Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0694/12
Data do Acordão:11/28/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FERNANDA MAÇÃS
Descritores:PRINCÍPIO DO PRIMADO DO DIREITO COMUNITÁRIO
TRATAMENTO DE NAÇÃO MAIS FAVORECIDA
CONVENÇÃO PARA EVITAR A DUPLA TRIBUTAÇÃO
Sumário:I - No direito português, em relação à tributação do rendimento dos não residentes sem estabelecimento estável, vigora o regime regra da tributação por retenção na fonte do rendimento bruto, com a excepção dos rendimentos referidos nas alíneas a) a d), f), m) e o) do nº 1 do artigo 18º do CIRC (por força do art. 71º, nº 8, do CIRS), sendo que tal regime foi objecto de adequação ao direito comunitário e jurisprudência do Tribunal de Justiça, através da Lei nº 64º-A/2008, de 31 de Dezembro, com a redacção dada aos arts. 71º, nºs, 8 a 11, do CIRS (aplicável ex vi art. 88º do CIRC);
II - Não decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça um qualquer princípio comunitário para os sujeitos passivos não residentes em Portugal e sem estabelecimento estável em território português (e residentes num Estado-Membro da União Europeia) de tributação pelo valor líquido dos rendimentos auferidos, que não exclusivamente quanto às mencionadas categorias;
III - Nem o TFUE nem em geral a legislação da EU impõem qualquer regra ou princípio relativo à aplicação da cláusula da nação mais favorecida às Convenções sobre dupla tributação (CDT) celebradas pelos Estados-Membros;
IV - Constitui jurisprudência do Tribunal de Justiça, que os direitos e obrigações recíprocos previstos numa CDT são aplicáveis apenas aos residentes num dos Estados contratantes da mesma sendo isto uma consequência inerente às CDT, atendendo a que uma vantagem prevista por uma convenção fiscal bilateral não pode ser considerada um benefício destacável dessa convenção, antes contribuindo para o seu equilíbrio geral, por o facto de os direitos e obrigações recíprocos apenas se aplicarem a pessoas residentes num dos dois Estados-Membros contratantes ser uma consequência inerente às convenções bilaterais, o direito comunitário não se opõe a que a vantagem em questão não se encontra numa situação comparável à dos residentes abrangidos pela dita convenção.
Nº Convencional:JSTA00067973
Nº do Documento:SA2201211280694
Data de Entrada:06/21/2012
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF ALMADA
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR FISC - IRC
Jurisprudência Internacional:AC TJUE C-546/07 DE 2010/01/21.
AC TJUE C-374/4 DE 2006/12/12.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

I-RELATÓRIO

1. A……, S.L., identificada nos autos, deduziu impugnação judicial, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, na sequência do indeferimento expresso da reclamação graciosa relativa à liquidação operada por retenção na fonte, sobre os juros cobrados pela Impugnante, nos exercícios de 2002, 2003 e 2004 à B……, S.A., liquidação que foi parcialmente anulada, por sentença daquela Tribunal de 28 de Março.

2. Não se conformando, a Fazenda Pública veio interpor recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, o qual foi admitido por despacho de fls. 172.

3. A A…, S. L., notificada do recurso interposto pela Fazenda Pública, veio interpor recurso subordinado da sentença recorrida, na parte em que ficou vencida, o qual foi rejeitado, por despacho de fls. 222, com fundamento na sua ilegitimidade, uma vez que não foi vencida, pelo que não lhe advém prejuízo algum da referida decisão.

4. Nas suas alegações, a Fazenda Pública concluiu nos seguintes termos:
“1) A Convenção entre a República Portuguesa e o Reino de Espanha, para evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento visa, como o próprio título indica, evitar que os mesmos rendimentos sejam sujeitos a imposto em ambos os países, em prejuízo do sujeito passivo, assim sujeito a uma dupla tributação;
2) A fixação de taxas naquela Convenção não é violadora do direito comunitário;
3) Não existe harmonização fiscal na Comunidade Europeia, sendo permitido aos diversos Estados- membros a aplicação de taxas de imposto próprias, bem como a existência de tributos distintos;
4) Permitindo os Tratados e princípios comunitários, que cada um dos países signatários da Convenção tenham, a nível interno, taxas de imposto próprias, por maioria de razão terão de permitir que os mesmos convencionem uma taxa comum, para efeitos de evitar a dupla tributação;
5) Violou a Douta Sentença o disposto no art.º 11.º da supra citada Convenção, e consequentemente, o n.º 2 do art.º 8.º da Constituição da República Portuguesa;
Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, requer-se a V.as EX.as se dignem julgar PROCEDENTE o presente recurso, por totalmente provado e em consequência ser a douta Sentença ora recorrida, revogada e substituída por douto Acórdão que declare a validade da taxa de retenção de 15% constante da supra identificada Convenção e correctamente aplicada nos pagamentos realizados à sociedade Impugnante.

