Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0890/16
Data do Acordão:01/18/2017
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:IRC
RETENÇÃO NA FONTE
PRAZO
REVISÃO DO ACTO TRIBUTÁRIO
JUROS INDEMNIZATÓRIOS
Sumário:I - Em caso de retenção na fonte e havendo lugar a impugnação administrativa (reclamação graciosa ou recurso hierárquico) o erro passa a ser imputável à AT depois de eventual indeferimento da pretensão deduzida pelo contribuinte.
II - O facto de a ilegalidade determinante da procedência da impugnação se concretizar em violação de norma comunitária, não implica tratamento similar àquele que equaciona a aplicação de normas que venham a ser declaradas inconstitucionais.
III - Do disposto nos nºs. 1 a 3 do art. 43º da LGT resulta que, em caso de revisão, a diferença temporal relativamente ao termo inicial no pagamento de juros indemnizatórios (não serão devidos juros indemnizatórios entre o momento do pagamento indevido e o da revisão, apesar de haver erro imputável aos serviços) decorre do entendimento legislativo no sentido da culpa do contribuinte na formação dos prejuízos derivados do acto ilegal, por não ter sido diligente em usar, nos prazos normais, os meios de impugnação administrativa e contenciosa que a lei põe ao seu dispor.
Nº Convencional:JSTA00069975
Nº do Documento:SA2201701180890
Data de Entrada:07/07/2016
Recorrente:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A......, S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF PORTO
Decisão:PROVIMENTO PARCIAL
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL.
Legislação Nacional:LFT98 ART43 N1 N2 N3 ART55 ART100 ART57.
CPPTRIB99 ART61 N3 N5.
L 64-B/2011.
CONST76 ART266 N1.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC01502/12 DE 2014/10/29.; AC STA PROC01007/11 DE 2012/03/12.
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA - CPPT ANOTADO E COMENTADO 6ED VOLI PÁG537 PÁG527-528 PÁG556.
JORGE DE SOUSA - SOBRE A RESPONSABILIDADE CIVIL DA ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA POR ACTOS ILEGAIS NOTAS PRÁTICAS 2010 PÁG71.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

RELATÓRIO
1.1. A Fazenda Pública recorre da sentença que, proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A………….., S.A., com os demais sinais autos, contra a liquidação de IRC relativo ao ano de 2003, por retenção na fonte, no montante de € 1.367.476,55, aquando da colocação à disposição dos dividendos que auferiu da sua participação no Banco B………., S.A.

