Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0768/13
Data do Acordão:10/07/2015
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:TRIBUTAÇÃO
DIVIDENDOS
SUJEITO PASSIVO NÃO RESIDENTE
LIVRE CIRCULAÇÃO DE CAPITAIS
CONVENÇÃO PARA EVITAR A DUPLA TRIBUTAÇÃO
Sumário:I - Perante o artigo 24.º da CEDT Portugal/Holanda - no contexto da distribuição de dividendos por uma sociedade residente em Portugal a uma sociedade sua accionista residente na Holanda - é necessário apurar o tratamento fiscal conferido nos Países Baixos aos dividendos em causa -maxime a sua isenção de tributação - para determinar a existência ou não do crédito de imposto e, desse modo, para aferir da eventual neutralização da discriminação decorrente da tributação em sede de IRC de tais rendimentos e fazer respeitar a imposição comunitária da livre de circulação de capitais (art. 56º do Tratado da Comunidade Europeia, actual art. 63º TFUE).
II - É ilegal a retenção na fonte, a título definitivo, que incide sobre dividendos distribuídos a uma entidade residente noutro Estado-Membro, efectuada à luz da legislação fiscal portuguesa, por tal configurar uma violação do direito de livre circulação de capitais, consagrado no art. 56º do Tratado da Comunidade Europeia, actual art. 63º TFUE, face à isenção de tributação no País de residência (Holanda).
Nº Convencional:JSTA000P19485
Nº do Documento:SA2201510070768
Data de Entrada:05/02/2013
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A......BV
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1 – A Fazenda Pública veio recorrer para Tribunal Central Administrativo Sul da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa de 04-09-2012, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A……Holding, NV, posteriormente incorporada na A….., BV, melhor identificada nos autos (fls. 334), contra o indeferimento das reclamações graciosas da liquidação de IRC, referente aos exercícios de 2004, 2006 e 2007, devidas por retenção na fonte, nos respectivos montantes de 328.772,15 €, 657.544,31€ e 657.544,31€.

Termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

«1. Visa o presente recurso reagir contra a doutra decisão que julgou a impugnação judicial procedente, condenando a Fazenda Pública no pedido de restituição do imposto retido, e ao pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento do imposto, até à data da emissão da respectiva nota de crédito, fixando à causa o valor de € 1.052.792, que corresponde ao após a redução do pedido.
2. Pelo elenco de fundamentos acima descritos, infere-se que a douta sentença, ora recorrida, julgou procedente a impugnação à margem referenciada com as consequências aí sufragadas, por ter considerado que o direito comunitário tinha sido violado, ou seja, o impugnante foi discriminado em relação aos residentes do Estado-Membro.
3. Por outro lado, a douta sentença considerou que haveria lugar a juros indemnizatórios por erro ser imputável aos serviços.
4. Neste âmbito, o thema decindendum, assenta em determinar se houve ou não discriminação injustificada entre accionistas residentes e não residentes em Portugal e, concomitantemente violação do direito comunitário quanto à igualdade de tratamento entre os vários sujeitos passivos.
5. Relativamente à causa decindendi a Administração Tributária aquilatou que a Douta sentença não ponderou devidamente os factos mencionados, pois os preceitos em causa não violam o direito comunitário, não havendo qualquer discriminação entre residentes e não residentes.
6. O que acontece é que, tal como referido na contestação, o Estado da residência do impugnante, à luz do consagrado no art.º 4.º da Directiva n.º 90/435/CEE, do Conselho de 23/07 ou se abstém de tributar esses lucros ou os tributa, autorizando a sociedade a deduzir do montante do imposto a fracção do imposto da afiliada correspondente a tais lucros.
7. Ora, se é o Estado-Membro da impugnante, ou seja, Holanda, que isenta ou tributa, não se vislumbra como é que a legislação portuguesa viola o direito comunitário.
8. Além do mais, a entidade distribuidora dos dividendos, B……, efectuou a retenção na fonte a lei interna portuguesa, nos termos dos artºs 90.º n.º 1 al. c), 46.º n.º 1, 80.º n.º 2 al. c), 14.º n.º 3 e 89.º n.º 1, todos do CIRC, não padecendo estas disposições de quaisquer incompatibilidades com o princípio de liberdade de capitais consagrado no direito comunitário.
9. Assim sendo, uma vez que os preceitos a nossa legislação interna não violam os princípios do direito comunitário, designadamente a não discriminação entre tributação efectuada a residentes e a não residentes, não poderá haver lugar a juros indemnizatórios por facto imputável à Administração Tributária.
10. Pelo exposto, somos de opinião que o douto Tribunal “a quo” baseou a sua fundamentação na errónea apreciação das razões de facto e de direito que se encontram subjacentes ao acto de liquidação sindicado, em clara e manifesta violação dos requisitos legalmente consignados no disposto nos artºs 90.º n.º 1 al. c), 46.º nº 1, 80.º nº 2 al. a 14.º n.º 3 e 89.º n.º 1, todos do CIRC bem como da Directiva n.º 90/435/CEE, do Conselho e 23/07 e dos art.º 12.º, 46.º, 48.º e 56.º do Tratado CE.»