5. A A……, S. L., veio apresentar contra-alegações, das quais se extraem as seguintes conclusões:
“I. No processo em causa não se coloca a questão de saber se são os diversos Estados que decidem os impostos a pagar sobre os lucros das empresas, os rendimentos pessoais, as poupanças e os rendimentos do capital, pelo contrário, o que está em causa é a tributação que incide sobre um pagamento transfronteiriço efectuado entre Estados-Membros que bule, para o efeito, com princípios e regras de direito comunitários. II. O que está em causa nos autos é a diferenciação de tributação do mesmo rendimento em função do Estado da residência do beneficiário do mesmo e não ente residentes situados em territórios fiscais distintos.
III. Em especial, está em causa a aplicação de uma taxa de retenção na fonte referente a juros pagos que corporiza um tratamento menos favorável daquele que é conferido a sociedades residentes em Portugal e em outros Estados-Membros (e até em países terceiros).
IV. Nem a Recorrida nem o Tribunal a quo colocam em causa a existência de diversas taxas de IRC nos diversos Estados-Membros da União Europeia, ou o facto de não existir harmonização fiscal a nível comunitário ou, ainda, a circunstância de em matéria de fiscalidade directa ser reconhecida competência aos Estados-membros.
V. Não são as taxas em si abstractamente consideradas que são violadoras dos princípios e normas comunitárias. A violação dos princípios e regras comunitários decorre a aplicação em concreto da tributação sobre os pagamentos de juros transfronteiriços entre Estados-Membros, mesmo que com base numa convenção de dupla tributação.
VI. O TJUE considera as liberdades circulatórias e de estabelecimento como “princípios fundamentais de direito comunitário” devendo a sua substância ser interpretada de forma ampla.
VII. O TJUE tem interpretado o Tratado enquanto instrumento legal “constitucional” que assentando num princípio de igualdade proíbe todas as situações discriminatórias (directas, indirectas, claras, encobertas, etc.).
VIII. Não é tolerável um tratamento diferenciado de sujeitos não residentes pelo simples facto dos regimes aplicáveis decorrerem de um regime fiscal não harmonizado, maxime, devido ao facto de existirem Convenções para Evitar a Dupla Tributação diferenciadas.
IX. A AT não levanta a questão de saber se o pagamento de juros transfronteiriço in casu se enquadra numa das liberdades do projecto de construção europeia maxime na liberdade de circulação de capitas, ou coloca em causa o efeito directo da norma ou discute.
X. Os Estados são livres de regular o modo de evitar a tributação entre si e, deste modo, de repartirem o poder de tributação dos sujeitos passivos, mediante a fixação dos elementos de conexão relevantes sem que no entanto se coloquem em causa os princípios comunitários.
XI. Resulta da jurisprudência do TJUE que a eliminação da dupla tributação é um dos objectivos da Comunidade Europeia, cuja realização depende dos Estados-Membros.
XII. Na falta de medidas de unificação ou de harmonização comunitária com vista a eliminar a dupla tributação, os Estados-Membros continuam a ser competentes para determinar os critérios de tributação dos rendimentos e do património, com vista a eliminar, eventualmente por via convencional, a dupla tributação.
XIII. Neste contexto, os Estados-Membros são livres de fixar, no âmbito de Convenções bilaterais, os factores de conexão para efeitos da repartição da competência fiscal. No, entanto, no que concerne ao exercício do poder tributário assim repartido, os Estados-Membros não podem, no entanto, eximir-se ao respeito das regras comunitárias maxime, não podem os Estados-Membros aplicar medidas contrárias às liberdades de circulação garantidas pelo Tratado.
XIV. Estando, em especial, obrigados a respeitar o princípio do tratamento nacional no que diz respeito aos cidadãos de outros Estados-membros e aos seus próprios cidadãos que fizeram uso das liberdades garantidas pela Tratado.
XV. Ligado a esse princípio do tratamento nacional, encontra-se, ainda, um princípio que se reconduz ao mecanismo da cláusula da nação mais favorecida.
XVI. Este mecanismo tem um duplo alcance: (1) nenhum Estado-membro poderá tratar diferenciadamente residentes de um outro Estado-membro relativamente a situações similares transfronteiriças ocorridas com residentes de um Estado-membro diverso (cláusula da nação mais favorecida intra-comunitária); ou, (2) nenhum Estado-membro poderá tratar de forma mais desfavorável numa situação de tributação transfronteiriça um residente de outro Estado-membro do que um residente de um país terceiro em situação semelhante (cláusula da nação mais favorecida extra-comunitária).
XVII. O tratamento nos termos consagrados à nação mais favorecida constitui apenas uma mera variação relativamente princípio da não discriminação, como, aliás, se infere da sentença recorrida. Com uma diferença: é que a comparação relevante não deverá ser efectuada entre residentes e não residentes mais sim entre não residentes situados em territórios fiscais distintos.
XVIII. Na óptica externa, são igualmente numerosas as razões que fundamentam a aplicação do regime da cláusula da nação mais favorecida.
XIX. O artigo 351.° do TFUE e o princípio da preferência comunitária impõe que seja adoptada a cláusula da nação mais favorecida.
XX. Ou seja, se existir um qualquer dispositivo legal que conceda uma vantagem especial a um residente de um determinado Estado-membro ou a um residente de um país terceiro, essa vantagem deverá ser automaticamente estendida a todos os residentes dos restantes Estados-membros que se encontrem numa situação idêntica.
XXI. Assim sendo, a revogação da douta sentença proferido pelo Tribunal a quo corporizaria uma violação do princípio do tratamento nacional, na vertente da cláusula da nação mais favorecida (quer na vertente intra-comunitária quer na vertente extra-comunitária).
XXII. Não obstante, e na perspectiva da Recorrida, tal não significa que não possam vir a ser conhecidas outras causas de invalidade subjacentes à tributação que incidiu, em Portugal, no pagamento dos juros pagos pela B…… à Recorrida.
XXIII. É que o Direito da União Europeia e a própria Constituição não toleram, para o efeito, um regime doméstico no qual os pagamentos de juros por um mutuário em Portugal a uma entidade com residência fiscal num outro país da União Europeia são tributados, em Portugal, com base no rendimento bruto e, ao invés, caso se trate de um titular com residência fiscal em Portugal os mesmos seriam já tributados, aqui, sobre o rendimento liquido.
XXIV. Uma diferença que resulta, claro está, da forma como a retenção na fonte tem lugar.
XXV. Nos pagamentos transfronteiriços a retenção consubstancia uma retenção final e definitiva,
XXVI. Nos pagamentos domésticos a retenção consiste, pelo contrário, num mero pagamento por conta do imposto devido a fmal.
XXVII. O que conduz, inexoravelmente, a que a tributação no primeiro caso - pagamento de juros a entidades não residentes - incida sobre o rendimento bruto e a tributação no segundo caso - pagamento de juros a entidades residentes - incida exclusivamente sobre o rendimento liquido.
XXVIII. Recorde-se, aliás, que a retenção na fonte efectuada no pagamento de juros a um residente em território português pode inclusivamente ser objecto de reembolso ao contribuinte, o que sucederá caso o valor apurado na declaração de imposto, liquido das várias deduções previstas na lei, seja negativo, pela importância resultante da soma do valor absoluto com os montantes dos pagamentos por conta ou, não sendo negativo, seja inferior ao valor dos pagamentos por conta, pela respectiva diferença (artigo 96°, n°2, alíneas a) e b) do Código de IRC na redacção de então).
XXIX. Esta distinção fundamental nos regimes jurídico-tributários, motivada exclusivamente pela diferença de residência fiscal do titular do rendimento, não pode nem devia ser ignorada. Nem pela AT, nem pelos tribunais.
XXX. Trata-se, claro está, de uma questão puramente de direito e que, por isso, deve ser oficiosamente conhecida.
XXXI. Ora, é sabido que o Tribunal de recurso não pode conhecer questões que não foram tratadas pelo Tribunal recorrido, mas tal não significa que o tribunal a quo não as devesse ter conhecido ou não possa, no futuro, vir a conhecê-las.
XXXII. Assim, se o Tribunal ad quem não pretender conhecer questões novas, ou seja, não suscitadas no Tribunal recorrido, deverá fazer baixar os autos ao tribunal a quo para conhecimento dos demais vícios que sejam identificados. Tal como o prescreveu, aliás, o próprio Supremo Tribunal Administrativo no processo 0631/11, de 12 de Outubro de 2011.
XXXIII. Permitir-se-á através deste expediente que a própria AT exerça, para o efeito, o seu direito de contraditório, em coerência com o disposto no artigo 95°, n.° 2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
XXXIV. Um preceito que impõe, como se sabe, o conhecimento de todas as causas de invalidade que tenham sido invocadas contra o acto impugnado e dispõe, ao mesmo tempo, que o juiz se pronuncie e decida sobre outras causas de invalidade não alegadas, que entenda existir, tendo em vista conferir uma maior estabilidade à situação jurídica dos particulares face à Administração no âmbito da tutela jurisdicional efectiva consagrada no art.° 268.°, n°4 da Constituição da República Portuguesa.
XXXV. De facto, e conforme já se deixou antever, a evolução da jurisprudência europeia em matéria de liberdade de circulação de capitais e de estabelecimento tem sofrido avanços significativos, permitindo a quem hoje decide - anos depois da propositura das acções - uma visão muito mais profunda dos temas que facilita, sem dúvida, o conhecimento oficioso dos mesmos.
XXXVI. Ademais, e como se refere expressamente na douta sentença recorrida, muitas vezes o mecanismo de concessão de crédito de imposto previsto nas convenções relativamente à tributação ocorrida no Estado na fonte não é suficiente para eliminar a dupla tributação o que sucede sempre que o sujeito passivo não tenha imposto a pagar no Estado de residência (página 21 da sentença).
XXXVII. Repare-se que a Recorrida invocou na sua petição que o montante sujeito a retenção na fonte era insusceptível de recuperação por parte da impugnante já que esta apresentava prejuízos fiscais no Estado de residência, tendo, a ora Recorrida, inclusivamente, procedido à junção de documentação comprovativa do alegado.
XXXVIII. Ou seja, o meritíssimo juiz a quo poderia, oficiosamente, ter verificado a insusceptibilidade de recuperação do imposto e, nessa medida, procedido à anulação total e não apenas parcial do acto de liquidação.
XXXIX. Assim, embora a Impugnante, ora Recorrida, não tivesse peticionado a anulação total do acto de liquidação de IRC, por retenção na fonte, nos exercícios de 2002, 2003 e 2004, podia o meritíssimo juiz a quo oficiosamente ter procedido à sua anulação.
XL. Em suma, o tratamento diferenciado, dispensado às sociedades não residentes e às sociedades residentes, relativamente aos rendimentos de juros auferidos em território nacional, constitui uma discriminação / restrição incompatível com o TFUE e com a orientação jurisprudencial do TJUE.
XLI. Os residentes e os não residentes, a propósito do recebimento de juros, encontram-se em idêntica situação objectiva.
XLII. A natureza definitiva da retenção na fonte, efectuada aos não residentes, por oposição à natureza de imposto por conta da retenção efectuada aos residentes, impossibilita-os de serem tributados com base no seu rendimento liquido dos custos inerentes à obtenção desse rendimento - em claro contraste com o regime aplicável aos residentes;
XLIII. O acto de retenção na fonte de IRC que incidiu sobre os rendimentos de juros auferidos pela ora Recorrida, em 2002, 2003 e 2004, padece, assim, vício de violação do disposto nos artigos 56.° e 58.° do TCE (actualmente artigos 63.° e 65.° TFUE) que regulam a livre circulação de capitais, ao implicarem a aplicação de um regime de tributação dos rendimentos de juros discriminatório face às sociedades não residentes, não justificada face a qualquer regra de Direito da União Europeia.
XLIV. Tratam-se, claro está, de questões puramente jurídicas e que, por isso, devem ser oficiosamente conhecidas - tal como o deveriam ter sido logo ao nível do tribunal a quo - pelo que se impõe que o Tribunal recorrido Laça baixar os autos ao tribunal a quo para conhecimento dos demais vícios que foram identificados, em conformidade com o que já tem Leito o próprio Supremo Tribunal Administrativo em situações análogas e, dessa forma, avaliar-se do mérito da anulação total da retenção na fonte.
Nestes termos, e nos mais de direito, e com o douto suprimento que se invoca, deve negar-se provimento ao presente recurso, mantendo-se a sentença recorrida.
Para além disso, devem os Venerandos Juízes Conselheiros avaliar as questões jurídicas de invalidade que subjazem aos actos de retenção na fonte em causa e determinar, em conformidade, que os autos baixem ao tribunal a quo para que o mesmo as possa conhecer.
CONFORME É DE INTEIRA JUSTIÇA!”

