Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0232/12
Data do Acordão:01/16/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL
CONDENAÇÃO À PRÁTICA DO ACTO DEVIDO
PRODUÇÃO DE PROVA
Sumário:I – As acções administrativas especiais de condenação à prática do acto devido destinam-se a obter a condenação da entidade competente à prática de um acto administrativo que o autor reputa ter sido ilegalmente omitido ou recusado, visando a sua condenação na prolação de um acto que, substituindo aquele que é sindicado, emita pronúncia sobre o caso concreto ou dê satisfação à pretensão deduzida, sendo, por isso, desnecessária a dedução de pedido de anulação, declaração de nulidade ou inexistência do acto de indeferimento sindicado, já que da pronúncia condenatória resulta directamente a eliminação desse acto da ordem jurídica.

II – Por isso, o pedido de condenação à prática do acto devido não se basta com a apreciação da legalidade do acto administrativo sindicado, impondo ao Tribunal a análise da legalidade da pretensão do interessado aferida no momento em que é proferida a decisão final da acção.

III – Razão por que o direito à prova é objecto de uma forte tutela neste tipo de acção, devendo o tribunal decidir conforme os factos e as provas que lhe são apresentados dentro das regras processuais, sendo, em princípio, admissíveis todos os meios gerais de prova que as partes ofereçam (dada a aplicação da lei processual civil no que se refere à produção de prova – art. 90.º, n.º 2 do CPTA), só podendo ser recusada quando exista norma legal que limite ou proíba determinado meio de prova ou quando se julgue que as provas oferecidas são manifestamente impertinentes, inúteis ou desnecessárias em face das questões colocadas.

IV – Tendo o SEAF indeferido o pedido que a Requerente lhe apresentou, na qualidade de entidade incorporante numa operação de fusão, no sentido de lhe ser autorizada a dedução dos prejuízos fiscais acumulados pela entidade incorporada, indeferimento que se fundou na falta de verificação dos requisitos que o art. 69.º do CIRC exige para a transmissibilidade desses prejuízos, e tendo a Requerente instaurado acção administrativa especial onde insiste na verificação de todos esses requisitos e pede a condenação do SEAF à prática de acto devido, arrolando prova testemunhal e abundante prova documental com vista a comprovar a materialidade integradora desses requisitos, não podia o Tribunal limitar-se a apreciar a legalidade da decisão administrativa proferida com base nos elementos de prova de que ele dispunha no procedimento administrativo, uma vez que a Requerente produziu, em sede contenciosa, mais prova destinada a fundar a sua pretensão.

V – O despacho interlocutório impugnado, onde o julgador afirma, de forma genérica, a desnecessidade de produção de prova testemunhal ou de quaisquer outras provas, parte do pressuposto (errado) de que lhe cabia somente aferir da legalidade do acto de indeferimento sindicado, descurando o pedido de condenação à prática do acto devido, o qual não se basta com essa apreciação.

VI – Esse despacho vedou à parte a oportunidade de produzir prova com vista a demonstrar a motivação económica da operação, isto é, a verificação dos requisitos previstos no art. 69.º do CIRC, privando, mesmo, o tribunal de elementos que podem ser relevantes para a formação de um juízo adequado sobre os intuitos económicos invocados e para a apreciação do pedido de condenação da Administração à prática do acto devido.

Nº Convencional:JSTA00068041
Nº do Documento:SA2201301160232
Data de Entrada:03/01/2012
Recorrente:CAIXA DE CRÉDITO AGRÍCOLA MÚTUO A...., CRL
Recorrido 1:SE DOS ASSUNTOS FISCAIS
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:AC TCA SUL
Decisão:PROVIMENTO PARCIAL
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - REC JURISDICIONAL
Legislação Nacional:CIRC01 ART69
CPTA ART142 N5 ART71
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0574/10 DE 2012/01/18
Referência a Doutrina:MÁRIO AROSO DE ALMEIDA O NOVO REGIME DO PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS PAGS 218-219
MÁRIO E RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA CÓDIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS VOLI PAG415
MÁRIO AROSO DE ALMEIDA E FERNANDES CADILHA COMENTÁRIO AO CÓDIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS PAGS335-336
CARLOS BAPTISTA LOBO REVISTA FISCALIDADE - NEUTRALIDADE FISCAL DAS FUSÕES: BENEFÍCIO FISCAL OU DESAGRAVAMENTO ESTRUTURAL PAG53
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul na acção administrativa especial com n.º 2178/07

1. RELATÓRIO

1.1 A “Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de A…………, C.R.L.” (a seguir Autora ou Recorrente) interpôs acção administrativa especial (A petição foi endereçada ao Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, que declarou aquele tribunal incompetente em razão da hierarquia e remeteu o processo ao Tribunal Central Administrativo Sul, que considerou ser o competente.), pedindo (i) a anulação do despacho do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (SEAF), que indeferiu o seu pedido, formulado na qualidade de incorporante numa operação de fusão, no sentido de lhe ser autorizada, ao abrigo do disposto no art. 69.º do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC) (Referimo-nos à versão do CIRC anterior à que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho.), a dedução dos prejuízos fiscais acumulados pela incorporada “Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de B…………., C.R.L.”, e (ii) a condenação da Administração tributária (AT) à prática do acto devido, de deferimento daquele pedido.
Imputou ao referido despacho os vícios de violação de lei por erro manifesto na interpretação de conceitos legais relativamente indeterminados do referido art. 69.º do CIRC, desvio de poder e violação de lei constitucional, bem como sustentou estarem verificados os requisitos para o deferimento da sua pretensão dirigida ao SEAF.

1.2 No despacho saneador, proferido pela Juíza Desembargadora a quem o processo foi distribuído no Tribunal Central Administrativo Sul, foi considerada desnecessária a produção de prova testemunhal.

1.3 Por acórdão, o Tribunal Central Administrativo Sul julgou a acção improcedente.

1.4 A Autora não se conformou com esse acórdão e dele interpôs recurso para este Supremo Tribunal Administrativo, apresentando com o requerimento de interposição do recurso as respectivas alegações, que resumiu em conclusões do seguinte teor:
«
1. O recurso vem interposto do acórdão de 09/11/2001, através do qual se julgou improcedente a acção administrativa especial de impugnação de acto administrativo, cumulada com pedido de condenação à prática de acto devido.

2. A acção visa a anulação do acto administrativo de indeferimento expresso do pedido de transmissibilidade de prejuízos fiscais experimentados pela CCAM B……, deduzido ao abrigo do disposto no art. 69.º do CIRC.

3. O acto em crise é ilegal por manifesto erro de aplicação ao caso concreto do art. 69.º do CIRC, da Directiva Comunitária 90/434/CEE do Conselho, de 23 de Julho de 1990 e por aplicação abusiva e ilegal do Despacho n.º 79/2005- XVII (publicitado através da Circular 7/2005, de 16 de Maio).

4. Tendo o Tribunal dispensado, através de despacho, a produção da prova testemunhal, toda a sua base de decisão fica irremediavelmente prejudicada, impondo-se a revogação da decisão recorrida, a realização da diligência probatória omitida e a emissão de nova decisão que considere a nova prova produzida.

5. O n.º 3 do art. 700.º do CPC aplica-se apenas aos despachos proferidos em sede de recurso no TCA, e não, como é o caso, no âmbito de uma acção, por força das regras de competência, ali corre os seus termos em primeira instância.

6. Sobre a dispensa de produção da prova testemunhal, incorreu o Tribunal a quo numa omissão que se reflectiu na decisão recorrida, padecendo esta, assim, de uma incontornável omissão de pronúncia e da consequente NULIDADE do acórdão por este não conhecer de questões que devia conhecer, nos termos da al. d) do n.º 1 do artigo 668.º do CPC (ex vi, art. 140.º do CPTA).

7. A inquirição das testemunhas omitida é imprescindível à demonstração de factos essenciais à boa decisão da causa e à descoberta da verdade material.

8. A decisão recorrida, padece ainda de um flagrante erro de julgamento quer na apreciação da prova quer na aplicação concreta dos artigos 7.º, in fine e 90.º do CPTA, bem como, do n.º 3 do art. 265.º do CPCP, ex vi, art. 1.º do CPTA.

9. O processo judicial administrativo está impregnado pelo princípio da verdade material e de investigação do Juiz pelo que, cabe a este, o dever funcional de realizar todas as diligências necessárias para o apuramento da verdade.

10. Quanto ao cerne da questão, isto é, o efectivo controlo judicial do acto impugnado, o acórdão recorrido, ao não conhecer de questões que devia conhecer padece, do mesmo modo, de flagrante NULIDADE, nos termos da al. d) do n.º 1 do artigo 668.º do CPC (ex vi, art. 140.º do CPTA).

11. A questão em apreço nos autos passa por saber se a operação de fusão que subjaz ao acto impugnado, teve por base uma motivação económica válida, nos termos e para os efeitos consignados no então vigente art. 69.º do CIRC.

12. Cabia ao Tribunal a quo apreciar, de forma detida e crítica, os fundamentos da operação, a forma como foi implementada e as suas consequências fiscais.

