Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0158/21.5BALSB
Data do Acordão:02/21/2024
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
DECISÃO ARBITRAL
JURISPRUDENCIA RECENTEMENTE CONSOLIDADA
NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO
Sumário:I - O recurso para uniformização de jurisprudência, tendo por objecto decisão arbitral e sendo dirigido ao S.T.A., pressupõe que se verifique, entre a decisão arbitral recorrida e o acórdão invocado como fundamento, oposição quanto à mesma questão fundamental de direito (cfr.artº.25, nº.2, do R.J.A.T.).
II - Apesar de, no caso, se verificar entre ambas as decisões arbitrais em confronto, oposição quanto à mesma questão fundamental de direito, não deve o recurso ser admitido e, tendo-o sido, não há que conhecer do respectivo mérito, se a orientação perfilhada na decisão arbitral recorrida estiver de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo (cfr.artº.152, nº.3, do C.P.T.A., "ex vi" do artº.25, nº.3, do R.J.A.T.).
(sumário da exclusiva responsabilidade do relator)
Nº Convencional:JSTA000P31946
Nº do Documento:SAP202402210158/21
Recorrente:A... - SGPS, S.A.
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE COM 1 DEC VOT
Aditamento:
Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
"A... - SGPS, S.A.", com os demais sinais dos autos, interpôs recurso, para uniformização de jurisprudência, dirigido ao Pleno da Secção de Contencioso Tributário do S.T.A., visando o aresto arbitral proferido no âmbito do processo nº.62/2021-T, datado de 12/11/2021, o qual, além do mais, julgou improcedente o pedido de pronúncia arbitral, deduzido pelo ora recorrente e visando os actos de liquidação de Imposto de Selo, relativos ao ano de 2017 e no valor global de € 34.012,94.
O recorrente invoca oposição entre o acórdão arbitral recorrido e o aresto fundamento, já transitado em julgado, proferido no âmbito do processo 911/2019-T, que correu termos no CAAD, sendo datado de 5/09/2020 (cfr.cópia junta a fls.42 a 49 do processo físico).
X
Para sustentar a oposição entre a decisão arbitral recorrida e o aresto fundamento, o recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.4 a 23 do processo físico), formulando as seguintes Conclusões:
a) Da oposição no âmbito da mesma questão fundamental de direito entre a decisão arbitral recorrida e a decisão arbitral fundamento
A-É de sublinhar a identidade entre a questão tratada na decisão arbitral recorrida (processo n.º 62/2021-T), de uma parte, e a decisão arbitral fundamento (processo n.º 911/2019-T), de outra parte: em ambos os casos o que está em causa é a mesma situação e a mesma questão fundamental, qual seja a aplicabilidade da isenção prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do CIS, a uma SGPS na posição de mutuária/devedora de juros ou comissões em operação com uma instituição de crédito (ambas, SGPS e instituição de crédito, domiciliadas na União Europeia).
B-Mais concretamente, o que se discutiu num e noutro caso foi esta questão fundamental de direito: uma SGPS mutuária/devedora de juros ou comissões onerada com imposto do selo nas situações previstas na norma de isenção contida no artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do CIS, preenche ou não o requisito subjectivo desta norma de isenção, isto é, qualifica-se ou não como instituição financeira, designadamente à luz dos tipos previstos na legislação comunitária (para os quais remete a citada norma de isenção de imposto do selo)?
C-A decisão arbitral recorrida decidiu que uma SGPS não se qualificava para o efeito, e a decisão arbitral fundamento, transitada em julgado, concluiu, pelo contrário, que uma SGPS se qualificava para o efeito.
D-Inexiste alteração da regulamentação jurídica aplicável entre um caso e outro.
E-Deve, pois, ser admitido o presente recurso para uniformização de jurisprudência regulado no artigo 152.º do CPTA, por remissão do artigo 25.º, n.ºs 2 e 3, do RJAT (na redacção dada pela Lei n.º 119/2019, de 18 de Setembro), e fundado na oposição sobre a mesma questão fundamental de direito entre a decisão arbitral recorrida proferida em 12.11.2021 no processo n.º 62/2021-T, e a decisão arbitral fundamento de 05.09.2020 proferida no processo n.º 911/2019-T, por se verificarem os requisitos exigidos para o efeito.
b) Disposições legais violadas pela decisão arbitral recorrida
F-A decisão arbitral recorrida viola o artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do CIS, desatendendo na prática a remissão que aí se elegeu (com respeito à entidade “mutuária/devedora de juros ou comissões”) para os tipos de instituições financeiras previstos na legislação comunitária, e colocando no seu lugar, se bem se entende, uma remissão (com respeito à entidade “mutuária/devedora de juros ou comissões”) para o RGICSF.
c) O artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do CIS, remete (com respeito à entidade “mutuária/devedora de juros ou comissões”) para os tipos de instituições financeiras previstos na legislação comunitária, e as ora recorrentes, SGPS à data dos factos, preenchem um desses tipos
G-Qualifica-se como instituição financeira, ao abrigo da legislação comunitária em vigor à data dos factos que trata ex professo das instituições de crédito e financeiras, a Directiva n.º 2013/36/UE e o Regulamento UE n.º 575/2013, o seguinte tipo de entidade, entre outros:
Artigo 3.º, n.º 1, parágrafo 22, da Directiva 2013/36/EU: “[p]ara efeitos da presente diretiva, entende-se por (…) “[i]nstituição financeira” […] uma instituição financeira na aceção do artigo 4.º, n.º 1, ponto 26), do Regulamento (UE) n.º 575/2013”.
Artigo 4.º, n.º 1, parágrafos 3 e 26, do Regulamento UE n.º 575/2013: 3) "Instituição": uma instituição de crédito ou uma empresa de investimento; (...)