6. O Exmo. Magistrado do Ministério Público, junto do STA, emitiu parecer onde se pode ler, entre o mais:
“(…) Ao tempo dos factos, não ocorria harmonização comunitária fiscal sobre a matéria em causa, nem Portugal tinha transposto directiva existente sobre a mesma.
Ainda assim, a norma que sujeita a retenção de imposto (I.R.C.) à taxa de 15% os juros que uma sociedade com sede em Portugal atribui a outra residente noutro Estado-membro, poderia não ser violadora do princípio da livre circulação de capitais e da dita preferência comunitária se o imposto retido na fonte pudesse ser imputado nesse Estado membro até ao montante resultante dessa diferença de tratamento.
Tal não consta do probatório, devendo ser ampliada a matéria de facto, conforme decidido foi em caso semelhante no ac. do S.T.A. de 29-2-2012 proferido no proc. 01017/11.
Por outro lado, a convenção destinada a evitar a dupla tributação pode servir a garantir o cumprimento das obrigações resultantes do Tratado da União Europeia.
b. Conclusão.
Não resultando tal do probatório, impõe-se a baixa dos autos ao tribunal recorrido para ampliação da matéria de facto nesse sentido”.

7. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


II-FUNDAMENTOS

1- DE FACTO
A sentença recorrida deu como provada a seguinte factualidade:
“1. A Impugnante é uma sociedade de direito espanhol, com sede e direcção efectiva em Calle … …, …, Madrid, Espanha, matriculada no Registo Mercantil, folio 154 e seguintes, tomo 15.339, secção 8.ª, número M-257189. Cfr. doc. n.° 4, junto aos autos a fls. 39-58.
2. Em 25/05/2001, a Impugnante e a B……, assinaram um escrito denominado “Contrato de Préstamo”, nos seguintes termos:









Cfr. doc. n.° 5, junto aos autos a fls. 60-63.
3. A sociedade B……, S.A. pagou juros à Impugnante em 2002, 2003 e 2004, aos quais aplicou uma taxa de retenção na fonte de 15%.
Cfr. docs. n.° 6, 7 e 8, juntos aos autos a fls. 64-72.
4. Em 30/12/2004, a Impugnante apresentou uma reclamação graciosa relativamente aos actos de retenção na fonte referidos em 3. supra.
Cfr. doc. n.° 1, junto aos autos a fls. 18-30.
5. Pelo Ofício 9147 de 06/0712005, foi comunicado à Impugnante o indeferimento da reclamação graciosa referida em 4. supra, constando da Informação anexa, nomeadamente que:
“Estando a CDT entre Portugal e Espanha em vigor a qual expressamente refere que a taxa de tributação a aplicar aos rendimentos em questão é de 15% e cumpridos que estão os requisitos formais compete à entidade que tem a obrigação de proceder à retenção, ou à administração Tributária no caso entidade competente não ter procedido a essa retenção aplicar o disposto na “Convenção” o que não está em causa na presente reclamação, uma vez que a entidade devedora dos rendimentos cumpriu a norma legal em vigor.”
Cfr. docs. n.° 2 e 3, íuntos aos autos a fls 31-38.”


2- DE DIREITO

2.1. Das questões a apreciar e decidir

A ora recorrida, com sede e direcção efectiva em Espanha e sem estabelecimento estável em Portugal, celebrou um contrato de empréstimo com a B……, SA., no dia 25 de Maio de 2001, no valor total de € 6 857 623, 42, tendo-se vencido juros nos dias 25 de Maio de 2002, 26 de Maio de 2003 e 30 de Abril de 2004, perfazendo, até final do exercício de 2004, um total de €730 474, 18, a título de juros.
Os referidos juros foram sujeitos a uma retenção na fonte, com carácter definitivo, à taxa de 15%, nos termos definidos pela Convenção celebrada entre Portugal e Espanha para evitar a Dupla Tributação e a Evasão Fiscal.
Em 30 de Dezembro de 2004, a recorrida reclamação graciosa dos actos de retenção na fonte, argumentando que deveria ter sido aplicada a taxa de 10%, tal como vigora para os residentes de outros Estados-membros da União Europeia, à luz de outras convenções sobre dupla tributação, sob pena de violação do princípio comunitário da não discriminação.
Tendo a referida reclamação sido indeferida, a impugnante inconformada apresentou impugnação judicial, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, argumentando, em síntese, o seguinte:
· A retenção na fonte foi efectuada nos termos da alínea c) do nº 1 do artigo 88º do Código do IRC, tendo sido aplicada a taxa estabelecida no nº 2 do artigo 11º da Convenção entre a República Portuguesa e o Reino de Espanha para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento (aprovada para Ratificação pela Resolução da Assembleia da República nº 6/95 e publicada no Diário da República, I série, de 28 de Janeiro de 1995…)” (artigo 11º da Petição inicial);
· “(…) o ADT celebrado entre Portugal e Espanha estabelece para os juros uma taxa de retenção máxima de 15% ( artigo 53º da Petição);
· “(…) se analisarmos os ADT’s celebrados entre Portugal e a Áustria (…), a Bulgária (…), os Estados Unidos, etc.., verificamos pela aplicação de uma taxa de retenção inferior sobre os juros pagos:10%” (artigo 54º da Petição);
· “Não pode Portugal aplicar aos residentes em Espanha um regime mais desfavorável do que o aplicado a residentes em países terceiros ou em outros Estados-membros” (artigo 55º da Petição);
· “Os artigos 12º, 307º do Tratado CE e o princípio da preferência comunitária isso impede” (artigo 56º da Petição);
· “(…)”.
A impugnante conclui pedindo a anulação parcial da liquidação efectuada por retenção na fonte referente aos juros cobrados nos exercícios de 2002, 2003 e 2004, no montante total de € 36 523,72, acrescidos dos juros compensatórios a liquidar em execução de sentença.
No Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, a Mmª Juíza “a quo” julgou procedente a impugnação e anulou parcialmente o acto de liquidação na parte em que excede a taxa mais baixa aplicável (10%) a residentes em outros Estados-membros da União Europeia.
Para tanto ponderou, entre o mais, a Mmª Juíza:
· “(…) A Impugnante insurge-se contra a taxa de retenção aplicada, fazendo um juízo comparativo com as taxas (de 10%) aplicáveis por Portugal ao mesmo tipo de rendimento a residentes em outros Estados-Membros da União Europeia e em Estados terceiros, igualmente ao abrigo de Convenções sobre Dupla Tributação.
· “(…) O princípio da não discriminação surge como um princípio transversal do direito comunitário, (…) proíbe toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade, salvaguardando as disposições especiais dos Tratados. Tal como é entendido genericamente pela doutrina significa que salvo discriminação objectivamente justificada, situações comparáveis não devem ser tratadas de forma diferente…”.
· “O principio da não discriminação é corolário do princípio geral da igualdade no que respeita ao critério da nacionalidade”.
· “(…) Em matéria de fiscalidade directa é reconhecida competência (soberania) aos Estados-Membros, para a competente celebração. Trata-se de uma área não comunitarizada, em que prevalece o princípio da reciprocidade. Os Estados-Membros são livres de regular o modo de evitar a dupla tributação entre si e, deste modo, de repartirem o poder de tributação dos sujeitos passivos, mediante a fixação dos elementos de conexão relevantes.
· “No entanto, o regime instituído pelas Convenções bilaterais não pode deixar de se subordinar a critérios e princípios comunitários, sob pena dos Estados-Membros poderem criar, por via convencional, distorções ao mercado interno, ou possibilitando discriminações proibidas pelos Tratados. As liberdades comunitárias, nesse caso, poderiam ser, efectivamente, postas em causa com base na invocação do direito interno, ou num acordo internacional, o que afronta directamente o princípio do primado do direito comunitário.
· “O Tribunal de Justiça, no Acórdão Saint-Gobain, de 21 de Setembro de 1999, Processo C-307/97, concluiu que (…) o princípio do tratamento nacional exige ao Estado membro parte na referida convenção que conceda aos estabelecimentos estáveis das sociedades não residentes os benefícios previstos pela convenção, nas mesmas condições que as que são aplicáveis às sociedades residentes (…)”. No mesmo sentido se pronunciou o Tribunal de Justiça no acórdão de 8 de Março de 2001, caso Metallgesellschaft.”
· “(…) A aplicação de uma taxa de 15% a título de retenção na fonte, sobre os rendimentos (juros) pagos por um residente em Portugal a um residente em Espanha, ao abrigo da Convenção sobre Dupla Tributação entre Portugal e Espanha, viola o direito comunitário, nomeadamente o princípio da não-discriminação conjugado com o princípio da proibição das restrições aos movimentos de capitais e de pagamentos, entre os Estados-Membros”.
· “(…)”.
Inconformada com este entendimento vem a Fazenda Pública com o presente recurso, argumentando, em suma, que:
· “A fixação de taxas na Convenção de Dupla Tributação entre Portugal e Espanha não é violadora do direito comunitário;
· Não existe harmonização fiscal na Comunidade Europeia, sendo permitido aos diversos Estados - membros a aplicação de taxas de imposto próprias, bem como a existência de tributos distintos;
· Permitindo os Tratados e princípios comunitários, que cada um dos países signatários da Convenção tenham, a nível interno, taxas de imposto próprias, por maioria de razão terão de permitir que os mesmos convencionem uma taxa comum, para efeitos de evitar a dupla tributação;
· Violou a Douta Sentença o disposto no art.º 11.º da supra citada Convenção, e consequentemente, o n.º 2 do art.º 8.º da Constituição da República Portuguesa”.
Em face das conclusões, que delimitam o objecto e âmbito do recurso, nos termos do disposto nos arts. 684º, nº 3, e 685º/1, do CPC, a questão central a dirimir traduz-se em saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento ao concluir pela anulação parcial da liquidação, por entender que a sujeição à retenção de imposto (IRC), à taxa de 15%, sobre os juros pagos nos anos de 2002, 2003 e 2004, pela sociedade de direito português “B……, SA.,” à sociedade de direito espanhol e sem estabelecimento estável em Portugal “A…, SL”, é contrária à liberdade de estabelecimento, à liberdade de circulação de capitais e ainda ao princípio da preferência comunitária.


