Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0839/11
Data do Acordão:02/06/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Descritores:REVISÃO DO ACTO TRIBUTÁRIO
LEGITIMIDADE DO SUBSTITUTO TRIBUTÁRIO
RESPONSABILIDADE DO SUBSTITUTO TRIBUTÁRIO
Sumário:I - Se perante o desenvolvimento lógico-jurídico da sentença (no sentido de ser aplicável à impugnante o regime de exclusão de responsabilidade tributária à luz do art.º 90.º-A n.º 6 do CIRC por força da apresentação, no ano de 2007, do certificado de residência da entidade que beneficiou dos rendimentos em 2002), acabou por perder utilidade e relevância processual o conhecimento da questão da violação do principio da legalidade por a Administração estar a exigir, em 2002 e 2003, através de Circulares, a apresentação num determinado prazo de um certo modelo de certificação dessa residência, deve considerar-se como prejudicado o conhecimento desta questão, o que obsta à verificação da nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
II - Os mecanismos ou formas procedimentais que a lei prevê para efectivar a limitação ou exclusão do imposto por força do accionamento de uma CDT – “Reembolso” formulado pela entidade beneficiária dos rendimentos (substituído) e “Redução na fonte” formulado pela entidade obrigada a proceder à retenção (substituto), nada têm a ver com as garantias impugnatórias (graciosas e contenciosas) de legalidade que a ordem jurídica confere a ambos, de forma a poderem obter a eliminação da ordem jurídica de uma liquidação que reputem de ilegal por violação de norma de incidência tributária contida numa CDT.
III - O facto de não terem sido accionados os referidos mecanismos de efectivar a limitação ou exclusão do imposto, nem terem sido impugnados (administrativa ou judicialmente) as respectivas liquidações nos termos e prazos previstos na lei (art.º 132º do CPPT), não obsta à posterior dedução de pedido de revisão oficiosa dessas liquidações nos termos e prazos previstos no art.º 78º da LGT, pois que o dever de a Administração Tributária efectuar a revisão existe em relação a todos os tributos e formas de liquidação.
IV - Apesar de a revisão do acto tributário com fundamento em erro imputável aos serviços dever ser efectuada pela Administração por sua própria iniciativa, o contribuinte pode pedir que ela cumpra esse dever dentro dos limites temporais em que ela o pode exercer. E o indeferimento, expresso ou tácito, do pedido pode ser impugnado contenciosamente pelo contribuinte (art. 95.º, nºs 1 e 2, al. d), da LGT).
V - O substituto tributário dispõe de legitimidade procedimental e processual para reclamar graciosamente e depois impugnar judicialmente os actos de liquidação de imposto por retenção na fonte que repute de ilegais, pois que tratando-se de um sujeito passivo da relação jurídica de imposto (art.º 18.º, n.º 3 da LGT), tanto o art.º 9.º, n.º 1 e 4 do CPPT como o art.º 26.º do CPC, lhe conferem essa legitimidade, e nisso tem interesse digno de tutela jurídica.
VI - Esta legitimidade é extensiva ao pedido de revisão dos actos tributários prevista no art.º 78º da LGT e ao sequente processo de impugnação judicial deduzido contra o acto de indeferimento desse pedido.
VII - Embora o conceito de “erro imputável aos serviços” aludido na 2ª parte do n.º 1 do 78.º da LGT não compreenda todo e qualquer “vício” (designadamente vícios de forma ou procedimentais) mas tão só “erros”, estes abrangem o erro nos pressupostos de facto e de direito, sendo essa imputabilidade aos serviços independente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na emissão do acto afectada pelo erro.
VIII - Com a entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2008 (Lei n.º 67-A/2007, 31.12), o art.º 90.º-A do CIRC passou a prever a possibilidade de afastamento da responsabilidade tributária do substituto pela totalidade do imposto quando, apesar de não dispor do certificado de residência da entidade beneficiária dos rendimentos à data em que reteve e entregou o imposto nos cofres do Estado, o obtenha posteriormente. E o n.º 4 do art.º 48.º dessa Lei determinou a aplicação retroactiva deste regime de exclusão da responsabilidade tributária do substituto a todas situações anteriores à entrada em vigor da norma, independentemente de já ter sido efectuada a liquidação do imposto, exceptuando somente os casos em que tenha havido lugar ao pagamento do imposto e (cumulativamente) não esteja pendente reclamação, recurso hierárquico ou impugnação, isto é, os casos em que o acto se firmou definitivamente na ordem jurídica.
IX - Encontram-se reunidas as condições para essa aplicação retroactiva quando à data da entrada em vigor da norma (1/01/2008) já se encontrava pendente pedido de revisão oficiosa do acto de liquidação do imposto formulado pelo substituto tributário com vista à sua eliminação da ordem jurídica, pelo que apesar de o imposto ter sido pago, o acto de liquidação ainda não se podia considerar como definitivamente firmado na ordem jurídica.
X - O desaparecimento do acto de liquidação por força da procedência de impugnação judicial impõe à Administração o dever de reconstituir a situação jurídica hipotética que existiria caso não tivesse sido praticado o acto anulado. Tal inclui a restituição da quantia que ao contribuinte foi indevidamente exigida e que ele satisfez, e o pagamento de juros indemnizatórios nos casos previstos no art.º 43.º da LGT.
XI - Se o contribuinte não reclamou graciosamente contra a liquidação ilegal nem a impugnou judicialmente nos termos e prazos previstos no CPPT, pedindo apenas, posteriormente, a revisão oficiosa do acto nos termos da 2ª parte do n.º 1 do art.º 78º da LGT, e se o acto é anulado em sede de impugnação judicial deduzida contra o indeferimento desse pedido de revisão, os juros indemnizatórios serão apenas os devidos depois de decorrido um ano após a iniciativa do contribuinte em sede de revisão oficiosa, em conformidade com o disposto na alínea c) do n.º 3 do art.º 43º da LGT, e não desde a data do desembolso da quantia liquidada.
Nº Convencional:JSTA00068099
Nº do Documento:SA2201302060839
Data de Entrada:09/22/2011
Recorrente:A..., S.A.
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:MAIORIA COM 1 VOT VENC
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF LEIRIA
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT
Legislação Nacional:CIRC ART90 N4 ART90-A N7 REDACÇÃO LEI 67-A DE 2007/12/31.
LGT98 ART78.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0362/09 DE 2009/09/09.; AC STA PROC0653/05 DE 2005/10/06; AC STA PROC0842/11 DE 2012/06/14.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1. A……, S.A., com os demais sinais dos autos, recorre da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que julgou improcedente a impugnação judicial que deduziu contra o acto de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa de três actos de liquidação de IRC por retenções na fonte à taxa prevista no direito interno português (15%), no montante total de € 30.207,19, e que, como substituto tributário, liquidou em 24/09/2003, retenções que derivaram dos rendimentos que durante o ano de 2002 colocou à disposição de entidade não residente no território português (B……., sediada na França) a título de comissões por intermediação em contratos e prestações de serviços.
1.1. Terminou a sua alegação de recurso com as seguintes conclusões:

I. As CDT definem o âmbito de tributação entre os respectivos Estados, bem como os requisitos substanciais da limitação da retenção, competindo ao direito interno de cada Estado definir requisitos de ordem formal;

II. No ordenamento nacional, os requisitos formais das obrigações acessórias para efeitos da aplicação das CDT estavam, à época dos factos, previstos nas Circulares nºs 1/72, 3/96 e 18/99;

III. Mas tais Circulares não constituem direito interno e apenas vinculam a Administração Fiscal, nos termos do artigo 112.º da CRP;

IV. O princípio da legalidade tributária (cfr. artigo 8.º da LGT) determina que só a Assembleia da República ou o Governo por aquela autorizado, pode fixar os elementos essenciais dos imposto, bem como definir o fundamento da actuação da Administração Fiscal e os critérios de decisão nos casos concretos;

V. Assim, a definição das obrigações acessórias está sujeita a uma reserva de lei e, como tal, a exigência dos certificados de residência, nos termos acima descritos, teria que estar expressamente prevista num diploma legal emanado pela Assembleia da República ou pelo Governo, o que não sucedeu;

VI. Além do mais, o certificado de residência fiscal em apreço constitui um mero acto com efeitos declarativos e, por conseguinte, um reconhecimento dos pressupostos para a aplicação das CDT, consubstanciando um benefício fiscal, na acepção do n.º 2 do artigo 2.º do EBF;

VII. Assim, nos termos do artigo 12.º do EBF, os efeitos dos benefícios fiscais reconhecidos devem retroagir à data da verificação dos respectivos pressupostos, mesmo que este reconhecimento estivesse dependente de um reconhecimento declarativo pela Administração Fiscal;

VIII. Deste modo, tendo em conta o acima exposto e no âmbito de aplicação das CDT celebradas por Portugal, relativamente às situações ocorridas anteriormente à entrada em vigor daquele regime, afigurava-se como bastante, como prova para efeitos do conceito de residência fiscal, tal como está estabelecido no artigo 4.º da CDT em apreço, a posse de certificado de residência, devidamente emitido e carimbado pelas autoridades fiscais do país das entidades beneficiárias dos rendimentos em causa, independentemente da data da sua emissão.