26) "Instituição financeira": uma empresa que não seja uma instituição, cuja atividade principal é a aquisição de participações (…)”.
H-Ora, isso é pacífico, a recorrente era, como se viu, à data dos factos (facto sob a alínea a) na pág. 18 da decisão arbitral recorrida), sociedade gestora de participações sociais, isto é, SGPS, sociedade cujas aquisições e património são constituídas nos termos legais por participações noutras sociedades, que tem por actividade exclusiva principal (por imposição de regime legal) a detenção de participações sociais com carácter duradouro (por oposição à actividade de venda, intermediação ou negociação de participações).
I-Pelo que, isso é inequívoco, a recorrente subsumia-se à data dos factos no tipo de instituição financeira previsto na legislação comunitária que se reconduz às sociedades aí designadas por empresas cuja actividade principal é a aquisição de participações sociais.
J-Também designadas estas empresas, na mesma norma comunitária sobre instituições financeiras, para que não haja dúvida, por “sociedades gestoras de participações” (cfr. o mesmo artigo 4.º, n.º 1, no mesmo parágrafo 26), do Regulamento UE n.º 575/2013).
K-Tipo este que já ao tempo da anterior Directiva, 2006/48/CE, no seu artigo 4.º ponto 5), aparecia no cardápio de instituições financeiras: “uma empresa que não seja uma instituição de crédito cuja actividade principal consista em tomar participações ou em exercer (…)”.
L-Cardápio este do direito comunitário, e não o do nosso Regime Geral as Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), nem tão-pouco qualquer outro critério alternativo, que foi o eleito pelo artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do CIS, quando quis delimitar o universo de entidades mutuárias/oneradas com juros/comissões subjectivamente cobertas pela isenção aí estabelecida.
M-Preenche, pois, a recorrente, à data dos factos, o requisito subjectivo da isenção previsto para o mutuário/devedor de juros ou comissões no artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do CIS.
d) Como se furta a decisão arbitral recorrida a esta conclusão, e o vício em que labora
N-A decisão arbitral recorrida, quando chega a vias de facto, ignora na sua análise o artigo 4.º, n.º 1, parágrafo 26), do Regulamento UE n.º 575/2013, onde está a expressa qualificação da sociedade gestora de participações como instituição financeira.
O-E labora na prática em todo o seu raciocínio discursivo como se este parágrafo 26) não existisse, entretendo-se antes a avaliar se uma SGPS se encaixará no artigo 4.º, n.º 1, parágrafo 27), do Regulamento UE n.º 575/2013, incorrendo aqui numa segunda, grave e inaceitável omissão.
P-Uma instituição financeira é o que o precedente parágrafo 26) do artigo 4.º, n.º 1, do Regulamento UE n.º 575/2013, prescrevia à data relevante (ano de 2017), que a decisão arbitral recorrida não só omite, como pelos vistos se lhe substitui.
Q-Furtou-se a decisão arbitral recorrida ao efectivo confronto com a norma da legislação comunitária relevante no caso concreto, o citado parágrafo 26) do artigo 4.º, n.º 1, do Regulamento UE n.º 575/2013, para a qual remete juntamente com todas as outras, a norma de incidência para delimitação do cardápio de mutuários e devedores de juros e comissões elegíveis para a isenção.
R-E em seu lugar olhou na prática apenas para um único parágrafo da legislação comunitária relevante, o parágrafo 27) do artigo 4.º, n.º 1, do Regulamento UE n.º 575/2013.
S-Com a agravante de omitir que aí, no parágrafo 27), onde se elenca a categoria “instituição financeira”, se está justamente a elencar as entidades identificadas no antecedente parágrafo 26), onde se indica o que é e o que não é instituição financeira, e onde justamente se inclui entre elas as sociedades gestoras de participações.
T-Nesta cadeia de omissões, neste vício de análise, não incorreu a decisão arbitral fundamento, proferida no processo n.º 911/2019-T, nem tão pouco as decisões arbitrais subsequentes que a acompanharam, proferidas nos processos n.ºs 819/2019-T, 3/2020-T, 110/2020-T, 502/2020-T e 81/2021-T.
U-É de sublinhar igualmente, como o fez a decisão arbitral fundamento, que [e]sta remissão [da norma de isenção] para a legislação comunitária, agora dito Direito da União Europeia, haverá de entender-se como uma remissão dinâmica, pretendendo referir-se ao conceito de "instituição financeira" que se encontre previsto no direito europeu à data em que se pretenda exercer o direito de isenção. [pág. 8].
V-Os factos tributários aqui em causa são de 2017, como se recordou supra (cfr. alínea b) dos factos dados como provados na decisão arbitral recorrida), pelo que são irrelevantes para eles e norma de isenção remissiva aqui em causa, alterações posteriores no normativo objecto da remissão.
W-Refira-se ainda que no desenvolvimento da sua análise a decisão arbitral recorrida fá-la a certa altura deslizar para um plano de confluência e indistinção entre a legislação comunitária e o RGICSF, em que este passa a comandar e a gerar as conclusões, substituindo-se àquele.
X-Substituindo então, furtivamente, o objecto da remissão efectuada pela norma de isenção do CIS (“sociedades ou entidades cuja forma e objecto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária”), pela legislação nacional, pelo RGICSF.
Y-Substituição esta que constitui mais uma desobediência à norma de isenção, à lei.