2 – A recorrida, A……Holding NV apresentou as sua contra alegações com as seguintes conclusões:
«a. O recurso interposto pela FP assenta unicamente na discussão acerca (i) da errada transposição da Directiva Mães-filhas e (ii) na falta de comparabilidade entre a situação da sociedade beneficiária de dividendos quando é residente e quando não é residente.
b. Quanto ao primeiro ponto, cabe clarificar que nem a pretensão da Recorrida, nem a decisão do Tribunal a quo põe em crise a transposição de direito comunitário derivado, o qual se encontra fora do objecto da presente acção.
c. Já quando à questão da comparabilidade entre a situação de uma entidade residente e de uma entidade não residente, existe hoje jurisprudência assente do Tribunal de Justiça e dos Tribunais nacionais sobre a matéria, sendo assente que as situações são comparáveis e que o regime é discriminatório.
d. A obrigação de proceder à retenção na fonte sobre os dividendos recebidos por entidades não residentes decorria do n.º 1, c) do artigo n.º 88., e nº 2, c) do artigo n.º 80.º do CIRC, nas redacções em vigor à data dos factos, bem como do n.º 3 do artigo n.º 14.º do CIRC a contrario.
e. A mesma obrigação de proceder a retenção na fonte estava prevista para entidades residentes em território nacional, a qual estabelecia a dispensa deste dever bem como não tributação dos dividendos recebidos nos termos dos artigos 90.º n.º 1 c) e 46.º n.º 1 (nas redacções em vigor à data).
f. A análise comparativa dos referidos regimes conduz à conclusão de que as entidades residentes beneficiavam da isenção da tributação dos dividendos (e não apenas da dispensa de retenção na fonte sobre os mesmos) em condições substancialmente mais favoráveis do que as entidades beneficiárias não residentes.
g. Sendo residente para efeitos fiscais na Holanda, a Recorrida foi sujeita a retenção na fonte em Portugal.
h. Contudo, caso fosse considerada residente para efeitos fiscais em Portugal, os lucros distribuídos pelo B……. incluídos na base tributável, seriam deduzidos para efeitos e determinação do lucro tributável da beneficiária e estariam dispensados de retenção na fonte.
i. Em suma, não incidiria qualquer tributação ao nível da beneficiária sobre os dividendos recebidos, verificando-se assim uma desigualdade de tratamento unicamente com base no local de residência, a qual deve ser considerada discriminatória e como tal violadora da liberdade de circulação de capitais.
j. No caso em análise, embora estejamos perante uma sociedade residente e uma sociedade não residente em território Português, as situações são objectivamente comparáveis porquanto as diferenças de tratamento não se justificam por quaisquer diferenças objectivas entre a situação das entidades residentes e daquelas não residentes (acórdãos Schumacher, já, referido, nos 36 a 38, e Asscher, já referido, nº 42) - Cfr. Acórdão Royal Bank of Scotland (C- 311/97), n.º 27. Sobre esta matéria, cfr. Acórdão Avoir Fiscal (Proc. C-270/83), n. º 19, Commerzbank (Proc. C-330/91), n.º 17, Acórdão Test Claimants in Class IV of the ACT Group Litigation (Proc. C-374/04), n.º 68, todos disponíveis em http://curia.europa.eu/.
k. Ora, conforme foi decidido repetidas vezes pelo Tribunal de Justiça (designadamente nos acórdãos proferidos nos processos Test Claimants in Class IV of the ACT Group Litigalion, Denkavit Internationaal e Denkavit France, Amurta, Secilpar e Amorim Energia BV) e acolhidas pela jurisprudência dos Tribunais nacionais (entre outros, vide Ac. STA de 29.02.2012, proc. 01017/11), as situações, como a da Recorrida são situações comparáveis na medida em que “a partir do momento em que um Estado-Membro, de modo unilateral ou por via convencional sujeita ao imposto sobre o rendimento não só os accionistas residentes mas também os accionistas não residentes, relativamente aos dividendos que recebam de uma sociedade residente, a situação dos referidos accionistas não residentes assemelha-se à dos accionistas residentes (acórdãos, já referidos, Test Claimants in Class IV of the ACT Group Litigation n.º 68, Denkavit Internationaal e Denkavit France, nº 35 e Amurta, nº38).
l. Deste modo, ter-se-á de concluir que as situações em discussão são objectivamente comparáveis, pelo que estamos verdadeiramente perante um caso de discriminação e não de mero tratamento desigual justificado pelas diferenças objectivas de tributação entre residentes e não residentes, como pretende a FP.
m. A referida discriminação do tratamento não é resolvida nem pelo direito interno nem por via convencional, já que na Convenção celebrada com a Holanda se estabelece como método de eliminação da dupla tributação jurídica o método da imputação ordinária e não o método a Imputação integral, sendo este último o único que permite neutralizar a dupla tributação económica a que a Recorrida foi sujeita, mitigando assim a desvantagem económica causada pela norma doméstica discriminatória (a qual só seria totalmente eliminada se a Holanda concedesse um crédito de imposto integral no exacto momento em que foi retido imposto em Portugal - caso contrário sempre subsistiria um cash-flow disadvantage).
n. Na prática, a Recorrida não beneficiou de qualquer crédito de imposto, porquanto os dividendos recebidos se encontram isentos de tributação na Holanda ao abrigo do regime de participation exemption holandês.
o. Desta forma, a Recorrida foi obrigada a efectuar um esforço fiscal maior - correspondente à retenção efectuada - do que uma sociedade nas mesmas condições (i.e, mesmo nível de participação, pelo mesmo período) residente em território nacional.
