Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02297/21.3BEBRG
Data do Acordão:05/25/2023
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:JOSÉ VELOSO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
CONCURSO PÚBLICO
EXPERIÊNCIA PROFISSIONAL
TEMPO DE SERVIÇO
Sumário:É de admitir o recurso de revista sobre a «questão», para além de outras, de saber se o subfactor da experiência profissional integra apenas o serviço prestado na carreira ou também o prestado em regime de contratação a termo.
Nº Convencional:JSTA000P31053
Nº do Documento:SA12023052502297/21
Data de Entrada:05/15/2023
Recorrente:AA
Recorrido 1:CENTRO HOSPITALAR DO MÉDIO AVE, E.P.E. E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em «apreciação preliminar», na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
1. AA - autora desta acção administrativa - vem, invocando o artigo 150º do CPTA, interpor «recurso de revista» do acórdão do TCAS - de 13.01.2023, e complementado pelo acórdão de 21.04.2023 - que, concedendo provimento à apelação da contra-interessada BB, revogou a sentença do TAF de Braga - de 04.07.2022 -, julgou improcedente a sua acção e absolveu os demandados do pedido - ou seja, o CENTRO HOSPITALAR DO MÉDIO AVE, E.P.E., e os contra-interessados CC, DD e BB.

Alega que a revista se impõe devido à «clara necessidade de uma melhor aplicação do direito» e à «importância fundamental» da questão - artigo 150º, nº1, do CPTA.

Apenas contra-alegou BB defendendo - além do mais - a não admissão da «revista» por falta de verificação dos necessários «pressupostos legais» - artigo 150º, nº1, do CPTA.

2. Dispõe o nº1, do artigo 150º, do CPTA, que «[d]as decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

Deste preceito extrai-se, assim, que as decisões proferidas pelos TCA’s, no uso dos poderes conferidos pelo artigo 149º do CPTA - conhecendo em segundo grau de jurisdição - não são, em regra, susceptíveis de recurso ordinário, dado a sua admissibilidade apenas poder ter lugar: i) Quando esteja em causa apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental; ou, ii) Quando o recurso revelar ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.

3. Está em causa um concurso público para preenchimento de três vagas na categoria de técnico especialista de análises clínicas e saúde pública, lançado pelo CENTRO HOSPITALAR DO MÉDIO AVE, E.P.E. [CHMA], em cuja lista final - homologada por «deliberação de 20.10.2021 do Conselho de Administração do CHMA» - a autora - AA - ficou graduada em 4º lugar. Ela pede a «anulação» da dita deliberação homologatória, e a correcção da lista final no sentido da sua graduação - com 16,69 valores - no 3º lugar da mesma.

O tribunal de 1ª instância - TAF de Braga - julgou a acção procedente e condenou o CHMA a corrigir a lista de graduação final de modo que «ao invés de classificar a autora com 16,51 valores, e a graduar em 4º lugar, a classifique com 16,69 valores, graduando-a em 3º lugar». Para tanto, entendeu que ocorre «vício de violação de lei» - por «erro nos pressupostos fáctico-jurídicos» - porque o júri do concurso deveria ter contabilizado à autora todo o período em que exerceu funções na carreira de TSDT, o que corresponde não a 14 mas sim a 18 anos, e, além disso, que não foi cumprido, no procedimento, o «cabal exercício do direito à audiência prévia».

O tribunal de 2ª instância - TCAN - concedeu provimento à apelação da graduada em 3º lugar - BB -, revogou a sentença recorrida e julgou improcedente a acção. Para o efeito, e ao contrário da sentença recorrida, fazendo apelo - mormente - ao artigo 79º da Lei nº35/2014, de 20.06 [LTFP] entendeu que - conforme considerou o júri - o período a ter em conta não integrava todo o tempo prestado em funções públicas mas antes - mais especificadamente - o tempo relativo ao exercício na carreira, onde não se inclui o tempo de serviço prestado com base em contratação «a termo».