Z-O que não pode ser, como bem observa a decisão arbitral fundamento (nas suas págs. 10 e 11), em reacção a perspectiva igual que a AT havia adoptado: “Certo é que na transposição da Diretiva 2013/36/EU para o direito interno, o legislador nacional adotou um conceito mais restritivo de "instituição financeira", caracterizando como tal "as sociedades gestoras de participações sociais sujeitas a supervisão do Banco de Portugal". No entanto, para efeitos da aplicação da isenção do imposto de selo, o artigo 7.°. n.° 1, alínea e), não remete para o direito interno, mas para o direito da União Europeia, o que significa que a definição constante do artigo 2.°-A do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aditado pelo diploma que procedeu à transposição da Diretiva, releva para os demais efeitos da regulação das sociedades gestoras de participações sociais, e não para o específico aspeto da isenção de imposto de selo.”.
AA-O processo mental da decisão arbitral recorrida consiste no fundo em, partindo do arquétipo do banco ou a instituição de crédito que captam recursos alheios para emprestar a terceiros, o arquétipo que deu origem ao longo do tempo à criação de rácios prudenciais e à sujeição a supervisão prudencial, imaginar com ligeireza que é de estendê-lo a todas as instituições e sociedades financeiras, e por cima disso criar (segundo passo imaginativo) um requisito substantivo para a qualificação como instituição financeira: tem de estar sujeita a rácios prudenciais e a supervisão dos mesmos.
BB-E é no fundo este equivocado e omissivo discurso (que ignora que o sector financeiro é composto de muito mais que a banca e de muito mais que a actividade de concessão de crédito), e seus resultados, que é substituído à lei que cabia à decisão recorrida aplicar. E em paralelo há o recurso ao RGICSF, para o qual a certa altura escorrega, confusamente, a decisão recorrida.
CC-A recorrente não vê grosseria, no pensar ou no escrever, da decisão arbitral fundamento (ou nas decisões arbitrais subsequentes que a acompanharam, proferidas nos processos n.ºs 819/2019-T, 3/2020-T, 110/2020-T, 502/2020-T e 81/2021-T). E, sobretudo, não vê nela abafamento de elementos relevantes para a análise jurídica da matéria decidendum.
DD-E pergunta-se se o que achará a decisão arbitral recorrida do anteprojecto do Código da Actividade Bancária (CAB), que visa substituir o RGICSF, e onde se propõe um alinhamento integral com a legislação comunitária, no que às sociedades gestoras de participações respeita:
“Artigo 3.º
Outras definições
1- Para efeitos do presente Código entende-se por:
ll) «Instituições financeiras», com exceção das instituições de crédito, das empresas de investimento, das sociedades gestoras de participações no setor dos seguros e das sociedades gestoras de participações de seguros mistas:
i) Entidades cuja atividade principal consiste na aquisição ou gestão de participações sociais”.
EE-Mais uma vez, também nesta sede a decisão arbitral recorrida escolheu ignorar por completo a substância da lei e prende-se, ao invés, no arquétipo que deu origem ao longo do tempo à criação de rácios prudenciais e à sujeição a supervisão prudencial, quando responde optando por ignorar o que verdadeiramente o legislador prevê no referido anteprojecto e conclui que:
“Diga-se, de passagem, que o anteprojeto de Código das Atividades Bancárias, que esteve em processo de auscultação pública, manteve o entendimento de que as SGPS só ficam sujeitas à supervisão bancária desde que possuam uma participação qualificada numa instituição financeira, sendo que as que possuem uma participação numa instituição de seguros ficam sujeitas à supervisão da ASF.”.
e) Acresce que a norma de isenção tem uma segunda e também inequívoca indicação, de que a delimitação dos mutuários (e devedores de juros e comissões) elegíveis não é para ser feita pelo RGICSF
FF-Se, à semelhança do que pensou e como laborou a decisão arbitral recorrida, para o requisito subjectivo no destino (mutuária) em vez de se olhar ao cardápio previsto na legislação comunitária, houvesse que olhar para o cardápio previsto no RGICSF (para o requisito subjectivo aplicável na origem – mutuante), a norma de isenção escusava de se ter dado ao trabalho de utilizar a longa e diferente formulação que utilizou para delimitar o requisito subjectivo no destino, bastando-lhe simplesmente dizer o seguinte:
“1 - São também isentos do imposto:
(…)
e) Os juros e comissões cobrados, as garantias prestadas e, bem assim, a utilização de crédito concedido por instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras [requisito subjectivo na origem] a entidades do mesmo tipo e a sociedades de capital de risco [requisito subjectivo no destino], umas e outras domiciliadas (…) [requisito subjectivo comum na origem e no destino]”.
GG-Mas não, não quis dizer isso, não quis que quanto ao destino as entidades fossem as mesmas que as da origem + as sociedades de capital de risco.
HH-Quis antes contrapor, quando chegou a vez de expressar o requisito subjectivo específico no destino, que as entidades haviam de ser “sociedades de capital de risco, bem como sociedades ou entidades cuja forma e objecto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária, (…)”.
II-Ignorar esta contraposição na norma de isenção, como fez a decisão arbitral recorrida, é não só ignorar a formulação expressa e clara da norma de isenção, mas ignorar também o contraste e diferença que esta norma instituiu entre o requisito subjectivo específico na origem, e o requisito subjectivo específico no destino.
JJ-E foi mais este dado normativo diferenciador inequívoco, constante da norma de isenção, que a decisão arbitral recorrida, salvo o devido respeito, atropelou.
f) Acresce que não se compreende a teima da AT (que a decisão recorrida acolheu) em recusar aplicar esta isenção às mutuárias SGPS, sabendo-se que sanciona expressamente a sua aplicabilidade a entidades mutuárias sem correspondência nos tipos previstos no RGICSF, e mais distantes destes do que uma SGPS
KK-O que se pretende com a isenção do artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do CIS? Como primeiro objectivo, eventualmente entre outros, parece evidente que está o de não onerar com imposto entidades e sociedades com funções de intermediação no ciclo produtivo-financeiro.