p. Esta diferença de tratamento consubstancia uma restrição da liberdade de circulação de capitais, porquanto reduz o retorno económico que uma sociedade não residente obtém de uma participação social numa sociedade Portuguesa, em comparação com a detenção, em iguais condições, por parte de uma sociedade residente em Portugal.
q. Nestes termos, ao impor um esforço fiscal superior a sociedades não residentes - quando comparado com sociedades residentes nas mesmas condições - a legislação nacional criou um obstáculo ao investimento em Portugal por parte de residentes de outros Estados-Membros, i.e., uma restrição à livre circulação de capitais.
r. Assim, a violação invocada tem, não só, correspondência legal - o actual art. 63.º do TFUE - como apoio em jurisprudência assente e recorrente do Tribunal de Justiça e dos Tribunais nacionais, que inclusivamente já se pronunciaram no sentido de as diferenças de tributação sobre os dividendos serem discriminatórias e restritivas da liberdade de circulação de capitais em situações idênticas à da Recorrida nos já citados processos Amurta, Secilpar e Amorim Energia, BV (este último especificamente sobre as normas nacionais).
s. Tal como já foi referido, o Direito da União Europeia tem primazia sobre as normas de direito interno, nos termos do art. 8.º, n.º 4 da CRP, gozando o princípio da liberdade de circulação de capitais, incluído no art. 56.º do TCE (actual art. 63.º e seguintes do TFUE), de aplicação directa no nosso ordenamento jurídico, impondo uma clara, precisa e incondicional obrigação de abstenção.
t. Desta forma, estando residentes e não residentes em situações comparáveis, o benefício de uma isenção de tributação deve, igualmente, ser entendido a residentes e não residentes nos mesmos exactos termos.
u. Tal tratamento igual apenas poderia ser preterido mediante uma justificação nos termos estabelecidos pelo direito comunitário e pela sua jurisprudência (e apenas em medida proporcional), justificação essa que, não só não foi alegada ou demonstrada, como não existe.
v. Nestes termos, a retenção na fonte de que a Recorrida foi alvo no âmbito da distribuição de dividendos do B……. ora em crise, é ilegal por violadora da liberdade de circulação de capitais consagrada no art. 56.º e seguintes do TCE (actual art. 63.º do TFUE) porquanto, embora titular de uma participação social representativa de menos de 10% do capital social do B…….., a verdade é que o valor de aquisição das mesmas é consideravelmente superior a EUR 20.000.000 (vinte milhões de euros), cumprindo deste modo os requisitos exigidos pela lei interna para isenção de tributação dos lucros distribuídos entre entidades residentes em Portugal.
w. Sobre esta matéria, já se pronunciaram diversas vezes o Tribunal de Justiça e os Tribunais nacionais, dando provimento às pretensões dos particulares, pelo que esteve bem o Tribunal a quo ao considerar que “a impugnante foi objecto de um tratamento menos favorável tão só pelo facto de se tratar de uma entidade não residência em Portugal, não se verificando qualquer diferença objectiva ou a ocorrência de qualquer “razão imperiosa de interesse geral” no sentido que lhe é dado pela Jurisprudência do TJUE supra citada que justifique tal tratamento à luz ao Tratado (como é aliás, reafirmado no acórdão proferido em 3 de junho de 2010, no processo (C-487/08, citado por último, num caso que é similar ao presente)”
x. A consagração do direito aos juros indemnizatórios prevista nos artigos 43.º e 100.º da LGT bem como no artigo 61.º do CPPT, mais não é do que a concretização, em matéria fiscal, do direito à indemnização que tem fundamento constitucional no artigo 22º da Constituição da República Portuguesa (doravante “CRP”).
y. A imputabilidade do erro aos serviços visa excluir unicamente as situações em que o erro seja imputável ao sujeito passivo e a AT não tenha tido oportunidade de o corrigir;
z. É jurisprudência constante dos tribunais superiores portugueses que a «havendo erro de direito na liquidação, por aplicação de normas nacionais que violem o direito comunitário e sendo ela efectuada pelos serviços, é à administração tributária que é imputável esse erro, sempre que a errada aplicação da lei não tenha por base qualquer informação do contribuinte. (Ac. do STA de 12/12/2001, rec. 26.233)”
aa. No presente caso, a ilegalidade da liquidação não decorre de qualquer erro do sujeito passivo ou do substituto tributário mas antes da aplicação directa das normas de direito interno que inequivocamente impunham o dever de retenção na fonte sobre os dividendos pagos a entidades não residentes;
bb. Ilegalidade essa que foi mantida pela AT em todas as oportunidades que teve para revogar o acto e que continua a ser defendida no presente recurso;
cc. Também quanto a este aspecto esteve bem o Tribunal a quo ao decidir que “tendo-se concluído que as liquidações de imposto impugnadas padecem de vício de violação de lei daí decorre que as mesmas são consequência de um erro imputável ao serviço nos termos da citada disposição, pelo que se encontram reunidos os pressupostos para a condenação da administração tributária a pagar juros indemnizatórios à impugnante (...) desde a data do pagamento indevido até à data da emissão da respectiva nota de crédito”.
dd. Pelo que devem ser pagos juros indemnizatórios desde a data da retenção na fonte, porquanto o referido acto teria sido praticado nos exactos mesmo moldes se houvesse sido praticado ab initio pela AT e não por um substituto tributário