1.2. Termina as alegações formulando as conclusões seguintes:
A. Vem o presente recurso interposto da sentença que julgou procedente a impugnação sub judice, deduzida do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa da liquidação, por retenção na fonte efetuada no ano de 2003, à taxa de 15% prevista no art. 10º, nº 2, al. c), da Convenção entre a República Portuguesa e o Reino da Espanha para evitar a Dupla Tributação (CDT), na quantia de € 1.367.476,55, do IRC devido por dividendos pagos à impugnante, entidade residente em Espanha e aí sujeita ao imposto espanhol homólogo ao IRC e não isenta, sem estabelecimento estável em território nacional, no montante de € 9.116.510,32, com referência ao ano de 2002, por sociedade residente, em virtude da sua participação no capital desta.
B. A sentença de que se interpôs recurso julgou procedente a impugnação [sentença em análise] examinando a legalidade do ato de retenção na fonte pelo seu confronto com o direito comunitário, ponderando a legislação aplicável, em particular o art. 10º da referida CDT entre Portugal e Espanha, as normas do CIRC na redação vigente à data dos factos, nomeadamente o nº 3 do art. 14º do CIRC, e o decidido pelo TJUE em dois acórdãos, proferidos nos proc.s C–199/10 e C-487/08, para concluir que, diante do direito comunitário, impunha-se ao TAF apurar se, perante a isenção de tributação sobre os dividendos distribuídos a entidades residentes no território nacional, existia (ou não) anulação da referida tributação em Espanha (seja por via da CDT, seja pelo tratamento que lhe é dado pelo equivalente espanhol do IRC).
C. No que concerne aos juros indemnizatórios peticionados, a sentença considera que o ato de retenção impugnado encontrar-se-ia afetado de erro imputável aos serviços, porque o contribuinte teria seguido “um normativo, constante de Código Tributário, [violador] de princípio do direito comunitário”, situação em que “não deve ficar mais desprotegido do que ficaria se seguisse meras orientações administrativas”, condenou a Fazenda Pública no pagamento de juros indemnizatórios sobre a quantia retida desde 29.04.2003 até efetivo pagamento.
D. Ora com o assim decidido, e salvo o devido respeito, não pode a Fazenda Pública, conformar-se, existindo erro sobre os pressupostos de direito da decisão proferida na impugnação sub judice, em termos que afetam irremediavelmente a validade substancial da sentença, pelas razões que passa a explanar.
E. Se para efeito de utilização do pedido de revisão oficiosa nos termos do art. 78º da LGT cabia fazer apelo ao conceito de erro imputável aos serviços, porque a tal erro estava equiparado o erro na autoliquidação e, segundo a sentença, por identidade de razões, o erro na retenção na fonte, para efeito de atribuição de juros indemnizatórios ao abrigo do art. 43º da LGT já não se pode defender que o ato de retenção estivesse de algum modo afetado de erro imputável aos serviços, pois essa equiparação já não encontra no art. 43º da LGT norma que a sustente equiparável à do nº 2 do art. 78º.
F. A ficção do nº 2 do art. 78º da LGT não vale para outros efeitos, designadamente para determinar direito a juros indemnizatórios - cfr., designadamente, o acórdão desse Colendo STA tirado em 06.10.2005 no proc. 536/07, citado em acórdão de 18.11.2015, proc. 01509/13.
G. Daí que, ao contrário do que declara a sentença não se esteja perante um erro imputável aos serviços para efeitos do nº 1 do art. 43º da LGT, nem cabe reconhecer o direito a juros indemnizatórios ao abrigo dessa norma.
H. Prevalece aqui o conceito de que nos casos de autoliquidação, retenção na fonte e pagamento por conta “tanto a determinação da matéria coletável como a liquidação são levados a cabo pelo próprio contribuinte ou por substituto, pelo que estará afastada, em regra, a possibilidade de existir erro imputável aos serviços da Administração Tributária, no momento em que são praticados os atos que determinam a quantia a pagar”, conforme esclarece Jorge Lopes de Sousa, in CPPT Anotado e Comentado, 6ª ed., em nota 6-a) ao art. 61º.
I. Não é indiferente para o contribuinte impugnar ou não os atos de liquidação dentro dos respetivos prazos, pois em caso de anulação em processo impugnatório, judicial ou administrativo, pode ser invocada qualquer ilegalidade e há direito a juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido até à emissão da nota de crédito, nos termos dos art.s 43º, nº 1, da LGT e 61º, nº 5, do CPPT,
J. enquanto nos casos de revisão oficiosa da liquidação, quando não é feita por iniciativa do contribuinte no prazo de reclamação administrativa, apenas haverá direito a juros indemnizatórios nos termos do art. 43º, nº 3, da LGT - entendimento vertido no acórdão desse Colendo STA mencionado na sentença recorrida, datado de 12.03.2012, proc. 01007/11, que indica ser seguido também por Casalta Nabais.
K. A circunstância de que o emprego da revisão oficiosa por iniciativa da Administração Tributária a pedido do contribuinte enquanto meio complementar dos meios impugnatórios, por decurso dos prazos previstos para utilização destes meios, comporta a penalização da negligência do interessado aqui impugnante em empregar os meios impugnatórios dentro dos respetivos prazos,
L. levando a que o prolongamento dos efeitos prejudiciais dos atos alvo do pedido de revisão se prolongassem por motivos imputáveis a essa negligência ou inércia, não merecendo a tutela do direito a juros indemnizatórios do indevidamente pago no período em que a lei considera que o interessado se deixou submeter a esses efeitos - dormientibus non succurrit jus (cfr. Jorge Lopes de Sousa, ob. cit., em nota 14)-b) ao art. 61º).
M. E a esta conclusão não obsta que o pedido do contribuinte de revisão oficiosa por iniciativa da Administração Tributária, tacitamente indeferido, só tenha vindo a ser atendido judicialmente, pela sentença proferida na impugnação em apreço, porque esta meio impugnatório foi desencadeado por causa e com fundamento no indeferimento tácito daquela revisão oficiosa pedida enquanto meio complementar,
N. subsistindo aqui, nesta sede, as razões pelas quais a tutela do direito a juros indemnizatórios do indevidamente pago, em princípio, só deveria ser concedida a partir do momento em que a lei considera que a Administração entrou em incumprimento do dever de decidir o pedido, sob pena de subversão da coerência normativa apontada pela doutrina citada.
O. Por outro lado, não é porque o ato de liquidação veio a ser anulado por decisão proferida em impugnação judicial do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa por iniciativa da Administração Tributária a pedido do contribuinte que deixam de valer aqui os motivos pelos quais a lei não reconhece direito a juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido até à emissão da nota de crédito, nos termos dos art.s 43º, nº 1, da LGT e 61º, nº 5, do CPPT, mas apenas nos termos do art. 43º, nº 3, da LGT, conforme a orientação jurisprudencial seguida nesse sentido indicada no referido acórdão desse Colendo STA tirado em 12.03.2012.
P. No entanto, a Fazenda Pública propugna que, dados os contornos do caso e dos termos em que a sentença decidiu, a atribuição de juros indemnizatórios não pode sequer ter apoio na al. c) do nº 3 do art. 43º, que protela o termo inicial da contagem do prazo pelo qual são devidos juros para depois de um ano do pedido de revisão quando esta tenha desencadeada por iniciativa do contribuinte.
Q. É que, mesmo na sequência (de) pedido do contribuinte de que revisão oficiosa nas condições de iniciativa da Administração Tributária, esta não poderia decidir pela desconformidade do ato de retenção com a lei.
R. Veja-se que, segundo o decidido pelo TJUE em dois acórdãos, proferidos nos proc.s C-199/10 e C-487/08, o direito comunitário impõe que sejam os órgãos jurisdicionais dos Estados-membros que promovem o reenvio verificar se a legislação nacional do Estado-Membro de residência da sociedade beneficiária dos rendimentos a quem foi retido imposto na fonte a tarefa de verificar se o imposto retido na fonte pode ser imputado no imposto devido nesse Estado-Membro de residência até ao montante dessa diferença de tratamento,
S. ie, averiguar se a diferença de tratamento entre os dividendos distribuídos a sociedades estabelecidas noutros Estados-Membros e os dividendos distribuídos às sociedades residentes desaparece totalmente.
T. Assim, o Tribunal a quo assumiu a resolução da questão de averiguar se, perante a isenção de tributação sobre os dividendos distribuídos a entidades residentes no território nacional, existia (ou não) anulação da referida tributação em Espanha (seja por via da CDT, seja pelo tratamento que lhe é dado pelo equivalente espanhol do IRC), confrontando os factos com a lei portuguesa e a lei espanhola e considerando a eventual imputação do IRC retido no apuramento do imposto congénere espanhol, mas esta resolução ou tarefa não era exigível à Administração Tributária.
U. À luz do direito comunitário, tal como declarado pelos ditos acórdãos do TJUE, entre outros, a apreciação da conformidade de um tal ato de retenção é casuística e faz-se pela invocação do direito do Estado-membro da residência do beneficiário dos rendimentos, a fim de verificar da neutralização da diferença de tratamento fiscal dos dividendos distribuídos a entidade não residente em face daquele aplicável às residentes em território nacional.
V. Tal como referido em acórdão desse Colendo STA de 04.03.2015, proc. 01529/14, com razões aduzidas quando à aplicação de normas inconstitucionais que, mutatis mutandis, tem valia no objeto deste recurso, a Administração em geral está sujeita ao princípio da legalidade, consagrado constitucionalmente e a Administração Tributária está-lo também por força do disposto no art. 55º da LGT, motivo pelo qual a Administração não tem competência para decidir a não aplicação de normas cuja conformidade com o direito comunitário lhe ofereça dúvidas, contrariamente aos tribunais, a quem incumbe a fiscalização dessa conformidade,
W. mormente quando esse juízo de conformidade depende de uma verificação concreta da neutralização da diferença de tratamento fiscal entre residentes e não residentes em território nacional, convocando para o efeito as leis fiscais do Estado-Membro da residência.
X. A Fazenda Pública pugna, então, com o maior respeito, que a decisão recorrida deve ser revogada quanto ao decidido em relação ao direito da impugnante a juros indemnizatórios, que pelos argumentos expostos não devem ser reconhecidos
Termina pedindo o provimento do recurso, com a revogação da sentença recorrida no que concerne ao decidido em relação a juros indemnizatórios.

