Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01106/13
Data do Acordão:01/22/2014
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:DULCE NETO
Descritores:RECURSO POR OPOSIÇÃO DE ACÓRDÃOS
Sumário:Não se verifica oposição de julgados quando se verifica que o acórdão recorrido e o acórdão fundamento recaíram sobre situações fácticas distintas, que levaram à apreciação de questões jurídicas diversas situadas em vertentes diferentes dos princípios e regras jurídicas do ónus da prova, e que influenciaram decisivamente a solução adoptada num e noutro aresto.
Nº Convencional:JSTA000P16918
Nº do Documento:SAP2014012201106
Data de Entrada:06/26/2013
Recorrente:A... E OUTRA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. A………………… E B………………, com os demais sinais dos autos, recorrem para o Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul em 20/12/2012, no processo n.º 03410/09, invocando oposição entre ele e os seguintes três acórdãos: do TCA Norte de 3/05/2008, no processo nº 00209/08.9MDL, do TCA Norte de 18/03/2010, no processo nº 00219/05.8BEBRG, e do STA de 24/03/2004, no processo nº 023/04.

1.1. Por despacho do Exmº Juiz Desembargador Relator foram os Recorrentes notificados para eleger apenas um acórdão fundamento de entre os três indicados (cfr. fls. 326), tendo eles, nessa sequência, vindo nomear como acórdão fundamento aquele que foi proferido pelo TCA Norte de 18/03/2010, no processo nº 00219/05.8BEBRG (cfr. fls. 329).

1.2. O Exmº Juiz Desembargador Relator determinou o prosseguimento dos termos do recurso por entender que se podia efectivamente verificar a invocada oposição entre o acórdão recorrido e o eleito como acórdão fundamento, tendo os Recorrente aduzido alegações que remataram com as seguintes conclusões:

1. A posição dominante na jurisprudência dos Tribunais Superiores é a de que cabe à Administração o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação.

2. No caso do acórdão recorrido, o Douto Tribunal veio considerar que cabia aos Impugnantes provar que o “dinheiro não caiu do céu”, quando, à luz do princípio referido na conclusão anterior, cabia à Administração provar passe a expressão, “de onde esse dinheiro tinha caído”.

3. Apesar de resultar claro da decisão de 1ª instância, suportada na apreciação da prova apresentada pelas partes, a insuficiência dessa mesma prova quanto à origem do direito à correspondente qualificação dos “rendimentos” objecto de tributação.

4. Assim, o acórdão proferido está em manifesta oposição com a doutrina emergente, entre outros, do acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte, de 18 de 2010, no âmbito do processo nº 00219/05.8BEBRG.

Nestes termos, deve o Douto Tribunal apreciar as contradições e oposições entre o Acórdão recorrido - proferido no âmbito do Processo nº 03410/09 - e Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte, de 18 de Março de 2010, no âmbito do Processo nº 00219/05.8BEBRG de forma a apurar o seguinte:

· A quem pertencia o ónus de provar se o montante de € 847.936,43 (170.000.000$00) pode ser qualificado como um proveito tributável a coberto do disposto no art. 5º nº 1 e 2 alínea p) do Código do IRS; e,

· Concluindo que esse ónus pertencia à Administração, anular a decisão constante do acórdão do Tribunal Central Administrativo, em face da insuficiência da prova, como ficou demonstrado na apreciação do caso pelo Tribunal de 1ª Instância e, dessa forma, anulando, nos termos do art. 100º do CPPT o acto tributário de liquidação.

1.4. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.5. O Digno Magistrado do Ministério Público emitiu o douto parecer de fls. 359/361, no sentido de que deveria julgar-se findo o recurso, por inexistir identidade de situações de facto e de decisões opostas expressas. «Na verdade, enquanto que no acórdão fundamento o TCAN considerou que a AT não cumpriu o ónus da prova da sua actuação, demonstrando a existência do rendimento que esteve na génese da liquidação com consequente anulação da liquidação, no acórdão recorrido, o TCAS considerou que se mostram provados os pressupostos da tributação do montante/rendimento em causa, cujo recebimento está, plenamente, provado, em IRS, o que implica que a AT cumpriu o ónus da prova da correcção efectuada, mantendo, em consequência o acto tributário na ordem jurídica.». Para o caso de assim não ser entendido, defendeu que deveria revogar-se o acórdão recorrido pelas razões aduzidas em 1ª instância pelo Ministério Público.

1.6. Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Conselheiros Adjuntos, cumpre decidir em conferência do Pleno da Secção.

2. O presente recurso tem por base a oposição do acórdão proferido pela Secção de Contencioso Tributário do TCA Sul de 20/12/2012, no proc. nº 03410/09 (acórdão recorrido) com o acórdão proferido pela Secção de Contencioso Tributário do TCA Norte em 18/03/2010, no proc. nº 00219/05.8BEBRG (acórdão fundamento).