13. A aplicação do Despacho do SEAF n.º 79/2005-XVII, de 15 de Abril, publicitado através da Circular n.º 7/2005, de 16 de Maio, impõe um critério não legal de limitação à aplicação do art. 69.º do CIRC, em violação do princípio da legalidade ínsito no art. 103.º da CRP, o art. 8.º da LGT e o art. 104.º, n.º 2 da CRP.

14. Nenhuma das premissas em que assenta a decisão recorrida é válida: não é verdade que o acto do SEAF se fundamentou na inexistência dos requisitos exigidos pela lei para a concessão da autorização para deduzir os prejuízos fiscais acumulados pela sociedade fundida, não é verdade que o seu juízo discricionário não pode ser fiscalizado pelos tribunais e, em todo o caso, não é verdade que não haja erro grosseiro ou manifesta desadequação ao fim legal na aplicação da lei.

15. A falta de verificação dos ditos pressupostos de facto da decisão do SEAF, acrescida da recusa no controlo judicial concreto da decisão, consubstanciam uma omissão de pronúncia que dá origem à nulidade do acórdão, nos termos e para os efeitos da al. d) do n.º 1 do artigo 668.º do CPC (ex vi, art. 140.º do CPTA).

16. O Tribunal recusa-se a apreciar o mérito da questão, assumindo como adquirida a conclusão apresentada pela recorrida de que não estariam verificados os pressupostos legais para a concessão do benefício em apreço nos autos.

17. O conceito de razões económicas válidas tem de ser preenchido pela Administração, com os concretos elementos que tendam para aquele fim, concedendo à Administração um vastíssimo campo de concretização e de pesquisa tendo em vista preencher o estalão legal previsto em tal norma, mas havendo uma vinculação do administrador a um comportamento demarcado na lei, não existindo aqui quaisquer poderes administrativos discricionários.

18. As questões resultantes da utilização de conceitos técnicos pela lei, resolvem-se através de critérios exclusivamente técnicos, não tendo o órgão administrativo a liberdade de repudiar o conteúdo que lhes é imputado nos respectivos ramos de ciência e optar por qualquer outro.

19. A transmissão de prejuízos não pode assentar em meros indícios ou presunções, tendo a Administração fiscal de provar que não se verificavam, em concreto, os pressupostos legais que permitem a transmissão de prejuízos.

20. Porque se prova a continuidade da actividade da empresa, seria de considerar a transmissão dos prejuízos fiscais como normal e imprescindível à manutenção da fonte produtora dada a adequação à actividade e tutela da Autora.

21. Cabia ao Tribunal a quo aferir a existência de uma motivação económica válida na fusão em apreço, para determinar se estavam verificados in casu os requisitos materiais para concessão do benefício previsto no art. 69.º do CTRC.

22. Não o tendo feito, como lhe era exigível, o Tribunal deixou de se pronunciar sobre uma questão cuja apreciação lhe estava imposta, eivando o acórdão recorrido de uma incontornável nulidade por omissão de pronúncia – termos da al. d) do n.º 1 do artigo 668.º do CPC (ex vi, art. 140.º do CPTA).

23. O controlo judicial é, no caso em apreço nos autos, uma imposição directa da lei e dos princípios de Direito Da União Europeia – designadamente, o da proporcionalidade – e, bem assim, das directrizes interpretativas emanadas do TJ.

24. Sem prejuízo da referida nulidade, uma eventual decisão sobre o recurso do despacho saneador proferida nos termos vertidos no acórdão, consubstanciaria um flagrante erro de julgamento quanto à aplicação dos artigos 7.º, in fine e 90.º do CPTA, bem como, do n.º 3 do art. 265.º do CPCP, ex vi, art. 1.º do CPTA.

25. Quando a legislação nacional se adequa, nas soluções que dá a situações puramente internas, às soluções do direito da União, nomeadamente com o objectivo de evitar discriminações ou eventuais distorções de concorrência, existe um interesse manifesto da União em que, para evitar divergências de interpretação futuras, as disposições ou os conceitos retomados do direito da União sejam interpretados de maneira uniforme, sejam quais forem as condições em que se devem aplicar (acórdãos de 17 de Julho de 1997, Leur-Bloem, 28/95, Colect., p. I-4161, n.º 32, de 15 de Janeiro de 2002, Andersen og Jensen, C-43/00, Colect., p. I-379, n.º 18, e de 20 de Maio de 2010, Modehuis A. Zwijnenburg, C-352/08, ainda não publicado na Colectânea, n.º 33) – cfr. Parágrafo 21 do citado acórdão (TJ) Foggia, de 10 de Novembro de 2011, tirado no Processo C-126/10.

26. In casu, não só o TJ é competente para responder a eventuais questões que lhe venham a ser submetidas pelo Tribunal ad quem, relativas à interpretação das disposições da Directiva 90/434 – nos termos do artigo 267.º do TFUE como se aplicam na decisão as normas e princípios de Direito Da União Europeia.

27. Releva para este efeito, o princípio da proporcionalidade, a operar através do denominado controlo de proporcionalidade.

28. Uma medida ingerente será admissível se for necessária, adequada proporcional à prossecução de um fim legítimo (ver, por todos, sobre esta matéria, com notável rigor e profundidade, JOÃO FÉLIX PINTO NOGUEIRA, Direito Fiscal Europeu – O Paradigma da Proporcionalidade, Ed. Conjunta, Wolters Kluwers e Coimbra Editora, Coimbra, 2011, pp. 411 e ss.).

29. O tribunal tem vindo a exigir que situações ingerentes sejam objecto de uma análise casuística, que permita ter em consideração as concretas feições da operação: exige-se em Leur-Bloem que as administrações fiscais procedam “caso a caso, a uma análise global da operação” antes de efectuarem a sua requalificação.

30. Decorre do controlo de proporcionalidade a necessidade de sindicância judicial. Assim, a regra ingerente – ou a interpretação que dela se faça – «…mostrar-se-á como excessiva quando não possibilite ao sujeito uma sindicância jurisdicional da actividade administrativo-tributária de que tenha sido alvo».

31. Decorre lapidarmente dos parágrafos 51 e 53 do acórdão Foggia, a conjugação e a imposição destas regras, quando se conclui que «…compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, à luz do conjunto das circunstâncias que caracterizam o litígio que lhe foi submetido, se, em função dos critérios referidos nos n.ºs 39 a 51 do presente acórdão, os elementos constitutivos da presunção de fraude ou de evasão fiscais, na acepção do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), da Directiva 90/434, estão reunidos no âmbito deste litígio», assim como lhe compete verificar «… se os elementos constitutivos da presunção de fraude e de evasão fiscais, na acepção da referida disposição, estão reunidos no âmbito deste litígio». Com efeito, no caso em apreço nos autos, o Tribunal a quo nem sequer fez esta última validação judicial, assumindo “em bloco” a decisão da Administração fiscal.

32. Não se vislumbra de que base factual se terá servido o Tribunal a quo para a assumir de forma tão peremptória que não se verifica no caso em apreço nos autos um qualquer erro grosseiro ou manifesta desadequação ao fim legal.

33. Termos em que, ao não especificar os fundamentos de facto em que fez assentar a sua decisão, o Tribunal a quo feriu de nulidade o acórdão que proferiu, nos termos da al. c) do n.º 1 do artigo 668.º do CPC e do art. 140.º do CPTA

34. O acórdão recorrido merece ainda censura porque faz uma errada aplicação do direito, designadamente, por manifesto erro de aplicação in casu do art. 69.º do CIRC e da Directiva 90/434/CEE do Conselho, de 23 de Julho de 1990, bem como, por aplicação ilegal e abusiva do Despacho n.º 79/2005-XVII, de 2005/04/15, do SEAF, publicitado através da Circular da DSIRC da DGI, emitida em 16 de Maio de 2005, sob o n.º 7/2005.

35. Contrariamente ao que afirma o acórdão, os conceitos indeterminados contidos naquela norma, na verdade, não o são em sentido próprio, não encerram em si uma margem de apreciação discricionária da Administração fiscal.

36. Estamos aqui diante de conceitos classificatórios, na sua vertente descritiva-empírica, cuja margem de apreciação é vinculada e cuja sindicabilidade é plena.

37. Independentemente da qualificação que se faça dos conceitos utilizados pelo legislador na previsão do art. 69.º do CIRC, fica evidente que a estatuição daquela norma é, sem margem de dúvida, estritamente vinculada.

38. Em rigor: 1) não podemos considerar que estamos aqui perante a apreciação de verdadeiros conceitos indeterminados (em sentido próprio); 2) o acto sub judice é perfeitamente sindicável porque a decisão nele ínsita é estritamente vinculada; 3) ainda que por absurdo se assentisse na tese propugnada pelo Tribunal a quo – no que, obviamente, não se consente – sempre seria de notar que está aqui em causa um erro grosseiro de apreciação por parte da Administração, bem como, uma manifesta desadequação ao fim legal do art. 69.º do CIRC na sua aplicação em concreto; 4) por fim, todo o raciocínio explanado por referência à ordem nacional tem suporte claro ordem jurídica da União Europeia.