1.3. Contra-alegou A…………, S.A. formulando, a final, as conclusões seguintes:
A) A questão decidenda na origem das presentes alegações consiste em determinar se a ora Recorrida, por força da ilegalidade da liquidação de imposto, no montante de EUR 1.367.476,55, efectuada por retenção na fonte aquando da distribuição de dividendos derivada da participação por si detida no BANCO B……….., S.A., tem direito à percepção de juros indemnizatórios sobre tal montante e, em caso afirmativo, em apurar o regime jurídico concretamente aplicável à situação sub judice respeitante ao respectivo dies a quo;
B) Da posição perfilhada pelo Recorrente em sede de alegações resulta prima facie não serem devidos juros indemnizatórios à ora Recorrida por a Administração Tributária não estar habilitada a desaplicar normas de Direito interno com fundamento na preterição do Direito Comunitário;
C) Entende o Recorrente não ter competência para apreciar tal desconformidade nem, por maioria de razão, para repercuti-la no acto tributário sindicado;
D) Não obstante, entende ser de todo o modo inaplicável ao caso sub judice o artigo 43.º, n.º 1, da LGT, porquanto o meio procedimental escolhido pela ora Recorrida para contestar a legalidade do acto tributário - pedido de revisão oficiosa - espartilhou o seu direito a juros indemnizatórios, que, não fora o óbice mencionado, alegadamente só poderia ter lugar ao abrigo do n.º 3, alínea c), do mesmo preceito legal;
E) Ademais, entende o Recorrente que, mesmo que se mostrasse aplicável o regime previsto no artigo 43.º, n.º 1, da LGT, os juros indemnizatórios nunca poderiam ser computados desde o pagamento indevido do imposto por o acto tributário não ter sido praticado pela Administração Tributária, mas por substituto tributário através do mecanismo de retenção na fonte;
F) Discorda a ora Recorrida da posição sustentada pelo Recorrente, indubitavelmente impondo o regime ínsito no artigo 8.º, n.º 4, da CRP, o qual consagra o princípio do primado do Direito Comunitário sobre o Direito interno ordinário, uma solução jurídica distinta;
G) Infere-se do referido imperativo constitucional ser o Direito Comunitário aplicável na ordem interna nos termos do Direito da União;
H) Assim, o princípio da livre circulação de capitais previsto no artigo 56.º do TCE, por força do referido imperativo constitucional, prevalece sobre quaisquer normas de Direito interno ordinário conflituantes - designadamente, os artigos 14.º, n.º 3, 80.º, n.º 2, alínea c), e 88.º, n.º 3, alínea b), do CIRC - que ponham em causa a sua plena aplicação no seio da União;
I) Igual entendimento impõe o princípio da colaboração leal e, bem assim, a cláusula geral de empenhamento na construção da União Europeia prevista no artigo 7.º, n.os 5 e 6, da CRP;
J) Perante o exposto, entende a ora Recorrida estar a Administração Tributária obrigada a desaplicar normas de Direito interno ordinário - in casu, as já mencionadas disposições do CIRC - em prol da salvaguarda do princípio da livre circulação de capitais previsto no artigo 56.º do TCE, assim inexoravelmente o impondo o princípio do primado do Direito Comunitário sobre o Direito interno ordinário previsto nos artigos 8.º, n.º 4, da CRP e 1.º, n.º 1, da LGT, o princípio da colaboração legal e, bem assim, a cláusula geral de empenhamento na construção da União Europeia prevista no artigo 7.º, n.os 5 e 6, da CRP;
K) Contrariamente à posição sustentada pelo Recorrente em sede de alegações, a circunstância de o «juízo de conformidade depende de uma verificação concreta da neutralização da diferença de tratamento fiscal entre residentes e não residentes em território nacional, convocando para o efeito as leis fiscais do Estado-membro da residência», não constitui qualquer óbice ao anteriormente sustentado;
L) Com efeito, ao abrigo do artigo 26.º da CEDT Portugal/Espanha, sob a epígrafe «troca de informações», a Administração Tributária portuguesa tem à sua disposição um instrumento que lhe permite obter rapidamente e de forma gratuita quaisquer informações que repute pertinentes quanto ao tratamento fiscal em Espanha dos dividendos em referência, ao qual entendeu não recorrer;
M) Entende igualmente a ora Recorrida ter plena aplicação neste âmbito o regime ínsito no artigo 43.º, n.º 1, da LGT, carecendo de fundamento a posição sustentada pelo Recorrente nas suas alegações no sentido de, não fora a alegada impossibilidade de desaplicação pela Administração Tributária de norma interna, ainda que com fundamento na preterição de Direito Comunitário (posição refutada supra), seria antes aplicável o artigo 43.º, n.º 3, alínea c), da LGT;
N) Neste contexto, adere a ora Recorrida à posição perfilhada pela jurisprudência dos tribunais superiores em sede do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 319/05, de 11 de Maio de 2005;
O) Com efeito, não se enquadrando o pedido de revisão oficiosa apresentado pela ora Recorrida na primeira parte do artigo 78.º, n.º 1, da LGT - isto é, não correspondendo a uma revisão efectuada «por iniciativa do sujeito passivo» -, enquadrando-se antes na última parte da referida disposição legal, não se percepciona como possa ser aplicável, na esteira da posição assumida pelo Recorrente em alegações, o artigo 43.º, n.º 3, alínea c), da LGT, o qual necessariamente pressupõe que o referido impulso procedimental pertença ao contribuinte - «quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar [...]»;
P) Perante a verificação no presente caso de uma situação de erro imputável aos serviços da Administração Tributária determinada em sede de impugnação judicial - a tal não obstando a natureza e autoria do acto tributário sindicado -, dúvidas não podem subsistir quanto à aplicação do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, tendo a ora Recorrida direito à percepção de juros indemnizatórios sobre o montante ilegalmente retido nos termos do artigo 61.º, n.º 3, do CPPT, correspondente ao actual artigo 61.º, n.º 5, do CPPT;
Q) Sendo certo que o facto da ora Recorrida ter escolhido o pedido de revisão oficiosa previsto no artigo 78.º, n.º 1, última parte, da LGT - ao invés da reclamação graciosa prevista no artigo 132.º do CPPT - como meio procedimental de reacção contra o acto tributário sindicado não é susceptível de afastar a aplicação conjugada dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 3, do CPPT, na medida em que a sua conduta não é de modo algum censurável;