Agora é a autora da acção que discorda, e pede revista do assim decidido pelo tribunal de apelação apontando-lhe nulidade e erro de julgamento de direito. Efectivamente, alega que ao ser invocado, pela primeira vez, o artigo 79º da LTFP, o acórdão incorreu em excesso de pronúncia - artigo 615º, nº1 alínea d), do CPC -, ou, pelo menos, incorreu numa nulidade processual - artigo 195º, nº1, do CPC - ao proferir uma decisão surpresa sem lhe dar possibilidade de sobre o assunto se pronunciar. Mais alega que foi violada a autoridade do caso julgado, porque, transitada a decisão proferida sobre a falta de cabal exercício de audiência prévia, sempre a deliberação impugnada deveria ser anulada com esse fundamento, pois não se poderá considerar demonstrado que o cumprimento dessa formalidade fosse, no caso, irrelevante. Alega, ainda, que é errada a interpretação feita no acórdão recorrido e que leva a desconsiderar - para efeitos de «experiência profissional» - o serviço prestado em regime de contratação «a termo», porque, além do mais, uma tal interpretação e aplicação da lei viola o «princípio da separação de poderes» - artigos 111º, nº1, da CRP, e 3º, nº1, do CPA, e despacho autorizador do concurso -, o DL nº110/2017, de 31.08, o DL nº111/2017, de 31.08, o artigo 3º, nº2, do DL nº25/2019, de 11.02, e o artigo 5º-A, da Lei nº34/2021, de 08.06, bem como os artigos 11º e 67º da LTFP. Conclui que se assim não se entendesse, ou seja, se a «cláusula relativa à experiência profissional» devesse ser interpretada pelo júri com o novo sentido dado pelo acórdão recorrido, deveria antes ter sida condenada a entidade demandada a novo escrutínio de acordo com essa interpretação, porque apenas foi aplicada à autora, e em seu prejuízo.

Compulsados os autos, importa apreciar «preliminar e sumariamente», como compete a esta Formação, se estão verificados os «pressupostos» de admissibilidade do recurso de revista - referidos no citado artigo 150º do CPTA - ou seja, se está em causa uma questão que «pela sua relevância jurídica ou social» assume «importância fundamental», ou se a sua apreciação por este Supremo Tribunal é «claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

Ora, como vem sublinhando esta «Formação», a admissão da revista fundada na clara necessidade de uma melhor aplicação do direito prende-se com situações respeitantes a matérias relevantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente, ou, até, de forma contraditória, a exigir a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa como essencial para dissipar as dúvidas sobre o quadro legal que regula essa concreta situação, emergindo, destarte, a clara necessidade de uma melhor aplicação do direito com o significado de boa administração da justiça em sentido amplo e objectivo.

No presente caso, e como resulta do que acima já deixamos referido, as «instâncias» dissentiram na interpretação e aplicação do «subfactor da experiência profissional», o que conduziu a uma decisão diametralmente oposto, para além de que - aparentemente - o tribunal de apelação não levou em conta o decidido na sentença sobre a «audiência prévia». E a questão, em si mesma, é complexa, desde logo porque convoca normas oriundas de diferentes regimes jurídicos, e a sua decisão no acórdão recorrido mostra-se abalada em face das críticas que lhe são dirigidas nas alegações de revista. Ademais a questão nuclear submetida à revista - saber se o «tempo de serviço» para efeitos do subfactor da «experiência profissional» se reduz ao serviço exercido «na carreira» ou inclui, também, o serviço prestado ao abrigo de contrato a termo - tem relevância jurídica e óbvia vocação paradigmática.

Assim, e sem mais delongas, quer em nome da necessidade de esclarecer, e solidificar, a decisão jurídica da referida «questão», sem desprimor das demais, quer em nome da importância fundamental que lhe assiste, é de admitir a presente revista.

Nestes termos, e de harmonia com o disposto no artigo 150º do CPTA, acordam os juízes desta formação em admitir a revista.

Sem custas.

Lisboa, 25 de Maio de 2023. - José Veloso (relator) – Teresa de Sousa – Fonseca da Paz.