39. Nitidamente, estamos aqui diante de um verdadeiro conceito classificatório, descritivo-empírico, o qual terá, necessariamente de ser preenchido com recurso aos conhecimentos científicos (objectivos) da ciência económica.

40. A Administração fiscal deve analisar se, em concreto, existe motivação económica válida para a fusão – tal sucede designadamente quando ela se insira no âmbito da reestruturação das sociedades intervenientes, como aqui acontece – e se esta se insere numa estratégia de redimensionamento e desenvolvimento de médio e longo prazo com efeitos positivos na estrutura produtiva – verificados estes pressupostos, resta apenas à Administração fiscal, na pessoa do seu dirigente máximo – o Ministro das Finanças –, autorizar a concessão do benefício.

41. Não conferindo aqui a lei qualquer poder discricionário próprio à Administração fiscal para aplicação da norma ínsita no art. 69.º do CIRC, “…é manifesto que a Administração actua em erro sobre o âmbito dos poderes que a lei lhe confere”.

42. A invocada ilegalidade da decisão do Tribunal a quo e da Administração fiscal é confirmada e reiterada à luz do Direito da União Europeia, por vários motivos: porque aquele ordenamento não admite a imposição de limitações aos regimes harmonizados quando não sejam necessárias, adequadas e proporcionadas, porque proíbe decisões automáticas com base em critérios gerais e indiscriminados e porque proíbe liminarmente qualquer tipo de discricionariedade administrativa – mormente, quanto aos regimes harmonizados.

43. Qualquer norma anti-abuso que seja aplicada em contravenção e que classifique como puramente artificiais operações que manifestamente não o são, viola o princípio da proporcionalidade e, por consequência, o Direito da União Europeia. No caso em análise estamos claramente diante desta situação.

44. A ora recorrente encetou uma operação de fusão perfeitamente consentânea com os padrões normais de mercado, seguindo um verdadeiro critério at arm’s lenght nada havendo a apontar aos contornos da referida operação.

45. A aplicação da norma anti-abuso consignada no n.º 2 do art. 69.º, seguindo a interpretação autêntica conferida pelo art. 11.º da Directiva 90/434/CEE do Conselho, impõe a apreciação concreta da situação em análise e a conclusão manifesta de que a operação de fusão em apreço passa claramente no “teste ao abuso”, sendo evidente que, pela sua materialidade, a mesma não configura qualquer “arranjo puramente artificial” com intuito de fraude ou evasão fiscais.

46. A aplicação da regra da proibição de cláusulas gerais ou regras automáticas, ditaria só por si a invalidade da aplicação do art. 69.º do CIRC (à luz do Direito da União), nos termos em que a Administração fiscal o faz neste caso, pondo em causa a decisão de indeferimento emitida pelo SEAF e, bem assim, por erro de julgamento, o acórdão de que ora se recorre.

47. O direito da União Europeia não se coaduna minimamente com a existência das ditas margens de livre apreciação pela Administração fiscal, principalmente quando as mesmas são inexplicavelmente furtadas ao controlo judicial.

48. O vasto leque de jurisprudência do TJ evidenciam que o Tribunal ad quem sempre terá de revogar a decisão recorrida, quer com base no ordenamento interno, quer ainda, obviamente, com base nos normativos e princípios de Direito Da União Europeia que vêm expressamente invocados.

49. Sem prescindir, sempre caberia a esse Tribunal, se não se bastasse com a interpretação uniforme e consolidada dos normativos e princípios que resulta dos acórdãos citados, suscitar, por dever de oficio e em beneficio da boa decisão da causa, a interpretação conforme junto do TJ lançando mão do necessário reenvio a título prejudicial, em conformidade com o disposto no art. 267.º do TFUE. Com efeito, caberia ao Tribunal ad quem indagar junto daquele TJ, se:

a) deve ser interpretado o art. 11.º, n.º 1, alínea a), da Directiva 90/434/CEE do Conselho, de 23 de Julho de 1990, relativa ao regime fiscal comum aplicável às fusões, cisões, entradas de activos e permutas de acções entre sociedades de Estados-Membros diferentes, no sentido de que é incompatível com aquela disposição ou com princípios gerais de direito da União Europeia, designadamente, com o princípio da proporcionalidade, a prática de acto administrativo por parte da Administração fiscal portuguesa, em aplicação do disposto nos n.ºs 2 e 4 do art. 69.º do CIRC, que considera, por aplicação exclusiva de um critério geral e abstracto (consubstanciado aliás no Despacho do SEAF n.º 79/2005-XVII, de 2005/04/15, tomado público através da Circular da Direcção de Serviços de IRC (DSIRC), da Direcção-Geral dos Impostos, emitida em 16 de Maio de 2005, sob o n.º 7/2005), que uma operação de fusão entre entidades em que, contabilisticamente, a incorporada aporta para a incorporante capitais próprios negativos ao não permitir a dedução de prejuízos fiscais (porque a Administração fiscal apenas os aceita na proporção entre o valor do património líquido da entidade fundida e o da entidade incorporante determinados com base no último balanço anterior à fusão) não tem razões económicas válidas e, por isso, se presume ter como principal objectivo ou como um dos principais objectivos a fraude e a evasão fiscais?

b) deve ser interpretado o art. 11.º, n.º 1, alínea a), da Directiva 90/434/CEE do Conselho, de 23 de Julho de 1990, relativa ao regime fiscal comum aplicável às fusões, cisões, entradas de activos e permutas de acções entre sociedades de Estados-Membros diferentes, no sentido de que é incompatível com aquela disposição ou com princípios gerais de direito da União Europeia, uma interpretação e aplicação do n.º 2 do art. 69.º do CIRC que se baseia em que constitui discricionariedade técnica ou margem de apreciação exclusiva da Administração nacional e, por conseguinte, insindicável perante um tribunal judicial competente, a aferição, por parte daquela, da existência, em concreto, numa fusão, de “razões económicas válidas”, tais como, por exemplo:

i) a reestruturação ou racionalização das actividades das entidades participantes na fusão,
ii) a conjugação de sinergias, designadamente a nível de sistemas informáticos, serviços de contabilidade e auditoria, planeamento económico, assessoria jurídica, gestão documental e de informação, publicidade, formação de recursos humanos, gestão de risco e controlo de crédito vencido, desenvolvimento de novos produtos,
iii) o fortalecimento dos rácios prudenciais (de solvabilidade e de imobilizado) das cooperativas envolvidas,
iv) o reforço da posição no mercado pela expansão para áreas geográficas mais vastas e pelo desenvolvimento e incremento da actividade de crédito não agrícola;
v) a possibilidade de potenciar recursos subaproveitados em prol de uma nova estrutura,
vi) a simplificação administrativa?

TERMOS EM QUE, E NOS MAIS DE DIREITO, DEVE O PRESENTE RECURSO PROCEDER NOS TERMOS EXPOSTOS, COM TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS» (Porque usamos o itálico na transcrição, as partes que no original estavam em itálico surgem aqui em tipo normal, a fim de se respeitar o destaque que lhes foi concedido pela Recorrente.).

1.5 O recurso foi admitido a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo.

1.6 O SEAF apresentou contra alegações, resumidas em conclusões do seguinte teor:
«
1. Nos presentes autos a questão de fundo reveste a natureza de questão de direito, pelo que, cabendo ao tribunal e não às testemunhas da Recorrente, a correcta interpretação e aplicação do artigo 69.º do CIRC, desnecessária se tornava a produção da prova testemunhal requerida por aquela;

2. Bem andou o tribunal a quo ao ter concluído pela desnecessidade da produção de prova testemunhal face a todo o vertido nos articulados e à prova documental junta por ambas as partes em litígio, não padecendo, por isso, o acórdão ora em crise do vício de nulidade quanto a este aspecto;

3. De facto, registando-se in casu uma situação de discricionariedade administrativa, a audição das testemunhas arroladas pela Recorrente representaria uma violação do “imperativo de contenção” a que o tribunal a quo estava vinculado;

4. Pelo que, caso o tribunal a quo tivesse seguido a posição defendida pela Recorrente, o mesmo acabaria por exercer uma função (administrativa) que não lhe cabe enquanto órgão judicial. Assim, não incorreu o tribunal a quo em qualquer erro de julgamento quanto a esta matéria;

5. A Recorrente confunde falta de pronúncia com não adesão do areópago aos argumentos por si invocados;

6. Na realidade, a decisão posta em crise pela Recorrente não deixou de se pronunciar sobre as questões por si levantadas, já que apreciou a questão (de direito) colocada, servindo-se, para suporte da mesma, de Jurisprudência constante dos tribunais superiores sobre a matéria em causa;

7. Por outro lado, tem sido entendimento dos tribunais superiores que não se verifica uma situação de omissão de pronúncia quando o tribunal justifica convenientemente as razões pelas quais não conhece determinada questão que lhe é colocada, como sucedeu in casu, pelo que o acórdão ora em crise não padece do vício de nulidade por violação do artigo 668.º/1-d) do CPC ex vi do artigo 140.º do CPTA;

8. Constitui Jurisprudência pacífica e constante dos tribunais superiores o entendimento de que o artigo 69.º do CIRC encerra em si mesmo dois requisitos cumulativos, requisitos esses que constituem conceitos indeterminados e cujo preenchimento compete à Autoridade Tributária e Aduaneira, mediante o recurso à sua discricionariedade técnica, sendo por isso judicialmente insindicável;

9. A decisão judicial ora em crise insere-se naquela corrente jurisprudencial, a qual, por um lado, não tem colocado em causa quer a legalidade das decisões proferidas pelo Recorrido no âmbito destes casos, quer a doutrina administrativa plasmada na Circular n.º 7/2005, da Direcção de Serviços de IRC, de 2005-05-16, e, por outro, não tem vislumbrado qualquer violação da Directiva 90/434/CEE do Conselho;

10. A Jurisprudência tem ainda concluído pela desnecessidade de efectuar qualquer pedido de reenvio prejudicial quanto a esta matéria em apreço, porquanto o artigo 69.º do CIRC veio complementar aspectos não regulados na referida Directiva, ao abrigo do seu artigo 12.º/1, pelo que a norma nacional mostra-se conforme à legislação comunitária. Nessa medida, não incorreu o tribunal a quo em qualquer erro de julgamento.