R) Ademais, e contrariamente à posição sustentada pelo Recorrente em sede de alegações, o facto do acto tributário julgado ilegal pelo Douto Tribunal a quo ter sido praticado por substituto tributário, através do mecanismo de retenção na fonte, também não é idóneo a afastar a aplicação conjugada dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 3, do CPPT;
S) Entende a ora Recorrida dever o dies a quo do seu direito à percepção de juros indemnizatórios coincidir com a data do pagamento indevido do imposto - isto é, com o momento da retenção indevida do imposto pelo BANCO B…………, S.A., na qualidade de substituto tributário, conforme em seguida explanará;
T) Na substituição tributária, uma entidade privada é investida por lei nos poderes de liquidação, cobrança e entrega do imposto, substituindo-se à Administração Tributária mediante a assunção de prerrogativas de autoridade no domínio tributário;
U) O substituto tributário exerce assim verdadeiros poderes públicos no domínio tributário, materialmente idênticos aos cometidos à Administração Tributária quando, sob as vestes jurídico-públicas, procede à liquidação do imposto;
V) Deste modo, os actos praticados pelo substituto tributário não devem ter no plano patológico, quando considerados ilegais, um tratamento distinto dos demais actos tributários, nomeadamente dos actos tributários praticados pela Administração Tributária;
W) Sob pena de se desvirtuar a figura da substituição tributária e de se obnubilar o regime ínsito nos artigos 43.º, n.º 1, e 100.º da LGT, e 61.º, n.º 3, do CPPT, entende a ora Recorrida ter direito a percepcionar juros indemnizatórios desde o pagamento indevido do imposto, posição distinta subverteria o princípio constitucional da responsabilidade dos poderes públicos à reparação dos danos previsto no artigo 22.º da CRP, manipulando-o através da «fuga para o Direito privado», e representaria um seu cerceamento carente de base legal e justificação plausível;
X) A negação do direito do contribuinte à percepção de juros indemnizatórios nos termos dos artigos 43.º, n.º 1, e 100.º da LGT, no período entre o pagamento indevido (in casu, retenção indevida) do imposto e a restituição integral dos quantitativos legalmente devidos, consubstanciaria um tratamento discriminatório, em função da natureza da entidade legalmente responsável pela liquidação do imposto (Administração Tributária vs. entidade privada dotada de prerrogativas de autoridade para a cobrança de impostos), entre contribuintes;
Y) Não se descortina em que medida a opção legislativa tomada pelo Estado Português, no sentido de em determinados casos a liquidação do imposto ficar a cargo de entidades privadas através do mecanismo de retenção na fonte e noutros a cargo da própria Administração Tributária, possa ditar uma diferente tutela ressarcitória dos contribuintes no que tange ao pagamento de juros indemnizatórios;
Z) Por outro lado, o indeferimento (ainda que tácito) do pedido de revisão oficiosa indubitavelmente demonstra que a Administração Tributária, caso estivesse habilitada à liquidação do imposto nas situações de substituição tributária, teria adoptado a mesma posição do substituto tributário;
AA) Com o indeferimento do pedido de revisão oficiosa, a Administração Tributária sanciona a actuação do substituto tributário, reconhecendo-a como sua - isto é, como a que teria adoptado na mesma posição - pelo que, também por este motivo, entende a ora Recorrida haver lugar ao pagamento de juros indemnizatórios nas situações de substituição tributária;
BB) Ademais, no cenário de se admitir a possibilidade de ser proposta acção de responsabilidade civil autónoma, nos termos do artigo 4.º, n.º 1, alínea i), do ETAF, com vista ao ressarcimento dos danos causados, a adopção do entendimento adoptado pelo Recorrente em sede de alegações dificultaria o direito do contribuinte à tutela ressarcitória dos seus danos, onerando-o com o impulso processual dessa acção, com a demonstração dos pressupostos da responsabilidade civil do Estado e demais entidades públicas previstos no Decreto-Lei n.º 48 051, de 21 de Novembro de 1967, e, actualmente, na Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro, e, bem assim, com os custos inerentes à sua apresentação;
CC) Sendo certo que nesse âmbito o Estado sempre seria solidariamente responsável com o substituto tributário (autor do acto de liquidação mediante retenção na fonte) pelo ressarcimento dos danos causados ao substituído tributário, atento, com as devidas adaptações, o disposto nos artigos 22.º da CRP, 3.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 48 051, de 21 de Novembro de 1967, e 8.º, n.º 2, da Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro;
DD) Este argumento enfatiza assim a inadmissibilidade de tal posição, uma vez que os danos acabariam sempre por ser ressarcidos pelo Estado, de forma, no entanto, mais onerosa e morosa para a ora Recorrida, o que se mostra inadmissível face ao princípio à reparação dos danos previsto no artigo 22.º da CRP e ao direito à tutela jurisdicional efectiva previsto no artigo 268.º, n.º 4, da CRP, os quais reclamam uma tutela ressarcitória efectiva e expedita;
EE) Por outro lado, também pelos mesmos motivos, ficaria irremediavelmente beliscado o princípio de Direito Comunitário da efectividade. E, em última instância, o princípio da livre circulação de capitais previsto no artigo 56.º do TCE, na medida em que claudicaria a tutela ressarcitória plena que a ilegalidade praticada, e reconhecida em sede de impugnação judicial, indubitavelmente impõe;
FF) Sendo certo que, subsistindo na esfera do Douto Tribunal ad quem dúvidas sobre a compatibilidade do regime ínsito nos artigos 43.º, n.º 1, e 100.º da LGT, e 61.º, n.º 3, do CPPT, quando interpretado na esteira da posição sustentada pelo Recorrente em sede de alegações, com os princípios da efectividade e da livre circulação de capitais previsto no artigo 56.º do TCE, deverá diligenciar pelo reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia nos termos do artigo 267.º do TFUE;
GG) Caso assim se não entenda - o que se admite por mero dever de patrocínio, embora sem conceder -, sempre se dirá que serão devidos juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º, n.º 3, alínea c), da LGT, na medida em que a Administração Tributária não procedeu, no prazo de um ano a contar da data de apresentação de pedido de revisão oficiosa, à revisão da liquidação de imposto por retenção na fonte objecto da impugnação judicial na origem das presentes alegações.
Termina pedindo que seja negado provimento ao recurso.