Apesar de o Exmº Juiz Conselheiro Relator do acórdão recorrido ter proferido despacho em que reconhece a alegada oposição de acórdãos, importa reapreciar se a mesma se verifica, pois tal como tem sido reiteradamente afirmado pela jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, que aqui nos dispensamos de enumerar por tão exaustiva, essa decisão não faz caso julgado e não impede ou desobriga o Tribunal de recurso de a apreciar, em conformidade com o disposto no artigo 687º, n.º 4, do Código de Processo Civil.

Está em causa um recurso por oposição de acórdãos interposto em processo de impugnação judicial instaurado em 17/11/2006, ao qual é, assim, aplicável o ETAF de 2002, pelo que o seu conhecimento, tendo em conta o regime previsto no art. 27.º, n.º 1, alínea b), do ETAF, art. 152.º, n.º 1, alínea a), do CPTA e art. 284.º do CPPT, depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos legais:

· que se verifique contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito;

· que não ocorra a situação de a decisão impugnada estar em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do STA.

E como também tem sido repetidamente dito pelo Pleno desta Secção, relativamente à caracterização da questão fundamental de direito sobre a qual deve existir contradição de julgados, devem adoptar-se os critérios já firmados no domínio do ETAF de 1984 e da LPTA para detectar essa contradição, e que são os seguintes:

- identidade da questão de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto, o que supõe situações de facto substancialmente idênticas;

- que não tenha havido alteração substancial na regulamentação jurídica;

- que se tenha perfilhado, nos dois arestos, soluções opostas e que tal oposição decorra de decisões expressas, não bastando a pronúncia implícita ou a mera consideração colateral tecida no âmbito da apreciação de questão distinta.

Vejamos, então, se no caso ocorrem os enunciados requisitos legais, começando pela verificação da existência de contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito.

O acórdão recorrido debruçou-se sobre a sentença que anulara na totalidade o acto de liquidação de IRS relativa ao ano de 2001 efectuada na sequência de duas correcções à declaração anual de rendimentos apresentada por A…………….. e mulher B…………….., correcções que se fundaram na posição assumida pela administração tributária, após realização de acção inspectiva interna, no sentido de que nessa declaração fora omitido o rendimento de € 872.896,32 auferido pelo contribuinte marido a título de adiantamento por conta de lucros, bem como o rendimento de 847.956,32 auferido a título de outros rendimentos derivados da simples aplicação de capitais, ambos tributáveis em sede de IRS [Categoria E], nos termos do estatuído no art. 5º, nº 2, alíneas h) e p), do CIRS.

Nesse acórdão foi concedido parcial provimento ao recurso (interposto pela Fazenda Pública) e revogada a sentença na parte referente à julgada ilegalidade da correcção/acréscimo de € 847.956,32 aos rendimentos tributáveis dos impugnantes, por se ter concluído que se incorrera em erro de julgamento ao ter-se julgado ilegal essa correcção com base no entendimento, expresso na sentença, de que apesar de estar provado que o impugnante recebera esse rendimento, ele não lograra provar o que alegara sobre a sua proveniência, e que um non liquet quanto à proveniência/natureza desse rendimento deveria conduzir à anulação da liquidação, em conformidade com o disposto no art. 100º do CPPT.

Segundo o acórdão, estando comprovada a existência dessa vantagem económica para a esfera patrimonial do impugnante - correspondente ao valor monetário de rendimento efectivamente percebido, procedente de bens com natureza mobiliária - e não se podia ter dito, como se disse na sentença, que ocorre um non liquet, «porquanto a supra apontada grande amplitude da operada regra de incidência se nos apresenta legitimante da tributação, em cédula de IRS, Categoria E, de um rendimento como o versado, cuja existência e titularidade não merecem discussão, só sendo inviável apontar a concreta fonte do mesmo, em resultado das particularidades, que envolvem a situação tributária do impugnante marido, longamente descritas no relatório da inspeção tributária e atos procedimentais conexos.
Queremos com isto significar que determinante é a constatação de ter sido auferido, pelo contribuinte, o rendimento em causa, o qual, mesmo que proveniente de atos ilícitos, traduz elemento bastante para, regra geral, motivar a incidência de IRS – cfr. art.1º nº 1 CIRS.
Por fim, entendemos que nenhuma ilegalidade encerra considerar o valor total dos aludidos movimentos financeiros como equivalente ao montante da vantagem económica auferida pelos impugnantes e correspondentes rendimentos de capitais, auferidos no ano de 2001, no pressuposto de que da prova produzida, neste processo, não emerge dúvida fundada sobre a quantificação, nessa medida, do facto tributário.».

Em suma, na situação analisada no acórdão recorrido, a administração tributária demonstrara que em 2001 o contribuinte recebera de terceira pessoa o rendimento de € 847.956,43, e, por sua vez, este não demonstrara, como alegara, que esse rendimento tinha na sua génese contratos de mútuo, pelo que se julgou inexistente qualquer dúvida ou um non liquet quanto à existência de facto tributário legitimante da correcção e da tributação, e se manteve o acto de liquidação na parte correspondente.