2.2. Delimitação do objecto do recurso

Nas contra-alegações veio a Recorrida acrescentar que existem outras causas de invalidade na tributação que incidiu, em Portugal, no pagamento dos juros pagos pela B….. .
Com efeito, alega a Recorrida que enquanto nos pagamentos transfronteiriços a retenção consubstancia uma retenção final e definitiva, nos pagamentos domésticos a retenção consiste, pelo contrário, num mero pagamento por conta do imposto devido a final.
Este tratamento diferenciado dispensado às sociedades não residentes e às sociedades residentes, relativamente aos rendimentos de juros auferidos em território nacional, constitui, segundo a recorrida, uma discriminação/restrição incompatível com o TFUE e com a orientação jurisprudencial do TJUE, uma vez que os residentes e os não residentes, a propósito do recebimento de juros, encontram-se em idêntica situação objectiva.
Assim, “ A natureza definitiva da retenção na fonte, efectuada aos não residentes, por oposição à natureza de imposto por conta da retenção efectuada aos residentes, impossibilita-os de serem tributados com base no seu rendimento liquido dos custos inerentes à obtenção desse rendimento - em claro contraste com o regime aplicável aos residentes;
“O acto de retenção na fonte de IRC que incidiu sobre os rendimentos de juros auferidos pela ora Recorrida, em 2002, 2003 e 2004, padece, assim, vício de violação do disposto nos artigos 56.° e 58.° do TCE (actualmente artigos 63.° e 65.° TFUE), que regulam a livre circulação de capitais, ao implicarem a aplicação de um regime de tributação dos rendimentos de juros discriminatório face às sociedades não residentes, não justificada face a qualquer regra de Direito da União Europeia.”
Acontece que, na petição inicial da impugnação judicial, a ora Recorrida não invocou esta questão.
Com efeito, verifica-se que a mesma conclui, na impugnação, o seguinte:
“1.A impugnante celebrou um contrato de empréstimo com a B…., no dia 25 de Maio de 2001, no valor total de € 6 857 623,42 (seis milhões, oitocentos e cinquenta e sete mil seiscentos e vinte e três euros e quarenta e dois cêntimos).
2. Até ao final do exercício de 2004, foram debitados um total de € 730 474, 18 a título de juros, aos quais foi aplicada uma retenção na fonte total de € 109 571,13.
3. A retenção na fonte a título definitivo foi efectuada nos termos da alínea c) do n.° 1 do artigo 88.° do Código do IRC, tendo sido aplicada a taxa de 15% estabelecida no n.° 2 do artigo 11.º do ADT celebrado entre Portugal e Espanha.
4. O montante sujeito a retenção definitiva é insusceptível de recuperação por parte da impugnante já que apresenta prejuízos fiscais no Estado da residência.
5. A impugnante obtém a grande maioria do seu rendimento de fontes estabelecidas em Portugal
6. A realização de retenção na fonte a título definitivo à taxa de 15% origina uma violação do princípio comunitário da não discriminação estabelecido no artigo 12.° do TCE, do princípio da liberdade de estabelecimento estabelecido no artigo 43.° do TCE, do princípio da livre circulação de capitais estabelecido no artigo 56.° do TCE e da cláusula comunitária da nação mais favorecida estabelecida nos artigos 12.º e 307.º do TCE.
7. A aplicação dessa taxa de retenção definitiva de 15% corporiza um tratamento menos favorável conferido a retenções na fonte referentes a juros pagos a sociedades não residentes, com sede e direcção efectiva em Espanha em comparação com os termos de tributação aplicados a juros pagos a sociedades não-residentes em outros Estados-membros ou mesmo em países terceiros, cujos ADT’s reguladores das respectivas relações tributárias estabelecem uma taxa de retenção na fonte de 10%.
8. A realização de uma retenção na fonte à taxa definitiva de 15% viola o princípio da cláusula da nação mais favorecida na vertente extra-comunitária e o princípio da preferência comunitária já que vantagens concedidas por Portugal a não residentes de países terceiros por força de tratados internacionais devem ser obrigatoriamente estendidas a outros não-residentes, sediados em Estados-membros da União Europeia.
9. A realização de uma retenção na fonte à taxa definitiva de 15% viola o princípio da cláusula da nação mais favorecida na vertente intra-comunitária e o princípio da igualdade comunitária já que qualquer vantagem concedida por Portugal a não residentes sediados em determinados Estados-membros deve ser obrigatoriamente estendida a outros não-residentes sediados nos restantes Estados-membro.
10. A retenção na fonte aplicada à distribuição de juros efectuada em favor da impugnante deveria ter sido efectuada à taxa de 10% sobre os juros distribuídos, num montante total, englobando os três exercícios, de € 73 047, 41.
11. A liquidação efectuada por retenção na fonte no montante total de € 109 571,13 deverá ser, nestes termos, anulada parcialmente, pelo que deverá a administração fiscal proceder à devolução do montante ilegalmente liquidado em excesso, ou seja, € 36 523,72 e que foi já pago pela impugnante acrescido dos competentes juros compensatórios, nos termos previstos no artigo 43.° da Lei Geral Tributária”.