IX. O Tribunal a quo não se pronunciou sobre a questão da violação do princípio da legalidade tributária, como a tal se encontra obrigado, nos termos do n.º 2 do artigo 660º do CPC;

X. E a violação dessa obrigação determina a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 668.º do CPC;

XI. No caso em apreço, a B……, entretanto, logrou obter o certificado de residência aqui em questão, relativo ao ano de 2002, devidamente certificado pelas autoridades fiscais competentes (conforme Doc. 19 da p.i.);

XII. Pelo que, atendendo ao anteriormente exposto, deveria considerar-se que, no pedido de revisão de acto tributário, estavam preenchidos os pressupostos formais e substanciais com a aplicação da CDT celebrada entre Portugal e França e, consequentemente, não existia a obrigação de retenção na fonte sobre os rendimentos pagos à B……;

XIII. E, por conseguinte, a A……. tem direito à restituição do montante de € 30.207,19, por indevidamente entregue nos cofres do Estado, com todas as consequências legais, por violação do princípio da legalidade tributária, nos termos acima invocados.

XIV. A douta sentença recorrida por não se pronunciar sobre a questão do princípio da legalidade tributária, que determinaria a ilegalidade das retenções aqui em crise, incorre no vício de omissão de pronúncia, e, por conseguinte, deve ser declarada nula, nos termos conjugados do n.º 2 do artigo 660º e da alínea d) do n.º 1 do artigo 668º, ambos do CPC.

XV. Se assim não se entender, e sem prescindir,

XVI. As conclusões resultantes do referido procedimento inspectivo ao exercício de 1999 geraram na esfera jurídica da A…… uma confiança legítima de que a retenção na fonte à taxa de 15% dos rendimentos em apreço era o procedimento adequado e legal;

XVII. Nos termos acima expostos, verificamos que tal procedimento não corresponde ao correcto, nem tão pouco àquele que emana das próprias circulares da Administração Fiscal, pelo que esta tinha a obrigação de conhecer e de concluir de maneira diferente;

XVIII. Não o tendo feito criou na Recorrente a legítima expectativa de que estava a proceder de acordo com a lei,

XIX. E, consequentemente, violou o princípio da colaboração (cfr. artigo 59.º da LGT e artigo 48.º do CPPT), bem como o princípio da boa-fé (cfr. n.º 2 do artigo 266.º da CRP e artigo 6.º-A do CPA, ex vi alínea c) do artigo 2.º da LGT e alínea d) do artigo 2.º do CPPT);

XX. Assim, a actuação da Administração Tributária, acima descrita, foi ilegal porquanto teve na sua base um procedimento que viola os deveres procedimentais de colaboração e de actuação segundo as regras de boa fé, o que consiste num vício autónomo de violação de lei, e, por conseguinte, devem as retenções aqui em crise serem consideradas indevidas;

XXI. Deste modo, podemos concluir que a douta sentença recorrida incorre em erro de julgamento, pois o Tribunal a quo, em primeiro lugar, equivoca as informações vinculativas do artigo 68º da LGT com as conclusões finais da inspecção tributária, e, em segundo lugar, não relevou devidamente as consequências das conclusões da inspecção tributária ao ano de 1999 na esfera da A……. para os anos subsequentes quanto à possibilidade de dispensa total das retenções na fonte em apreço;

XXII. Consequentemente, deve o presente recurso ser julgado procedente e revogada a douta sentença da Meritíssima Juíza “a quo”, e, em consequência, o pedido subjacente à impugnação judicial interposta pela Recorrente deve ser julgado procedente, entre o mais, deve ser restituída à A……. a quantia de € 30.207,19, por indevidamente entregues nos cofres do Estado, com todas as consequências legais;

XXIII. Se assim não se entender, e sem prescindir,

XXIV. Após a apresentação do pedido de revisão do acto tributário em apreço, foi publicada a nova redacção do artigo 98º do Código do IRC, com a aprovação da LOE 2008;

XXV. Resulta de tal alteração que a responsabilidade do substituto tributário, in casu, a A……., enquanto entidade pagadora de rendimentos auferidos por entidades não residentes, pela entrega do imposto que deveria ter sido deduzido nos termos da lei, é afastada quando o próprio “substituto tributário [A…….] comprove (...) a verificação dos pressupostos para a dispensa total ou parcial de retenção” ainda que depois do termo do prazo estabelecido para a entrega do imposto;

XXVI. No caso em apreço, encontra-se afastada a responsabilidade prevista no n.º 6 do artigo 98º do Código do IRC, dado que a A……. dispõe dos certificados, embora obtidos posteriormente, que comprovam a verificação dos pressupostos para a dispensa da retenção e interpôs o competente pedido de revisão do acto tributário;

XXVII. Nestes termos, a questão em crise no presente pedido de revisão do acto tributário, foi expressamente visada pelo legislador na LOE 2008 já aprovada e publicada, com entrada em vigor no passado dia 1 de Janeiro de 2008, bem como consagrada no Ofício-circulado n.º 20.121, de 7 de Abril de 2008, da Direcção de Serviços das Relações Internacionais;

XXVIII. Assim, o novo regime é aplicável ao presente caso, uma vez que não foi apresentado pedido de reembolso e a A……, na qualidade de substituta tributária, apresentou, em sede de pedido de revisão de acto tributário, a prova legalmente exigida da verificação dos pressupostos necessários à limitação do imposto retido na fonte,

XXIX. Já que efectuou a prova de que a aludida obrigação de retenção na fonte, respeitante aos rendimentos obtidos por não residentes em território nacional, não existe, quando, por força de uma CDT celebrada com Portugal, a competência para a tributação dos rendimentos auferidos pelo residente do outro Estado contratante não seja atribuída ao Estado da fonte;

XXX. Tendo provado que, no caso em apreço, a B……. está sediada em França, país com o qual Portugal celebrou uma CDT, em vigor desde 18 de Novembro de 1972,

XXXI. Através da apresentação de um certificado de residência fiscal, nos termos do conceito estabelecido no artigo 4.º da mesma CDT, devidamente comprovado pelas autoridades competentes do respectivo Estado da residência;

XXXII. O Tribunal a quo, por seu lado, incorreu em erro de julgamento ao não ter aplicado o regime previsto no n.º 6 do artigo 98º do Código do IRC, de acordo com o regime transitório do n.º 4 do artigo 48º da LOE 2008,

XXXIII. E, assim, ter aceite que o substituto tributário comprove a verificação dos pressupostos para a dispensa total da retenção, nomeadamente, a residência fiscal da B……., ainda que em momento posterior ao termo do prazo estabelecido para a entrega do imposto que deveria ter sido deduzido;

XXXIV. Além do mais, o facto de ter havido pagamento do imposto não obsta à restituição do montante indevidamente pago, nos termos do n.º 4 do artigo 48.º da LOE 2008;

XXXV. Assim, podemos concluir que o novo regime introduzido pela Lei n.º 65-A/2007, de 31 de Dezembro, que alterou o artigo 98º do Código do IRC, produz efeitos no caso em apreço e, assim sendo, encontra-se afastada a responsabilidade prevista no n.º 6 do artigo 98º do Código do IRC, pois a Recorrente dispõe dos certificados, embora obtidos posteriormente, que comprovam a verificação dos pressupostos para a dispensa da retenção e interpôs o competente pedido de revisão do acto tributário e como tal, não existia a obrigação de retenção na fonte sobre os rendimentos pagos à B…….;

XXXVI. Deste modo, podemos concluir que a douta sentença recorrida incorre em erro de julgamento, pois o Tribunal a quo, na interpretação e aplicação dos nºs 6 e 7 do artigo 98º do Código do IRC, não admite a hipótese consagrada pela redacção do n.º 6 do artigo 98º do Código do IRC, dada pela LOE 2008, aplicável aos factos em apreço, de acordo com o estabelecido no Ofício-circulado n.º 20.131, de 7 de Abril de 2008, da Direcção de Serviços das Relações Internacionais, do substituto tributário, in casu A……., de fazer a prova da residência fiscal da entidade beneficiária do rendimento, após o prazo estabelecido para a entrega do imposto que deveria ter sido deduzido,

XXXVII. Bem como o Tribunal a quo vem admitir que o pagamento das retenções em apreço pelo substituto tributário (A…….) obsta à aplicação do regime do n.º 6 do artigo 98.º do Código do IRC;

XXXVIII. Consequentemente, deve o presente recurso ser julgado procedente e revogada a douta sentença da Meritíssima Juíza “a quo”, e, em consequência, o pedido subjacente à impugnação judicial interposta pela Recorrente deve ser julgado procedente, entre o mais, deve ser restituída à A……. a quantia de € 30.207,19, por indevidamente entregues nos cofres do Estado, com todas as consequências legais.