Já no acórdão fundamento estava em causa um acto de liquidação de IRS de 1999 que teve na sua génese uma correcção aos rendimentos declarados pelo contribuinte por virtude de a administração tributária ter considerado que, nesse ano, ele havia auferido € 42.587,37 a título de rendimentos de categoria B - profissionais - [art. 3º, nº 1, al. b) do CIRS], dado que no exercício de actividade que exercia a título independente (liquidatário judicial) auferira rendimentos por «conceder preferência na venda da massa falida das empresas em Processo de Falência (para o qual estava nomeado), recebendo comissões e outras importâncias por contrapartida desse favorecimento».

Todavia, na sentença que constituía o objecto deste recurso, não fora dado como provado que o impugnante havia recebido comissões ou outras contrapartidas por esse favorecimento, não se tendo, aliás, provado esse ou qualquer outro facto «susceptível de integrar a previsão abstracta da norma de incidência tributária que serviu de fundamento jurídico ao acto de liquidação de imposto aqui impugnado», sendo que, segundo o acórdão recorrido, «constitui um juízo meramente conclusivo que comporta uma valoração jurídica evidente, dizer-se, como fez a sentença recorrida, “que o Impugnante recebeu a quantia de 42.578.37€, de rendimentos provenientes da categoria B de IRS.».

Razão por que se conclui, no acórdão, que «estando em causa uma liquidação de IRS efectuada com base na norma do artigo 3º do CIRS importava que, em sede de procedimento tributário e ainda que cessada a presunção de verdade das declarações fiscais dos Recorrentes, a administração tivesse desenvolvido uma actividade instrutória da qual resultasse a prova dos factos subsumíveis a essa norma, nomeadamente, factos que permitissem concluir, não só que o Recorrente marido auferiu os rendimentos que administração alega ter auferido, mas que o fez no exercício, por conta própria, de uma actividade de prestação de serviços, pois só deste modo estariam reunidos os pressupostos legais da actuação administrativa.
Neste contexto, afigura-se-nos, ao contrário do que decidiu o tribunal a quo, que a administração, quer no procedimento tributário, quer no processo judicial, não logrou alegar nem provar de modo minimamente sustentado os pressupostos de facto da sua actuação, ou seja e no caso, a existência do facto tributário implicante da liquidação do imposto e, como assim, não poderá essa liquidação, por isso que é ilegal, manter-se na ordem jurídica.».

Em suma, na situação analisada no acórdão fundamento, a administração tributária não demonstrara que o contribuinte auferira o apontado rendimento de € 42.587,37, razão por que o TCAN julgou que não se encontrava revelado qualquer facto tributário legitimante de tributação. E uma vez que pertencia àquela o ónus de prova da verificação dos pressupostos legais da sua actuação, consubstanciada na evidenciação da existência de facto tributário necessário para a alteração dos rendimentos declarados, concluiu, perante as regras do ónus da prova contidos no art. 74º da LGT, que se impunha anular a liquidação.

Constata-se, assim, que o acórdão recorrido e o acórdão fundamento recaíram sobre situações fácticas distintas, que levaram à apreciação de questões jurídicas diversas situadas em vertentes diferentes das regras jurídicas do ónus da prova, e que influenciaram decisivamente a solução adoptada num e noutro aresto:

· no acórdão recorrido, a questão fundamental de direito reconduzia-se a saber se, tendo a administração cumprido o ónus de prova que lhe incumbia, de demonstrar que o contribuinte auferira um rendimento não declarado, e não tendo este provado o que alegara quanto à proveniência/natureza desse rendimento para efeitos de exclusão da tributação nos moldes pretendidos pela administração, devia ou não concluir-se pela existência de fundada dúvida ou de um non liquet conducente à anulação da liquidação, em conformidade com o disposto no art. 100º do CPPT;

· no acórdão fundamento, a questão fundamental de direito reconduzia-se a saber se, não tendo a administração cumprido o ónus de prova que lhe competia, de demonstrar que o contribuinte auferira um rendimento não declarado, devia a liquidação ser anulada por falta de cumprimento desse pressuposto de tributação, em conformidade com o disposto no art. 74º da LGT.

Não há, pois, oposição entre os dois arestos susceptível de ser dirimida mediante recurso fundado em oposição de acórdãos, pelo que este deve ser considerado findo, em conformidade com o disposto no nº 5 do artigo 284º do CPPT.

3. Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA em julgar findo o recurso.

Custas pelos recorrentes.

Lisboa, 22 de Janeiro de 2014. – Dulce Manuel da Conceição Neto (relatora) – João António Valente Torrão Joaquim Casimiro GonçalvesIsabel Cristina Mota Marques da SilvaJosé da Ascensão Nunes LopesFrancisco António Pedrosa de Areal Rothes Pedro Manuel Dias Delgado.