1.4. O MP emite Parecer nos termos seguintes:
«(…)
No recurso apenas vem questionado o segmento relativo à condenação da fazenda Pública no pagamento de juros indemnizatórios, desde 29.04.2003 sobre o montante de € 1.367.476,55 até efectivo pagamento.
Creio que apenas em parte assiste razão à Recorrente.
A sentença recorrida julgou a impugnação procedente, anulando o acto impugnado (de retenção na fonte) por considerar procedente o vício de violação do princípio da livre circulação de capitais constante, do art. 56.º do Tratado CEE, por discriminação dos não residentes.
A procedência da impugnação, por vício substancial e não de forma, vício atinente à relação jurídica tributária, é demonstrativa da existência de erro susceptível de gerar o fenómeno reparatório previsto no art. 43.º da LGT, a título de juros indemnizatórios. E o erro, não obstante se trate de retenção na fonte, é, no caso, imputável à Administração Tributária.
Com efeito, como refere Jorge Lopes de Sousa, in “Sobre a Responsabilidade Civil da Administração Tributária por Actos Ilegais”, Áreas Editora, Lisboa, 2010, pág. 52, «nas situações em que a prática do acto que define a dívida tributária cabe ao contribuinte (como sucede, nomeadamente, nos referidos casos de autoliquidação, retenção na fonte e pagamento por conta), bem como naqueles em que o acto é praticado pela Administração Tributária com base em informações erradas prestadas pelo contribuinte e há lugar a impugnação administrativa (reclamação graciosa ou recurso hierárquico), o erro passará a ser imputável à Administração Tributária após o eventual indeferimento da pretensão apresentada pelo contribuinte, isto é, a partir do momento em que, pela primeira vez, a Administração Tributária toma posição sobre a situação do contribuinte, dispondo dos elementos necessários para proferir uma decisão com pressupostos correctos». À prática de acto expresso, continua o mesmo autor, «deverá ser equiparado para esse efeito, o indeferimento tácito, (...), pois é este o momento em que a Administração Tributária deveria ter proferido um acto legal e, com a sua omissão, manteve a situação de ilegalidade, o que permite imputar-lhe a responsabilidade pela manutenção da situação de erro e pagamento indevido». No caso em apreço, tratava-se do indeferimento tácito do procedimento de revisão oficiosa do acto de liquidação, desencadeada pela impugnante, ora recorrida (cfr. als. 7, 8 e 10 dos factos provados).
É certo que o vício em questão se concretiza na violação de norma comunitária mas essa circunstância, ao invés do que sustenta a ora Recorrente, não demanda tratamento similar àquele que equaciona a aplicação de normas que venham a ser declaradas inconstitucionais. É que neste último caso a AT não dispõe de qualquer margem para desaplicar normas ainda não declaradas inconstitucionais enquanto que no caso dos preceitos de direito comunitário do que se trata é da aplicação de normas que vigoram directamente na ordem jurídica interna e, mais do que isso, prevalecem sobre as normas do direito interno, não podendo os Estados-Membros aplicar qualquer regra de direito interno que colida com as regras do direito da UE.
Assim, porque foi atempadamente requerida a revisão oficiosa do acto de liquidação e porque a AT “tem deveres genéricos de actuação em conformidade com a lei (arts. 266º, nº1, da CRP e 55º da LGT) não pode deixar de lhe ser imputável o erro gerador da obrigação indemnizatória peticionada pela impugnante, ora recorrida (cfr., a propósito, o douto Acórdão deste STA de 29.10.2014, in Rec n.º 01502/12).
Nesta parte, salvo melhor entendimento, não parece que o recurso mereça provimento.
O mesmo não se dirá, no entanto, quanto ao momento a partir do qual os juros são devidos.
Com efeito, não pode ser indiferente para efeitos indemnizatórios que o interessado impugne e reclame ou não do acto que repute ilegal dentro dos prazos legalmente previstos para o efeito, em ordem a evitar o surgimento ou a ampliação, motivada pelo decurso do tempo, dos prejuízos advenientes do pagamento indevido. É que a inércia no uso desses meios por parte do Impugnante é conduta susceptível de contribuir para o indesejável desenvolvimento dos efeitos perniciosos dos actos visados no pedido de revisão não podendo, como tal, ser desvalorizada na fixação do quantum indemnizatório.
Neste contexto, salvo melhor entendimento, tem sentido a pretensão da ora Recorrente de que a tutela do direito a juros indemnizatórios sobre o indevidamente pago só deverá ser concedida a partir do momento em que se forma o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, ou seja, a partir do momento em que, pela primeira vez, a Administração Tributária se teve de pronunciar “sobre a situação do contribuinte, dispondo dos elementos necessários para proferir uma decisão com pressupostos correctos” e omitiu nesse dever, deixando que se formasse indeferimento tácito (cfr. Jorge Lopes de Sousa in, “Sobre a Responsabilidade Civil da Administração Tributária por Actos Ilegais”, 2010, pág. 52).
Concluo, em face do exposto, sem mais delongas pela procedência parcial do presente recurso nessa medida se revogando o acto impugnado.
É o meu parecer.»