11. Assim, não divergindo o caso sub judice do circunstancialismo dos casos concretos que estiveram subjacentes àquela Jurisprudência, concluiu-se então que o acórdão recorrido ao julgar improcedente a Acção Administrativa Especial fez uma correcta interpretação e aplicação da lei, motivo pelo qual o mesmo deve ser mantido na ordem jurídica.

Termos em que, por todo o exposto supra e sempre com o douto suprimento de V.Exas., deve ser negado provimento ao Recurso interposto, com todas as legais consequências» (Idem.).

1.7 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que «não se pronuncia sobre o mérito do recurso no entendimento de que a relação jurídico-material controvertida não implica direitos fundamentais dos cidadãos, interesses públicos especialmente relevantes ou valores constitucionalmente protegidos como a saúde pública, o ambiente, o urbanismo, o ordenamento do território, a qualidade de vida, o património cultural e os bens do Estado, das Regiões Autónomas e das autarquias locais (fls. l25; arts. 9.º n.º 2 e 146.º n.º 1 CPTA)».

1.8 Colheram-se os vistos dos Juízes Conselheiros adjuntos.

1.9 As questões suscitadas pela Recorrente prendem-se, essencialmente, com (i) a dispensa da produção da prova testemunhal, com (ii) a verificação ou não dos requisitos para satisfação da sua pretensão material (deferimento do pedido de transmissão de prejuízos fiscais), o que exigirá a indagação sobre a natureza dos conceitos contidos no art. 69.º do CIRC em ordem a estabelecer se a fusão é realizada por razões económicas válidas, designadamente se são conceitos indeterminados em sentido próprio e se encerram em si uma margem de apreciação discricionária da AT insusceptível de sindicância judicial fora dos casos de erro grosseiro ou manifesta desadequação ao fim legal, e com (iii) a conformidade da interpretação daquele normativo sustentada pela AT e pelo acórdão recorrido com o direito da União Europeia.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

2.1.1 O acórdão recorrido efectuou o julgamento da matéria de facto nos seguintes termos:

«Tendo em atenção a prova documental junto aos autos, o constante do pa (cujas folhas não se mostram numeradas) e as posições assumidas pelas partes, dá-se com assente a seguinte factualidade com interesse para a decisão:

a) - em 2006 a autora – Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de A……….. (CCAM A……) – integrou uma operação de fusão através da qual passou a incorporar a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de B………, CRL;

b) - em Maio de 2006, a CCAM A…… dirigiu um requerimento ao Ministro das Finanças, apresentado em 31.05.06, no Serviço de Finanças de Idanha-a-Nova, onde solicitou autorização para a transmissão, para si, dos prejuízos fiscais acumulados, no valor de global de € 4.015.883,00 apurados nos exercícios de 2004 e 2005, pela Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de B……., CRL (cfr. fls. 102 a 117 dos autos e fls. do pa apenso);

c) - a CCAM A……. instruiu o requerimento referido em b) com os seguintes elementos: cópia do projecto de fusão, estudo demonstrativo das vantagens económicas da operação de fusão, cópia do parecer do revisor oficial de contas independente, escritura pública da fusão, cópia do pedido de registo da operação na conservatória do registo comercial competente, informação sobre os lucros tributáveis previsionais da entidade incorporante para os seis exercícios seguintes ao da operação (2006, 2007, 2008, 2009, 2010 e 2011), cópias dos balanços e das demonstrações de resultados das entidades envolvidas referentes aos três exercícios anteriores ao da fusão (2003, 2004 e 2005), cópias dos balanços e das demonstrações de resultados previsionais da entidade incorporante para os três exercícios seguintes ao da fusão (2007, 2008 e 2009), documento comprovativo da inexistência de dívidas fiscais à segurança social por parte das entidades intervenientes, linhas estratégicas para o sector do crédito agrícola (cfr. fls…);

d) - com data de 12.06.06, os serviços da Direcção Geral dos Impostos, enviaram à CCAM A…….. carta registada para efeitos do cumprimento do direito de audição, onde informaram que “relativamente ao pedido de transmissibilidade de prejuízos, no âmbito de fusão entre a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de A……… e a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de B…….., foi proposto o indeferimento do mesmo, conforme despacho de 2006/10/17 do Exmo. Sr. Subdirector-Geral do IR por subdelegação (…)” (cfr. fls. 118 a 120 dos autos e fls. do pa);

e) - a autora – CCAM A……… – exerceu o direito de audição solicitando que o projecto de indeferimento do seu pedido fosse revogado e fosse dado total provimento ao seu pedido (cfr. fls. 121 a 130 dos autos e fls. do pa);

f) - por despacho do SEAF n.º 26/2007 - XVII, datado de 08.01.07, no uso de competência delegada pelo Despacho 17829/2005, publicado no DR, II série, de 19.08.05, foi o pedido de transmissibilidade dos prejuízos fiscais referido em b) indeferido (cfr. fls. do pa);.

g) - o despacho do SEAF n.º 26/2007 – XVII, datado de 08.01.07, é do seguinte teor: “Concordo” e foi escrito no canto superior direito da Nota Informativa cujo conteúdo é o seguinte:
1 - Considerando que a concessão do benefício fiscal estipulado no artigo 69.º, n.º 1 e 2 do Código do IRC, está subordinada à autorização do Ministro das Finanças e à demonstração de que a fusão é realizada por razões económicas válidas, tais como a reestruturação ou racionalização das actividades das sociedades intervenientes e se insere numa estratégia de redimensionamento e desenvolvimento empresarial de médio ou longo prazo, com efeitos positivos na estrutura produtiva. E que,
2 - O carácter excepcional próprio dos benefícios fiscais, como resulta do disposto no n.º 1 do artigo 2.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, traduz a evidente tipificação dos casos que estão subordinados à autorização supra mencionada, como seja, no caso concreto, a necessidade de verificação do interesse económico da operação.
3 - Considerando que, nesta operação, a incorporada legou para a incorporante um património negativo, o que torna inaplicável qualquer dedução, tendo em conta o constante no Despacho n.º 79/2005-XVII, de 15 de Abril, desta Secretaria de Estado, posteriormente desenvolvido pela Circular n.º 7/2005, de 16 de Maio, em concreto a alínea c) do n.º 1 e fundamentado pelo Parecer n.º 64/2006, do Centro de Estudos Fiscais.
4 - É de determinar, assim, que, pela falta de verificação dos pressupostos quanto à sua concessão, em concreto pela inexistência de razões económicas válidas, determinados pelos n.º 1 e 2 do artigo 69.º do Código do IRC, seja indeferido o pedido de transmissibilidade de prejuízos fiscais formulado pela sociedade “Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de A……….. , CRL”, que assume agora a designação de “Caixa de Crédito Agrícola Mútuo da C…………, CRL”, confirmando, assim a Informação 1261/2006, da DGCI, bem como a sua Adenda posterior ao exercício do direito de audição prévia, quanto ao projecto de decisão da DGCI, pela sociedade requerente (...)” (cfr. fls. do pa);

h) - a adenda à Informação 1261/2006, da DGCI referida na Nota Informativa transcrita em g) é do seguinte teor:

“ADENDA À INFORMAÇÃO N.º 1261/2006
1. Nos termos do ofício 26647 de 30/10/06, desta Direcção de Serviços, com base no Despacho de 17/10/2006 do Exmo. Sr. Subdirector-Geral do IR por subdelegação (Despacho 22852/2005, DR II Série, n.º 213, de 7/11/2005), foi o sujeito passivo Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de A……….., CRL, NIPC ………, notificado para exercer o direito de audição, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 60.º da LGT, sobre o entendimento da Administração Fiscal, que propôs o indeferimento do pedido de transmissibilidade dos prejuízos fiscais da entidade incorporada Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de B……….., CRL, NIPC ……….
2. A requerente contesta a posição tomada pela Administração Fiscal, apresentando resumidamente os seguintes fundamentos:
FUNDAMENTOS INVOCADOS NO DIREITO DE AUDIÇÃO
3. “Contrariando a inexorável motivação económica válida da fusão (devidamente demonstrada e fundamentada no Estudo Demonstrativo das Vantagens Económicas da Fusão, anexo ao requerimento cujo o indeferimento proposto aqui obstamos), a Administração Fiscal avança com uma conclusão precipitada e absolutamente redutora do fenómeno económico em causa, porquanto, desconsidera em absoluto as suas idiossincrasias.”
4. “Sem prejuízo das demais motivações económicas avançadas… as Caixas só poderem expandir a sua actividade através da fusão com Caixas limítrofes, demonstra de per si que o efeito e o alcance de uma fusão destas vai muito para além da mera soma algébrica dos patrimónios líquidos das entidades envolvidas.”
5. Afirma ainda a exponente que “… a nova CCAM ……., por efeito da fusão, quadruplica o seu alcance no mercado, sem que para tal necessite de aumentar proporcionalmente a sua estrutura comercial e organizativa, multiplicando a sua eficiência e aumentando os lucros.” “A simples demonstração deste facto deita por terra o primeiro dos argumentos adiantados pela Administração Fiscal – o contributo da CCAM B…….. para a CCAM A……. vai muito para além da entrada com o seu património líquido (independentemente de ser positivo ou negativo como se verifica) fruto das especificidades que rodeiam a actividade económica das Caixas de Crédito Agrícola Mútuo e das sinergias decorrentes da fusão.”
6. Quanto à impossibilidade de aplicação do plano especifico previsto na Circular 7/2005, a exponente considera tal conclusão “…inverosímil e insustentável em termos de prática negocial – isso impediria, sem mais, a hipótese de reestruturação e recuperação de qualquer grupo empresarial que atravesse uma crise económica e financeira, principalmente se para o efeito recorressem a uma fusão – paradoxalmente (ou não!), como bem se sabe, essa é uma das práticas mais usuais ao nível da praxis empresarial” Refere ainda, que a Circular “... não é aplicável às Cooperativas, mas tão somente, às sociedades comerciais. Em última análise, o limite previsto na alínea c) do n.º 1 da Circular, nem mesmo às sociedades comerciais poderá ser aplicado de forma absoluta e descontextualizada, com a interpretação proposta pelo Fisco; quanto mais, às Cooperativas.”
7. Por outro lado, “a interpretação da Administração Fiscal e as respectivas conclusões desprezam por absoluto a diferente consideração que o capital merece nas sociedades comerciais e nas cooperativas.
Ainda que no limite, em relação às sociedades comerciais, se pudesse descortinar qualquer sentido na conclusão avançada pela Administração Fiscal – hipótese na qual não consentimos e que aduzimos por mero dever de patrocínio – ela seria, por evidência, totalmente descabida no que respeita à lógica intrínseca às Cooperativas.”
8. “Nas palavras de RUI NAMORADO (in Introdução ao Direito Cooperativo, Almedina, 2000, pág. 19), o princípio da não lucratividade das cooperativas, “...que não implica qualquer desvalorização da empresarialidade, situa-se na convergência dos valores de mutualidade e democraticidade, para cujo conteúdo pleno contribui, significando, no essencial, que o motor de qualquer actividade cooperativa se situa fora do objecto da reprodução do capital querendo recorrer-se a uma imagem sugestiva, pode talvez dizer-se: o dinheiro ao serviço do trabalho, nunca ao serviço do dinheiro.””
9. “Além disso, a própria lei apresenta uma diferença substancial entre a definição e a função do capital nas sociedades comerciais e nas cooperativas: enquanto naquelas o capital é estatutariamente fixado, funcionando como elemento de referência da medida de participação dos sócios e um indicador de garantia perante terceiros; nestas, o capital é de composição variável, com um limite mínimo (cfr. n.º 1 do Art. 2.º e n.º 1 do Art. 18.º do Código Cooperativo), visando apenas funcionar como “garantia mínima de estar assegurada a viabilidade do início de actividade das cooperativas” (in, RUI NAMORADO, ob. Cit, pág. 161).”
10. “Assim, reafirmamos, como aquele reconhecido juscooperativista “...a rentabilidade das cooperativas não se pode medir pelos resultados contabilísticos, se estes forem encarados como se fossem resultados de sociedades comerciais” (in, RUI NAMORADO, ob. cit, pág.159).”
11. “Concluindo, se partirmos de uma análise mais abrangente do processo que antecede a fusão processo esse que se insere num movimento mais lato no âmbito das Cooperativas de Crédito agrícola a nível europeu), facilmente se poderá concluir que o alcance e o sentido da mesma não se encerra numa soma aritmética de patrimónios. É por demais evidente, pelos motivos expostos no Estudo Demonstrativo, nomeadamente pelo significativo aumento da quota de mercado e pelos iminentes ganhos de eficiência decorrentes da fusão, que a CCAM A………, ainda que incorpore em si uma entidade com situação líquida negativa, produzirá lucros tributáveis mais que suficientes quer para neutralizar aquela situação deficitária que agora absorve, quer para cobrir os prejuízos fiscais acumulados, cuja dedução se requer.”
ANÁLISE DOS FUNDAMENTOS INVOCADOS NO DIREITO DE AUDIÇÃO
12. Refuta-se as alegações da exponente no exercício do direito de audição, com os mesmos fundamentos que foram invocados na Informação 1261/2006. Esta opinião é reforçada com idêntica interpretação do CEF através do Parecer n.º 64/06.
13. O n.º 1 do art. 69.º do CIRC, estabelece a possibilidade de dedução dos prejuízos fiscais das sociedades fundidas aos lucros tributáveis da sociedade incorporante na dependência de prévia autorização concedida pelo Ministro das Finanças, encontrando-se, no entanto, essa concessão subordinada, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, “à demonstração de que a fusão é realizada por razões económicas válidas, tais como a reestruturação ou racionalização das actividades das sociedades intervenientes, e se insere numa estratégia de redimensionamento e desenvolvimento empresarial de médio ou longo prazo, com efeitos positivos na estrutura produtiva, devendo ser fornecidos, para esse efeito, todos os elementos necessários ou convenientes para o perfeito conhecimento da operação visada tanto dos seus aspectos jurídicos como económicos”.
14. Além disso, no n.º 4 do mesmo artigo prevê-se que “no despacho de autorização pode ser fixado um plano específico de dedução dos prejuízos fiscais a estabelecer o escalonamento da dedução durante o período em que pode ser efectuada e os limites que não podem ser excedidos em cada exercício”.
15. Por forma a que o exercício desta possibilidade de dedução de prejuízos no âmbito de processos de fusão assentasse em critérios objectivos que permitam a uniformização das decisões sobre os requerimentos submetidos ao abrigo da faculdade prevista no n.º 1 do art. 69.º do CIRC, evitando situações de arbitrariedade, e, “atendendo à preocupação de compatibilizar os interesses financeiros do Estado com o regime especial de neutralidade fiscal em que se integra o beneficio da transmissibilidade dos prejuízos fiscais”, o Exmo. Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais veio, por Despacho n.º 79/2005-XVII, de 15 de Abril, divulgado através da Circular n.º 07/2005, de 16 de Maio, determinar que a dedução dos prejuízos fiscais transmitidos por uma sociedade fundida seja efectuada com determinadas limitações e orientações.
16. Tal como referido na informação 1261/2006, afigura-se que o contributo fornecido pela entidade incorporada no processo de fusão é inteiramente desfavorável para a incorporante, na medida em que a transferência de um património negativo sobrecarrega-a na sua missão de reorganização e de viragem dos resultados futuros. Dito de outra forma, de acordo com os Balanços pré-fusão, o substrato patrimonial da sociedade incorporante formado com a fusão será diminuído em cerca de 50%, sendo nessa medida prejudicial para a incorporante.
17. Com efeito, os elementos constantes do processo não permitem demonstrar que a operação em causa tenha efeitos positivos na estrutura da requerente, parecendo poder inferir-se da informação existente que os resultados positivos ao longo do período projectado decorrem exclusivamente, ou quase exclusivamente, da contribuição da entidade incorporante e que, inclusive, a incorporação da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de B..................., conduziu a uma deterioração evidente da solvabilidade da exponente.
18. Veja-se, aliás, que, tal como consta do Estudo Demonstrativo das Vantagens Económicas da fusão, a reduzida solvabilidade da incorporada não lhe permitia desenvolver a sua actividade normal e que na ausência da operação estaria em causa a própria continuidade da existência da entidade incorporada, pelo que constitui corolário lógico, dadas as características e objectivos do regime no qual se enquadra o art. 69.º do CIRC, a não transmissibilidade da dedução dos prejuízos fiscais.
19. E ainda que se entendesse que a fusão tinha sido realizada por razões económicas válidas, o plano específico de dedução dos prejuízos fiscais, a que alude o n.º 4 do art. 69.º do CIRC, iria impedir que a sociedade incorporante deduzisse os prejuízos da sociedade incorporada.
20. Na situação em apreço, o facto do património líquido da incorporada CCAM B……. ser negativo torna impossível o cumprimento da alínea c) do n.º 1 da Circular 7/2005. De facto, tal como resulta do Despacho do SEAF referido anteriormente, pretende-se limitar a dedução dos prejuízos em função do contributo da sociedade incorporada para os resultados futuros da sociedade incorporante, considerando-se que o mesmo será proporcional ao peso relativo que o património da sociedade incorporada tem na soma dos patrimónios das entidades envolvidos na operação, sendo que, quando esse peso relativo é próximo do zero, a dedução fica limitada a uma pequeníssima percentagem do acréscimo do lucro tributável da sociedade incorporante. Logo, se o património da incorporada é negativo, isso significa que ela não contribui para os lucros futuros da sociedade incorporante, pelo que não será possível efectuar qualquer dedução dos seus prejuízos aos lucros tributáveis desta última.
21. É, ainda, de salientar, quanto à afirmação feita pela exponente de que a Circular 7/2005 não seria aplicável às Cooperativas, mas tão somente às sociedades comerciais (presumindo-se que essa afirmação resulta do facto de a Circular se referir apenas a “sociedades”), que também o art. 69.º do CIRC, ao permitir a dedução dos prejuízos em determinadas condições, só faz referência a sociedades fundidas. E não é por esse facto que alguma vez a Administração Fiscal considerou que o mesmo só seria aplicável a sociedades comerciais, Aliás, decorre do próprio pedido de transmissibilidade de prejuízos efectuado, que a exponente considera igualmente que o art. 69.º do CIRC lhe é aplicável, não apresentando argumentos que permitam concluir em contrário.
22. Face ao exposto, julga-se que se deverá indeferir a pretensão da exponente apresentada no âmbito do exercício do direito de audição e convolar em definitivo o despacho de 2006/10/17 do Exmo. Sr. Subdirector-Geral do IR por subdelegação (Despacho 22852/2005, DR II Série, n.º 213, de 7/11/2005), comunicado através do ofício 26647, de 30 de Outubro de 2006.” (cfr. fls. do pa».