Verifica-se, assim, que a Recorrida, não obstante ter invocado na sua petição que o montante sujeito a retenção na fonte era insusceptível de recuperação, já que apresentava prejuízos fiscais no Estado de residência, de seguida alheou-se deste problema assentando toda argumentação na questão da ilegalidade da aplicação da taxa de 15%, terminando a petição a pedir a anulação parcial da liquidação efectuada e não a anulação total, como a própria recorrida reconhece (cfr. o ponto XXXIX das Conclusões).
Como é sabido, “o recurso jurisdicional constitui um meio de impugnação da decisão judicial com vista à sua alteração ou anulação pelo tribunal superior após reexame da matéria de facto e/ou de direito nela apreciada, correspondendo, assim, a um pedido de revisão da legalidade da decisão com fundamento nos erros e vícios de que padeça. O recurso jurisdicional visa apenas o reexame da decisão recorrida com vista à sua eventual anulação ou revogação, motivo por que não constitui forma de conhecer de questões novas, isto é, que não tenham sido oportunamente suscitadas perante o tribunal ad quem, salvo sempre o dever de conhecimento oficioso” (Cfr. o Acórdão do STA de 23/2/2012, proc nº 01153/2012. No mesmo sentido, cfr., entre outros, o Acórdão de 1/6/2005, proc nº 028/05. ).
Assim sendo, não obstante não ter sido invocada em primeira instância de modo a permitir que o Tribunal “a quo” se tivesse pronunciado sobre a mesma, como a invocada eventual desconformidade com o Direito da União configura questão de conhecimento oficioso e que envolve juízos de estrita aplicação do direito, está este Supremo Tribunal Administrativo obrigado a dela conhecer.
Assim sendo, o objecto do presente recurso passará a abranger, para além do mencionado erro de julgamento, a questão de saber se o acto de retenção na fonte de IRC que incidiu sobre o rendimento bruto auferido pela ora Recorrida, em 2002, 2003 e 2004, proveniente de juros, padece do vício de violação do disposto nos artigos 56.° e 58.° do TCE (actualmente artigos 63.° e 65.° TFUE), uma vez que o imposto a pagar pelas entidades residentes incide exclusivamente sobre o rendimento líquido.
Comecemos por analisar esta última questão.

3. Do direito da Recorrida a ser tributada sobre o rendimento líquido

A primeira questão a resolver gira em torno de saber se o Direito da União, em especial os princípios da não-discriminação e da circulação de capitais, exigem que a Recorrida, sem estabelecimento estável e residente em Espanha, seja tributada em Portugal com base no rendimento líquido, na medida em que o mesmo rendimento pertencente a um titular residente seria tributado sobre o rendimento líquido.
Como vimos, a Recorrida foi objecto de tributação com base na retenção na fonte efectuada nos termos das normas do CIRC [art. 88º, nº 1, alínea c)] e, por conseguinte, com base no rendimento bruto. No entanto, a situação dos autos convocou igualmente a aplicação de outro normativo, a Convenção celebrada entre Portugal e Espanha para evitar a Dupla Tributação e prevenir a Evasão Fiscal em matéria de imposto sobre o rendimento, cujo art. 23º, nº 1, alínea a), dispõe que, no caso de um residente em Espanha, a dupla tributação será evitada, de acordo com as disposições aplicáveis da legislação espanhola, do seguinte modo:
“Quando um residente de Espanha obtiver rendimentos que, de acordo com o disposto nesta Convenção, possam ser tributados em Portugal, a Espanha deduzirá do imposto sobre o rendimento desse residente uma importância igual ao imposto efectivamente pago em Portugal.
A importância deduzida não poderá, contudo, exceder a fracção do imposto, calculado antes da dedução, correspondente aos rendimentos que possam ser tributados em Portugal”[ alínea a)].
Do exposto resulta que a Recorrida goza, no Estado da residência, onde será tributada pelo rendimento global, do direito a um crédito de imposto calculado nos termos mencionados.
Quando os rendimentos sejam tributados simultaneamente no Estado de residência e no Estado da fonte, os Estados podem escolher em alternativa dois métodos reconhecidos ao nível do Direito internacional para evitar a dupla tributação, a saber: o método da isenção e o da imputação ou crédito de imposto.
No caso deste último método, o Estado da residência tributa o rendimento global do sujeito passivo, incluindo os rendimentos de fonte estrangeira, mas permite a dedução, ao respectivo imposto, de importância equivalente ao imposto pago no Estado da fonte.
A imputação pode ser integral, situação em que o Estado da residência permite a dedução do valor total do imposto pago no Estado da fonte, ou normal, em que a dedução permitida pelo Estado da residência é limitada à fracção do respectivo imposto correspondente aos rendimentos com origem no outro Estado.
Importa realçar que o método da imputação é o que beneficia de maior aceitação entre os Estados apresentando, entre outras vantagens, “(…) o facto de assegurar um razoável respeito pelo princípio da igualdade entre contribuintes e, em particular, pelo princípio da capacidade contributiva. O método da imputação normal visa assegurar a neutralidade fiscal na exportação de capitais e reduzir o custo fiscal suportado pelo Estrado da residência, em termos de privação de receitas fiscais, na eliminação da dupla tributação internacional” (Cfr. PAULA ROSADO PEREIRA, Princípios do Direito Fiscal Internacional, Almedina, Coimbra, 2010, p. 151.).
A questão que se coloca é a de saber se mesmo beneficiando a Recorrida de crédito de imposto, nos termos estabelecidos na Convenção sobre Dupla Tributação, ainda assim a sua situação é contrária ao Direito da União, por o mesmo exigir a sua tributação pelo rendimento líquido em conformidade com o regime de que gozam os residentes em Portugal.
No direito português, em relação à tributação do rendimento dos não residentes sem estabelecimento estável, vigora o regime regra da tributação por retenção na fonte do rendimento bruto.
A tributação dos sujeitos passivos não residentes pelo método da retenção definitiva e liberatória foi objecto de adequação ao direito comunitário e jurisprudência do Tribunal de Justiça (Tal alteração traduziu a recepção, na legislação portuguesa da jurisprudência vazada, entre outros, nos seguintes Acórdãos do Tribunal de Justiça: Schumacker (C- 279/93); Wielockx (c-484/93); Gerritse (C-234/01); Conijn (C-346/04); Centro Equestre da Lezíria Grande (C- 345/04) e Scorpio (C- 290/04). Para maiores desenvolvimentos, cfr. Competitividade, Eficiência e Justiça do Sistema Fiscal, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, nº 209, pp. 378 ss.), através da Lei nº 64º-A/2008, de 31 de Dezembro, com a redacção dada aos arts. 71º, nºs, 8 a 11, do CIRS (aplicável ex vi art. 88º do CIRC) ( Note-se que do referido Relatório resulta que “anteriormente a mesma conclusão se retirava dos aditamentos dos nsº 3 e 6 ao art. 46º do CIRC, em razão das doutrinas Avoir Fiscal (Caso 270/83) e Saint –Gobain (C-307/97)”, cfr. Competitividade…cit., p. 379.), diploma que culminou todo um processo de contencioso com a Comissão Europeia, pelo que se afigura não merecer a mesma qualquer reparo do ponto de vista da conformidade com o Direito da União Europeia.
Em conformidade com tal alteração, refere o nº 8 do art. 71º do CIRS que “Os titulares de rendimentos referidos nas alíneas a) a d), f), m) e o) do nº 1 do artigo 18º sujeitos a retenção na fonte nos termos do presente artigo que sejam residentes noutro Estado membro da União Europeia ou do espaço económico europeu, neste último caso desde que exista obrigação de cooperação administrativa em matéria fiscal equivalente à estabelecida na União Europeia, podem solicitar a devolução, total ou parcial, do imposto retido e pago na parte em que seja superior ao que resultaria da aplicação da tabela de taxas previstas no nº 1 do artigo 68º, tendo em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes.”
Segundo o disposto no nº 9, o legislador permite que sejam “dedutíveis, até à concorrência dos rendimentos, os encargos devidamente comprovados necessários para a sua obtenção que estejam directa e exclusivamente relacionados com os rendimentos obtidos em território português ou, no caso dos rendimentos do trabalho dependente, as importâncias previstas no artigo 25º”.
Em face do exposto, uma primeira ilação a retirar é a de que só em relação às categorias de rendimentos mencionados está prevista a tributação pelo rendimento líquido, termos em que a situação da recorrida não tem guarida neste preceito, uma vez que os rendimentos provenientes de juros não cabem nos rendimentos mencionados nas alíneas a) a d), f), m) e o) do nº 1 do art. 18º do CIRS.
Por outro lado, por força do disposto no nº 9 do art. 71º do CIRS só é possível deduzir os encargos “devidamente comprovados necessários para a sua obtenção que estejam directa e exclusivamente relacionados com os rendimentos obtidos em território português”.
Alega a recorrida que o facto de não poder deduzir a totalidade dos custos directamente relacionados com a sua actividade viola o Direito da União, em especial, os princípios da não-discriminação e da liberdade de circulação de capitais, mas sem qualquer razão.
Vejamos.
Reportando-nos ao Relatório do Grupo para o Estudo da Política Fiscal (Cfr. Competitividade…cit., pp. 379. ss.), que enfrentou esta questão, pode ler-se, entre o mais, que “(…) não é totalmente evidente, do ponto de vista da jurisprudência comunitária consolidada, que todo e qual quer custo incorrido por um não residente deva ser dedutível, mesmo se directamente relacionado com o desenvolvimento de uma actividade económica.
Por força das recentes evoluções jurisprudenciais (…) em particular, decisão Truck Center (C-282707) - julgamos, ao invés, dever manter-se a esse respeito inalterado o presente regime-regra (que sofre reduzidas excepções) da tributação por retenção na fonte do rendimento bruto obtido por não residentes sem estabelecimento estável, mecanismo este que, aliás, vem geralmente compensado por inferiores taxas de tributação (§ 49 do acórdão Truck Center)”.
E o mencionado Relatório termina dizendo que “(…) não nos parece que exista fundamento jurisprudencial inequívoco para concluir quanto à formulação de um princípio comunitário para os sujeitos passivos não residentes em Portugal e sem estabelecimento estável em território português (e residentes num Estado-Membro da União Europeia) de tributação pelo valor líquido dos rendimentos auferidos, que não exclusivamente quanto às categorias de rendimento já actualmente previstas na lei ( Competitividade…cit., p. 380.).”
Para finalizar, importa reter que, o Acórdão do Tribunal de Justiça, emitido no processo C-282/07 (Turck Center), teve por objecto um litígio que opunha o Estado Belga à Truck Center SA, com sede na Bélgica, a propósito da tributação de juros devidos por esta sociedade, de 1994 a 1996, como remuneração de um empréstimo concedido pela SA. Wickler, com sede no Luxemburgo.
No âmbito desse litígio, o Tribunal foi chamado a pronunciar-se quanto a saber se os princípios relativos à livre circulação de capitais e à liberdade de estabelecimento se opõem a uma regulamentação de um Estado-membro que prevê a retenção na fonte do imposto sobre os juros pagos por uma sociedade residente desse Estado a uma sociedade beneficiária residente de outro Estado-membro, embora isente dessa retenção os juros pagos a uma sociedade beneficiária residente do primeiro Estado-membro.
De entre a fundamentação, impõe-se realçar que ficou consignado no mencionado Acórdão, por exemplo, que “em matéria de impostos directos, a situação dos residentes e a dos não residentes não são, regra geral, comparáveis”, e que a diferença de tratamento que a regulamentação fiscal em causa no processo principal estabelece entre sociedades beneficiárias de rendimentos de capitais, que consiste na aplicação de técnicas de tributação diferentes consoante estas estejam estabelecidas na Bélgica ou noutro Estado-Membro, tem que ver com situações que não são objectivamente comparáveis”.
E o Tribunal de Justiça concluiu que os princípios relativos à livre circulação de capitais e à liberdade de estabelecimento não se opõem a que a regulamentação fiscal de um Estado-membro que obriga à retenção na fonte do imposto sobre os juros pagos por uma sociedade residente desse Estado a uma sociedade beneficiária residente de outro Estado-membro, embora isente dessa retenção os juros pagos a uma sociedade beneficiária residente do primeiro Estado-membro cujos rendimentos são tributados neste último Estado-membro a título de imposto sobre sociedades.
Por último, importa ponderar a pertinência do argumento invocado pela Recorrida quando refere que o montante sujeito a retenção na fonte é insusceptível de repercussão dado apresentar prejuízos fiscais no Estado de residência.
Para além de tal alegação dizer respeito a um circunstancialismo que rodeia a situação concreta da Recorrida, afigura-se que tal argumento já não tem a ver com a legislação portuguesa de eliminação da dupla tributação, já que esta não pode ficar dependente de a mesma ser ou não obtida no Estado de residência, onde a Recorrida será tributada pelo rendimento global.
Em face do exposto, improcede a argumentação da Recorrida.