LL-Ora, as SGPS são isso mesmo. Não exercem nem podem exercer uma actividade económica directa, antes intervêm indirectamente, intermediando o ciclo produtivo e financeiro na economia, detendo, gerindo e financiando outros actores (as suas participadas) que, estes sim, têm actividade operacional, directa, por oposição a uma actividade de intermediação no circuito económico-financeiro.
MM-E o que é mais estranho é que a AT se oponha à aplicação da isenção em causa aos créditos contraídos (e respectivos juros, garantias e comissões) pelas SGPS.
NN-Quando com respeito a uma entidade investidora em imobiliário e projectos imobiliários como um fundo de investimento imobiliário (a mais das vezes de subscrição particular), a AT já considera estar-se perante uma instituição financeira à luz do direito comunitário, para cúmulo apelando para o efeito não à legislação comunitária que lida ex professo com as instituições de crédito e financeiras, mas à legislação sobre branqueamento de capitais, que apenas incidentalmente lida com o conceito de instituições financeiras, e para os específicos propósitos da luta contra o branqueamento de capitais (cfr. a resposta a Pedido de Informação Vinculativa (“PIV”) que se juntou como Doc. n.º 24 ao PPA, no Processo n.º 2017000303 - IVE n.º 11733, com despacho concordante de 07.07.2017, da Directora-geral da AT).
OO-E o que é mais estranho também é que a AT com respeito aos FCR e SCR, isto é, patrimónios autónomos e sociedades, que se dedicam também à detenção e gestão de participações sociais, considera que os mesmos se qualificam para efeitos da isenção (preenchem, incluindo os FCR, o requisito subjectivo da isenção dirigido ao mutuário) - cf. em especial o Parecer n.º 25/2013, de 28 de Junho de 2013, do CEF, ponto 37 -, e quando chega às SGPS diz que estas já não se qualificariam.
PP-Não são as SCR, FCR e SGPS, tudo entidades que em última instância se dedicam à tomada e gestão de participações sociais? Sim, são.
QQ-Por que razão então para umas se leva até em linha de conta o que apenas resulta do direito comunitário relativo à prevenção do branqueamento de capitais (FCR), e com respeito às outras (SGPS) se silencia até o que resulta do direito comunitário que se dedica ex professo às instituições de crédito e financeiras?
RR-O não porque não aplicado pela AT às SGPS, em violação do que igualmente, e por maioria de razão (textos legais que se dedicam ex professo às instituições de crédito e às instituições financeiras), resulta dos textos legais comunitários, é uma arbitrariedade e ilegalidade agravada por este motivo.
X
Foi proferido despacho pelo Exº. Conselheiro relator a admitir liminarmente o recurso, mais ordenando a notificação da entidade recorrida para produzir contra-alegações (cfr. despacho exarado a fls.57 do processo físico).
X
A entidade recorrida produziu contra-alegações no âmbito da instância de recurso (cfr.fls.62 a 77-verso do processo físico), as quais encerra com o seguinte quadro Conclusivo:
A-Do disposto no n.º 2, do art.º 25.º do RAJT decorre serem as decisões arbitrais passíveis de recurso, para o Supremo Tribunal Administrativo, quando estejam em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitral ou com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo.
B-Recurso que, de acordo com o n.º 3 do aludido artigo, segue, com as necessárias adaptações o regime de recurso para uniformização de jurisprudência regulado no art.º 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA).
C-O presente recurso para uniformização de jurisprudência, interposto por A... - SGPS, S.A. (adiante somente Recorrente) tem por base alegada oposição entre as decisões proferidas por Tribunais Arbitrais em matéria Tributária, constituídos sob a égide do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), no âmbito do processos arbitrais que correram termos sob os n.ºs 62/2021-T (doravante decisão arbitral recorrida) e 911/2019-T (adiante decisão fundamento), nos termos e para os efeitos do n.º 2 do art.º 25.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro – Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT).
D-Sendo que, tanto a decisão arbitral recorrida como o a decisão arbitral fundamento são apresentadas como versando sobre idêntica matéria de facto e questão de direito, que a Recorrente identifica como a questão de saber se «as SGPS oneradas com imposto do selo nas situações previstas na norma de isenção contida no artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do CIS, mais precisamente, as SGPS mutuárias/oneradas com juros e comissões nas situações previstas na norma de isenção contida no artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do CIS preenchem ou não o requisito subjectivo desta norma de isenção referente aos mutuários/onerados com juros e comissões, de qualificação como instituição financeira à luz dos tipos previstos na legislação comunitária (para os quais remete a citada norma de isenção de imposto do selo)».
E-A matéria que foi objeto de pronúncia na decisão arbitral recorrida, proferida no Processo n.º 62/2021-T prende-se com a declaração de ilegalidade da decisão de indeferimento do recurso hierárquico n.º ...41, interposto contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...72, interposta contra as autoliquidações de Imposto do Selo (operações financeiras – juros), realizadas entre março e dezembro de 2017, no montante total de € 34.012,94, pela Banco 1... (Banco 1...), no valor de 6.909,49 €, e pelo Banco 2... (Banco 2...), no valor de 27.103,45 €, «com a sua consequente anulação, com todas as consequências legais, designadamente o reembolso à Requerente desta quantia, acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal, contados desde 24 de março de 2020, até ao seu integral reembolso».
F-Na decisão recorrida, o tribunal julgou integralmente improcedente o pedido arbitral formulado, considerando relativamente à questão invocada que «(…) não é possível extrair do regime jurídico das SGPS’s, do RGICSF ou da Diretiva n.º 2013/36/UE, de 26 de junho, em conjunto com o Regulamento n.º 575/2013, que as SGPS's integram o conceito de “instituição financeira”».