1.2. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.3. O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto junto deste Tribunal não emitiu parecer.

1.4. Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Conselheiros Adjuntos, cumpre decidir.

2. Na sentença recorrida deu-se por assente a seguinte factualidade:

1. As liquidações de IRC em crise neste processo foram emitidas como documentos de cobrança nºs. 42420836766, 42420836758 e 42420836618 – Cfr. fls. 93 a 95 do PA.

2. Os Serviços de Inspecção Tributária da Direcção Distrital de Finanças de Santarém procederam a exame à escrita da empresa “A……., SA”, N.I.P.C. …….., com sede em ………, ora Impugnante, em sede de IRC, IRS e IVA, em resultado do qual foi elaborado, em 07.07.2003, o relatório de inspecção junto aos autos de fls. 24 a 75 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.

3. No mesmo relatório foi decidido, por despacho de 21.07.2003, proceder, entre outras, a correcções aritméticas à matéria colectável referente a IRC de 1999 e 2000, por se não verificarem retenções por pagamentos a não residentes, nomeadamente a não retenção na fonte à taxa de 20% sobre os “juros” pagos ao “Banco Credit Lyonnais Grenoble”, nos termos da alínea d) do nº 2 do art. 69º do CIRC e a não retenção na fonte à taxa de 15% sobre as “prestações de serviços” pagos à “C……”, nos termos da alínea f) do nº 2 do art. 69º do CIRC - Cfr. relatório de inspecção - fls. 24, 27, 47 e 50 do processo administrativo (PA).

4. A Impugnante foi notificada deste relatório, bem como dos fundamentos das aludidas correcções através do Ofício nº 6820, de 23.07.2003 dos Serviços de Inspecção Tributária, consubstanciadas nas notas de liquidação n2s 8310015118, de 14.08.2003 e 6420001677, 6420001678, ambas de 06.08.2003 - Cfr. fls. 89 a 91 do PA.

5. Em 24.09.2003, a Impugnante pagou as liquidações referidas em 1., nos montantes de € 2.454,30, € 1.497,00 e de € 26.255,89, no total de € 30.207,19, a título de “comissões por intermediação em quaisquer contratos e prestações de serviços”, em sede de IRC, por serviços prestados pela B……. nos anos de 2001 e 2002 - Cfr. fls. 93 a 95 do PA e fls. 23 a 32 dos autos.

6. Em 24.08.2007, na sequência do pedido de aplicação da convenção para evitar a dupla tributação celebrada entre Portugal e França (mod.12-RFI), aos rendimentos respeitantes a 2002, a “B……”, beneficiário efectivo dos rendimentos, obteve a certificação da sua residência pelas autoridades fiscais do Estado Francês - Cfr. fls. 86 a 88 do PA.

7. Em 17.09.2007, a Impugnante deduziu pedido de revisão do acto tributário junto da Direcção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento, com o propósito de obter a anulação destes pagamentos e obter a restituição do imposto indevidamente pago - Cfr. fls. 117 a 129 dos autos.

3. Os actos tributários em discussão nos presentes autos decorreram de imposto (IRC) retido na fonte pela Impugnante (“A……”) e que esta entregou nos cofres do Estado em 24/09/2003, relativamente a rendimentos que no ano de 2002 colocou à disposição de entidade não residente no território português (“B…….”, sediada em França) a título de “comissões por intermediação em contratos e prestações de serviços”, e cuja anulação a Impugnante solicitou em 17.09.2007 à Administração Tributária através de pedido de revisão oficiosa desses actos, tendo em conta que o imposto fora liquidado à luz do direito interno português (taxa de 15%), sem atenção pelas normas contidas na Convenção para evitar a dupla tributação em matéria de imposto sobre o rendimento celebrada entre Portugal e a França (abreviadamente CDT) em vigor desde 18.11.1972.

Tendo o pedido de revisão sido tacitamente indeferido, foi deduzida a presente impugnação judicial contra esse acto de indeferimento, onde a Impugnante advoga, em síntese, o seguinte:

− estando a entidade beneficiária dos rendimentos sediada em França, país com o qual Portugal celebrou a CDT que atribui competência exclusiva de tributação ao Estado de residência da beneficiário (art. 7º) quando comprovada essa residência pelas autoridades fiscais do Estado da residência (art. 4º), há-de constituir prova bastante da verificação dos pressupostos do direito à exclusão de tributação em Portugal a posse actual do certificado de residência, independentemente da data da sua emissão;

− Em 2002 e 2003 os requisitos formais das obrigações acessórias para efeitos de aplicação das CDT estavam apenas previstos em Circulares, pois só a Lei do Orçamento do Estado para 2003 (Lei n.º 32-B/2002, de 31.12) veio consagrar, por via legislativa, os requisitos formais de cuja observância dependia o accionamento das taxas convencionais de retenção na fonte. Segundo essas Circulares, os certificados de residência deveriam ser emitidos até ao termo do prazo estabelecido para a entrega do imposto, mas dado que elas não constituem direito interno, a relevância que atribuem aos certificados emitidos naquele prazo viola o princípio da legalidade vertido no art.º 103º da CRP e no art.º 8.º da LGT;

− dispondo a Impugnante do aludido certificado desde 24.08.2007, altura em que a “B……” obteve a certificação da sua residência pelas autoridades fiscais do Estado francês, isto é, dispondo desse documento à data do pedido de revisão que formulou em 17.09.2007, a Administração Tributária devia ter anulado as liquidações e restituído à Impugnante o imposto por si indevidamente retido na fonte e entregue nos cofres do Estado;

− o disposto no art. 90º-A do CIRC, na redacção dada pela Lei nº 65-A/2007, de 31.12 (Lei do Orçamento de Estado para 2008), de aplicação retroactiva, afasta a responsabilidade da Impugnante pelo imposto, enquanto substituto tributário, por já deter o certificado de residência referente ao ano em que colocou os rendimentos à disposição da “B…….” (ano 2002) e por se encontrarem preenchidos todos os demais pressupostos para essa exclusão de responsabilidade, pois apesar de ter pago o imposto, formulou pedido de revisão contra os actos de liquidação e deduziu impugnação judicial contra a decisão de indeferimento tácito do pedido;

− a actuação da Administração é ilegal, por violação de deveres procedimentais decorrentes do princípio da colaboração (art. 59º, nº. 3, al. c) da LGT) e da actuação segundo as regras da boa fé, pois deveria ter informado a Impugnante, na altura da acção inspectiva que levou a cabo no ano de 2002, de que a obtenção dos certificados de residência obviaria à liquidação e ao pagamento espontâneo do montante de retenção na fonte aqui em apreço.

A sentença recorrida julgou improcedente a impugnação com base na argumentação de que, por um lado, não tendo esta concreta situação sido objecto de análise e fiscalização na acção inspectiva levada a cabo pela Administração Tributária (AT), não poderiam os referidos princípios da colaboração e da actuação de boa fé ter sido violados. Por outro lado, não obstante ter considerado que a nova redacção dos arts. 90º e 90º-A do CIRC, introduzida pela LOE para 2008, se aplica de forma retroactiva ao caso sub judice, por força do disposto no nº 4 do art. 48º desta Lei, julgou que a Impugnante carecia de legitimidade para accionar os mecanismos de reembolso junto da AT e solicitar a anulação e reembolso das liquidações respeitantes ao imposto que reteve, ao que acresceria o facto de não se verificar qualquer erro dos serviços, porquanto à data em que efectuou as liquidações a AT desconhecia que se verificavam os pressupostos para se abster de tributar os rendimentos colocados à disposição da “B…….” no ano de 2002.

É contra esta decisão que se insurge a Impugnante, ora Recorrente, invocando a nulidade da sentença por omissão de pronúncia (conclusões I a XIV) e o erro de julgamento em matéria de direito na análise das questões decididas nessa peça processual (conclusões XV a XXII e XVIII a XXXVII).