4. Quanto ao alegado erro de julgamento

4.1. A questão central que se discute gira em torno de saber se pode um residente /nacional de um Estado exigir de um outro Estado os benefícios de uma Convenção sobre Dupla Tributação (CDT) por este último celebrada com um terceiro Estado, quando esta seja mais favorável do que a concluída entre o primeiro Estado e o segundo. Dito de outro modo, estará, o Estado obrigado a conceder a um não residente/não nacional um benefício contido numa CDT por si concluída com outro Estado diferente do Estado de residência /nacionalidade do contribuinte que invoca o benefício?
No caso dos autos, tendo sido aplicada uma taxa de retenção sobre juros, de 15%, com base no estipulado na CDT entre Portugal e Espanha, questiona-se a legalidade da mesma porquanto Portugal é parte em outras CDT com Estados-Membros da União Europeia e Estados terceiros, das quais constam taxas de retenção inferiores (10%), a aplicar ao mesmo tipo de rendimento (juros), e que assentam igualmente no critério da residência.
A título meramente exemplificativo refiram-se as Convenções para Evitar a Dupla Tributação, celebradas com a Holanda (aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.°4/99 de 28 de Janeiro de 1999) e com a Dinamarca (aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.° 6/02 de 23 de Fevereiro de 2002).
A questão que se coloca é, pois, a de saber se está o Estado português obrigado a aplicar à recorrida a mesma taxa de juro (10%) a que o mesmo se vinculou com Estados terceiros.
A resposta ao problema que vem posto requer breve análise sobre as relações entre as CDT e os princípios de Direito Fiscal Internacional Fiscal e de Direito comunitário.

4.1.1. As CDT “são um acordo escrito de vontades entre sujeitos de Direito internacional, maioritariamente Estados, cujo objectivo principal consiste em regular juridicamente as situações tributárias internacionais, de modo a prevenir ou eliminar a ocorrência de dupla tributação internacional no âmbito destas” (Cfr. PAULA ROSADO PEREIRA, ob. cit., pp. 36-37. ).
Tais mecanismos, através do estabelecimento de limites dentro dos quais os Estados contratantes podem aplicar o seu direito fiscal, no âmbito de uma situação tributária internacional, acabam por definir “a legitimidade de cada Estado para tributar - com ou sem limitações - com recurso ao princípio da residência e ao princípio da fonte”.
Na perspectiva do Direito Fiscal Internacional, uma das limitações à celebração das CDT reside na observância do princípio da não discriminação ou da igualdade de tratamento que tem a sua fonte no art. 24º do Modelo OCDE, cujo conteúdo ou elemento objectivo se traduz “no facto de os estrangeiros (incluindo os apátridas não ficarem sujeitos, num dado Estado, a nenhuma tributação ou obrigação tributária diferente ou mais onerosa do que aquela a que estiverem ou puderem estar sujeitos os nacionais desse Estado que se encontrem na mesma situação. A identidade da situação – de direito e de facto - é, assim, o pressuposto necessário da aplicação do princípio…” ( Cfr. ALBERTO XAVIER, Direito Tributário Internacional, 2ª ed., Almedina, Coimbra, 2007, p. 267.).
Ainda segundo o Autor que estamos a seguir, “O princípio da não discriminação é corolário do princípio geral da igualdade no que tange ao critério da nacionalidade. Da mesma forma que este consiste na obrigação de tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, assim, também o princípio da não discriminação proclama a irrelevância da nacionalidade para fundar um tratamento desigual entre sujeitos que se apresentem objectivamente em situação idêntica, ficando vedada qualquer discriminação tributária, quer esta se traduza numa tributação “mais onerosa”, quer mera tributação “diferente”. Por outro lado, a discriminação proibida é apenas a que se funda na nacionalidade, mas não assim a que se baseia na residência, considerada critério legítimo de tratamento fiscal diferenciado.”
Importa realçar que, ainda na perspectiva do Direito Fiscal Internacional, até 1992, a inaplicabilidade de uma cláusula generalizada da nação mais favorecida no âmbito das CCDT estava expressamente referida nos Comentários ao Modelo de Convenção da OCDE (MC OCDE). A remoção do aludido comentário com a revisão de 1992 suscitou a dúvida se tal alteração significava o reflexo de alguma mudança do próprio DFI. Entretanto, a mencionada cláusula voltou a ser reintroduzida nos Comentários ao art. 24º do MC OCDE, nos quais se pode ler que “tendo um Estado concluído uma CDT que concede vantagens fiscais a nacionais ou residentes do outro Estado contratante dessa CDT, os nacionais ou residentes de um terceiro Estado, que não é parte na CDT em causa, não podem reclamar as vantagens fiscais em apreço invocando uma disposição de não discriminação contida na CDT celebrada entre esse terceiro Estado e o Estado primeiramente mencionado. Ainda de acordo com os aludidos Comentários, como as CDT se baseiam no princípio da reciprocidade, um tratamento fiscal que é concedido por um Estado contratante, nos termos de uma CDT, a um residente ou nacional de outro Estado contratante parte nessa CDT, em virtude das relações económicas específicas existentes entre esses Estados contratantes, não pode ser alargada a um residente ou nacional de um terceiro Estado, nos termos da disposição de não discriminação da CDT entre o primeiro Estado e o terceiro Estado” ( Cfr. PAULA ROSADO PEREIRA, ob. cit., p. 236.).
Assim, ao nível do Direito Fiscal Internacional, o princípio do tratamento da nação mais favorecida só vincula os Estados quando uma cláusula formal incluída numa convenção (a cláusula da nação mais favorecida) o atribua ao outro Estado contratante, sito porque sendo uma cláusula da nação mais favorecida o resultado de uma negociação bilateral ela vincula apenas os Estados contratantes da CDT na qual tal cláusula se integra.