G-A Recorrente invoca como decisão fundamento a decisão arbitral proferida por Tribunal Arbitral em matéria Tributária, constituído sob a égide do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), no âmbito do processo arbitral que correu termos sob o 911/2019-T, na qual foi entendido que «(...) as operações financeiras em causa preenchem os pressupostos objetivos e subjetivos da isenção de imposto de selo, na medida que respeitam à concessão de crédito por instituições de crédito (B... e o C...) a uma sociedade gestora de participações sociais, que se qualifica, à luz da legislação de direito europeu, como instituição financeira, e em que intervieram instituições mutuantes e mutuária que se encontram domiciliadas em Portugal, e não em nenhum dos territórios com regime privilegiado previsto no Portaria n.º 150/2004, de 13 de fevereiro».
H-Ora, resulta à evidência que a decisão arbitral recorrida e a decisão arbitral fundamento, assentam em fundamentos de Direito não coincidentes.
I-Pelo que, contrariamente ao alegado pela Recorrente, não existem os pressupostos substantivos dos quais depende o conhecimento do mérito do recurso para uniformização de jurisprudência, isto é, a existência de uma contradição entre a decisão arbitral recorrida e a decisão arbitral invocada como fundamento, relativamente à mesma questão fundamental de direito.
J-Porquanto os segmentos que levaram à decisão arbitral recorrida e à decisão arbitral fundamento tiveram em conta fundamentos legais distintos, limitando-se a Recorrente a fazer referência à oposição apresentada no âmbito das referidas decisões quanto ao preenchimento do pressuposto subjetivo previsto na al. e), do n.º 1 do art.º 7.º do CIS, sem que, contudo, tenha vindo a ter em conta os contornos legais que conduziram a cada uma das decisões.
K-De facto, enquanto na decisão arbitral proferida no processo n.º 911/2021-T (decisão fundamento) o que se discutia consistia na questão de saber se o conceito de instituição financeira, para efeito do disposto na alínea e), do n.º 1, do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo, deveria ser preenchido por remissão para o Direito comunitário ou para o Direito nacional.
L-Ao passo que, no âmbito da decisão arbitral proferida no processo n.º 62/2022-T (decisão recorrida), o que se discutia consistia na interpretação a dar ao referido conceito de instituição financeira previsto no âmbito do Direito comunitário, para o efeito do preenchimento do disposto na alínea e), do n.º 1, do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo.
M-Pelo que, numa análise factual e jurídica integrada, e conforme o demonstrado, a questão fundamental de Direito versada nas decisões arbitrais em apreciação, embora com similitudes, só na aparência é a mesma, porquanto estas, não obstante a similitude em alguns pontos, não são inteiramente semelhantes no que se refere à matéria de Direito objeto de discussão.
N-No caso concreto, os atos tributários de liquidação do imposto do selo não padecem de qualquer ilegalidade ou inconstitucionalidade, na medida que as operações financeiras em causa não preenchem os pressupostos objetivos e subjetivos da isenção de imposto do selo prevista na al. e), do n.º 1, do art.º 7.º do CIS, porquanto, consubstanciando a ora Recorrente uma SGPS, esta não se qualifica como instituição financeira para efeito do Direito comunitário.
O-Posto que não é possível extrair do regime jurídico das SGPS’s, do RGICSF ou da Diretiva n.º 2013/36/EU, de 26 de junho, em conjunto com o Regulamento (EU) n.º 575/2013, que as SGPS’s como a Recorrente, pelo objeto e natureza das participações, integram o conceito de “instituição financeira”.
P-Na medida que uma SGPS não é uma entidade financeira – nem sequer numa interpretação lato sensu -, não exerce nenhuma atividade bancária, nem atua no mercado bancário ou dos serviços financeiros, não estando, por isso, sujeita a autorização ou supervisão do Banco de Portugal ou do Banco Central Europeu BCE) no âmbito da sua atividade.
Q-Para a aplicação da isenção em sentido subjetivo, prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do CIS, não basta estarmos perante uma entidade que se dedique à tomada e gestão de participações noutras sociedades. É preciso atender ao tipo de atividade e à natureza dessas participações.
R-A Requerente, enquanto entidade meramente gestora de participações sociais, não preenche os requisitos que levam a classificar uma entidade como instituição financeira, a saber: i) O formal (pois não consta da enumeração dos diplomas Europeus mencionados, nem do nacional); e ii) O material, uma vez que a sua atividade não releva do mercado bancário ou financeiro, de modo a convocar a aplicação do regime de supervisão constante da Diretiva n.º 2013/36, de 26 de junho, em conjunto com o Regulamento n.º 575/2013 e o RGICSF.
S-Pelo exposto deve necessariamente concluir-se que não havendo identidade do quadro jurídico aplicável em que assentam a decisão arbitral recorrida e a decisão arbitral fundamento em confronto, deve o recurso improceder sobre esta questão.
T-Na medida que falta, por conseguinte, e inerentemente, a identidade quanto à questão fundamental de direito, não sendo possível, consequentemente, imputar qualquer divergência na decisão final entre a decisão arbitral ora recorrida e a propalada decisão arbitral fundamento.
U-À cautela, e sem conceder, ainda que assim não se entenda, deverá a questão objeto do presente recurso ser uniformizada no sentido de que as sociedades gestoras de participações sociais (SGPS), como é o caso da Recorrente, não são consideradas “instituições financeiras” para efeitos de beneficiarem da isenção prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo», sendo este o entendimento que vai de encontra com a doutrina e a jurisprudência mais recentes sobre esta matéria.
