datada de 15/12/09, e constante do relatório final, cuja se cópia se junta e se dá por reproduzida para todos os efeitos legais.

De acordo com os fundamentos de facto e de direito vertidos no referido relatório, verifica-se que as alegações em causa foram consideradas apenas parcialmente procedentes, (os montantes pagos a título de "gratificação” ao Eng. K………………., por força do estipulado no art.° 9.° do Decreto Lei n.° 327/93 de 25 de Setembro) razão pela qual, a partir da data do registo do presente oficio, respeitada a dilação de 3 dias, essa entidade é considerada definitivamente em dívida de contribuições, para com a Segurança Social, na importância de 53.635,70 € (cinquenta e três mil seiscentos e trinta e cinco euros e setenta cêntimos).

(...)» - conforme documento a folhas 623 e 624 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;

R) A Impugnante tem como objeto social o comércio de veículos automóveis, máquinas agrícolas e industriais, respetivos acessórios, peças sobressalentes e ferramentas e a prestação de serviços de assistência técnica e reparação - conforme documentos a folhas 15 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;

S) As instalações da Impugnante situam-se fora do centro urbano;

T) No período de 2004 a 2009, os transportes públicos que asseguravam a deslocação entre as instalações da Impugnante e os aglomerados urbanos próximos eram muito escassos, e com horários desajustados face ao horário normal de laboração da Impugnante;

U) No período de 2004 a 2009, a Impugnante mantinha-se em laboração todo o ano, inclusive no mês de agosto;

V) No período de 2004 a 2009 a Impugnante atribuía aos seus trabalhadores, em função dos dias de trabalho efetivo, um valor equivalente a 90% do valor do passe social;

W) O valor a que se alude em V) visava suportar o encargo pela deslocação, inclusive em viatura própria, entre a residência dos trabalhadores da Impugnante e as instalações da mesma, e vice-versa;

X) No período de 2004 a 2009, quando os trabalhadores da Impugnante necessitavam de se deslocar ao serviço daquela, faziam-no em veículo da mesma, sendo reembolsados pelo custo incorrido com a deslocação;

Y) O valor correspondente ao custo a que se alude em X) não figurava do recibo de vencimento dos trabalhadores;

Z) No período de 2004 a 2009, as gratificações atribuídas pela Impugnante eram autorizadas, de forma casuística, pelo Conselho de Administração de forma casuística;

AA) No ano de 2010 foi introduzido na Impugnante um sistema de "remuneração variável", com conhecimento prévio dos trabalhadores;

BB) A petição inicial da impugnação foi remetida ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, por fax, em 19.03.2010 - conforme registo aposto no documento a folhas 1 a 30 do processo físico, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido.


*

III.2. FACTOS NÃO PROVADOS

Inexistem. »


***

Nos termos (entre outros normativos, vertidos no Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) e que apontam no mesmo sentido (Arts. 26.º alínea b) e 38.º alínea a).)) do disposto no art. 280.º n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), das decisões dos tribunais tributários (de 1.ª instância) cabe recurso a interpor, em primeira linha, para os, dois, Tribunais Centrais Administrativos, salvo quando a decisão proferida for de mérito e o recurso se fundamente exclusivamente em matéria de direito, caso em que tal apelo tem de ser interposto para a Secção de Contencioso Tributário do STA.

A violação desta regra de competência, em razão da hierarquia, determina, por previsão explícita do art. 16.º n.º 1 do CPPT, a incompetência absoluta do tribunal, a que é, indevidamente, dirigido o recurso.

Versando a delimitação de competências entre o STA e o/s TCA/s para o conhecimento de recursos visando decisões dos tribunais tributários, o Exmo. Conselheiro Jorge Lopes de Sousa (Cf. Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), anotado, 4.ª edição, Vislis, pág. 144 segs.) dá nota das posições que sobre a matéria o STA tem vindo a adotar (há longo tempo), de forma unânime e reiterada.
Assim, é inquestionável e perfeitamente percetível dever entender-se que um recurso não tem por fundamento exclusivamente matéria de direito sempre que nas conclusões das respectivas alegações (…), o recorrente pede a alteração da matéria fáctica fixada na decisão recorrida ou invoca, como fundamento da sua pretensão, factos que não têm sequer suporte na decisão recorrida, independentemente da atendibilidade ou relevo desses factos para o julgamento da causa (Nos específicos termos utilizados pelo Ac. STA de 15.11.2006 (461/06), “…, o que há a fazer para decidir a questão da competência hierárquica, é apenas verificar se o recorrente pede a alteração da matéria de facto ou invoca factos que não vêm dados como provados (…)”.).
E também não tem esse imprescindível e específico fundamento “… se em recurso for pedida a apreciação da necessidade de realização de diligências (de) prova ou sua determinação. Acresce o ditame de que a questão da competência (…) tem de ser decidida em face do quid disputatum ou quid decidendum e não em face daquilo que, na sequência da actuação do tribunal competente, será mais tarde o quid decisum.

Na situação julganda, compulsado o conteúdo das conclusões XVIII., XX., XXI., XXX., XXXVI., XXXVII., XLI., XLV. a XLVIII. e XLIX., bem como, a correspondente alegação, formuladas pela rte, temos de concluir, à evidência, que, esta, no julgamento do corrente apelo, para suportar o seu objetivo de conseguir provimento e a revogação da sentença recorrida, pretende a consideração e análise, pelo tribunal de recurso, de juízos/aspetos com cariz factual e/ou probatório.
Destarte, sendo preciso desenvolver atividade, judicial, com matriz factual/probatória, não estamos perante recurso que tem em matéria de direito o seu único, exclusivo, fundamento.


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# III.


Pelo exposto, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, acordamos declarar, este Supremo Tribunal, incompetente, em razão da hierarquia, para conhecer do presente recurso jurisdicional.

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Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC.

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Oportunamente, remeta-se o processo, ao Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS), em deferimento do requerido na pág. 704 (SITAF) - art. 18.º n.º 1 do CPPT.

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[texto redigido em meio informático e revisto]


Lisboa, 17 de fevereiro de 2021. – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz (relator) - Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes.