Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0585/11.6BECTB
Data do Acordão:02/17/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Descritores:REVISTA
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
CPPT
Sumário:I - No contencioso tributário, o recurso de revista excepcional previsto no art. 285.º do CPTT, visa funcionar como “válvula de segurança” do sistema, sendo admissível apenas se estivermos perante uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, ou se a admissão deste recurso for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
II - Não se verificando qualquer um dos requisitos do n.º 1 daquele artigo 285º o recurso não pode ser admitido.
Nº Convencional:JSTA000P27180
Nº do Documento:SA2202102170585/11
Data de Entrada:01/14/2021
Recorrente:A.............. E OUTROS
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:


A…………… e outra, impugnantes / recorrentes nos autos em epígrafe e neles melhor identificados, notificados do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul e com ele não se conformando, vêm dele interpor o competente recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça.

Alegaram, tendo concluído:
B1. Os recorrentes não se conformam com a decisão proferida pelo Tribunal Central Administrativo Sul que julgou improcedente o recurso por eles interposto. Desde logo,
B2. Os recorrentes deram cumprimento ao disposto no art. 640º-1, b) do CPC dado que individualizaram o documento que, no seu entender, impunha decisão diversa daquela proferida em sede de julgamento de facto levada a cabo pelo Tribunal de 1ª Instância.
B3. Ao não conhecer o recurso da decisão proferida acerca da matéria de facto, na parte concernente ao documento, o Tribunal a quo violou quer o disposto no art. 640º CPC quer os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.
B4. Competia à AT, nos termos do disposto no art.º 75º-1 da Lei Geral Tributária (breviter, LGT) ou, ainda e sem prescindir, nos termos do disposto no art. 74º do mesmo diploma, demonstrar que o valor de € 250.000,00 recebido pelo Impugnante da sociedade B…………., Lda era rendimento, ou seja, competia-lhe fazer a análise da conta suprimentos ínsita na declaração fiscal e demonstrar que esse pagamento não estava nela reflectido ou não podia estar nela reflectido, por não haver saldo (o contrário resulta do facto C), art. 7º), ónus a que não deu cumprimento.
B5. Ainda: o Tribunal a quo deu como não provado que o valor de € 250.000,00 que deu entrada na esfera do impugnante proveniente da sociedade não era um rendimento nem restituição de valores de empréstimos / suprimentos do impugnante à sociedade (facto 3º não provado).
B6. A dúvida deve beneficiar o Impugnante, nos termos do disposto no art. 346º CC. Ainda:
B7. A AT tipifica o valor de € 250.000,00 recebido pelo Impugnante como rendimento só porque recebido através da sociedade, ou seja, o raciocínio empreendido pela AT é violador da natureza da avaliação directa porque é ele mesmo uma presunção.
B8. Efectivamente a AT, sob a capa de alegadas correcções técnicas corrigiu e alterou os valores declarados pelo Impugnante em sede de IRS com recursos a métodos indirectos sem que, para tanto, tenha seguido o procedimento necessário, o qual consagra deveres especiais à AT (v.g. dever de fundamentação) e especiais direitos ao contribuinte (v.g. pedido de revisão) que, no caso concreto, não foram observados donde se pode concluir que o método levada a cabo pela AT para correcção da liquidação é ilegal.
B9. Não é despiciendo referir que a própria sociedade B………., Lda foi também alvo de uma inspecção (por força da qual deu origem aquela que teve na génese dos presentes autos) onde, a final, foram propostas correcções relativas a IVA e IRC do exercício de 2006. Impugnadas judicialmente tais correcções foram as mesmas julgadas procedentes pelo que não faz sentido que o contribuinte pague imposto quando as declarações da sociedade, onde constava o referido valor como devolução a sócios, não foram corrigidas.
B10. Nesta confluência, deve o acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro que julgue procedente a presente argumentação e, em consequência ordene a liquidação de imposto e juros compensatórios aqui em causa, na sua totalidade.
B11. Foram violados, no mais, os artigos 346º CC e os art.s 74º, 75º, 83º todos da LGT.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e, consequentemente, extraídos os corolários dimanados das “conclusões” tecidas.

Não foram produzidas contra-alegações.

Dá-se aqui por reproduzida a matéria de facto levada ao probatório do acórdão recorrido.