2.1.2 Com interesse para a decisão a proferir, importa ainda ter em conta as seguintes circunstâncias processuais:

a) No despacho saneador, proferido a fls. 242 v.º e 243 pela Juíza Desembargadora relatora no Tribunal Central Administrativo Sul, para além do mais, ficou consignado o seguinte: «Mostrando-se desnecessária a produção de prova testemunhal, face ao constante dos articulados do autor e prova documental junta, determino a notificação das partes para alegarem, querendo, art. 91.º, n.º 4 do C.P.T.A.»;

b) Notificada desse despacho, a Autora apresentou requerimento de interposição de recurso do mesmo, acompanhado pelas respectivas alegações (cfr. fls. 246 a 256);

c) Sobre esse requerimento, recaiu despacho, proferido pela Juíza Desembargadora relatora no Tribunal Central Administrativo Sul, do seguinte teor:
«Fls. 246:
Nos termos do disposto no art. 700.º, n.º 3, do C.P.C., os despachos do relator não são susceptíveis de recurso mas sim de reclamação para a conferência.
Assim, não se admite o recurso interposto a fls. 246»
(cfr. fls. 337).


*

2.2 DE DIREITO

2.2.1 A PRIMEIRA QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR

A ora Recorrente, enquanto entidade incorporante numa operação de fusão pela qual integrou a “Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de B………, C.R.L.”, pediu ao SEAF, ao abrigo do disposto no art. 69.º do CIRC, autorização para deduzir os prejuízos fiscais da entidade incorporada por fusão.
Porque viu recusada a sua pretensão, apresentou acção administrativa especial, pedindo judicialmente a anulação da decisão do SEAF e a condenação do mesmo à prática do acto devido, de deferimento daquela pretensão.
No Tribunal Central Administrativo Sul, a Juíza Desembargadora relatora proferiu despacho saneador, no qual dispensou a produção da prova testemunhal.
A Autora interpôs recurso contra esse segmento do despacho, recurso que não foi admitido com o fundamento de que, nos termos do disposto no art. 700.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (CPC), dos despachos do relator não cabe recurso, mas reclamação para a conferência.
Ulteriormente, foi proferido acórdão que julgou improcedentes os pedidos formulados.
A Autora, inconformada com essa decisão, veio dela recorrer.
A primeira questão que suscita é a da dispensa da produção da prova testemunhal, decidida no despacho interlocutório proferido a fls. 242 v.º e 243, argumentando a Recorrente que o facto de não ter sido ouvida a prova testemunhal constitui uma omissão que se reflectiu no acórdão recorrido, que padece, assim, de nulidade por omissão de pronúncia.
Sem prejuízo de não concordarmos com a qualificação feita pela Recorrente do vício decorrente da falta de inquirição das testemunhas, impõe-se verificar se o Tribunal a quo decidiu bem ao dispensar a produção da prova testemunhal oferecida.
Na verdade, é inequívoco que a Recorrente discorda e ataca essa decisão e importa começar a apreciação do recurso por aqui, não só porque é a primeira questão suscitada nas alegações de recurso, como também porque, como ficou dito no acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 18 de Janeiro de 2012, proferido no processo com o n.º 574/10 (Ainda não publicado no jornal oficial, mas disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/200010d5291e441c802579910042f7cb?OpenDocument.) – em que se colocou questão idêntica e cuja fundamentação passaremos a seguir de perto, quando não citarmos –, «a eventual ilegalidade do despacho interlocutório sindicado é susceptível de afectar/alterar a decisão de mérito proferida no acórdão recorrido, na medida em que a admissão dessa prova pode, eventualmente, permitir à Entidade Requerente fazer prova dos factos por si alegados, designadamente no que toca à existência de razões económicas válidas para a operação de fusão, dessa forma obtendo a procedência do pedido formulado».
A nosso ver, e salvo o devido respeito, não faz sequer sentido argumentar com a pretensa impossibilidade de o tribunal sindicar o juízo da AT quanto à verificação das vantagens económicas da operação de fusão para afastar a necessidade da produção da prova testemunhal.
Desde logo, porque os intuitos económicos no quadro do regime em causa são unicamente os constantes do art. 69.º, n.º 2, do CIRC, e são legalmente vinculados os critérios que devem ser utilizados na apreciação desses intuitos e vantagens económicas da operação.
Mas, ainda que o Tribunal a quo assim o não considere, sempre a existência de diversas posições jurídicas admissíveis a esse propósito o obrigaria a estabelecer a matéria de facto «que interessa para a decisão, segundo as várias soluções plausíveis de direito» (cfr. art. 511.º, n.º 1, do CPC).
Poderia ainda suscitar-se a dúvida sobre a possibilidade e a oportunidade da sindicância do despacho que dispensou a produção da prova testemunhal.
Desde logo, quanto à admissibilidade do recurso, não podemos acolher a posição assumida nos autos, de que aquela decisão apenas seria passível de reclamação para a conferência e não de recurso. Na verdade, o art. 700.º, n.º 3, do CPC, apenas logra aplicação nos casos em que se está no âmbito de recurso judicial e já não naqueles, como o presente, em que o Tribunal Central Administrativo Sul funcionava como tribunal de 1.ª instância.
Depois, recorde-se que a acção administrativa especial é regulada pelas normas sobre processo nos tribunais administrativos, nos termos do disposto no n.º 2 do art. 97.º do CPPT, sendo que, por força do disposto no art. 191.º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA), a remissão que nesta norma é feita para o regime do recurso contencioso tem de considerar-se feita para o regime da acção administrativa especial (Neste sentido, JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, volume II, anotação 4 ao art. 97.º, pág. 35.).
O que significa que o despacho por que foi dispensada a produção da prova testemunhal deve ser impugnado no recurso da decisão final.
Na verdade, segundo o disposto no art. 140.º do CPTA, «[o]s recursos ordinários das decisões jurisdicionais proferidas pelos tribunais administrativos regem-se pelo disposto na lei processual civil, com as necessárias adaptações, e são processados como os recursos de agravo, sem prejuízo do estabelecido na presente lei e no Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais». Por sua vez, o n.º 5 do art. 142.º do mesmo Código dispõe que «[a]s decisões proferidas em despachos interlocutórios devem ser impugnadas no recurso que venha a ser interposto da decisão final, excepto nos casos de subida imediata previstos no Código de Processo Civil».
O que significa que o n.º 5 do art. 142.º do CPTA consagra uma regra especial quanto ao regime de subida e tramitação dos recursos dos despachos interlocutórios, de acordo com a qual estes são impugnados no recurso que venha a ser interposto da decisão final, excepto nos casos em que o recurso deva subir imediatamente, segundo o regime do CPC.
Como lapidarmente ficou dito no acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 18 de Janeiro de 2012, proferido no processo com o n.º 574/10 (Ainda não publicado no jornal oficial, mas disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/200010d5291e441c802579910042f7cb?OpenDocument.), «[e]m suma, os despachos interlocutórios são impugnáveis no recurso único a interpor da decisão final que, assim, conterá no seu corpo alegatório e nas respectivas conclusões, a motivação referente a ambas as decisões impugnadas – a do despacho interlocutório e a que põe termo ao processo –, só assim não sendo no caso de o recurso do despacho interlocutório integrar o regime adjectivo da subida imediata e em separado, nos termos do Código de Processo Civil (CPC). Ora, nos termos do artigo 734.º do CPC, sobem imediatamente os recursos interpostos da decisão que ponha termo ao processo [n.º 1, alínea a)], do despacho pelo qual o juiz se declare impedido ou indefira o impedimento oposto por alguma das partes [n.º 1 alínea b)], do despacho que aprecie a competência absoluta do tribunal [n.º 1 alínea c)], dos despachos proferidos depois da decisão final [n.º 1 al. d)] e dos despachos cuja retenção os tornaria absolutamente inúteis [n.º 2]. Não estando em causa, no caso vertente, nenhuma das situações previstas nas aludidas alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 734.º, nem a situação elencada no n.º 2, o despacho interlocutório aqui em causa devia ser atacado, como foi, nos termos previstos no n.º 5 do artigo 142.º do CPTA, ou seja, no âmbito do recurso interposto do acórdão final proferido nos autos».
Nenhuma dúvida subsistindo relativamente à admissibilidade e oportunidade do recurso do despacho que dispensou a prova testemunhal, passemos a indagar da legalidade desse despacho.