V-A título subsidiário, sem conceder, atento à legislação comunitária supracitada e à concreta questão objeto dos presentes autos, caso o douto Tribunal considere subsistir dúvidas quanto à interpretação a dar aos conceitos em apreciação, e sem prejuízo de melhor entendimento, deverá promover o reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia das questões que entenda formular, em função da concreta dúvida suscitada, nos termos do disposto no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.
W-Pelo que perecem in totum os argumentos apresentados pela Recorrente, não se verificando os requisitos de admissibilidade do presente meio processual, nem tão pouco, e sem conceder, deve a jurisprudência ser harmonizada no sentido pretendido pela Recorrente.
X
Mediante prévia promoção nesse sentido do Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal, foi exarado despacho de suspensão da instância, devido a existência de causa prejudicial, assim se devendo aguardar que fosse emitida decisão final, com trânsito em julgado, no âmbito do processo a correr termos junto do T.J.U.E. sob o nº.C-290/22 e apensos, proveniente de pedido de reenvio prejudicial formulado no âmbito do processo 118/20.3BALSB, igualmente um recurso de uniformização de jurisprudência a correr termos neste Tribunal e Secção (cfr.despacho exarado a fls.212 e verso do processo físico).
X
Foi junto ao autos cópia autenticada do acórdão produzido pelo T.J.U.E. no âmbito do citado processo nº.C-290/22 e apensos (cfr.fls.228 a 238 do processo físico) e, em consequência, declarada cessada a suspensão da presente instância (cfr.despacho exarado a fls.240 do processo físico).
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no qual conclui que se encontram reunidos os pressupostos para o conhecimento do mérito do presente recurso para uniformização de jurisprudência, mais se devendo aguardar pela pronúncia do T.J.U.E. sobre a questão da noção de "instituição financeira", à luz dos tipos previstos na legislação comunitária e atenta a previsão da norma de isenção contida no artº.7, nº.1, al.e), do C.I.Selo (cfr.fls.206 a 207-verso do processo físico).
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Colhidos os vistos de todos os Exºs. Conselheiros Adjuntos, vêm os autos à conferência do Pleno da Secção para deliberação.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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Do aresto arbitral recorrido consta provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.35 e verso do processo físico):
a-A ora requerente é uma SGPS cujo principal escopo societário é ser uma sociedade gestora de participações sociais, controlando, através das participações por ela detidas, uma ou mais sociedades que, de todo o modo, não se dedicam à atividade bancária ou seguradora, facto que comprovadamente não foi invocado pela ora Requerente;
b-A ora requerente deduziu ao abrigo do artigo 49º do Código do Imposto de Selo e dos artigos 68º e 131º do CPPT reclamação graciosa, contra atos tributários de autoliquidação por parte do Banco 1... e pelo Banco 2..., SA e que lhe foram cobrados entre janeiro e dezembro de 2017, no valor global de 34.012,94€, devido com referência à utilização de créditos e respetivos juros, conforme mapa infra:

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c-Tendo invocado diversa legislação nacional e comunitária para sustentar a ilegalidade de tais autoliquidações pagas pela requerida, que em devido tempo analisaremos, do indeferimento da reclamação graciosa, ocorrido por despacho de 2020-03-24, a requerida interpôs recurso hierárquico em 2020-07-22, o qual veio a ser indeferido em 2020-10-29;
d-É deste despacho que a ora requerente vem recorrer para o Tribunal arbitral, solicitando pedido de pronúncia arbitral sobre a matéria sub judice.
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Do acórdão fundamento proferido no âmbito do processo 911/2019-T e datado de 5/09/2020, consta provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.44 e 45 do processo físico):
A-A Requerente é uma sociedade gestora de participações sociais, que se encontra regulada pelo Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de Dezembro, e está domiciliada em Portugal;
B-No âmbito da sua atividade, tem vindo a recorrer a financiamento junto de instituições de crédito, tendo celebrado contratos de crédito com o Banco 3..., S.A. e o Banco 2..., a que se referem os documentos n.ºs 11 e 12 juntos com o pedido arbitral, e contratos de crédito com a Banco 1... (Banco 1...), a que se referem os documentos n.ºs 13 e 14 juntos com o pedido arbitral;
C-As instituições de crédito liquidaram e entregaram ao Estado imposto de selo incidente sobre as operações de crédito, nos períodos de janeiro de 2015 a outubro de 2016 e março de 2017 a outubro de 2018, de acordo com o quadro abaixo descrito:

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D-As instituições de crédito fizeram repercutir o imposto de selo liquidado na esfera jurídica da Requerente, enquanto entidade mutuária, que suportou integralmente o imposto.
E-Em 22 de Janeiro de 2019, a Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa contra os atos de liquidação de imposto de selo emitidos no período de janeiro de 2015 a outubro de 2016, que foi indeferido por despacho do chefe de divisão do serviço central de 27 de setembro de 2019, praticado ao abrigo de subdelegação de competências, com base na informação dos serviços n.º 270 - APT 2019, que consta do documento n.º 3 junto com o pedido arbitral e aqui se dá como reproduzida;
F-Na informação conclui-se que o pedido de revisão é tempestivo, atendendo ao disposto na 2.ª parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, apenas quanto aos atos de liquidação praticados até 30 de março de 2016 (pontos 35 e 36), e que os juros, comissões e utilização de crédito referentes às operações de financiamento não estão isentos de imposto de selo, visto que a Requerente não se qualifica como instituição financeira e não preenche os pressupostos da isenção prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do Código do Imposto de Selo (ponto 104);
G-Em 23 de Janeiro de 2019, a Requerente apresentou reclamação graciosa contra os atos de liquidação de imposto de selo emitidos no período de março de 2017 a outubro de 2018, que foi indeferida por despacho do chefe de divisão do serviço central de 27 de setembro de 2019, praticado ao abrigo de subdelegação de competências, com base na informação dos serviços n.º 271- APT 2019, que consta do documento n.º 4 junto com o pedido arbitral e aqui se dá como reproduzida;
H-Na informação conclui-se que os juros, comissões e utilização de crédito referentes às operações de financiamento não estão isentos de imposto de selo, visto que a reclamante não se qualifica como instituição financeira e não preenche os pressupostos da isenção prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do Código do Imposto de Selo (ponto 88).