Cumpre decidir da admissibilidade do recurso.

Dos pressupostos legais do recurso de revista.
O presente recurso foi interposto como recurso de revista excepcional, havendo, agora, que proceder à apreciação preliminar sumária da verificação in casu dos respectivos pressupostos da sua admissibilidade, ex vi do n.º 6 do artigo 285.º do CPPT.
Dispõe o artigo 285.º do CPPT, na redacção vigente, sob a epígrafe “Recurso de Revista”:
1 – Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo, quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
2 – A revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual.
3 – Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o tribunal de revista aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado.
4 – O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.
5 – Na revista de decisão de atribuição ou recusa de providência cautelar, o Supremo Tribunal Administrativo, quando não confirme a decisão recorrida, substitui-a por acórdão que decide a questão controvertida, aplicando os critérios de atribuição das providências cautelares por referência à matéria de facto fixada nas instâncias.
6 – A decisão quanto à questão de saber se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do n.º 1 compete ao Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser objeto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da Secção de Contencioso Tributário.
Decorre expressa e inequivocamente do n.º 1 do transcrito artigo a excepcionalidade do recurso de revista em apreço, sendo a sua admissibilidade condicionada não por critérios quantitativos mas por um critério qualitativo – o de que em causa esteja a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito – devendo este recurso funcionar como uma válvula de segurança do sistema e não como uma instância generalizada de recurso.
E, na interpretação dos conceitos a que o legislador recorre na definição do critério qualitativo de admissibilidade deste recurso, constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal Administrativo - cfr., por todos, o Acórdão deste STA de 2 de abril de 2014, rec. n.º 1853/13 -, que «(…) o preenchimento do conceito indeterminado de relevância jurídica fundamental verificar-se-á, designadamente, quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intricado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou quando o tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina. Já relevância social fundamental verificar-se-á quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio. Por outro lado, a clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória - nomeadamente por se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária como condição para dissipar dúvidas – ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.».
Vejamos, pois.

Como claramente resulta do disposto no artigo 285º, n.º 3 do CPPT, neste recurso de revista, apenas é permitido ao Supremo Tribunal Administrativo aplicar definitivamente o regime jurídico que julgue adequado, aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, não devendo o recurso servir para conhecer, em exclusivo, de nulidades da decisão recorrida ou de questões novas anteriormente não apreciadas pelas instâncias.
Como se alcança de uma leitura atenta das conclusões do recurso que nos vem dirigido, em confronto com o acórdão recorrido, facilmente se surpreende que o presente recurso não versa exclusivamente a resolução de questões na dimensão da matéria de direito, antes demandando para a sua resolução que o Supremo tribunal reaprecie a matéria de facto, ainda que na vertente das ilações que dos mesmos se devem retirar.
Como claramente resulta das conclusões do recurso que nos vem dirigido o recorrente insurge-se quanto à prova ou não prova de que o valor de € 250.000,00 recebido pelo Impugnante se tratava de rendimento sujeito a IRS.
Tal matéria diz respeito unicamente aos factos provados e das ilações que deles retirou o julgador a quo, pelo que, o recurso não pode ser conhecido para apreciação de tal questão.
O Supremo Tribunal Administrativo apenas conhece de direito, não se pronunciando quanto aos factos ou às demais questões a ele inerentes, a não ser quando são desatendidos documentos com força probatória legalmente fixada, cfr. n.º 4.
Por outro lado, a matéria relativa às conclusões B2 e B3 não se trata de questão que justifique a admissão do presente recurso porque, além de não ser manifesto e evidente qualquer erro no seu julgamento, também não se trata de questão que possa ter uma repercussão alargada em outros casos uma vez que foi decidida em função dos circunstancialismos concretos que rodearam a tramitação do processo e o requerido pela parte.
Assim, o recurso não pode ser admitido uma vez que não se mostram preenchidos os pressupostos legalmente previstos para o efeito.

Termos em que, face ao exposto, acorda-se em não admitir o presente recurso de revista, por não se mostrarem preenchidos os respectivos pressupostos legais.
Custas do incidente pelos recorrentes.
D.n.

Lisboa, 17 de Fevereiro de 2021. – Aragão Seia (relator) – Isabel Marques da Silva – Francisco Rothes.