3.1. Da nulidade da sentença por omissão de pronúncia.

Invoca a Recorrente a nulidade da sentença com fundamento no disposto no art.º 668.º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil, por falta de pronúncia sobre a questão da violação do princípio da legalidade tributária contido no art.º 8.º da LGT, e que evocara na perspectiva de que na altura da retenção na fonte o ordenamento nacional não previa os requisitos formais das obrigações acessórias para efeitos da aplicação das CDT, que encontravam previsão apenas em circulares, as quais, não constituindo direito interno, somente vinculavam a Administração Tributária. Como tal, e dado que por força do citado princípio, a definição das obrigações acessórias se encontra sujeita a uma reserva de lei, a exigência de apresentação do certificado de residência emitido num certo prazo e segundo um determinado formulário teria que estar prevista num diploma legal emanado pela Assembleia da República ou pelo Governo, o qual não existia na altura.
Vejamos.

Por força do disposto no art.º 668.º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil e do art.º 125º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.

Tal nulidade está directamente relacionada com o dever que é imposto ao juiz, pelo art.º 660.º nº 2 do Código de Processo Civil, de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e de não poder ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.

Assim, embora o julgador não tenha que analisar todas as razões ou argumentos que cada parte invoca para sustentar o seu ponto de vista, incumbe-lhe a obrigação de apreciar e resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, isto é, todos os problemas concretos que haja sido chamado a resolver no quadro do litígio (tendo em conta o pedido, a causa de pedir e as eventuais excepções invocadas), ficando apenas exceptuado o conhecimento das questões cuja apreciação e decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras.
No caso vertente, é certo que a Impugnante invocara a violação do princípio da legalidade na dimensão supra referida, e a sentença não se pronunciou sobre a questão, limitando-se a enunciar o teor das instruções administrativas que na altura existiam sobre a forma de efectivar a limitação de tributação do Estado Português por força das Convenções para Evitar a Dupla Tributação, e a afirmar que «para accionar as convenções é necessário o cumprimento de determinados formalismos previstos em dispositivos avulsos, geralmente Circulares emitidas pelas administrações tributárias dos Estados Contratantes. (...)
Tais procedimentos formais encontravam-se então previstos na Circular nº 18/99, de 7 de Outubro da Direcção de Serviços dos Benefícios Fiscais e no Ofício Circulado nº 20016, de 29.09.1999.
De acordo com a referida Circular, tratando-se de imposto liquidado por retenção na fonte, como sucede no presente caso, a limitação do imposto depende de um requisito de fundo, que o beneficiário efectivo dos rendimentos seja residente de Estado Contratante diferente daquele de que procedem os rendimentos na data em que ocorreu o facto constitutivo da obrigação da sua entrega, o que será confirmado pelas respectivas autoridades tributárias do Estado da residência; e de um requisito formal, que esse beneficiário solicite em tempo oportuno a limitação em formulário próprio, devidamente certificado pelas autoridades tributárias competentes do Estado da residência.».

E nada mais tendo decidido sobre o valor jurídico dessas circulares, poderia concluir-se, numa primeira leitura, que a sentença padecia de nulidade por ausência de pronúncia sobre a equacionada questão da violação do princípio da legalidade.

Contudo, logo depois, o Mmº Juiz concluiu que por força do disposto no n.º 4 do art.º 90.º e nos ns.º 5 e 6 do art.º 90.º-A do CIRC, na redacção dada pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12 (LOE/2008), se deve considerar afastada a responsabilidade do substituto tributário que não tenha feito a prova da residência da beneficiária dos rendimentos até ao termo do prazo estabelecido para o pagamento do imposto, caso ele prove posteriormente os pressupostos para a dispensa total ou parcial da retenção. E estando esta exclusão de responsabilidade prevista para as situações anteriores à entrada em vigor da nova redacção destes preceitos legais (excepto se tiver havido pagamento do imposto e não esteja pendente reclamação, recurso hierárquico ou impugnação, conforme o disposto no art.º 48.º, n.º 4, da Lei n.º 67-A/2007) – ela seria aplicável ao caso vertente.

Deste modo, face à adopção desta posição jurídica sobre o regime de exclusão da responsabilidade do substituto tributário previsto no art.º 90.º-A n.º 6 do CIRC, na redacção dada pela Lei n.º 67-A/2007, por força da posterior apresentação (em 2007) do certificado de residência da entidade beneficiária do rendimento – posição que condiz, aliás, com a orientação jurisprudencial consolidada pelo STA e explicitamente citada na sentença – e face à sua aplicação, pelo julgador, ao caso vertente, perdeu utilidade e relevância processual o conhecimento da questão relativa à violação do principio da legalidade por falta de apresentação em 2002 do formulário de certificação de residência cuja apresentação aquelas Circulares exigiam em determinado prazo.

Ou seja, o desenvolvimento lógico-jurídico da sentença tornou desnecessária a pronúncia sobre aquela questão, cujo conhecimento se deve, assim, considerar como prejudicado.

O caso em apreço é, pois, de manifesta prejudicialidade e, consequentemente, inexiste a apontada nulidade.

3.2. Do erro de julgamento em matéria de direito.

Como se viu, a sentença recorrida sufragou o entendimento de que, face às as regras contidas na CDT celebrada entre Portugal e a França, a tributação dos rendimentos que a Impugnante colocou à disposição da “B…….” no ano de 2002 só podia ter lugar no país de residência desta entidade (art.º 7.º) e que a verificação desse pressuposto de exclusão de tributação em Portugal dependia da prova da residência em França da “B…….”, a qual, uma vez feita, não podia deixar de retroagir os seus efeitos à data da ocorrência dos factos tributários gerados com o pagamento dos rendimentos. Além de que a Lei n.º 67-A/2007 (LOE/2008) veio determinar, no n.º 4 do seu art. 48º, a aplicação retroactiva do regime por ela introduzido nos arts. 90º n.º 4 e 90º-A n.º 6 do CIRC, pelo que embora a falta de apresentação do certificado de residência até ao termo do prazo estabelecido para a entrega do imposto tenha provocado a obrigação de o substituto tributário efectuar a retenção de imposto, obrigação que foi cumprida pela Impugnante, a lei permite o afastamento dessa responsabilidade do substituto tributário caso ele comprove posteriormente a verificação dos pressupostos para a dispensa de retenção. E conclui afirmando que «a nova redacção daqueles preceitos introduzida pela LOE de 2008 se aplica, de forma retroactiva, ao caso sub judice, de acordo com o seu nº 4 do art.48º, pois, apesar do imposto ter sido pago, encontrava-se, na altura da entrada em vigor dessa LOE pendente o pedido de revisão do acto tributário apresentado pela Impugnante em 17.09.2007.»
Apesar disso, e de ter ponderado que em 24.08.2007 a “B……” obteve a certificação das autoridades fiscais do Estado francês de que era aí residente no ano de 2002, passando a Impugnante a deter o respectivo documento certificativo dessa residência, o Mmº Juiz acabou por julgar improcedente a impugnação com o argumento de que o reembolso do imposto indevidamente retido na fonte só «pode ser solicitado pelas entidades beneficiárias dos rendimentos - no caso, a “B…….” - no prazo de dois anos contados a partir do termo do ano em que se verificou o facto gerador do imposto quando, tal como sucedeu no presente caso, não tenha sido efectuada a prova nos prazos e condições estabelecidos.
Com efeito, a prova a que a “B…….” estava sujeita a fazer perante a Impugnante (entidade que se encontrava obrigada a efectuar a retenção na fonte) deveria ter ocorrido até ao termo do prazo estabelecido para a entrega do imposto que deveria ter sido deduzido, ou seja, 20.11.2002, 20.08.2002 e 20.07.2002 para as três liquidações aqui em crise. Tal não sucedeu, pois a “B…….” só obteve tal prova, somente, em 24.08.2007, aquando da certificação da sua residência pelas autoridades fiscais francesas.
Todavia, mesmo excedido tal prazo, ainda, assim, a “B…….”, entidade beneficiária do rendimento, poderia solicitar o reembolso do imposto retido na fonte no prazo de dois anos, contados a partir do termo do ano em que se verificou o facto gerador do imposto, ou seja, 31.12.2001 e 31.12.2002, mediante a apresentação de um formulário de modelo aprovado pelo Ministro das Finanças e, quando necessário, de outros elementos que permitam aferir a legitimidade do reembolso (art. 90º-A, nº 7 na redacção da Lei nº 67-A/2007, de 31/12).
Ora, a Impugnante, enquanto entidade que se encontrava obrigada a efectuar a retenção na fonte, carece de legitimidade para solicitar o reembolso do imposto retido, competindo apenas à “B…….” fazê-lo através dos enunciados procedimentos.
Na verdade, afigura-se que a Impugnante carece de legitimidade quer para accionar os mecanismos de reembolso junto da Administração Fiscal, quer para solicitar a anulação das liquidações respeitantes ao imposto retido e ao seu correspondente reembolso em sede judicial.
Acresce que a Administração se limitou a efectuar as liquidações relativas à retenção na fonte de IRC dos serviços prestados pela “B…….” à Impugnante num momento em que ainda não se sabia, perante a prova apresentada, que se verificavam os pressupostos para se abster de tributar os rendimentos do ano de 2002 (por força da Convenção destinada a eliminar a dupla tributação) e, assim, o facto tributário subjacente existia quer em relação ao ano de 2001, quer ao ano de 2002, não se verificando qualquer erro dos serviços.
Em tais termos improcede a alegada inexigibilidade do tributo.».