2.2.2 DA ILEGALIDADE DO DESPACHO QUE DISPENSOU A PRODUÇÃO DA PROVA TESTEMUNHAL

Neste ponto, vamos seguir, com a devida vénia, o que ficou dito no referido acórdão de 18 de Janeiro de 2012, limitando-nos a introduzir, nos locais próprios, as alterações requeridas pelas especificidades do presente processo:

«Em primeiro lugar, importa salientar que as acções administrativas especiais de condenação à prática do acto devido têm sempre por objecto a pretensão do interessado, dirigindo-se não à mera anulação contenciosa do acto mas, sim, à condenação da Administração na prolação de um acto que, substituindo aquele, emita pronúncia sobre o caso concreto ou dê satisfação à pretensão deduzida.
Na verdade, este tipo de acção concretiza, no plano do direito ordinário, aquilo que o legislador constitucional consagrou na revisão de 1997 da Lei Fundamental, onde passou a constar, no n.º 4 do artigo 268.º, que era garantida «aos administrados tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, incluindo, nomeadamente, o reconhecimento desses direitos ou interesses, a impugnação de quaisquer actos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma, a determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos e a adopção de medidas cautelares adequadas».
Razão por que o CPTA veio assegurar uma pronúncia condenatória com este tipo de acção especial, estipulando no seu artigo 66.º que «A acção administrativa especial pode ser utilizada para obter a condenação da entidade competente à prática, dentro de determinado prazo, de um acto administrativo ilegalmente omitido ou recusado» (n.º 1) e «Ainda que a prática do acto devido tenha sido expressamente recusada, o objecto do processo é a pretensão do interessado e não o acto de indeferimento, cuja eliminação da ordem jurídica resulta directamente da pronúncia condenatória» (n.º 2).
Nesse contexto, o artigo 71.º do CPTA, com a epígrafe “Poderes de pronúncia do tribunal”, prevê que «Ainda que o requerimento apresentado não tenha obtido resposta ou a sua apreciação tenha sido recusada, o tribunal não se limita a devolver a questão ao órgão administrativo competente, anulando ou declarando nulo ou inexistente o eventual acto de indeferimento, mas pronuncia-se sobre a pretensão material do interessado, impondo a prática do acto devido» (n.º 1) e «Quando a emissão do acto pretendido envolva a formulação de valorações próprias do exercício da função administrativa e a apreciação do caso concreto não permita identificar apenas uma solução como legalmente possível, o tribunal não pode determinar o conteúdo do acto a praticar, mas deve explicitar as vinculações a observar pela Administração na emissão do acto devido» (n.º 2).
Deste modo, e como ensina MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, in O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos”, págs. 218 e 219, o objecto da acção administrativa especial de condenação à prática de acto devido «não se centra no acto negativo – e, portanto, na contestação dos fundamentos em que este se possa ter baseado, por referência ao momento em que foi praticado –, mas na pretensão dirigida à prática do acto devido – e, portanto, na questão de saber se, no momento em que ao tribunal cumpre decidir, estão preenchidos os elementos impeditivos, modificativos ou extintivos que lhe possam ser contrapostos.
(...)
Uma consequência de o objecto do processo ser definido deste modo é a de que ele não cristaliza no tempo, por referência ao momento em que o eventual acto de indeferimento tenha sido praticado, sendo por isso, de reconhecer a relevância das eventuais superveniências que sejam juridicamente atendíveis, do ponto de vista do direito aplicável. Com o que se produz uma sentença que, pretendendo efectivamente disciplinar a ulterior conduta das partes não se reporte ao passado, mas ao momento em que vem a ser proferida e, portanto, às circunstâncias de facto e de direito que, nesse momento, devem ser consideradas juridicamente relevantes para a resolução do caso”.
Entendimento que é secundado por MÁRIO e RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA, em anotação ao artigo 66.º do “Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, Volume I, pág. 415.
Em suma, a finalidade deste tipo de acções é a de impor à Administração o dever de praticar um determinado acto administrativo que o autor reputa ter sido ilegalmente omitido ou recusado, visando a condenação da Administração na prolação de um acto que, substituindo aquele que é sindicado, emita pronúncia sobre o caso concreto ou dê satisfação à pretensão deduzida. E, nessa medida, mostra-se desnecessária a dedução de pedido de anulação, de declaração de nulidade ou de inexistência do acto de indeferimento sindicado, porquanto resulta directamente da pronúncia condenatória a eliminação da ordem jurídica desse acto.
E, tal como tem sido também explicado pela doutrina e pela jurisprudência, a condenação à prática de acto devido não é necessariamente a condenação à prática de acto administrativo com conteúdo vinculado, já que também é possível a condenação à prática de actos administrativos de conteúdo discricionário, desde que a sua emissão seja devida. Quando a prática do acto ilegalmente recusado ou omitido envolva o exercício de poderes discricionários, o tribunal pode condenar a Administração a praticá-lo, traçando, em maior ou menor medida, o quadro, de facto e de direito, dentro do qual esses poderes discricionários deverão ser exercidos. (Sobre o assunto, MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e FERNANDES CADILHA, em “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, págs. 335 e 336)
O que significa que estamos em presença de um meio ou processo de plena jurisdição cujo objecto diz respeito à pretensão material do interessado, à relação material controvertida que se constituiu e que remete para o tribunal o dever de analisar e decidir do mérito da pretensão.
E porque assim é, o direito à prova é objecto de uma forte tutela neste tipo de acção, devendo o tribunal decidir conforme os factos e as provas que lhe são apresentados dentro das regras processuais, sendo, em princípio, admissíveis todos os meios gerais de prova que as partes ofereçam, dada a aplicação da lei processual civil no que se refere à produção de prova (artigo 90.º, n.º 2 do CPTA), só podendo ser recusada quando exista norma legal que limite ou proíba determinado meio de prova ou quando se julgue que as provas oferecidas são manifestamente impertinentes, inúteis ou desnecessárias em face das questões colocadas – sabido que instrução tem por objecto os factos controvertidos e relevantes para o exame e decisão da causa tendo em conta as várias soluções plausíveis da questão de direito.
No caso em apreço, constata-se que o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais indeferiu o pedido que a Entidade Requerente apresentou, na qualidade de entidade incorporante e ao abrigo do disposto no artigo 69.º do Código do IRC (Na redacção em vigor previamente à produção de efeitos do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, que republicou o Código do IRC), no sentido de lhe ser concedida autorização para deduzir aos seus lucros tributáveis os prejuízos fiscais acumulados nos exercícios de 2004 e 2005 pela entidade incorporada “Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de B…….., C.R.L.”. Isto porque, segundo o disposto naquele preceito legal «
Os prejuízos fiscais das sociedades fundidas podem ser deduzidos dos lucros tributáveis da nova sociedade ou da sociedade incorporante (...) desde que seja concedida autorização pelo Ministro das Finanças, mediante requerimento dos interessados entregue na Direcção-Geral dos Impostos (...)» (n.º 1), estando essa autorização «subordinada à demonstração de que a fusão é realizada por razões económicas válidas, tais como a reestruturação ou racionalização das actividades das sociedades intervenientes, e se insere numa estratégia de redimensionamento e desenvolvimento empresarial de médio ou longo prazo, com efeitos positivos na estrutura produtiva, devendo ser fornecidos, para esse efeito, todos os elementos necessários ou convenientes para o perfeito conhecimento da operação visada, tanto dos seus aspectos jurídicos como económicos» (n.º 2).
De acordo com os fundamentos desse acto de recusa, não se verificariam os requisitos que o artigo 69.º do Código do IRC exige para autorizar a pretendida transmissibilidade de prejuízos fiscais, dado que a entidade incorporada «legou para a incorporante um património negativo, o que torna inaplicável qualquer dedução, tendo em conta o constante no Despacho n.º 79/2005-XVII, de 15 de Abril, desta Secretaria de Estado, posteriormente desenvolvido pela Circular n.º 7/2005, de 16 de Maio, em concreto a alínea c) do n.º 1 e fundamentado pelo Parecer n.º 64/2006, do Centro de Estudos Fiscais», «o contributo fornecido pela entidade incorporada no processo de fusão é inteiramente desfavorável para a incorporante, na medida em que a transferência de um património negativo sobrecarrega-a na sua missão de reorganização e de viragem dos resultados futuros», «ainda que se entendesse que a fusão tinha sido realizada por razões económicas válidas, o plano específico de dedução dos prejuízos fiscais, a que alude o n.º 4 do art. 69.º do CIRC iria impedir que a sociedade incorporante deduzisse os prejuízos da sociedade incorporada».
Em face disso, foi instaurada a presente acção administrativa onde a Requerente pede a anulação do acto por vício de violação de lei, designadamente por errónea interpretação do disposto no artigo 69.º do Código do IRC, na medida em que os motivos indicados para recusar a autorização constituiriam critérios extra-legais e a Administração não teria analisado se se encontravam ou não preenchidos os requisitos legais contidos nesse preceito legal, traduzidos na existência de razões económicas válidas para a operação de fusão e inserção da operação numa estratégia de redimensionamento e desenvolvimento empresarial de médio ou longo prazo com efeitos positivos na estrutura produtiva.
E porque insiste na verificação de todos os requisitos previstos naquele preceito legal para que lhe seja concedida a referida autorização – cuja demonstração pretende fazer através da prova que oferece nesta acção – a Requerente finaliza com o pedido de condenação da Entidade Requerida à prática de acto devido, isto é, de acto que lhe autorize a dedução dos prejuízos fiscais da “Caixa de Crédito Agrícola Mutuo de B………, C.R.L.”, ainda que condicionado a um plano específico de dedução.
Para o efeito, arrolou prova testemunhal e apresentou abundante prova documental (constituída não só por elementos de prova já oferecidos no procedimento tributário como por novos elementos de prova) com vista a provar, em sede judicial, que a fusão foi praticada por razões económicas válidas, visando potenciar o seu crescimento económico, fundando, assim, a sua pretensão de condenação da Entidade Requerida à prática do ambicionado acto de autorização.
E, assim sendo, não podia o Tribunal limitar-se a apreciar a legalidade da decisão proferida pelo Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais com base nos elementos de prova de que este dispunha, uma vez que a Requerente produziu, nesta sede contenciosa, mais prova destinada a fundar a sua pretensão.
Como se vislumbra da leitura do acórdão, o Tribunal considerou dispensável todos esses novos elementos de prova porque julgou – erradamente – que apenas lhe cabia aferir se o acto de indeferimento fora ou não proferido dentro da legalidade, descurando o pedido de condenação à prática do acto devido, o qual não se basta com esta apreciação e vai para além da mera tutela da legalidade deste acto administrativo, impondo que o Tribunal analise da legalidade, ou não, da pretensão do interessado, aferida no momento em que é proferida a decisão final da acção administrativa de condenação à prática do acto devido.
Deste modo, e sabido que as informações necessárias, tanto para a formação do juízo por parte da Administração Fiscal, como para a formação do juízo pelo tribunal, sobre os intuitos económicos no quadro do regime em causa, são unicamente as constantes no n.º 2 do artigo 69.º do Código do IRC, e que são legalmente vinculados os critérios que devem ser utilizados na apreciação desses intuitos e
vantagens económicas da operação (Ainda que se considerem os conceitos jurídico-económicos previstos no artigo 69.º do CIRC como conceitos indeterminados, o certo é que isso não afasta a competência vinculada da Administração no exercício dos poderes de avaliação sobre o intuito ou motivação económica da operação, estando a sua utilização sujeita a controle de legalidade por parte dos tribunais. Cfr., sobre a matéria, CARLOS BAPTISTA LOBO, na Revista FISCALIDADE, n.º 26/27, intitulado, “Neutralidade fiscal das fusões: benefício fiscal ou desagravamento estrutural”, pág. 53), não podemos deixar de concluir que o despacho impugnado, proferido a fls. 242 v.º, no sentido da desnecessidade de produção da prova testemunhal, vedou à parte a oportunidade de produzir prova com vista a demonstrar a motivação económica da operação, isto é, de comprovar a materialidade por si alegada sobre a existência de “razões económicas válidas” para a fusão, privando, mesmo, o tribunal de elementos que podem ser relevantes para a formação de um juízo adequado sobre os intuitos económicos invocados pelo contribuinte e para a apreciação do pedido de condenação da Administração à prática do acto devido.
O Tribunal “a quo” poderia ter considerado essa prova irrelevante ou insuficiente, mas não considerá-la, a priori, como desnecessária.
Termos em que importa conceder provimento ao recurso interlocutório, ficando, assim, prejudicado o conhecimento do recurso interposto da sentença» (Porque usamos o itálico na transcrição, as partes que no original estavam em itálico surgem aqui em tipo normal, a fim de se respeitar o destaque que lhes foi concedido pela Recorrente.).