4.1.2. Na perspectiva do Direito Fiscal Europeu, a questão que se discute traduz-se precisamente em saber se ao abrigo do princípio da não discriminação se pode invocar o direito ao tratamento mais favorável conferido por um dos Estados contratantes a um terceiro - com fundamento na cláusula da nação mais favorecida - alegando-se a violação do princípio da não discriminação em razão da nacionalidade.
Cumpre realçar que em matéria de convenções celebradas entre si, vigora o princípio segundo o qual os Estados-membros mantêm os seus poderes em matéria de tributação directa, mas devem exercê-los em conformidade com o Direito da EU, donde decorre uma proibição para os mesmos de adoptarem quer na legislação nacional quer nas CDT que celebrem medidas fiscais contrárias ao Direito da EU, designadamente por serem incompatíveis com o princípio da não discriminação em razão da nacionalidade, com o princípio da liberdade de estabelecimento e com a liberdade de circulação de capitais, consagrados no Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE) ( Cfr. o nº 3 do art. 4º do Tratado da EU.).
O problema não reside, porém, na subordinação das CDT à primazia do Direito da EU, mas sim no facto de as exigências da cláusula da nação mais favorecida irem além daquilo que impõe o princípio da não discriminação.
Com efeito, como pondera ALBERTO XAVIER, enquanto o princípio da não discriminação “consiste na defesa de um tratamento, para os nacionais de um estado contratante, que não seja mais gravoso do que aquele dado aos nacionais do outro Estado que se encontrem na mesma situação, a cláusula da nação mais favorecida vai mais longe, determinando a concessão aos nacionais de um daqueles Estados, do tratamento mais favorável dado pelo outro a um terceiro Estado” ( Cfr. ALBERTO XAVIER, ob. cit., p. 277.).
Sobre as relações entre as CDT e o Direito da EU existe vasta jurisprudência do Tribunal de Justiça, porém, nem sempre no mesmo sentido.
Como vimos, a Mmª Juíza invocou jurisprudência do Tribunal de Justiça da EU (TJUE), designadamente a vazada no Acórdão Saint-Gobain, de 21 de Setembro, de 1999, Proc nº C-307/97, para fundamentar a ilegalidade da liquidação dos autos.
Na verdade, tal como se pode ler na sentença recorrida, no mencionado Acórdão o TJUE, concluiu que “(…) na falta de medidas de unificação ou de harmonização comunitária, nomeadamente no âmbito do art. 293.º, segundo travessão, do Tratado CE, os Estados membros continuam a ser competentes para determinar os critérios de tributação dos rendimentos e do património, com vista a eliminar a dupla tributação. (...) quanto ao exercício do poder de tributação assim repartido, os Estados membros não podem, no entanto, deixar de respeitar as regras comunitárias. Resulta, com efeito, da jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que, embora a fiscalidade directa seja da competência dos Estados membros, não deixa de ser verdade que estes últimos a devem exercer no respeito do direito comunitário.
(...) embora a fiscalidade directa releve da competência dos Estados-Membros, estes últimos devem exercer essa competência no respeito do direito comunitário e abster-se de qualquer discriminação em razão da nacionalidade.
(...) no caso em apreço, tratando-se de uma convenção sobre a dupla tributação celebrada entre um Estado membro e um país terceiro, o princípio do tratamento nacional exige ao Estado membro parte na referida convenção que conceda aos estabelecimentos estáveis das sociedades não residentes os benefícios previstos pela convenção, nas mesmas condições que as que são aplicáveis às sociedades residentes (…)”
Por conseguinte, a decisão do Tribunal de Justiça adoptada neste caso vai no sentido de obrigar os Estados-membros a concederem aos estabelecimentos estáveis de sociedades residentes noutros Estados-membros o mesmo tratamento fiscal aplicável às sociedades residentes no seu território, mesmo que o tratamento fiscal em causa esteja previsto numa CDT aplicável apenas aos residentes dos respectivos Estados contratantes.
No entanto, existem outros Acórdãos relevantes no que toca à problemática das relações entre CDT e Direito Europeu, como acontece como o que se debruçou sobre o denominado “Caso D”, e que se afasta da mencionada jurisprudência.
Em termos sumários, o caso reporta-se a uma situação em que o Senhor D, de nacionalidade alemã e aí residente para efeitos ficais, onde estava situado a quase totalidade do seu património imobiliário, pretendeu gozar de um abatimento ao imposto sobre o património holandês relativamente a um imóvel que possuía na Holanda. Porém, como não era residente fiscal neste País e os bens imóveis aí situados representavam apenas 10% do seu património, tal pretensão foi-lhe negada.
O senhor D recorreu para o Tribunal de Justiça invocando a violação do princípio da não discriminação e o da cláusula da nação mais favorecida, pretendendo que lhe fosse aplicado o tratamento mais favorável em matéria de abatimentos no imposto sobre o património conferido aos residentes da Bélgica, nos termos da CDT entre a Holanda e a Bélgica. O Tribunal de Justiça rejeitou a pretensão do Senhor D defendendo que a situação de um residente de um dos Estados contratantes e a de um residente de um terceiro Estado não são comparáveis, uma vez que um contribuinte residente na Holanda era tributado em relação ao seu património global, ao passo que um contribuinte não residente era tributado apenas sobre o seu património aí localizado, termos em que a diferença de situações justificava um tratamento fiscal diferente.
Quanto à invocação da cláusula da nação mais favorecida o Tribunal de Justiça rejeitou também a sua aplicação no caso porque os dois contribuintes não residentes não se encontravam na mesma situação, quanto à tributação do património em bens imóveis situados na Holanda. E essa diferente situação resultava de um tratamento mais favorável do residente belga previsto na CDT entre a Holanda e a Bélgica.
Para o Tribunal de Justiça, “(…) os direitos e obrigações recíprocos previstos numa CDT são aplicáveis apenas aos residentes num dos Estados contratantes da mesma sendo isto uma consequência inerente às CDT (…)” pelo que “a concessão do abatimento em relação ao imposto sobre o património, prevista na CDT entre a Holanda e a Bélgica, não podia ser vista separadamente do resto da CDT, tendo de ser considerada como uma parte integrante da mesma e contribuindo para os eu equilíbrio global. Deste modo, a regra em apreço era aplicável apenas aos contribuintes residentes na Bélgica, não podendo beneficiar dela um contribuinte residente na Alemanha, como D”.
A recusa de aplicação da chamada cláusula da nação mais favorecida tem ocorrido de modo estável desde o mencionado Acórdão, vindo o Tribunal a afirmar reiteradamente “o Tribunal de Justiça declarou que, atendendo a que uma vantagem prevista por uma convenção fiscal bilateral não pode ser considerada um benefício destacável dessa convenção, antes contribuindo para o seu equilíbrio geral, por o facto de os direitos e obrigações recíprocos apenas se aplicarem a pessoas residentes num dos dois Estados-Membros contratantes ser uma consequência inerente às convenções bilaterais, o direito comunitário não se opõe a que a vantagem em questão não se encontra numa situação comparável à dos residentes abrangidos pela dita convenção”, cfr., entre outros, os seguintes Acórdãos: TJUE 21/1/2010, Comissão vs. Alemanha, C-546/07, (matéria não fiscal); 20/5/2008, Orange European Smallcap, C-194/0636; e de 12/12/2006, ACT Group Litigation (Caso C- 374/4) ( No caso, tratava-se de uma sociedade-mãe residente no Reino Unido em relação à qual era reconhecido o direito a um crédito de imposto em relação aos dividendos que recebesse, ao passo que tal crédito de imposto era negado às sociedades –mães não residentes, com excepção das que pudessem invocar normas de CDT celebradas pelo Reino Unido. Neste contexto, o Tribunal de Justiça considerou que o facto de se conceder o direito a um crédito de imposto apenas às sociedades –mães estrangeiras que fossem residentes nos Estados contratantes das CDT que previssem tal crédito, e não às sociedades-mães residentes nos demais Estados-membros, não implicava uma restrição proibida pelo Direito da EU ao direito de estabelecimento das sociedades -mães residentes em Estados aos quais tais CDT não se aplicavam (cfr. parágrafos 88-94).).