Isto é, acabou por julgar improcedente a impugnação judicial por ter considerado, por um lado, que a Impugnante, enquanto substituto tributário, carecia de legitimidade para accionar os mecanismos de reembolso do imposto junto da AT e solicitar a anulação das liquidações respeitantes ao imposto retido e correspondente reembolso em sede judicial, e, por outro, que inexistiu erro dos serviços na realização das liquidações relativas à retenção na fonte, porque a AT não sabia, perante a prova existente na altura, que se verificavam os pressupostos para se abster de tributar os rendimentos à luz da CDT Portugal/França.

Todavia, e salvo o devido respeito, o Mmº Juiz laborou em erro, já que não está aqui em causa um pedido de reembolso pela entidade beneficiária dos rendimentos, mas um pedido de revisão dos actos de liquidação pelo substituto tributário, com vista à sua anulação com fundamento em vício de violação de normas constantes da CDT e consequente devolução do imposto que indevidamente reteve e entregou nos cofres do Estado.

Só ao procedimento administrativo de “Reembolso” solicitado pela entidade beneficiária dos rendimentos é aplicável o citado prazo de «dois anos contados a partir do termo do ano em que se verificou o facto gerador do imposto, mediante a apresentação de um formulário de modelo aprovado pelo Ministro das Finanças e, quando necessário, de outros elementos que permitam aferir a legitimidade do reembolso», em conformidade com o disposto no n.º 7 do art.º 90º-A do CIRC, e que constitui a via administrativa que essa entidade tem ao seu dispor para obter o reembolso do imposto excedente aos limites fixados pelas Convenções, o qual corre pela Direcção de Serviços dos Benefícios Fiscais.

Com efeito, as formas administrativas que a lei prevê para efectivar a limitação ou exclusão de imposto português por força do accionamento de uma CDT – “Reembolso” formulado pela entidade beneficiária( Esta é uma forma ou processo administrativo de a entidade beneficiária dos rendimentos accionar a limitação ou a exclusão da tributação por parte do Estado Português, e que pressupõe que o imposto foi calculado e já pago segundo as taxas de imposto decorrentes do direito interno português, sem atenção pelas disposições da Convenção. Este processo corre sempre na Direcção de Serviços dos Benefícios Fiscais, mediante a apresentação de determinado formulário devidamente certificado pelas autoridades tributárias do Estado da residência da entidade beneficiária efectiva dos rendimentos, para restituição da parte do imposto excedente ao limite fixado pelas Convenções.

) e “Redução na fonte” formulado pela entidade obrigada a proceder à retenção( Esta é uma forma ou processo administrativo de limitação do imposto português por redução na fonte quando a liquidação é efectuada pela entidade pagadora dos rendimentos, e que é accionada antes da entrega do imposto nos cofres do Estado Português. Neste processo, a entidade credora dos rendimentos apresenta determinado formulário/modelo, que depois de devidamente preenchido e confirmado pelas competentes autoridades tributárias do Estado em que reside, é entregue ao devedor dos rendimentos português antes de este proceder à entrega do imposto nos cofres do Estado.) - , nada têm a ver com a possibilidade de posterior recurso à via impugnatória (administrativa e/ou judicial) para anulação de uma liquidação que se repute de ilegal por violação de norma de incidência tributária contida numa CDT.

Deste modo, apesar de a lei estabelecer que a entidade beneficiária dos rendimentos deve fazer prova perante o substituto tributário «até ao termo do prazo estabelecido para a entrega do imposto que deveria ter sido deduzido nos termos das normas legais aplicáveis» do preenchimento de todos os pressupostos enunciados no n.º 2 do art.º 90º-A do CIRC (e que contempla o dever de provar a sua residência fiscal através da apresentação de formulário aprovado por despacho do Ministro das Finanças certificado pelas autoridades competentes do Estado de residência), o certo é que o facto de isso não acontecer no aludido prazo só conduz à obrigação de o substituto tributário fazer a retenção do imposto à luz da lei interna portuguesa, como, de resto, aconteceu no caso vertente.

O facto de o substituto tributário ter efectuado essa retenção, por não dispor, na altura da entrega do imposto, do certificado de residência da entidade beneficiária, por esta não lho ter facultado, não obsta, porém, a que esse substituto possa vir, dentro dos prazos legais de impugnação administrativa ou contenciosa, sindicar a legalidade da liquidação de imposto que indevidamente reteve, já que dispõe de interesse directo nessa demanda e dispõe de legitimidade para o efeito.

Relativamente à questão da legitimidade do substituto tributário, esta Secção do STA já deixou explicado, no acórdão proferido em 9/09/2009, no Proc. n.º 362/09, que ele tem legitimidade procedimental e processual para reclamar e depois impugnar as retenções na fonte que repute ilegais, pois que tratando-se de um sujeito passivo da relação jurídica de imposto (art.º 18.º, n.º 3 da LGT), tanto o art.º 9.º, n.º 1 e 4 do CPPT como o art.º 26.º do CPC, lhe conferem essa legitimidade e tem nisso interesse digno de tutela jurídica, dado que pode ser responsabilizado, perante o Fisco e o substituído, pelas consequências da ilegalidade que cometeu na liquidação das retenções.
Como ali se deixou dito e aqui se deixa reafirmado, «É inequívoco, resultando literalmente do n.º 3 do artigo 18.º da LGT, que o “substituto” tributário é sujeito passivo da relação jurídica de imposto, como o são, nos termos do mesmo preceito, o “contribuinte directo” e o “responsável”», sendo que «para efeitos de legitimidade, a lei tributária não estabelece uma coincidência necessária entre a qualidade de sujeito passivo da relação jurídica de imposto e a de parte legítima no processo tributário, pois que o artigo 9.º do CPPT recorta a legitimidade não sobre a posição de sujeito passivo na relação jurídica de imposto mas sobre a de “contribuinte”, para logo de seguida aí incluir também, além da administração tributária, o Ministério Público e a Fazenda Pública, os substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes nos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido (cfr. os números 4 e 1 do artigo 9.º do CPPT, sob a epígrafe “Legitimidade”).
Assim dispõe em geral a lei tributária quanto à legitimidade, parecendo “mais generosa” até na atribuição de legitimidade para o procedimento e o processo tributário que a norma que sobre a matéria se contém no artigo 26.º do Código de Processo Civil, que pressupõe a titularidade de um interesse directo em demandar, expresso na utilidade derivada da procedência da acção, e que é conferida, na falta de indicação da lei em contrário, aos sujeitos da relação controvertida. (...)»
«Na substituição tributária em sentido próprio (a título definitivo ou liberatória), como a que está em causa nos autos e constitui a regra para os rendimentos auferidos por não residentes em Portugal (mesmo em IRC, nas situações de rendimentos devidos a entidades não residentes sem estabelecimento estável em território português), a lei põe a cargo do “substituto” o cumprimento da generalidade dos deveres tributários - de liquidação, declarativos, de entrega do imposto retido -, interessando-se pelo “substituído”, o verdadeiro titular da capacidade contributiva onerada pelo imposto, somente no caso de não ter sido efectuada a retenção legalmente devida e apenas a título subsidiário (cfr. o artigo 28.º, n.º 1 e 3 da LGT), pois que lhe é mais simples e cómodo demandar o “substituto” que o “substituído”, sendo isso especialmente verdade quando este seja um “não residente” (...), e a retenção na fonte a título definitivo tem vantagens em termos de comodidade para o Fisco e o substituído (não as tendo, apenas, para o substituto).
Não pode, pois, afirmar-se sem mais que, ao menos nos casos de verdadeira e própria substituição tributária, que o “substituto” apenas é prejudicado quando haja entregue imposto superior ao retido, pois que é igualmente responsável, perante o Estado, mas também perante o “substituído” (como alegado e necessariamente resultante das regras da responsabilidade civil), quando haja cometido ilegalidades na liquidação, quer estas ilegalidades se traduzam na retenção de quantias superiores ou inferiores às devidas, quer se traduzam na retenção de quantias indevidas, quer ainda quando consistam em atrasos na retenção a que está obrigado, pois por todas elas responde exclusivamente ou em primeira linha (cfr. o artigo 28.º da LGT), inclusivamente no plano contra-ordenacional (cfr. o artigo 114.º, n.º 4 e n.º 5 alínea a) do RGIT.
Mas se assim é, não se vê como negar que lhe assista um interesse directo em demandar uma ilegal liquidação por retenções na fonte, não apenas nos casos de entrega de imposto superior ao retido mas em todos os outros em que prove ter interesse em demandar, interesse esse que há-de presumir-se pois é sujeito passivo da relação tributária e equiparado a contribuinte para efeitos de legitimidade tributária – cfr. os artigos 18.º, n.º 3 da LGT, 9.º, n.º 1 e 4 do CPPT e 26.º do CPC), assim lhe permitindo que possa, quanto antes, desencadear o processo destinado a expurgar da ordem jurídica eventuais ilegalidades cometidas na liquidação das retenções na fonte e a que por erro deu causa, sendo este seu interesse indubitavelmente digno da tutela do Direito, já que da ilegalidade da liquidação decorrem consequências não menosprezáveis para a sua esfera patrimonial.
Estas são razões suficientemente fortes para que, de harmonia com o princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva (artigo 268.º, n.º 4 da Lei Fundamental), que assegura a impugnabilidade de todos os actos lesivos, se lhe tenha de reconhecer legitimidade para a reclamação e posterior impugnação da retenção na fonte, não apenas no caso expressamente previsto no n.º 1 do artigo 132.º do CPPT mas em todos os outros em se lhe reconheça utilidade derivada da procedência da acção, legitimidade que se há-de presumir no caso, como o dos autos, em que a própria lei lhe reconhece a posição de sujeito passivo da relação jurídica tributária (cfr. o n.º 3 do artigo 18.º da LGT) e o equipara ao contribuinte para efeitos de legitimidade procedimental e processual (cfr. o artigo 9.º, n.º 1 e 4 do CPPT).».