1.5. Corridos os vistos legais, cabe decidir.

FUNDAMENTOS
2. Na sentença recorrida julgaram-se provados os factos seguintes:
1. A sociedade Banco B………. SA (atual Banco B………… SA) é uma sociedade comercial, sob a forma de sociedade anónima, com sede no território nacional, sujeita a IRC (conforme resulta da posição das partes expressa nos respetivos articulados e decorre da sua designação. Considerou-se como facto notório a sujeição da sociedade comercial a IRC);
2. C……….. SA, SOCIEDAD UNIPERSONAL é uma sociedade anónima, com sede em Espanha, onde está sujeita e não isenta do "Impuesto sobre Sociedades" Espanhol (cfr. emerge do teor da declaração emitida pela Agencia Tributaria, constante de fls. 46 do processo de revisão oficiosa);
3. Em 18 de Abril de 2002, a sociedade C…………… SA, SOCIEDAD UNIPERSONAL transferiu para conta de títulos aberta junto do Banco B…………… SA, 16.256.958 ações representativas de 2,52% do capital social do B…………, SGPS, SA (atual Banco B…………. SA) (cfr. emerge do teor da declaração emitida pelo B ………….. SA, constante de fls. 50 do processo de revisão oficiosa);
4. Em 31 de Dezembro de 2002, a sociedade C….….. SA, SOCIEDAD UNIPERSONAL detinha, em conta de títulos aberta junto do Banco B…………. SA, 113.956.379 ações representativas de 14,99% do capital social do B……….., SGPS, SA (atual Banco B………… SA) (cfr. emerge do teor da declaração emitida pelo B………. SA, constante de fls. 50 do processo de revisão oficiosa);
5. Em 29 de Abril de 2003, a sociedade C…………. SA, SOCIEDAD UNIPERSONAL detinha, em conta de títulos aberta junto do Banco B………. SA, 113.956.379 ações representativas de 14,99% do capital social deste (cfr. emerge do teor da declaração emitida pelo B………… SA, constante de fls. 50 do processo de revisão oficiosa);
6. Na mesma data, foram pagos à sociedade C………… SA, SOCIEDAD UNIPERSONAL, pelo Banco B………….. SA, dividendos no montante de EUR 9.116.510,32, com referência ao exercício de 2002, que foram objeto de retenção na fonte à taxa de 15%, no valor de EUR 1.367.476,55 (cfr. emerge do teor da declaração emitida pelo B………SA, constante de fls. 50 do processo de revisão oficiosa e aviso de lançamento constante de fls. 74 dos autos);
7. Em 27 de Abril de 2007, C………….. SA, SOCIEDAD UNIPERSONAL requereu a revisão oficiosa do ato de liquidação ocorrido no ano de 2003, referente à retenção na fonte de IRC, sobre os dividendos que lhe foram pagos pelo Banco B…………. (cfr. emerge do teor de fls. 2 do processo de revisão oficiosa);
8. Em 19 de Julho de 2007, a sociedade C…………….. SA, SOCIEDAD UNIPERSONAL passou a ser designada por "A……………., SA" (cfr. emerge do teor da certidão constante de fls. 77 a 79 do processo de revisão oficiosa);
9. Em 24 de Janeiro de 2008, foi remetida por via postal registada a presente petição de impugnação judicial (cfr. emerge do talão de registo anexo à p.i.);
10. Em 26 de Junho de 2008 foi ordenada a apensação do procedimento de revisão oficiosa ao processo administrativo anexo à presente impugnação, sem que chegasse a ser proferida decisão (cfr. emerge do teor de fls. 57 do processo de revisão oficiosa).

3.1. Tendo a Fazenda Pública suscitado a questão da inimpugnabilidade do acto, por falta da necessária dedução de reclamação graciosa prévia, a sentença, conclui pela improcedência de tal questão, considerando, no essencial, o seguinte:
— da conjugação do disposto nos arts. 132º do CPPT e 78º da LGT resulta que a interposição de pedido de revisão oficiosa, no prazo de reclamação graciosa, satisfaz o requisito previsto no nº 3 daquele art. 132º, dado que, sendo tais procedimentos alternativos para o contribuinte, sem diferenças substanciais de conteúdo, não se compreende como poderia resultar proporcional que, se o contribuinte optasse pelo procedimento de revisão oficiosa, em vez da reclamação graciosa, dentro do prazo em que ambos os meios estão disponíveis, estivesse, na prática, a abdicar da via contenciosa judicial;
— como é jurisprudência pacífica e reiterada, o contribuinte (que pode, por sua iniciativa, requerer a revisão do acto, no prazo da reclamação graciosa – 2 anos) pode, ainda, suscitar tal revisão no prazo (4 anos) em que pode ser oficiosamente operada por iniciativa da AT;
— tendo a impugnante apresentado pedido de revisão oficiosa e apesar de esse pedido não ter sido apresentado no prazo (2 anos) de revisão administrativa, mas sim no prazo (4 anos) de revisão por iniciativa da AT (4 anos contados da liquidação, ocorrida a 29/4/2003, e uma vez que o imposto em causa se encontra pago) aquele prazo foi respeitado, já que o pedido foi deduzido em 27/4/2007 e o prazo terminaria em 30/4/2007 (primeiro dia útil seguinte a 29/4/2007), pelo que estava a AT obrigada a tramitar o referido procedimento, proferindo decisão sobre o pedido;
— e, consequentemente, não proferindo decisão no prazo legal de 6 meses (prazo à data previsto do art. 57º da LGT) formou-se acto tácito, de indeferimento (cfr. nº 5 art. 57º da LGT), decisão essa (tácita) que, enquanto acto administrativo e tributário, seria susceptível de ver a sua legalidade sindicada perante os tribunais, enquanto acto imediato, apreciando-se a legalidade da liquidação de imposto a título de retenção na fonte subjacente, enquanto objecto mediato;
— assim, e ao abrigo do princípio da tutela judicial efetiva, não se compreende que estivesse vedado o recurso à impugnação judicial da liquidação, por falta de interposição de reclamação graciosa, ou seja, que o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa não é inimpugnável.

3.2. Em seguida, a sentença recorrida apreciou a questão atinente à invocada ilegalidade intrínseca do acto de retenção na fonte, enquanto objecto mediato do procedimento de revisão oficiosa e apelando quer à jurisprudência do TJUE e do STA, conclui o seguinte:
— (i) considerando a decisão vinculativa do TJUE que firmou o entendimento que se estará perante uma violação do art. 56º (CE) se o tratamento conferido aos residentes for mais favorável (discriminatório) que o estabelecido para os não residentes e, cumulativamente, não existir convenção que anule tal diferencial;
— (ii) considerando que face ao primado do direito comunitário é vedado ao Tribunal português aplicar normas do direito nacional que afrontem o que naquele se impõe, e no caso existe acórdão do TJUE sobre interpretação de norma comunitária e sua compatibilidade com uma norma nacional;
— (iii) considerando o enquadramento legal da tributação dos dividendos pagos por sociedades não residentes em Espanha, a titulares ali sediados, e considerando a factualidade provada dos autos, é de concluir que, no caso concreto, a tributação por retenção na fonte viola o princípio comunitário da livre circulação de capitais (por discriminação dos não residentes, na medida em que só aos residentes é facultada a possibilidade de reaver o imposto pago por dedução), sendo ilegal o acto tributário de retenção na fonte aqui em causa.