2.2.3 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões, decalcadas do sumário doutrinal do referido acórdão de 18 de Janeiro de 2012:
I - As acções administrativas especiais de condenação à prática do acto devido destinam-se a obter a condenação da entidade competente à prática de um acto administrativo que o autor reputa ter sido ilegalmente omitido ou recusado, visando a sua condenação na prolação de um acto que, substituindo aquele que é sindicado, emita pronúncia sobre o caso concreto ou dê satisfação à pretensão deduzida, sendo, por isso, desnecessária a dedução de pedido de anulação, declaração de nulidade ou inexistência do acto de indeferimento sindicado, já que da pronúncia condenatória resulta directamente a eliminação desse acto da ordem jurídica.
II - Por isso, o pedido de condenação à prática do acto devido não se basta com a apreciação da legalidade do acto administrativo sindicado, impondo ao Tribunal a análise da legalidade da pretensão do interessado aferida no momento em que é proferida a decisão final da acção.
III - Razão por que o direito à prova é objecto de uma forte tutela neste tipo de acção, devendo o tribunal decidir conforme os factos e as provas que lhe são apresentados dentro das regras processuais, sendo, em princípio, admissíveis todos os meios gerais de prova que as partes ofereçam (dada a aplicação da lei processual civil no que se refere à produção de prova – art. 90.º, n.º 2 do CPTA), só podendo ser recusada quando exista norma legal que limite ou proíba determinado meio de prova ou quando se julgue que as provas oferecidas são manifestamente impertinentes, inúteis ou desnecessárias em face das questões colocadas.
IV - Tendo o SEAF indeferido o pedido que a Requerente lhe apresentou, na qualidade de entidade incorporante numa operação de fusão, no sentido de lhe ser autorizada a dedução dos prejuízos fiscais acumulados pela entidade incorporada, indeferimento que se fundou na falta de verificação dos requisitos que o art. 69.º do CIRC exige para a transmissibilidade desses prejuízos, e tendo a Requerente instaurado acção administrativa especial onde insiste na verificação de todos esses requisitos e pede a condenação do SEAF à prática de acto devido, arrolando prova testemunhal e abundante prova documental com vista a comprovar a materialidade integradora desses requisitos, não podia o Tribunal limitar-se a apreciar a legalidade da decisão administrativa proferida com base nos elementos de prova de que ele dispunha no procedimento administrativo, uma vez que a Requerente produziu, em sede contenciosa, mais prova destinada a fundar a sua pretensão.
V - O despacho interlocutório impugnado, onde o julgador afirma, de forma genérica, a desnecessidade de produção de prova testemunhal ou de quaisquer outras provas, parte do pressuposto (errado) de que lhe cabia somente aferir da legalidade do acto de indeferimento sindicado, descurando o pedido de condenação à prática do acto devido, o qual não se basta com essa apreciação.
VI - Esse despacho vedou à parte a oportunidade de produzir prova com vista a demonstrar a motivação económica da operação, isto é, a verificação dos requisitos previstos no art. 69.º do CIRC, privando, mesmo, o tribunal de elementos que podem ser relevantes para a formação de um juízo adequado sobre os intuitos económicos invocados e para a apreciação do pedido de condenação da Administração à prática do acto devido.


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3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência,

a) conceder provimento ao recurso do despacho interlocutório constante de fls. 242 v.º, que se revoga para que se proceda à instrução dos autos com a produção da prova testemunhal oferecida, seguida da legal tramitação processual e oportuna prolação de acórdão;
b) anular, em consequência, todo o processado posterior ao mesmo despacho;
c) não tomar conhecimento do objecto do recurso interposto do acórdão.

Sem custas.

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Lisboa, 16 de Janeiro de 2013. – Francisco Rothes (relator) – Fernanda MaçãsCasimiro Gonçalves.