3 – O recurso foi interposto no Tribunal Central Administrativo Sul, o qual, por acórdão exarado a fls. 361 e segts dos autos, se declarou incompetente em razão da hierarquia, para conhecer do mesmo, por ter como fundamento, exclusivamente matéria de direito, considerando competente para esse efeito, a secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.

4 – Notificadas as partes para, querendo, se pronunciarem sobre esta questão prévia, veio o recorrente concordar com a remessa do processo para este Tribunal.


5 – O Exmº Procurador Geral Adjunto emitiu douto parecer, com a seguinte fundamentação que, na parte mais relevante se transcreve:
(…) Questão decidenda: conformidade com o princípio de direito comunitário da livre circulação de capitais (art.63º TFUE) das normas constantes da legislação portuguesa que constituem o suporte jurídico da retenção na fonte do imposto incidente sobre os lucros distribuídos a entidades accionistas não residentes (arts.14º nº3, 46º nº1, 80º nº2 al. c), 89º nº1 CIRC (numeração e redacção vigentes nos anos 2004/2007), por confronto com a norma constante do art. 90º nº1 al. c) CIRC (numeração e redacção vigentes nos anos 2004/2007) que dispensa a retenção na fonte do imposto incidente sobre os lucros distribuídos a entidades accionistas com residência no território português.
1. Questão semelhante (tributação de juros) foi apreciada no acórdão TJUE proferido em 22 dezembro 2008 (processo nº C-282/07), tendo sido emitida pronúncia nos seguintes termos:
Os artigos 52º do Tratado CE (que passou, após alteração a artigo 43º CE), 580 do Tratado CE (actual artigo 48º CE), 73º-B e 73º-D do Tratado CE (actuais, respectivamente, artigos 56º CE e 58º CE), devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma regulamentação fiscal de um Estado-membro que obriga à retenção na fonte do imposto sobre os juros pagos por uma sociedade residente desse Estado a uma sociedade beneficiária residente de outro Estado-Membro, embora isente dessa retenção os juros pagos a uma sociedade beneficiária residente do primeiro Estado-membro cujos rendimentos são tributados neste último Estado-Membro a título do imposto sobre as sociedades.
No considerando 41. do acórdão afirma-se que a diferença de regulamentação fiscal estabelecida entre sociedades beneficiárias dos juros consoante estabelecidas no Estado-Membro em causa ou em outro Estado-Membro radica em situações que não são objectivamente comparáveis.
Este considerando deve ser conjugado com o considerando 32 do acórdão TJUE proferido em 8 novembro 2007 (processo C-379/05), que apreciou questão semelhante de diferença de tratamento fiscal resultante das diferentes residências de sociedades beneficiárias de dividendos distribuídos
32. (...) há que distinguir tratamentos desiguais, permitidos nos termos do artigo 58º, nº 1, alínea a), CE, das discriminações proibidas pelo nº deste mesmo artigo.
(…) para que uma regulamentação fiscal nacional (...) possa ser considerada compatível com as disposições do Tratado relativas à livre circulação de capitais , é necessário que a diferença de tratamento respeite a situações não comparáveis objectivamente ou se justifique por razões imperiosas de interesse geral (v. acórdãos de 6 de Junho de 2000, Verkoojjen,C-35/98 (…); de 7 de Setembro de 2004, Manninen, C-319/02 (..); e de 8 de Setembro de 2005,Blanckaert,C-512/03(...)
A Comissão Europeia instaurou acção por incumprimento contra o Estado Português (art.258º TFUE), onde se suscitava a questão decidenda semelhante à apreciada neste processo, a qual foi julgada improcedente pelo TJUE por falta de prova do incumprimento imputado ao Estado Português (acórdão 17.06.2010 processo nº C105/08)
2. No caso concreto carece igualmente de demonstração a alegação de que a carga fiscal resultante da retenção na fonte incidente sobre os lucros distribuídos à recorrida A……Holding NV, podendo ser neutralizada por aplicação de um crédito de imposto (Convenção para evitar a dupla tributação e prevenir a evasão fiscal em matéria de impostos sobre o rendimento, celebrada entre Portugal e a Holanda (CDT) aprovada pela Resolução da Assembleia da República nº 62/2000 (Diário da República - I Série - A - 12-7-2000-art.24º nºs 2 e 4 CDT) era mais gravosa do que a incidente sobre lucros distribuídos a entidades residentes, sujeitos a IRC à taxa nominal de 30% (nos anos das retenções na fonte).
3. Sobre a questão decidenda pronunciou-se o recente acórdão STA-SCT 20.02.2013 processo nº 1435/12, seguindo linha argumentativa consonante com as antecedentes considerações, condensada no respectivo sumário:
1. Não decorre nem do Direito da União nem da jurisprudência do Tribunal de Justiça para os sujeitos passivos não residentes em Portugal e sem estabelecimento estável em território português (e residentes num Estado-Membro da União Europeia) um direito à igualdade de tributação em relação aos residentes (em matéria de impostos directos), prevendo, pelo contrário, o TJUE que a proibição de todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros (art. 63 nº 1, do TFUE), não prejudica os Estados-Membros de aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam um distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao local de residência [art. 65º nº1, alínea a), do TFUE].
2. A jurisprudência do Tribunal de Justiça revela, em termos genéricos, que o uso da residência como elemento de conexão, bem como a diferenciação fiscal entre sujeitos passivos residentes e não residentes, tanto na legislação interna dos Estados como nas Convenções sobre Dupla Tributação, é aceitável e não contraria as liberdades de circulação, nem consubstancia uma discriminação contrária aos Tratados Europeus, em virtude de os residentes e os não residentes não se encontrarem, em geral, em situações comparáveis, porque assentes numa diferença objectiva relevante entre os sujeitos passivos.
3. No caso em apreço, a Administração Tributária, ao tributar os dividendos através da retenção na fonte à taxa de 10%, limitou-se a dar cumprimento ao estatuído no regime jurídico constante da referida Convenção sobre Dupla Tributação celebrada entre Portugal e os Países Baixos, não incorrendo em qualquer ilegalidade, pois decorre do mesmo diploma que a referida retenção será neutralizada por aplicação de um crédito de imposto, nos termos do estatuído no art. 24º, nºs 2 e 4, no país da residência, sendo que se pela via do direito do Estado de residência não é possível efectivar-se o crédito de imposto conferido pela referida Convenção, tal argumento não pode ser oponível ao país da fonte, que se limita a fazer aplicação do quadro legal vigente na sua ordem jurídica.
CONCLUSÃO
O recurso merece provimento.
A sentença impugnada deve ser revogada e substituída por acórdão declaratório da improcedência da impugnação judicial, com a manutenção dos actos de retenção na fonte na ordem jurídica.»

6 - Colhidos os vistos legais, cabe decidir.

7- Em sede factual apurou-se a seguinte matéria de facto:
A) A Impugnante é uma sociedade comercial de Direito Holandês denominada “besloten vennootschap met beperkte aansprakelijkheid” com sede na Holanda, sem direcção efectiva ou estabelecimento estável em território nacional (cf. Documento de fls. 66 e ss dos autos).
B) A Impugnante, em 19/05/1999 tornou-se accionista do “B…….”, contribuinte n.º ……., sociedade com sede em Portugal, adquirindo 6.000.000 acções por um valor unitário de 26,63€, no montante total de 159.780.000, procedendo a sucessivas aquisições até 2008 (cfr. documento de fls. 59 dos autos).
C) Em 13 de Abril de 2004 o “B………”, contribuinte n.º ………procedeu à distribuição de dividendos aos seus accionistas, de entre eles a Impugnante titular de 65.874.572 acções, valor unitário de 0,06€ por acção (cfr. documento de fls. 36 e ss dos autos).
D) No âmbito da distribuição de dividendos mencionada na alínea anterior a Impugnante auferiu o rendimento bruto de 3.952.474,32€, o qual foi objecto de retenção na fonte, à taxa de 25%, no montante total de 328.772,15€ (cfr. documento de fls. 33 e ss dos autos).
E) Em 26 de Dezembro de 2007 a Impugnante apresentou pedido de reembolso parcial do imposto português sobre dividendos mencionado na alínea anterior, ao abrigo da convenção para evitar a dupla tributação celebrada entre Portugal e a Holanda (cfr. documento de fls. 41 dos autos).
F) Em 06 de Abril de 2006 o “B…….”, contribuinte n.º …….. procedeu à distribuição de dividendos aos seus accionistas, de entre eles a Impugnante titular de 88.857.339 acções, valor unitário de 0,037€ por acção (cfr. documento de fls. 44 e ss dos autos).
G) No âmbito da distribuição de dividendos mencionada na alínea anterior a Impugnante auferiu o rendimento bruto de 3.287.721,54€, o qual foi objecto de retenção na fonte, à taxa de 20%, no montante total de 657.544,31€ (cfr. documento de fls. 44 e ss dos autos).
H) Em 19 de Março de 2008 a Impugnante apresentou pedido de reembolso parcial do imposto português sobre dividendos mencionado na alínea anterior, ao abrigo da convenção para evitar a dupla tributação celebrada entre Portugal e a Holanda (cfr. documento de fls. 49 dos autos).
I) No âmbito do pedido mencionado na alínea anterior, a Impugnante foi reembolsada no montante de 328.772,15€ (cfr. art. 17.º da p.i. - confissão).
J) Em 29 de Novembro de 2007 o “B……”, contribuinte n.º ……… procedeu à distribuição de dividendos aos seus accionistas, de entre eles a Impugnante titular de 88.857.339 acções, valor unitário de 0,37€ por acção (cfr. documento de fls. 51 e ss dos autos).
K) No âmbito da distribuição de dividendos mencionada na alínea anterior a Impugnante auferiu o rendimento bruto de 3.287.721,54€, o qual foi objecto de retenção na fonte, à taxa de 20%, no montante total de 657.544,31€ (cfr. documento de fls. 51 e ss dos autos).
L) Em 10 de Dezembro de 2007 a taxa de retenção na fonte referida na alínea anterior foi corrigida para 10% Impugnante, ao abrigo da convenção para evitar a dupla tributação celebrada entre Portugal e a Holanda, sendo o montante retido na fonte de 328.772,15€ (cfr. documento de fls. 56 dos autos).
M) Relativamente aos dividendos pagos em 13 de Abril de 2004 pelo “B……..” a Impugnante deduziu pedido de revisão oficiosa em 14 de Abril de 2008 (cfr. documento de fls. 133 dos autos).
N) O pedido de revisão oficiosa não foi decidido no prazo de 6 meses (cfr. Processo Administrativo).
O) Relativamente aos dividendos pagos em 6 de Abril de 2006 pelo “B……..” a Impugnante deduziu reclamação graciosa no dia 7 de Abril de 2008 (cfr. documento de fls. 134 dos autos).
P) A reclamação graciosa não foi decidida no prazo de 6 meses (cfr. Processo Administrativo).
Q) Relativamente aos dividendos pagos em 29 de Novembro de 2007 a Impugnante deduziu reclamação graciosa no dia 19 de Maio de 2008 (cfr. fls. 135 dos autos).
R) A p.i foi apresentada junto do então 5.º Bairro da Repartição de Finanças de Lisboa em 05/01/2009 (cfr. carimbo, a fls. 2 dos autos).

8. Do objecto do recurso
Como se viu o recurso foi interposto no Tribunal Central Administrativo Sul, o qual, por acórdão constante de fls. 361 e segts., veio a declarar-se incompetente, em razão da hierarquia, para dele conhecer, por considerar que tem por fundamento exclusivamente matéria de direito.
E de facto, porque apenas está em causa a interpretação das regras jurídicas aplicáveis, não havendo controvérsia a este propósito, também aqui se entende, na perspectiva considerada pelo Tribunal Central Administrativo Sul, que o recurso tem por exclusivo objecto matéria de direito (nº 1 do art. 280º do CPPT).
Há, assim que apreciar o presente recurso.
No caso, atentas as conclusões das alegações de recurso, constatamos que a Fazenda Pública delimita "thema decidendum " como sendo «determinar se houve ou não discriminação injustificada entre accionistas residentes e não residentes em Portugal e, concomitantemente violação do direito comunitário quanto à igualdade de tratamento entre os vários sujeitos passivos.» (cf. conclusão 4ª).
Vistos, porém, o segmento decisório da sentença recorrida e os fundamentos invocados pela recorrente para pedir a sua alteração, podemos concluir que a questão objecto do recurso consiste em saber se incorre em erro de julgamento a sentença recorrida que julgou que a retenção na fonte efectuada sobre os dividendos colocados à disposição da recorrida (pessoa colectiva de direito Neerlandês com sede nos Países Baixos) pelo Banco B……., padece de ilegalidade por violação do direito comunitário causando entrave à livre circulação de capitais e violação do princípio da igualdade fiscal entre residentes e não residentes.
Assim, e tendo presente o direito nacional relevante e o quadro jurídico aplicável à data dos factos (pagamento de dividendos de 13 de Abril de 2004, 6 de Abril de 2006 e 29 de Novembro de 2007 - pontos C, F e J do probatório) a questão decidenda prende-se com a conformidade com o princípio de direito comunitário da livre circulação de capitais (arts. 56 e 58º do Tratado que instituiu a Comunidade europeia, actualmente arts.63º e 65º do TFUE) das normas constantes da legislação portuguesa que constituem o suporte jurídico da retenção na fonte do imposto incidente sobre os lucros distribuídos a entidades accionistas não residentes (arts.14º nº3, 80º nº2 al. c), 88º nº1, al. c) CIRC (numeração e redacção vigentes nos anos 2004/2007), por confronto com as normas constantes dos arts. 46º nº1 e 90º nº1 al. c) CIRC (numeração e redacção vigentes nos anos 2004/2007) que dispensa a retenção na fonte do imposto incidente sobre os lucros distribuídos a entidades accionistas com residência no território português.

Os tributos impugnados foram enquadrados na norma de incidência prevista no artº 4º, nº3, al. c) subalínea 3) do CIRC sendo objecto de retenção na fonte a título definitivo, nos termos do artº 88 nº 1 alínea c) e nº 3 alínea b) do mesmo diploma.
O tribunal a quo, apoiando-se na análise da jurisprudência comunitária sobre a matéria (Acórdão Denkavit II, processo C-170/05, Acórdão Amurta, processo nº C-379/05, acórdão de 3.06.2010, processo C-487/08, Comissão vs. Espanha e Despacho do TJ de 22 de Novembro de 2010, Secilpar, C-199/10) considerou haver incompatibilidade do regime fiscal português com o princípio comunitário da liberdade de circulação de capitais, face ao tratamento discriminatório entre os accionistas residentes em Portugal e os accionistas residentes em outros Estados membros, segundo o disposto no artº 56º do TCE (actual artº 63º e segts do T.F.U.E.) e consequentemente do artº 8º, nº4 da CRP em conformidade com o artº 135º do CPA.

Para chegar a tal conclusão ponderou a decisão recorrida que as liquidações de imposto impugnadas padecem de vício de violação de lei, consubstanciado na violação do princípio da livre circulação de capitais com base em diversos fundamentos, entre os quais o facto de a nossa legislação não sujeitar a retenção na fonte à prova de que os rendimentos tributados são deduzidos no país de residência e por outro lado o facto de a legislação holandesa consagrar a “participation exemption”, que isenta de tributação os dividendos auferidos, designadamente pelas besloten vennootschap como é a impugnante, desde que haja uma participação superior a 5%, o que também sucede no caso em apreço, não sendo considerados custos nem podendo ser deduzidos os valores suportados no estado fonte, a título de retenção na fonte, exceptuando alguns casos de países em vias de desenvolvimento (cf. arts. 10.º e 13.º, do Wet op de vennootschapsbelasting, e 31.º, do Besluit voorkoming dubbele belasting 2001).

A questão assim suscitada refere-se, pois, à tributação de dividendos distribuídos por sociedade residente em território nacional a sociedade não residente, com sede nos Países Baixos, e é idêntica à que foi objecto da jurisprudência deste Supremo Tribunal, nomeadamente no Acórdão do Pleno de 09/07/2014, recurso n.º 01435/12, por nós relatado, e no Acórdão de 12.11.2014, recurso 461/14, ambos publicados in www.dgsi.pt.

Sendo que neste último processo estavam em causa os dividendos também distribuídos pelo Banco B…….., SA, à sociedade C…….. BV, a qual deduziu reclamação graciosa em coligação com a ora recorrida, tendo posteriormente deduzido impugnação em separado - vide fls. 87 dos presentes autos (1º vol.) e processo instrutor em apenso.

Assim, e porque a concreta situação dos autos não diverge de modo substancial daquelas situações já tratadas por este Supremo Tribunal nos referidos Acórdãos 1435/12 e 461/14, iremos seguir de perto a respectiva argumentação jurídica.

Como se disse naquele primeiro acórdão (do Pleno):
(….) a mais recente jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo tem-se pronunciado, por diversas vezes, em sentido claramente divergente à tese acolhida no acórdão recorrido, ou seja, no sentido de que o regime português de tributação por retenção na fonte com natureza definitiva dos dividendos distribuídos a sociedades não residentes, mas residentes em estados membros da UE é discriminatório e violador dos princípios da liberdade de estabelecimento e da livre circulação de capitais, se os mesmos dividendos se encontram isentos de imposto sobre o rendimento no Estado da residência, não se permitindo aí a dedução, compensação ou recuperação de qualquer imposto pago em Portugal – cf. Acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 29.02.2012, recurso 1017/11, de 28.11.2012, recurso 482/10, de 29.05.2013, recurso 322/13, de 27.11.2013, recurso 654/13, de 18.12.2013, recurso 568/13, de 09.04.2014, recurso 1318/13 e de 21.05.2014, recurso 1192/13, todos in www.dgsi.pt.
(….)
7. Deste modo, verificada a oposição, cumpre decidir a questão objecto do recurso que, tal como a recorrente a configura nas suas alegações, é a de saber se o regime decorrente do artigo 24º, nºs 2 e 4, da CEDT Portugal/Países Baixos encerra a concessão de um crédito de imposto no Reino dos Países Baixos, equivalente ao imposto suportado em Portugal, e permite neutralizar os efeitos lesivos, assentes na incompatibilidade com a liberdade de circulação de capitais prevista no artigo 63.º do TFUE (ex-artigo 56.º do TCE), do tratamento diferenciado em sede de IRC entre accionistas residentes e não residentes.
(….) entendemos, de acordo com o que vem sendo dito, de forma clara, pela jurisprudência do TJUE, que “quando um Estado-Membro invoca uma convenção celebrada com outro Estado-Membro, destinada a evitar a dupla tributação, cabe ao órgão jurisdicional nacional determinar se há que tomar em consideração essa convenção no litígio no processo principal e, sendo caso disso, verificar se esta convenção permite neutralizar os efeitos da restrição à livre circulação de capitais” (Ac.do TJUE proferido no processo C-379/05, Amurta SP contra Inspecteur van de belastingdienst/Amsterdam)
Como sublinha, João Félix Pinto Nogueira (Neutralização na distribuição de dividendos a sociedades não residentes, Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, ano VI, tomo 3, pag.313) o TJUE não se prende com a forma jurídica que assuma o crédito, e tem aceitado que a neutralização possa ocorrer tanto como consequência de um crédito integral, como por força de um crédito ordinário.
Porém, não basta a previsão de um qualquer método de crédito na convenção sendo necessária uma neutralização efectiva, isto é, que o sujeito passivo seja efectivamente capaz de imputar toda a retenção sofrida na fonte em imposto a suportar no Estado da residência.

Como ficou expresso no despacho do Tribunal de Justiça de 18 de Junho de 2012, proferido no processo C-38/11, na sequência de pedido de decisão prejudicial suscitado no âmbito do acórdão fundamento, “ o Tribunal de Justiça já declarou, relativamente ao método de imputação para a prevenção da dupla tributação, que a aplicação desse método deve permitir que o imposto sobre os dividendos cobrado no Estado de residência da sociedade que procede à distribuição desses dividendos seja totalmente imputado ao imposto devido no Estado de residência da sociedade beneficiária, de modo a que, se sobre os dividendos recebidos por essa sociedade incidir, no final, uma tributação superior à que incide sobre os dividendos pagos a sociedades residentes no primeiro Estado-Membro, essa carga fiscal superior já não seja imputável ao Estado de residência da sociedade distribuidora, mas ao Estado de residência da sociedade beneficiária, que exerceu o seu poder tributário (….).
Por conseguinte, a diferença de tratamento decorrente da retenção na fonte no Estado de residência da sociedade que procede à distribuição dos dividendos só pode ser neutralizada através deste método de imputação se os dividendos provenientes do Estado-Membro de residência da sociedade que procede à distribuição forem suficientemente tributados no outro Estado-Membro. Ora, se esses dividendos não forem tributados ou não o forem num montante suficiente, não é possível imputar o montante de imposto cobrado no Estado-Membro de residência da sociedade que procede à distribuição, ou uma fracção dele» (v. acórdãos de 19 de Novembro de 2009, Comissão/Itália, C-540/07, de 3 de Junho de 2010, Comissão/Espanha, C-487/08, e de 20 de Outubro de 2011, Comissão/Alemanha, C-284/09, Colet., p. I-0000, n.º 63).).