3.3. Finalmente, a sentença recorrida aprecia a questão dos juros indemnizatórios pedidos pela impugnante, sobre o montante indevidamente retido e conclui o seguinte:
a) resulta do disposto no art. 43º da LGT que se o acto tributário for praticado pela AT (ou pelo contribuinte seguindo instruções genéricas desta) são sempre devidos juros indemnizatórios mas, caso o não seja, são devidos juros a partir de um ano após o pedido (em face da inércia da decisão);
b) tendo-se concluído pela obrigatoriedade de revisão oficiosa, o acto deve considerar-se como eivado de erro imputável aos serviços (quanto mais não fosse, por maioria de razão, se é considerado erro imputável aos serviços, quando o comportamento do contribuinte resulte de orientações administrativas, quando este segue um normativo, constante de Código Tributário, norma essa violadora de princípio de direito comunitário, não deve ficar mais desprotegido do que ficaria se seguisse meras orientações administrativas).
Motivos que impõem que, no caso em apreço, se considere a ilegalidade na retenção na fonte como um erro imputável aos serviços para efeitos de juros indemnizatórios, com a consequente condenação da Fazenda Pública ao seu pagamento «em conformidade com o disposto no art. 43º, nº 1, da LGT, desde 29/04/2003 sobre o montante de € 1.367.476,55 e até efetivo pagamento».

3.4. É apenas quanto ao assim decidido na matéria de juros indemnizatórios que a Fazenda Pública interpõe o presente recurso, alegando, como se viu, que, por um lado, não estamos, no caso, perante erro imputável aos serviços, para efeitos do disposto no nº 1 do art. 43º da LGT (sendo que nas situações de revisão oficiosa da liquidação, quando não é feita por iniciativa do contribuinte no prazo da reclamação graciosa, apenas haverá direito a juros indemnizatórios nos termos do previsto no nº 3 do mesmo art. 43º da LGT), nem, por outro lado, a AT (não obstante estar sujeita ao princípio da legalidade, consagrado na CRP e no art. 55º da LGT), teria competência para decidir a não aplicação de normas cuja conformidade com o direito comunitário lhe ofereça dúvidas, contrariamente aos tribunais, a quem incumbe a fiscalização dessa conformidade.
Estas são, portanto, as questões que aqui importa decidir.
Vejamos.

4.1. Sob a epígrafe «Pagamento indevido da prestação tributária», nos nºs. 1, 2 e 3 do art. 43º da LGT dispõe-se o seguinte:
«1. São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
2. Considera-se também haver erro imputável aos serviços no casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.
3. São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:
a) Quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos;
b) Em caso de anulação do acto tributário por iniciativa da administração tributária, a partir do 30.º dia posterior à decisão, sem que tenha sido processada a nota de crédito;
c) Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.»
E também o art. 100º da LGT (Efeitos de decisão favorável ao sujeito passivo), acolhendo uma previsão ampla da obrigação de pagamento de juros indemnizatórios, impõe à AT a obrigação, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, da imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei (cfr. a redacção introduzida pela Lei nº 64-B/2011, de 30/12).

4.2. Não se discutindo que, no caso, a anulação da liquidação tem por fundamento uma ilegalidade substantiva (e não meramente procedimental) inerente à relação jurídica tributária, também se verifica, conforme se diz na sentença recorrida, a existência de erro imputável aos serviços, para efeitos do disposto no transcrito nº 1 do art. 43º da LGT, não obstante estarmos em face de um acto de retenção na fonte.
Na verdade, como sublinha o Cons. Jorge Lopes de Sousa, «Nas situações em que a prática do acto que define a dívida tributária cabe ao contribuinte (como sucede, nomeadamente, nos referidos casos de autoliquidação, retenção na fonte e pagamentos por conta), bem como naqueles em que o acto é praticado pela Administração Tributária com base em informações erradas prestadas pelo contribuinte e há lugar a impugnação administrativa (reclamação graciosa ou recurso hierárquico), o erro passará a ser imputável à Administração Tributária após o eventual indeferimento da pretensão apresentada pelo contribuinte, isto é, a partir do momento em que, pela primeira vez, a Administração Tributária toma posição sobre a situação do contribuinte, dispondo dos elementos necessários para proferir uma decisão com pressupostos correctos. Será indiferente, para este efeito de imputabilidade do erro, gerador de dívida de juros indemnizatórios, que se trate de caso de impugnação administrativa necessária ou de facultativa, pois, em qualquer dos casos, a decisão da impugnação (reclamação graciosa ou recurso hierárquico) é um acto da autoria da Administração Tributária, pelo que o eventual erro ser-lhe-á imputável, a partir do momento em que o praticou. À prática de acto expresso deverá ser equiparado, para este efeito, o indeferimento tácito, formado pelo decurso do prazo legal de decisão da impugnação administrativa (art. 57.°, n.º 5, da LGT), pois é este o momento em que a Administração Tributária deveria ter proferido um acto legal e, com a sua omissão, manteve a situação de ilegalidade, o que permite imputar-lhe a responsabilidade pela manutenção da situação de erro e pagamento indevido.» (Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, 6ª ed., vol. I, anotação 6)a)2 ao art. 61º, p. 537.)
Ora, no caso vertente releva o indeferimento tácito do pedido inerente ao procedimento de revisão oficiosa do acto de liquidação, desencadeado pela impugnante, não relevando, assim, a argumentação da recorrente no sentido da não aplicação do disposto no art. 43º da LGT, mesmo apelando ao invocado aresto do STA.
Por outro lado, como bem aponta o MP, o facto de a ilegalidade determinante da procedência da impugnação se concretizar em violação de norma comunitária, também não implica tratamento similar àquele que equaciona a aplicação de normas que venham a ser declaradas inconstitucionais, pois que a AT «não dispõe de qualquer margem para desaplicar normas ainda não declaradas inconstitucionais, enquanto que no caso dos preceitos de direito comunitário do que se trata é da aplicação de normas que vigoram directamente na ordem jurídica interna e, mais do que isso, prevalecem sobre as normas do direito interno, não podendo os Estados-Membros aplicar qualquer regra de direito interno que colida com as regras do direito da UE.»
Em suma, tendo a impugnante suscitado, junto da AT, a revisão oficiosa do acto de retenção na fonte (dentro do prazo - 4 anos - em que esta a podia operar oficiosamente e por sua iniciativa), e tendo impugnado judicialmente – com procedência da impugnação - o acto, no seguimento do indeferimento tácito daquele pedido, tem direito a juros indemnizatórios, contados nos termos do nº 3 do art. 61º do CPPT dado que «a Administração Tributária tem deveres genéricos de actuação em conformidade com a lei (arts. 266º, nº 1, da CRP e 55º da LGT), pelo que, independentemente da prova da culpa das pessoas ou entidades que a integram, qualquer ilegalidade não resultante de uma actuação do sujeito passivo ou de terceiro será imputável a culpa dos próprios serviços.» (ac. do STA, de 29/10/2014, proc. nº 01502/12).