4.2.Aplicação do exposto ao caso em apreço.

Como ficou dito, alega a recorrente, entre o mais, que “A fixação de taxas na Convenção de Dupla Tributação entre Portugal e Espanha não é violadora do direito comunitário”(ponto 2 das Conclusões).
E, em face do que ficou exposto, afigura-se que lhe assiste razão.
A questão de saber se o Estado português se encontra obrigado a conceder ao sujeito passivo residente em Espanha as mesmas vantagens fiscais que concede a outros sujeitos passivos residentes noutros Estados-membros, remete-nos para a problemática das relações entre CDT e a observância do primado do direito comunitário, em especial, a articulação com o princípio da não discriminação e se o mesmo exige ou não a obrigatoriedade da cláusula de nação mais favorecida.
Na perspectiva do Direito Fiscal Internacional, a aplicação ao caso em apreço da CDT celebrada entre Portugal e Espanha não implica a violação do princípio da proibição da discriminação, porquanto a discriminação proibida é apenas a que se funda na nacionalidade, mas não já a que se baseia na residência, tal como resulta da nova versão do art. 24º, do Modelo OCDE, dada em 1992 (Cfr.ALBERTO XAVIER, ob. cit., p. 268.).
Nesta sequência, considerando a conexão entre a proibição da discriminação e a cláusula de nação mais favorável, ALBERTO XAVIER pondera que “(…) não viola o princípio da não discriminação a eventual aplicação a rendimentos pagos a não residentes, nacionais de Estados que celebrarem convenções contra a dupla tributação com Portugal, de taxa superior à aplicável a residentes, pois a discriminação não se baseia na nacionalidade do contribuinte, mas apenas na residência”, sendo que, como bem salienta o Autor, “um residente e um não residente - seja qual for a sua nacionalidade – não se encontram na “mesma situação”” ( Cfr. ob. cit., p. 269.).
Na perspectiva do Direito da União, vimos que a jurisprudência do Tribunal de Justiça vazada, entre outros, nos Acórdãos “D” e Act Group Litigation, vai no mesmo sentido (Ver, igualmente, o Acórdão Truck Center (C-282/07). ).
Na verdade, para o Tribunal de Justiça, a situação de sujeitos passivos residentes e não residentes não é em geral comparável ( No Caso Truck Center, ficou consignado que “(…) em matéria de impostos directos, a situação dos residentes e a dos não residentes não são, em regra geral, comparáveis”.), sendo que só existe uma discriminação quando se verifica a aplicação de regras diferentes a situações comparáveis ou aplicação da mesma regra a situações diferentes (Cfr. ANA PAULA DOURADO, “Do Caso Saint-Gobain ao Caso Metallgeselschaft”, Planeamento e Concorrência Fiscal Internacional, Fisco, Lisboa, 2003, p.97.) o que exige a verificação em concreto de uma diferença objectiva relevante entre as situações dos sujeitos passivos.
Ora, a celebração de uma CDT resulta de um processo de negociação entre Estados contratantes soberanos, com base no princípio da reciprocidade e da relatividade das convenções. Assim sendo, como refere PAULA ROSADO PEREIRA, “cada CDT é um compromisso resultante de uma combinação única entre benefícios e transigências mútuas dos Estados contratantes”, razão pela qual a situação dos residentes de cada Estado contratante só é comparável com a dos demais signatários da CDT. Isto é, a análise da não discriminação postula uma comparação entre dois não residentes e daí a justificação para as CDT serem apenas aplicáveis aos residentes de cada Estado contratante.
Defender o oposto, através do funcionamento da cláusula da nação mais favorecida, “corresponderia a uma multilateralização “cega e automática” de vantagens fiscais que foram bilateralmente negociadas” e em contextos particulares não transponíveis de Estado para Estado, o mesmo é dizer de CDT para CDT.
No mesmo sentido, ALBERTO XAVIER ( Cfr. ob. cit., p.278.) pondera que “no que concerne aos tratados contra a dupla tributação, importa ter presente que os mesmos têm por objectivo a aproximação dos sistemas tributários, sendo tidas em conta nas negociações as respectivas conjunturas e políticas fiscais, e sendo os Estados soberanos para decidir a repartição das suas competências tributárias, fazendo-o com base no princípio da reciprocidade. Neste contexto, a aplicação da cláusula da nação mais favorecida poderia levar a distorções incompatíveis com os equilíbrios pretendidos pelas partes”.
Também RUI DUARTE MORAIS ( Imputação de Lucros de Sociedades Não Residentes Sujeitas a um Regime Fiscal Privilegiado, Publicações Universidade Católica, Porto, 2005, p. 523.) pondera que “cada convenção é o resultado de um concreto processo negocial, representa um equilíbrio na repartição da tributação entre os países em causa (…) que resultaria destruído pela aplicação sistemática da regra da preferência comunitária - a qual é mais do que um princípio de não discriminação - que conduziria, na prática, a uma uniformização do direito interno de cada Estado (…) conseguida de forma “automática”, fora dos órgãos da Comunidade (…)”.
E a verdade é nem o TFUE nem em geral a legislação da EU impõem qualquer regra ou princípio relativo à aplicação da cláusula da nação mais favorecida às CDT celebradas pelos Estados -Membros.
Por outro lado, o art. 65º, nº 1, alínea a), do TFUE, refere expressamente que “a proibição de todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados -Membros e países terceiros, (art. 63º, nº1, do TFUE), não prejudica os Estados-Membros de “Aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido” [art. 65º, nº 1, alínea a), do TFUE]. Afigura-se claro que para efeitos dos preceitos mencionados as regras de uma CDT devem ser assimiladas a direito interno dos Estados-membros contratantes.
Assim se compreende a posição do Tribunal de Justiça quanto ao alcance da cláusula da nação mais favorecida, sendo que mesmo nos mencionados Casos Saint-Gobain e Metallgeselschaft a doutrina reconhece que o Tribunal assumiu uma atitude cautelosa face às disposições de CDT baseadas no MC OCDE, dada a sua ampla aceitação internacional, sendo que em tais situações foi possível defender os princípios decorrentes do então Tratado CE sem comprometer as CDT relevantes ou perturbar de forma grave a rede de CDT dos Estados-membros ( Cfr. PAULA ROSADO PEREIRA, ob. cit., p. 334-35.).
Como sublinha ANA PAULA DOURADO ( Cfr. ob. cit., p. 105.), mesmo no caso Metallgeselschaft, no qual se solicitava “um entendimento do princípio da não discriminação, segundo uma cláusula da nação mais favorecida, (…) o Advogado-Geral e o Tribunal foram suficientemente cautelosos de modo a não dar este passo na interpretação do princípio da não-discriminação, proclamando uma cláusula da nação mais favorecida”.
Em suma, embora a Recorrida argumente que “O artigo 351ºdo TFUE e o princípio da preferência comunitária impõe que seja adoptada a cláusula da nação mais favorecida”, de tal modo que “se existir um qualquer dispositivo legal que conceda uma vantagem especial a um residente de um determinado Estado-membro ou a um residente de um país terceiro, essa vantagem deverá ser automaticamente estendida a todos os residentes dos restantes Estados-membros que se encontrem numa situação idêntica”, a verdade é que essa não tem sido a orientação consolidada da Jurisprudência do Tribunal de Justiça nem da doutrina.
Por tudo o que vai exposto, afigura-se que assiste razão à recorrente, pelo que não enfermando as liquidações em causa de qualquer ilegalidade, a sentença recorrida que decidiu em sentido contrário não pode manter-se.
Deve, assim, julgar-se procedente o recurso com a consequente revogação da sentença recorrida.

III- DECISÃO

Termos em que acordam, em conferência, os Juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, conceder provimento ao recurso e revogar a sentença recorrida, julgando improcedente a impugnação, com a consequente manutenção das liquidações impugnadas.

Custas pela Recorrida.
Lisboa, 28 de Novembro de 2012. - Fernanda Maçãs (relatora) - Casimiro Gonçalves - Francisco Rothes.