Esta legitimidade é extensiva ao pedido de revisão dos actos tributários, prevista no art.º 78º da LGT, que visa a eliminação da ordem jurídica do respectivo acto tributário, bem com ao sequente processo de impugnação judicial deduzido contra o acto de indeferimento desse pedido.

Na verdade, constitui jurisprudência há muito pacífica, constante e consolidada no STA, que apesar de não ter sido deduzida reclamação administrativa contra o acto de liquidação nos termos da 1ª parte do n.º 1 do art.º 78° da LGT, o interessado pode ainda solicitar à administração tributária a revisão oficiosa do acto ao abrigo da 2ª parte desse n.º 1, que regula a revisão de actos tributários por iniciativa da Administração com fundamento em erro imputável aos serviços, a deduzir no prazo de quatro anos contados da liquidação (ou, no caso o tributo não ter sido pago, a todo o tempo) - Cfr., entre tantos outros, os Acórdãos de 20/03/2002, no Proc. n.º 26.580; de 19/11/2003, no Proc. n.º 1181/03; de 17/12/2002, Proc. n.º 1182/03; de 29/10/2003, no Proc. n.º 462/03; de 02/04/2003, Proc. n.º 1771/02; de 20/07/2003, no Proc. n.º 945/03; de 30/01/2002, no Proc. 2nº 6.231; de 28/11/2007, no Proc. 0532/07; de 21/01/2009, no Proc. 0771/08; de 22/03/2011, no Proc. n.º 109/10; de 14/03/2012, no Proc. n.º 1007/11 e de 14/06/2012, no Proc. n.º 842/11.

Como se deixou sumariado no Acórdão proferido em 6/10/2005, no Proc. n.º 653/05, I - Mesmo depois do decurso dos prazos de reclamação graciosa e de impugnação judicial, a Administração Tributária tem o dever de revogar actos de liquidação de tributos que sejam ilegais, nas condições e com os limites temporais referidos no art. 78.º da LGT. II - O dever de a Administração efectuar a revisão de actos tributários, quando detectar uma situação de cobrança ilegal de tributos, existe em relação a todos os tributos, pois os princípios da justiça, da igualdade e da legalidade, que a administração tributária tem de observar na globalidade da sua actividade (art. 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT), impõem que sejam oficiosamente corrigidos, dentro dos limites temporais fixados no art. 78.º da LGT, os erros das liquidações que tenham conduzido à arrecadação de quantias de tributos que não são devidas à face da lei. III - A revisão do acto tributário com fundamento em erro imputável aos serviços deve ser efectuada pela Administração tributária por sua própria iniciativa, mas, como se conclui do n.º 7 (anterior n.º 6) do art. 78.º da LGT, o contribuinte pode pedir que seja cumprido esse dever, dentro dos limites temporais em que Administração tributária o pode exercer. IV - O indeferimento, expresso ou tácito, do pedido de revisão, mesmo nos casos em não é formulado dentro do prazo da reclamação administrativa mas dentro dos limites temporais em que a Administração tributária pode rever o acto com fundamento em erro imputável aos serviços, pode ser impugnado contenciosamente pelo contribuinte [art. 95.º, nºs 1 e 2, alínea d), da LGT].

Trata-se de um regime reforçadamente garantístico, quando comparado com o regime de impugnação de actos administrativos, e que encontra explicação na natureza fortemente agressiva dos actos de liquidação de tributos para a esfera jurídica dos contribuintes.

E embora o conceito de “erro imputável aos serviços” aludido na 2ª parte do n.º 1 do 78.º da LGT não compreenda todo e qualquer “vício” (designadamente vícios de forma ou procedimentais) mas tão só “erros”, estes abrangem não só o erro material e o erro de facto, como, também, o erro de direito ou erro nos pressupostos de facto e de direito, sendo essa imputabilidade aos serviços independente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na emissão do acto afectada pelo erro - Cfr. a jurisprudência consolidada no STA e que se encontra plasmada, entre outros, nos Acórdãos de 06/02/2002, no Proc. n.º 26.690; de 05/06/2002, no Proc. n.º 392/02; de 12/12/2001, no Proc. n.º 26.233; de 16/01/2002, no Proc. n.º 26.391; de 30/01/2002, no Proc. n.º 26231; de 12/11/2009, no Proc. n.º 681/09; de 22/03/2011, no Proc. n.º 1009/10; de 14/06/2012, no Proc. n.º 842/11; e de 14/03/2012, no Proc. n.º 1007/11.

E não se trata de um poder de rever ou não o acto tributário, mas de uma actividade de natureza vinculada, estando a Administração obrigada a decidir o pedido de revisão oficiosa impulsionada pelo contribuinte por força do preceituado no art.º 55.º, n.º 1, da LGT, sendo que, por força do nº 2 do art.º 78º da LGT, se tem de considerar como imputável aos serviços, para efeitos de revisão dos actos tributários, o próprio erro na autoliquidação.

No caso vertente, à data da retenção na fonte e termo do prazo para entrega do imposto, a entidade beneficiária ainda não facultara à Impugnante o certificado da sua residência, pelo que esta ficou legalmente obrigada a reter e a entregar nos cofres do Estado o imposto devido à luz do direito interno português, obrigação que cumpriu. Todavia, tendo aquela entidade obtido posteriormente o aludido certificado de residência, no modelo/ formulário que a legislação fiscal portuguesa definiu a partir da entrada em vigor da Lei n.º 32-B/2002, de 31.12, e que entregou à Impugnante em 24.08.2007, esta de imediato solicitou à AT a revisão oficiosa do acto de liquidação, exibindo, para o efeito, o referido documento.

Ora, com a entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2008 (Lei n.º 67-A/2007, 31.12), o art.º 90.º-A do CIRC passou a prever a possibilidade de afastamento da responsabilidade do substituto tributário pela totalidade do imposto quando, não obstante não dispor do certificado de residência à data em que o imposto retido deve ser entregue nos cofres do Estado, o venha a obter posteriormente. E o n.º 4 do art.º 48.º dessa Lei determinou a aplicação retroactiva deste novo regime de exclusão da responsabilidade do substituto a todas situações anteriores à entrada em vigor da norma, independentemente de já ter sido efectuada a liquidação do imposto, exceptuando somente os casos em que, tendo havido lugar ao pagamento do imposto, não esteja pendente reclamação, recurso hierárquico ou impugnação.