4.3. Resta apreciar a questão relativa ao termo inicial dos juros indemnizatórios.
Socorrendo-se da jurisprudência constante do ac. do STA, de 12/3/2012, proc. nº 01007/11, a recorrente sustenta que, não sendo indiferente para o contribuinte impugnar ou não os actos de liquidação dentro dos respectivos prazos [pois em caso de anulação em processo impugnatório, judicial ou administrativo, pode ser invocada qualquer ilegalidade e há direito a juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido até à emissão da nota de crédito (nº 1 do art. 43º da LGT e nº 5 do art. 61º, do CPPT), enquanto nos casos de revisão oficiosa da liquidação, quando não é feita por iniciativa do contribuinte no prazo de reclamação administrativa apenas haverá direito a juros indemnizatórios nos termos do nº 3 do art. 43º da LGT], então, no caso, a entender-se que são devidos juros indemnizatórios, só seriam devidos a partir do momento em que a lei considera que a AT entrou em incumprimento do dever de decidir o pedido.
Em igual sentido parece pronunciar-se o MP junto deste STA.
E, na verdade, assim é.
Sendo anulada a liquidação, ainda que por força da procedência de impugnação judicial, a AT deve reconstituir a situação jurídica hipotética que existiria caso não tivesse sido praticado o acto tributário anulado (art. 100º da LGT), o que inclui, necessariamente, quer a restituição da quantia indevidamente exigida ao contribuinte e por este paga, quer o pagamento de juros indemnizatórios nos termos previstos no supra transcrito art. 43º da LGT, norma que, não alterando o direito de indemnização, permite ao contribuinte lesado um meio processual de obter mais facilmente (embora, eventualmente, não completamente), o seu direito à indemnização (a especificação e previsão, nestes normativos, bem como no art. 61º do CPPT e noutras normas dos diversos Códigos Tributários) dos casos em que há direito a juros indemnizatórios «terá de ser entendida não como uma designação exaustiva dos casos em que os contribuintes têm direito a ser indemnizados por actos da Administração Tributária nem como uma limitação do dever indemnizatório da Administração, mas como uma indicação de situações em é que de presumir a existência de um prejuízo para os contribuintes e a responsabilidade daquela Administração pela ocorrência do mesmo.» Por isso, este art. 43° apenas estabelece «um meio expedito e, por assim dizer, automático, de indemnizar o lesado. Independentemente de qualquer alegação e prova dos danos sofridos, ele tem direito à indemnização ali estabelecida, traduzida em juros indemnizatórios nos casos incluídos na previsão». (Jorge Lopes de Sousa, ob. cit., anotações 3 e 12 ao art. 61º, pp. 527/528 e 556.)
Mas da conjugação entre o disposto nos nºs. 1 a 3 deste artigo, também resulta diferença temporal relativamente ao termo inicial no pagamento de juros indemnizatórios (não serão devidos juros indemnizatórios entre o momento do pagamento indevido e o da revisão, apesar de haver erro imputável aos serviços), diferença que, conforme realça o Cons. Lopes de Sousa, parece assentar em entendimento legislativo no sentido de que «há culpa do contribuinte na formação dos prejuízos derivados do acto ilegal, por não ter sido diligente em usar, nos prazos normais, dos meios de impugnação administrativa e contenciosa que a lei põe ao seu dispor».(Sobre a Responsabilidade Civil da Administração Tributária por Actos Ilegais - Notas Práticas”, Áreas Editora, Lisboa, 2010, pág. 71.)
Daí que, no caso, a tutela do direito a juros indemnizatórios sobre o indevidamente pago só haja de ser reconhecida a partir do momento em que se forma o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, ou seja, a partir do momento em que, pela primeira vez, a AT se teve de pronunciar “sobre a situação do contribuinte, dispondo dos elementos necessários para proferir uma decisão com pressupostos correctos” e omitiu esse dever, deixando que se formasse indeferimento tácito. (Ibidem, p. 52. Cfr. também a jurisprudência aí referenciada.)
Em concordância com tal interpretação e dado que, no caso, a impugnante só em 27/4/2007 requereu a revisão oficiosa do acto de liquidação (ocorrido no ano de 2003), havemos de concluir que a respectiva tutela do direito a juros indemnizatórios sobre o indevidamente pago só deverá ser reconhecida a partir da data em que se formou o indeferimento tácito daquele pedido (6 meses após 27/4/2007 – cfr. art. 57º da LGT na redacção à data, anterior à introduzida pela Lei nº 64-B/2011).
E, assim, a sentença recorrida, que condenou a Fazenda Pública ao pagamento de juros indemnizatórios desde 29/4/2003 e até efectivo pagamento da quantia de 1.367.476,55 Euros, não pode, nesta parte, manter-se, pois que os mesmos são devidos apenas a partir daquela data em que se formou o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa.

DECISÃO
Nestes termos acorda-se em, dando parcial provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida no segmento em que condenou a Fazenda Pública no pagamento de juros indemnizatórios desde 29/4/2003 até 27/4/2008, julgando-se agora que os mesmos são devidos apenas a partir da data do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa formulado em 27/4/2007 pela impugnante, até integral pagamento da quantia de 1.367.476,55 Euros e apenas nessa medida se condenando a Fazenda Pública.
Custas pela recorrente e pela recorrida (que contra-alegou), na proporção do respectivo decaimento.

Lisboa, 18 de Janeiro de 2017. – Casimiro Gonçalves (relator) – Francisco Rothes – Aragão Seia.