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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"A... - SGPS, S.A." veio, ao abrigo do disposto no artº.25, nº.2, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (na redacção introduzida pela Lei 119/2019, de 18/09, a aplicável ao caso dos autos). , o qual foi introduzido pelo dec.lei 10/2011, de 20/01 (R.J.A.T.), interpor recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo da decisão arbitral proferida pelo CAAD no âmbito do processo nº.62/2021-T (datada do pretérito dia 12/11/2021), invocando contradição entre essa decisão e o aresto fundamento, já transitado em julgado, proferido no âmbito do processo 911/2019-T, que correu termos no CAAD, sendo datado de 5/09/2020 (cfr.cópia junta a fls.42 a 49 do processo físico).
A oposição alegada é respeitante à questão que se consubstancia em saber se uma SGPS mutuária/devedora de juros ou comissões preenche o requisito subjectivo qualificando-se como "instituição financeira", à luz dos tipos previstos na legislação comunitária e atenta a previsão da norma de isenção contida no artº.7, nº.1, al.e), do C.I.Selo, na redacção da Lei 107-B/2003, de 31/12.
A entidade recorrida, nas contra-alegações, defende, em primeira linha que não se verificam os pressupostos para tomar conhecimento do mérito do recurso, sendo que, a conhecer-se do mesmo, se deve negar-lhe provimento, mais se mantendo a decisão arbitral recorrida na ordem jurídica.
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal, no seu douto parecer, conclui no sentido de se dever tomar conhecimento do mérito do recurso, mais se devendo aguardar pela pronúncia do T.J.U.E. sobre a questão da noção de "instituição financeira", à luz dos tipos previstos na legislação comunitária e atenta a previsão da norma de isenção contida no artº.7, nº.1, al.e), do C.I.Selo.
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Examinemos, antes de mais, os requisitos formais e substanciais de admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência.
O regime de interposição do recurso de decisão arbitral para o S.T.A., ao abrigo do artº.25, nºs.2 e 3, do R.J.A.T., difere do regime do recurso previsto no artº.152, do C.P.T.A., na medida em que aquele tem de ser apresentado no prazo de 30 dias contado da notificação da decisão arbitral, enquanto neste o prazo se conta do trânsito em julgado do acórdão recorrido, como decorre do referido artº.152, nº.1 (cfr.ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 4/03/2020, rec.8/19.2BALSB; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 20/05/2020, rec.72/19.4BALSB; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 21/04/2021, rec.29/20.2BALSB; Jorge Lopes de Sousa, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, in Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, 2013, pág.230; Carla Castelo Trindade, Regime Jurídico da Arbitragem Tributária anotado, Almedina, 2016, pág.484).
Já quanto aos acórdãos fundamento, o recurso para uniformização de jurisprudência pressupõe o seu trânsito em julgado, como tem vindo a afirmar este Supremo Tribunal Administrativo, condição verificada, face a ambos os arestos, no caso "sub iudice".
Não se colocando dúvidas quanto aos demais requisitos formais (legitimidade da entidade recorrente e tempestividade do recurso), haverá que passar a averiguar se estão verificados os requisitos substanciais da admissibilidade do recurso.
Nos termos do citado artº.25, nº.2, do R.J.A.T., norma que remete, com as devidas adaptações, para o artº.152, do C.P.T.A., os requisitos de admissibilidade do recurso para o S.T.A. da decisão arbitral que tenha conhecido do mérito da pretensão deduzida para uniformização de jurisprudência são os seguintes:
1-Que a decisão arbitral se tenha pronunciado sobre o mérito da pretensão deduzida e tenha posto termo ao processo arbitral;
2-Que exista contradição entre essa decisão arbitral e outra decisão arbitral, um acórdão proferido por algum dos Tribunais Centrais Administrativos ou pelo S.T.A., relativamente à mesma questão fundamental de direito;
3-Que a orientação perfilhada pelo acórdão impugnado não esteja de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do S.T.A.
No que ao segundo requisito respeita, como tem sido inúmeras vezes explicitado pelo Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, relativamente à caracterização da questão fundamental sobre a qual deve existir contradição de julgados, é mester adoptar os critérios já firmados no domínio do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (E.T.A.F.) de 1984 e da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos, para detectar a existência de uma contradição.
Estes critérios jurisprudenciais são os seguintes:
a) haver identidade da questão de direito sobre que incidiram os acórdãos em oposição, que tem pressuposta a identidade dos respectivos pressupostos de facto;
b) a oposição deve emergir de decisões expressas, e não apenas implícitas;
c) não obsta ao reconhecimento da existência da contradição que os acórdãos sejam proferidos na vigência de diplomas legais diversos, se as normas aplicadas contiverem regulamentação essencialmente idêntica;
d) as normas diversamente aplicadas podem ser substantivas ou processuais;
e) em oposição ao acórdão recorrido podem ser invocados mais de um acórdão fundamento, desde que as questões sobre as quais existam soluções antagónicas sejam distintas (cfr.ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 4/06/2014, rec.1447/13; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 25/02/2015, rec.964/14; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 4/03/2020, rec. 8/19.2BALSB; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 20/05/2020, rec.72/19.4BALSB; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 21/04/2021, rec.29/20.2BALSB; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 29/06/2022, rec.93/21.7BALSB; Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 5ª. Edição, 2021, pág.1232 e seg.; Jorge Lopes de Sousa, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, in Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, 2013, pág.230 e seg.; Carla Castelo Trindade, Regime Jurídico da Arbitragem Tributária anotado, Almedina, 2016, pág.488 e seg.).