Assim, e como muito bem se deixou explicado no Acórdão que esta Secção proferiu em 14/06/2012, no Proc. n.º 842/11, «a excepção contemplada naquela norma do Orçamento do Estado para 2008, visa impedir apenas que o contribuinte se exima da responsabilidade tributária quando não tenha lançado mão de processo impugnatório e tenha efectuado o pagamento do imposto, i.e., nas situações em que o acto se firmou na ordem jurídica, o que significa que basta que não se verifique uma daquelas circunstâncias cumulativas, para que funcione o princípio geral de dispensa de responsabilidade pelo imposto (...).
Interpretamos, pois, a excepção legal como querendo salvaguardar apenas as situações já consolidadas em que houve lugar ao pagamento e não houve reclamação, recurso hierárquico ou impugnação da liquidação, não pretendendo o preceito beneficiar os que não pagaram em prejuízo dos que o fizeram ou prejudicar os que cumpriram o dever de pagamento mas contestaram a legalidade da liquidação.
Assim, entendemos a excepção legal à aplicação retroactiva do novo regime como excluindo apenas do seu âmbito os casos em que, tendo havido pagamento, não foi sindicada a legalidade da liquidação, não se encontrando abrangidos pela excepção os casos, como o dos autos, em que à data do pedido de revisão (...) não tinha ainda havido pagamento (...).».

Em suma, o afastamento da responsabilidade tributária do substituto de efectuar a retenção de IRC quando o beneficiário dos rendimentos não lhe apresenta, até ao termo do prazo estabelecido para entrega do imposto, o necessário certificado de residência, é de aplicação retroactiva, excepto se tiver havido lugar ao pagamento do imposto e não estiver pendente reclamação, recurso hierárquico ou impugnação.

E sendo de aplicação retroactiva, esta disposição tem aplicação ao caso do autos, uma vez que constitui um reconhecimento explícito de que é ilegal a imputação de responsabilidade ao substituto quando se comprove a verificação dos pressupostos substantivos para a dispensa total ou parcial de retenção, mesmo que essa comprovação venha a ser feita depois do momento em que a retenção deva ser, e seja efectivamente, realizada.

O que se compreende, na medida em que a prova documental de residência não constitui um requisito “ad substantiam”, mas um requisito “ad probationem”, um mero acto de reconhecimento dos pressupostos materiais/substantivos de limitação ou exclusão de tributação contidos nas Convenções, com vista a habilitar a Administração Fiscal a confirmar a sua existência. Ou seja, o que na verdade releva é a efectiva verificação dos pressupostos substantivos, e, no caso em apreço, o certificado de residência, ainda que só apresentado tardiamente, em sede de pedido de revisão, atesta o necessário, reportando-se ao ano em que os rendimentos foram pagos ou colocados à disposição da entidade beneficiária (2002), tendo sido emitido pela autoridade fiscal respectiva, fazendo, por isso, a prova da verificação dos pressupostos materiais de exclusão de tributação contidos na CDT entre Portugal e a França.

Neste contexto, tendo a Impugnante instruído o pedido de revisão oficiosa da liquidação, já pendente em Janeiro 2008, com o certificado de residência da beneficiária no modelo/formulário imposto pela legislação fiscal portuguesa, impunha-se à AT proceder à revisão oficiosa da liquidação, por não se verificar a situação de exclusão do âmbito de aplicação retroactiva do n.º 6 do referido art.º 90.º-A do CIRC, estabelecido pelo n.º 4 do art.º 48.º da Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro.

E sempre seria de entender que a liquidação sindicada padecia de “erro imputável aos serviços”, pois que a lei, ao determinar a aplicação retroactiva do novo regime de limitação da responsabilidade do substituto tributário, nos termos previstos no n.º 6 do art.º 90º-A do CIRC, instituiu um reconhecimento explícito de que é ilegal a imputação de responsabilidade a esse substituto quando ele prove, ainda que tardiamente, a verificação dos pressupostos materiais para a dispensa total ou parcial de retenção – Cfr., neste sentido, a jurisprudência firme e pacífica do STA, vertida, entre outros, nos Acórdãos desta Secção de 28/10/2009, no Proc. n.º 477/09; de 5/05/2010, no Proc. n.º 1246/09; de 22/06/2011, no Proc. n.º 283/11; e o acórdão do Pleno da Secção de 24/02/2010, no Proc. n.º 732/09.

Deste modo, tendo a Impugnante comprovado os pressupostos de aplicação da dispensa de retenção na fonte, e visto que a eficácia retroactiva conferida à nova redacção do art. 90º-A do CIRC pelo art. 48° n.º 4 da Lei n.º 67-A/2007, também vincula a Administração Tributária à revisão oficiosa do acto tributário, praticado com violação das normas que regem a retenção de imposto na fonte, a pedido do sujeito passivo, no exercício de um poder-dever que exige a consonância da sua actuação com princípios constitucionais de legalidade, igualdade, justiça e boa fé (art. 266° nº2 da CRP), não se vislumbra por que razão persiste a Administração em manter as liquidações impugnadas, as quais enfermam de vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de direito, determinante da sua anulação.

Como assim, em razão de estatuição normativa superveniente, desapareceu da ordem jurídica o pressuposto de responsabilidade jurídico-tributária que conferiu legalidade à liquidação impugnada, pelo que se impõe a respectiva anulação.

O que justifica a revogação da sentença recorrida e a sua substituição por decisão de procedência da impugnação judicial, com a anulação do acto de indeferimento do pedido de revisão (objecto imediato do processo de impugnação) e dos actos de liquidação (objecto mediato do processo de impugnação), com o consequente dever de reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido praticado o acto ilegal (art. 100.º da LGT), o que implica o dever de devolução do imposto que foi retido e pago pela Impugnante.

O que nos leva à necessidade de apreciar o pedido de condenação da Administração ao pagamento de juros indemnizatórios formulado na petição inicial.

3.3. Do direito a juros indemnizatórios.
A Impugnante pede não só a restituição do imposto indevidamente pago como, também, que lhe sejam pagos juros indemnizatórios.
Vejamos.

O desaparecimento do acto tributário de liquidação, ainda que por força da procedência de impugnação judicial, impõe à Administração Tributária que reconstitua a situação jurídica hipotética que existiria caso não tivesse sido praticado o acto tributário anulado. Tal inclui, necessariamente, a restituição da quantia que ao contribuinte foi indevidamente exigida e que ele satisfez. E integra, ainda, essa reconstituição, o pagamento de juros indemnizatórios nos termos previstos no art.º 43.º da LGT, segundo o qual, «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» [n.º 1] e que são também devidos «Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária» [al. c) do n.º 3].

O que significa que quando a anulação da liquidação do tributo ocorra por via de um pedido de revisão oficiosa desencadeado pelo contribuinte, o legislador só lhe reconhece o direito a juros indemnizatórios quando, independentemente do tempo que decorreu desde o pagamento do tributo, a anulação do acto ocorre mais de um ano depois do momento em que o pedido foi efectuado. Isto é, os juros indemnizatórios, a serem devidos, deverão ser contabilizados a partir de um ano após o pedido de revisão efectuado pelo contribuinte.

E entende-se que assim seja, pois que se o contribuinte podia, com fundamento em erro imputável aos serviços, reclamar graciosamente da liquidação nos termos e prazos do nº 1 do artº 78º da LGT ou impugnar judicialmente a liquidação, tendo, em tal situação, direito aos juros indemnizatórios contados nos termos do nº 3 do artº 61º do CPPT (desde a data do pagamento do imposto indevido até à data da emissão da nota de crédito), se deixou passar esse prazo para reclamação e impugnação judicial e só veio a socorrer-se, mais tarde, do mecanismo da revisão oficiosa previsto no art.º 78º da LGT, imediatamente ficou sujeito às consequências deste mecanismo legal.

É, pois, inquestionável o direito a juros indemnizatórios, tendo em conta que a Administração Tributária tem deveres genéricos de actuação em conformidade com a lei (arts. 266.º, n.º 1, da CRP e 55.º da LGT), pelo que, independentemente da prova da culpa de qualquer das pessoas ou entidades que a integram, qualquer ilegalidade não resultante de uma actuação do sujeito passivo ou de terceiro será imputável a culpa dos próprios serviços.

Contudo, se o contribuinte não reclamou graciosamente contra essa liquidação ilegal nem a impugnou judicialmente no prazo previsto no art.º 102º do CPPT, pedindo apenas a revisão oficiosa do acto nos termos da 2ª parte do n.º 1 do art.º 78º da LGT, e se o acto é anulado em sede de impugnação judicial deduzida contra o indeferimento desse pedido de revisão, os juros indemnizatórios serão apenas os devidos depois de decorrido um ano após a iniciativa do contribuinte em sede de revisão oficiosa, em conformidade com o disposto na alínea c) do n.º 3 do art.º 43º da LGT, e não desde a data do desembolso da quantia liquidada – neste sentido, os acórdãos deste Secção do STA, proferidos em 6/07/2005, no Proc. n.º 560/05, em 17/05/2006, no Proc. n.º 16/06, em 24/05/06, no Proc. n.º 1155/05, em 15/11/06, no Proc. n.º 28/06, em 2/11/2006, no Proc. n.º 604/06, em 12/12/2006, no Proc. n.º 918/06, em 6/06/2007, no Proc. n.º 606/08, e em 15/12/2007, no Proc. n.º 1041/06.