Quer isto dizer, tal como concluiu o TJUE, que para se alcançar a neutralização é necessário que os dividendos distribuídos sejam efectivamente tributados no Estado da residência. Se o não forem, ou não o forem a um nível suficiente, então não se produz a total anulação dos efeitos discriminatórios provocados pela originária retenção na fonte e não há neutralização( Vide neste sentido, João Félix Pinto Nogueira, ob. citada, pag.313.).
Também neste sentido, e na sequência desta jurisprudência do TJUE, a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo tem afirmado por diversas vezes que o regime português de tributação por retenção na fonte com natureza definitiva dos dividendos distribuídos a sociedades não residentes, mas residentes em estados membros da UE é discriminatório e violador dos princípios da liberdade de estabelecimento e da livre circulação de capitais, se os mesmos dividendos se encontram isentos de imposto sobre o rendimento no Estado da residência, não se permitindo aí a dedução, compensação ou recuperação de qualquer imposto pago em Portugal – cf. acórdãos supracitados em 6.3.

Ora no caso em apreço, tal como no caso sobre que versou o acórdão fundamento estava em causa a CEDT Portugal/Países Baixos a qual, juntamente com as normas internas de tributação em IRC e as normas legais vigentes nos países baixos, faz parte do quadro jurídico aplicável com vista a aferir da possibilidade de neutralização dos efeitos de restrição à livre circulação de capitais provocados pela originária retenção na fonte.
O método de prevenção da dupla tributação está previsto no artigo 24.º daquela Convenção, que dispõe no seu nº 2:
«Os Países Baixos, ao tributarem os seus residentes, podem incluir na base sobre a qual esses impostos incidem os elementos do rendimento do capital que, de acordo com o disposto nesta convenção, podem ser tributados em Portugal”.
E, no nº 4, acrescenta-se: “(…) os Países Baixos concedem uma dedução do imposto dos Países Baixos assim calculado relativamente aos elementos do rendimento e do capital que, nos termos do nº 2 do artigo 10º, do nº 2 do artigo 11º, do nº 2 do artigo 12º, do nº 5 do artigo 13º, do nº 1, alínea b), do artigo 14º, do artigo 16º, do artigo 17º, do nº 3 do artigo 18º e dos nºs 1 e 2 do artigo 23º desta Convenção, podem ser tributados em Portugal na medida em que tais elementos estejam incluídos na base referida no nº 2. O montante desta dedução será equivalente ao imposto pago em Portugal sobre esses elementos do rendimento ou do capital, mas não excederá o montante da redução que seria concedida se os elementos do rendimento ou do capital assim incluídos fossem os únicos elementos do rendimento ou do capital isentos de imposto dos Países Baixos de acordo com as disposições da legislação dos Países Baixos relativa à eliminação de dupla tributação”.

A convenção adoptou assim um método de crédito ordinário de imposto em que a dedução permitida pelo Estado da residência é limitada à fracção do respectivo imposto correspondente aos rendimentos com origem no outro Estado.»

No caso sub judice, tal como na situação concreta relatada no acórdão 461/14 e no Acórdão do pleno acabado de citar, a diferença de tratamento decorrente da retenção na fonte efectuada a título definitivo e à taxa de 10%, sobre os dividendos distribuídos à impugnante, aquando da distribuição de dividendos pelo Banco B……, SA, só pode ser neutralizada, nos termos da legislação nacional e da CDT, se tais dividendos forem suficientemente tributados no outro Estado-Membro (Holanda).

Sucede que, como atrás se referiu, um dos fundamentos para a procedência da impugnação foi precisamente o facto de na sentença recorrida se ter tido em consideração que a legislação holandesa consagra a “participation exemption”, que isenta de tributação os dividendos auferidos, designadamente pelas besloten vennootschap como é a impugnante, desde que haja uma participação superior a 5%, o que também sucede no caso em apreço, não sendo considerados custos nem podendo ser deduzidos os valores suportados no estado fonte, a título de retenção na fonte, exceptuando alguns casos de países em vias de desenvolvimento (cf. arts. 10.º e 13.º, do Wet op de vennootschapsbelasting, e 31.º, do Besluit voorkoming dubbele belasting 2001).

Sendo que este é um argumento preponderante para a procedência da impugnação já que a recuperação do imposto cobrado em Portugal por via de crédito de imposto, nos termos da CEDT Portugal/Países Baixos (artº 24º, nº 2), se encontra limitada ao imposto devido no Estado da residência (Holanda) sobre a mesma parcela de rendimento, ou seja, no caso, nenhum.

Ora a Fazenda Pública não põe em causa no seu recurso que assim seja, isto é, que a recorrida beneficie de um regime de isenção no tocante a estes rendimentos e que tal regime de isenção resulte dos preceitos legais invocados na sentença recorrida.

Assim no caso subjudice, estando, como está, suficientemente adquirido nos autos o regime de tributação de tais dividendos nos Países Baixos (isenção), forçoso é concluir que se trata de um regime que não permite a neutralização da tributação, ainda que por via da aplicação da CEDT, impondo-se, por conseguinte, a anulação das liquidações, por vício de violação de lei, consubstanciado na violação do princípio da livre circulação de capitais previsto no art. 56º do TCE (63º do actual TFUE).

A sentença recorrida, que assim decidiu, e que, por isso, concluiu pela existência de um erro imputável aos serviços, com a consequente obrigação de pagamento de juros indemnizatórios à impugnante, não merece censura.

Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 7 de Outubro de 2015. - Pedro Delgado (relator) - Fonseca Carvalho - Ascensão Lopes.