Vejamos se tais pressupostos substanciais se verificam no caso concreto.
Nesta sede, mesmo admitindo que os acórdãos em confronto deram resposta divergente à questão que a recorrente erigiu como decidenda no presente recurso para uniformização de jurisprudência: saber se uma SGPS mutuária/devedora de juros ou comissões preenche o requisito subjectivo qualificando-se como "instituição financeira", à luz dos tipos previstos na legislação comunitária e atenta a previsão da norma de isenção contida no artº.7, nº.1, al.e), do C.I.Selo, na redacção da Lei 107-B/2003, de 31/12, o recurso não deve prosseguir para conhecimento do mérito, porquanto, a decisão recorrida se encontra em plena sintonia com orientação mais recentemente consolidada deste S.T.A. sobre a matéria.
Expliquemos porquê.
Conforme se alude supra, constitui pressuposto da admissão do recurso por oposição de acórdãos que a decisão impugnada não esteja em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.
Nos termos do artº.152, nº.3, do C.P.T.A., se o acórdão impugnado seguir o entendimento expresso pelo Pleno no âmbito de um julgamento ampliado de revista ou em anterior acórdão uniformizador, não tem, na verdade, justificação submeter a questão de novo à apreciação do Pleno. Face à literalidade do preceito, a possibilidade de não admissão do recurso também existe quando o acórdão impugnado se conforme com a jurisprudência pacífica e uniforme do STA, mesmo quando tirada pelas secções ou, pelo menos, com a jurisprudência firme que se tenha consolidado mais recentemente. Por outro lado, deve reputar-se como "jurisprudência consolidada" aquela que revele uma estabilidade de julgamento, seja porque provém do Pleno, segundo a formação prevista no artº.17, nº.2, do E.T.A.F., seja porque evidencie uma constância decisória através de uma sequência ininterrupta de decisões no mesmo sentido oriundas de uma das Secções deste Tribunal, obtidas por unanimidade ou maiorias significativas. Por outras palavras, o conceito legal de jurisprudência consolidada consubstancia-se numa estabilidade de julgamento demonstrativa de uma constância decisória, a qual pode transparecer, ou do facto de a pronúncia respectiva constar de acórdão do Pleno assumido pela generalidade dos Conselheiros em exercício na Secção, ou do facto de existir uma sequência ininterrupta de decisões no mesmo sentido, obtidas por unanimidade e em todas as formações da mesma Secção (cfr.Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 4ª. Edição, Almedina, 2017, pág.1175 e seg.; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, IV volume, Áreas Editora, 6ª. Edição, 2011, pág.402 e seg.; Carla Castelo Trindade, Regime Jurídico da Arbitragem Tributária anotado, Almedina, 2016, pág.491; ac.S.T.A.-Pleno da 1ª.Secção, 18/09/2008, rec.212/08; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 19/10/2016, rec.139/16; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 25/10/2017, rec.1022/16; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 24/03/2021, rec.82/20.9BALSB; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 30/06/2021, rec.141/20.8BALSB).
Revertendo ao caso dos autos, deve levar-se em consideração o recente acórdão lavrado pelo Pleno desta Secção, em 24/01/2024, no âmbito do processo 118/20.3BALSB, o qual uniformizou jurisprudência (sem qualquer voto de vencido) no sentido de: uma sociedade gestora de participações sociais domiciliada em Portugal, regulada pelo disposto no Decreto-Lei 495/88, de 30/12, que tem como único objecto a gestão de participações sociais de outras sociedades que não exercem actividade no sector financeiro, não beneficia da isenção de pagamento de imposto de selo prevista no artº.7, nº.1, al.e), do Código de Imposto de Selo, por não se subsumir, subjectivamente, no conceito de instituição financeira constante do artº.3, nº.1, ponto 22, da Directiva 2013/36/EU e do artº.4, nº.1, ponto 26, do Regulamento UE 575/2013 (aresto este que já transitou em julgado e se encontra acessível em www.dgsi.pt, por isso sendo dispensável a junção da respectiva cópia).

Estando a decisão recorrida em plena sintonia/harmonia com esta jurisprudência do S.T.A., a qual entretanto se consolidou, e tendo o recurso sido admitido, não há que conhecer do respectivo mérito, atento o disposto no artº.152, nº.3, do C.P.T.A., ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
X
DISPOSITIVO
X
Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DO PLENO DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO EM NÃO TOMAR CONHECIMENTO DO MÉRITO DO RECURSO.
X
Condena-se a sociedade recorrente em custas (cfr.artº.527, do C.P.Civil), nesta instância de recurso.
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Registe.
Notifique.
Comunique ao CAAD.
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Lisboa, 21 de Fevereiro de 2024. - Joaquim Manuel Charneca Condesso (relator) - Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - Isabel Cristina Mota Marques da Silva - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - José Gomes Correia - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz (com a declaração de voto que infra segue) - Gustavo André Simões Lopes Courinha - Pedro Nuno Pinto Vergueiro - Anabela Ferreira Alves e Russo - Fernanda de Fátima Esteves.

"Entendo que a decisão, correta e conforme com a lei aplicável - art. 152.º n.º 3 do CPTA (e art. 688.º n.º 3 do CPC), é a de não admissão do recurso; em vez da assumida de não tomar conhecimento do respetivo mérito."


Aníbal Augusto Ruivo Ferraz