Como se deixou dito no acórdão proferido no Proc. n.º 918/06, cuja doutrina sufragamos, «quando a Administração exceder o prazo de um ano para proceder à revisão oficiosa que o contribuinte requereu, mas vier a decidi-la favoravelmente, só paga juros indemnizatórios após esse ano. Mas, se o contribuinte se vir obrigado a recorrer ao tribunal para obter uma decisão, porque a Administração, dentro ou fora daquele prazo, não reviu o acto, este contribuinte não é tratado diferentemente daquele que obteve a mesma decisão favorável pela via administrativa depois de decorrido um ano. À semelhança do interessado cujo pedido de revisão teve desfecho favorável ditado pela Administração decorrido mais de um ano, também aquele a quem só foi dada razão no tribunal passado esse tempo são devidos os mesmos juros. É que, em qualquer dos casos, a demora de mais de um ano é imputável à Administração: ou porque tardou a decidir, ou porque decidiu em desfavor do contribuinte, vindo a mostrar-se, em juízo, que devia ter decidido ao contrário.
Na concepção da LGT, como se vê, os juros indemnizatórios relacionados com o desapossamento da quantia pecuniária que o contribuinte desembolsou por força de uma liquidação efectuada com erro imputável aos serviços são atribuídos se ele reclamar graciosamente ou impugnar judicialmente. O contribuinte tem o ónus de reclamar ou impugnar (a ele se refere o nº 2 do artigo 78º da LGT) e, não o fazendo, perde a possibilidade de obter indemnização automaticamente traduzida na atribuição de juros indemnizatórios, embora não perca de todo a possibilidade de recuperar o que pagou.
Por isso o seu artigo 100º só obriga a Administração ao pagamento de juros indemnizatórios «em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso», omitindo referência à revisão, apesar do que está previsto no anterior artigo 43º.
O que se justifica porque, esgotado o prazo para reclamação e impugnação, há uma estabilização dos actos de liquidação, ainda que não absoluta, pois sempre ficam de fora a hipótese de nulidade do acto, a todo o tempo invocável, e a de revisão, com um prazo alongado, a beneficiar, quer a administração, quer o sujeito passivo.
Mas, para efeitos de imediata atribuição de juros indemnizatórios, o que importa é aquele primeiro prazo: depois dele corrido na inércia do contribuinte nunca mais são atribuídos juros desde o pagamento do tributo indevidamente liquidado.».

Ou, como se deixou acentuado no acórdão proferido no Proc. n.º 1155/05, «Aqui, há, portanto, uma restrição, justificada pela inércia do interessado, que podendo ter obtido anteriormente a anulação do acto, nada fez, desinteressando-se temporariamente da recuperação do seu dinheiro. O direito a juros indemnizatórios é menos extenso, contando-se eles só passado um ano após o seu pedido, decerto por se considerar que todo o tempo decorrido desde o desembolso até esse pedido correu por conta do contribuinte que não reclamou nem impugnou, e que um ano é o prazo razoável para a Administração decidir o pedido de revisão e executar a sua decisão, quando favorável ao contribuinte.
Repare-se que, sendo a iniciativa da revisão da Administração, de acordo com a alínea b) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, também os juros indemnizatórios se não contam a partir do desembolso, o que se justifica, do mesmo modo, pela inércia do interessado. (...)
Pode pôr-se a questão de que, no caso em apreço, a recorrida, não obstante ter requerido a revisão do acto tributário, se viu forçada a recorrer ao tribunal face ao indeferimento daquele seu pedido por parte da Administração.
Também aqui, «à semelhança do interessado cujo pedido de revisão teve desfecho favorável ditado pela Administração decorrido mais de um ano, também aquele a quem só foi dada razão no tribunal passado esse tempo são devidos os mesmos juros. É que, em qualquer dos casos, a demora de mais de um ano é imputável à Administração: ou porque tardou a decidir, ou porque decidiu em desfavor do contribuinte, vindo a mostrar-se, em juízo, que devia ter decidido ao contrário» (v. acórdão de 2/11/06, no processo 604/06, desta Secção).
Donde se conclui que, pedida a revisão oficiosa do acto de liquidação e vindo o acto a ser anulado, ainda que só na impugnação judicial do indeferimento daquela revisão, os juros indemnizatórios são devidos apenas depois de decorrido um ano após a iniciativa do contribuinte, e não desde a data do desembolso da quantia liquidada.».

Aplicando esta doutrina ao caso vertente, dado que a Impugnante só apresentou em 24.09.2007 o pedido de revisão oficiosa do actos de liquidação do imposto que pagou em 24.09.2003, os juros indemnizatórios a que tem direito são apenas os devidos a partir de um ano após o pedido de revisão oficiosa formulado, isto é, a partir de 25/09/2008, até à data em que vier a ser emitida a respectiva nota de crédito.

4. Face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em:

- conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar procedente a impugnação judicial, anulando o acto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa e os actos de liquidação que constituíam o objecto desse pedido de revisão, com todas as consequência legais;
- condenar a Administração Tributária a pagar à Impugnante juros indemnizatórios calculados sobre o montante de imposto pago, a partir de um ano após o pedido de revisão oficiosa formulado até à data em que vier a ser emitida a respectiva nota de crédito.

Sem custas neste Supremo Tribunal Administrativo, por a Fazenda Pública não ter contra-alegado, e com custas na 1.ª instância pela Fazenda Pública.

Lisboa, 6 de Fevereiro de 2013. - Dulce Manuel Neto (relatora) - Lino Ribeiro (com voto de vencido) – Casimiro Gonçalves.


Recurso n° 839/11

Voto de vencido por três motivos:

(i) A exclusão da responsabilidade que o substituto tributário tem pelo pagamento da totalidade do imposto, quando não disponha até ao termo do prazo da sua entrega do certificado de residência fiscal, e que está prevista no n° 6 do artigo 90°-A do CIRC, só tem sentido quando o imposto ainda não foi pago e é exigido pela Administração Tributária. Se o pagamento foi efectuado, em cumprimento do n° 5 daquele artigo, apenas há «direito ao reembolso» a formular pela entidade beneficiária no prazo de dois anos e segundo o procedimento especial previsto nos n°s 7 a 9 daquele artigo. A existência deste procedimento de reembolso justifica-se, na medida em que não se trata de anular um acto tributário ilegal, uma vez que o pagamento do imposto é um acto exigido por lei, mas apenas porque se admite a apresentação posterior do certificado de residência. Daí que constitua uma duplicação desnecessária, e até inadequada, admitir-se o uso de procedimentos impugnatórios para a restituição do imposto que foi pago em tais circunstâncias.
(ii) O nº 4 do artigo 48° da Lei n° 67-A12007, de 31/12, que aplica retroactivamente o novo regime de exclusão de responsabilidade, exclui dessa aplicação as situações em que «tenha havido lugar ao pagamento do imposto e não esteja pendente reclamação, recurso hierárquico ou impugnação». Nesta excepção não se pode incluir a revisão por iniciativa da administração tributária (ainda que se entenda que a pedido do contribuinte) porque tal procedimento pode ser feito no prazo de 4 anos. Se ao fim de dois anos após o facto gerador do imposto o beneficiário do rendimento já não tem direito ao reembolso, como é que o substituto tributário, que não é o titular do crédito de imposto, pode pedi-lo ao fim de quatro? A razão de ser da excepção, que é afastar da exclusão de responsabilidade as situações já consolidadas por falta de impugnação num curto período de tempo, deixa de ter sentido quando se inclui no âmbito da norma a revisão oficiosa que pode ser efectuada muito para além do prazo de dois anos.
(iii) Por fim, com fundamento na ausência do certificado de residência fiscal, não se pode solicitar a ilegalidade da autoliquidação, seja qual for o procedimento usado, porque nesse caso a obrigação de pagar o imposto é um acto estritamente vinculado. A reclamação ou o pedido de revisão podem ser efectuados por ilegalidades que têm como consequência a anulação do acto primário. Mas, no caso de ausência de certificado de residência, a anulação da autoliquidação estaria em desconformidade com o n° 5 do art. 90°A do CIRC, pois, perante aquela ausência, o substituto tributário está obrigado a pagar a totalidade do imposto. No esquema da lei, o problema não é pois de invalidade da autoliquidação do imposto, mas sim de restituição do imposto pelo surgimento de um facto superveniente, que é a apresentação do certificado de residência fiscal. Perante esse facto, o único caminho a seguir é abrir o procedimento de reembolso.
Lino José Baptista Rodrigues Ribeiro.